Forum Sociológico

Neoliberalismo urbano no século XXI: da exclusão e lutas pelo direito à cidade

O neoliberalismo urbano e o direito das pessoas com deficiência ao usufruto à cidade

Resumo Este estudo examina os modos pelos quais o neoliberalismo gera transformações profundas e heterogêneas na organização do espaço urbano. Nesse contexto, a questão do direito à cidade se torna ainda mais proeminente, especialmente para grupos historicamente excluídos, como pessoas com deficiência. Logo, este artigo objetiva explorar, a partir de uma revisão bibliográfica e documental, as relações entre neoliberalismo, direito à cidade e as especificidades enfrentadas por pessoas com deficiência neste contexto. Para tal, inicialmente explora-se como a bibliografia sobre racionalidade neoliberal e urbanismo trata - ou silencia - sobre as particularidades socioculturais de pessoas com deficiência inseridas nos ambientes urbanos contemporâneos. Posteriormente, analisa-se alguns debates jurídicos e normativos acerca das três dimensões aqui destacadas, dando especial atenção para a legislação brasileira sobre o tema. Assim, este artigo almeja introduzir um agente relativamente renegado em estudos sobre neoliberalismo e direito à cidade, as pessoas com deficiência, apresentando a necessidade de levar em estes sujeitos em consideração para o delineamento de uma política urbana e social para além da perspectiva neoliberal e que seja, de fato, democrática.

Abstract This study examines the ways in which urban neoliberalism generates profound and heterogeneous transformations in the organization of urban space. In this context, the issue of the right to the city becomes even more prominent, especially for historically excluded groups, such as people with disabilities. Therefore, this article aims to explore, based on a biographical and documentary review, the relationships between neoliberalism, the right to the city and the specificities faced by people with disabilities in this context. To this end, we initially explore how the bibliography on neoliberal rationality and urbanism addresses - or is silent - about the sociocultural particularities of people with disabilities inserted in contemporary urban environments. Subsequently, some legal and normative debates regarding the three dimensions highlighted here are analyzed, paying special attention to Brazilian legislation on the topic. Thus, this article aims to introduce a relatively renegade agent in studies on neoliberalism and the right to the city, people with disabilities, presenting the need to take these subjects into consideration for the design of an urban and social policy beyond the neoliberal perspective and which is, in fact, democratic.

Uma análise sobre a construção teórica, reivindicação e o direito à cidade em Moçambique

Resumo O conceito do direito à cidade tornou-se uma reivindicação comum entre diferentes grupos sociais ao redor do mundo. Nos últimos anos, a apropriação simbólica deste conceito que foi originalmente criado através de uma reflexão teórica espalhou se para além do mundo acadêmico ganhando espaço público e reconhecimento entre os movimentos sociais. Atualmente, o direito à cidade é reivindicado por diversas razões, tais como o direito à habitação, transportes públicos e mobilidade de qualidade, defesa dos espaços públicos contra a privatização e liberdade de expressão. Este artigo, apoia-se na perspectiva de Henri Lefebvre sobre o “Direito à Cidade” e busca aprofundar o debate sobre o direito à cidade em Moçambique, incluindo o seu enquadramento teórico, apresentando os instrumentos legais da política urbana, destacando casos recentes de reivindicação do direito à cidade que mudaram seu significado e desafios para a sua adoção. O objetivo é avaliar como o direito à cidade pode ser utilizado como estratégia política de transformação social e seu potencial de reconhecimento institucional em Moçambique.

Abstract The concept of the right to the city has become a common demand among different social groups worldwide. In recent years, the symbolic appropriation of this concept, which was initially created through theoretical reflection, has spread beyond the academic world, gaining public space and recognition among social movements. Currently, the right to the city is claimed for several reasons, such as the right to housing, public transport and quality mobility, defence of public spaces against privatisation and freedom of expression. This article is based on the work of Henri Lefebvre on the “Right to the City”. It explores the concept of the right to the city in Mozambique, including its theoretical framework, presenting the legal instruments of urban policy, and highlighting recent cases of claiming the right to the city that have changed its meaning and challenges for its adoption. The objective is to evaluate how the right to the city can be used as a political strategy for social transformation and its potential for institutional recognition in Mozambique.

Saliência dá uma mão: a nova face dos movimentos sociais globais de squatters

Abstract This paper provides a conceptual theoretical review introducing an analysis of the political factors that influences the level of public support of squatters' social movements. Depending on the political thinking in vogue, certain issues are presented as being especially salient. For example, squatters should be moved on to enable urban regeneration. These issues provide the theoretical conceptual framework to discuss key concepts and relationships to analyse the societal perception of global squatters' social movements. The COVID-19 pandemic and the cost of living crisis were found to be significant factors. One of the conclusions to be drawn from this paper is that global squatters' social movements help to raise awareness of State absence or policy failure in critical resource allocation. The relevance of this work lies is the reminder of the link between empty properties, land banking, and homelessness.

Resumo Este artigo fornece uma revisão teórica conceptual que introduz a análise dos fatores políticos que influenciam o nível de apoio público aos movimentos sociais de squatters. Dependendo do pensamento político em voga num determinado momento, certas questões são apresentadas como especialmente salientes, por exemplo, os squatters deveriam ser transferidos para permitir a regeneração urbana. Esses tipos de questões fornecem a estrutura conceptual teórica para discutir conceitos e relações-chave, para analisar a perceção social dos movimentos globais de squatters. A pandemia da COVID-19 e a crise do custo de vida foram consideradas fatores significativos. Uma das conclusões a retirar deste artigo é que os movimentos globais de squatters ajudam a aumentar a consciencialização sobre a ausência do Estado ou o fracasso político na alocação crítica de recursos. A relevância do trabalho é lembrar a ligação entre propriedades vazias, banco de terrenos e falta de moradia.

As ligações do 1968 entre Henri Lefebvre e Paulo Freire: cruzando o direito à cidade com a Pedagogia do Oprimido

Abstract This article aims to highlight some connections and ties in the work of Henri Lefebvre (1901-1991) with the thought of Paulo Freire (1921-1997).I intend to explain a pedagogical path that can be defined for the socio-political proposal around the notion of the "right to the city". The two authors share, firstly, the same publication date (1968) for their two most famous works (i.e., The Right to the City and Pedagogy of Oppressed), and, secondly, the fact that they draw on the same Marxist culture, but both rework the legacy of Marx and Engels in a very creative, original way, outside the determinist orthodoxy that has spanned the last century. Against a certain kind of Marxist Scholasticism that presents itself as unquestionable truth of faith, Lefebvre rededicates Marxism in the urban field and Freire in the well-known Pedagogy of the Oppressed. From their differing viewpoints, the two authors converge in their shared commitment to formulating a theory that aligns with the goal of transforming the world and of enacting emancipative social processes with a clear, democratic-radical political project.

Resumo O objetivo deste artigo é evidenciar algumas ligações e vínculos da obra de Henri Lefebvre (1901-1991) com o pensamento de Paulo Freire (1921-1997), pretendendo assim explicitar um caminho pedagógico que pode ser definido para a proposta sociopolítica em torno da noção de “direito à cidade”. Os dois autores partilham, em primeiro lugar, a mesma data de publicação (1968) para as suas duas obras mais famosas (i.e., O Direito à Cidade e Pedagogia do Oprimido), e, em segundo lugar, o facto de se basearem na mesma cultura marxista, mas ambos reelaboram o legado de Marx e Engels de uma forma muito criativa e original, fora da ortodoxia determinista que atravessou o último século. Contra um certo tipo de escolasticismo marxista que se apresenta como verdade de fé inquestionável, Lefebvre pensa o marxismo no campo urbano e Freire na conhecida Pedagogia do Oprimido. A partir de pontos de vista diferentes, os dois autores convergem no seu compromisso comum de formular uma teoria que se alinhe com o objetivo de transformar o mundo e de realizar processos sociais emancipatórios com um projeto político claro e democrático-radical.

A luta pelo acesso: um esforço teórico para contribuir para o programa político do direito das mulheres à cidade

Abstract The right to the city, stemming from Lefebvre’s ideas, addresses the emancipation of individuals from homogenization and oppression. Analyzing 31 authors, two major groups emerge in literature: one criticizes Marxism's emphasis on social class, placing gender, race, and ethnicity on equal footing; the other focuses on the class-based tone of the right to the city, emphasizing self-management and appropriation, challenging the public-private dichotomy. The article suggests the key to understanding women's right to the city is the issue of access, viewed through the lens of Social Reproduction Theory. Access is seen as a precursor to effective rights enjoyment, closely tied to Economic, Social, and Cultural Rights. Access is crucial in understanding women's right to the city, extending beyond mere physical access to encompass self-management, appropriation, and the radicalization of the right to difference. The struggle for women's dwelling and appropriation is framed as a quest for the right to the city.

Resumo O direito à cidade, originado das ideias de Lefebvre, aborda a emancipação individual contra a homogeneização e opressão. Ao analisar 31 autores, surgem dois grandes grupos na literatura: um critica a ênfase marxista na classe social, colocando género, raça e etnia em pé de igualdade; o outro destaca o tom baseado na classe do direito à cidade, enfatizando autoadministração e apropriação, desafiando a dicotomia público-privado. O artigo sugere que a chave para entender o direito das mulheres à cidade é a questão do acesso, vista através da Teoria da Reprodução Social. O acesso é considerado precursor da efetiva fruição de direitos, intimamente ligado aos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. O acesso é crucial para compreender o direito das mulheres à cidade, indo além do mero acesso físico para abranger autoadministração, apropriação e a radicalização do direito à diferença. A luta pelo domicílio e apropriação das mulheres é apresentada como uma busca pelo direito à cidade.

Gentrificação, turismo e a perda do direito à cidade: o caso do antigo Hospital da Marinha

Resumo Este artigo faz um levantamento das principais propostas contemporâneas sobre processos de gentrificação, em particular, a identificação dos agentes sociais envolvidos. Esses pressupostos são depois utilizados para observar o caso da cidade de Lisboa nos últimos anos. A partir de um estudo de caso de um edifício público vendido a um fundo de investimento imobiliário, olha-se para a forma como os habitantes da cidade reagem aos processos de gentrificação que interferem no seu dia a dia, como os confrontam e que mecanismos utilizam para defender o seu “Direito à Cidade”.

Abstract This article starts off by pinpointing the main contemporary theoretical proposals concerning the processes of gentrification, specifically by identifying the agents involved. These premises are used to observe the case of the city of Lisbon in recent years. The case study of a public building sold to a real estate investment fund is analyzed to understand how the inhabitants of the city react to the processes of gentrification that affect their daily living, how they confront them and which mechanisms they use to defend their “Right to the City”.

Dé[vide]alisation: Fanon e Lefebvre sobre a gentrificação urbana

Résumé Cet article propose une nouvelle perspective philosophique sur le phénomène de la gentrification dans le contexte de la ville, en le conceptualisant comme une dévitalisation, entendue comme une dégradation du « tissu social » (Lefebvre, 1968), susceptible de mener à la production de « zones de non-vie» (Fanon, 1961). La critique lefebvrienne du capitalisme urbain ainsi que l’analyse décoloniale fanonienne de la compartimentation des espaces, fournissent conjointement une analyse riche de ce qui pourrait être appréhendé comme une forme particulière de gentrification, pensée à traveurs une définition matérialiste et sociale de la dévitalisation. Phénomène à la fois vecteurs de destruction de l’urbanité (Lefebvre, 1968) et de production d’espaces compartimentés, la gentrification s’inscrit dans un processus plus large de déstructuration des liens sociaux. Nous présenterons d’abord la manière dont la gentrification, à l’ère du capitalisme tardif, participe à un cycle de dévitalisation ; ensuite, nous analyserons la contribution de Lefebvre pour comprendre cette notion de « vide » spatial et social ; enfin, c’est à travers le concept fanonien de « zone de non-vie » que nous expliciterons la phase terminale de ce cycle. Nous proposons ainsi une réactualisation et un prolongement du potentiel critique des travaux de Lefebvre et de Fanon, afin de penser les manifestations contemporaines de la gentrification dans un contexte où les centres urbains sont devenus des espaces particulièrement propices aux activités financières spéculatives.

Abstract This article suggests a new philosophical perspective on the phenomenon of gentrification in the context of the city, namely its conceptualization as devitalization in the Fanonian sense of the term, that is to say a degradation of the “social fabric” (Lefebvre, 1968) which can lead to the production of “non-life zones” (Fanon, 1961). Lefebvrian’s critique of urban capitalism, as well as Fanon's decolonial analysis of the compartmentalization of spaces, together provide a rich analysis of what could be understood as a particular form of gentrification thought via a materialist and social definition of devitalization. We propose an update and an extension of the critical potential of the work of Lefebvre and Fanon to think about the manifestations of gentrification in a context where urban centers have become spaces that greatly favor speculative financial activities.

Resumo Este artigo sugere uma nova perspectiva filosófica sobre o fenómeno da gentrificação no contexto da cidade, nomeadamente a sua conceptualização como desvitalização no sentido fanoniano do termo, ou seja, uma degradação do “tecido social” (Lefebvre, 1968) que pode levar à produção de “zonas não-vivas” (Fanon, 1961). A crítica de Lefebvre ao capitalismo urbano, bem como a análise decolonial de Fanon sobre a compartimentação dos espaços, em conjunto, fornecem uma análise rica do que poderia ser entendido como uma forma particular de gentrificação pensada através de uma definição materialista e social de desvitalização. Propomos uma atualização e uma ampliação do potencial crítico da obra de Lefebvre e Fanon para pensar as manifestações da gentrificação num contexto onde os centros urbanos se tornaram espaços que favorecem sobremaneira as atividades financeiras especulativas.

Um olhar sobre o envelhecimento e a participação da pessoa idosa na cidade do Porto

Resumo O artigo reflete sobre a participação social, cívica e a inclusão da pessoa idosa na cidade do Porto. Como membro da Rede Global de Cidades e Comunidades Amigas das Pessoas Idosas (RGCCAPI) (desde 2011), tem o compromisso de desenvolver os oito domínios sugeridos pela Organização Mundial de Saúde em 2007 (WHO, 2007). Afigura-se relevante conhecer as perspetivas em relação a oportunidades e barreiras à participação das pessoas idosas. Este estudo qualitativo, realizado através de cinco entrevistas semiestruturadas e a respetiva análise de conteúdo, mostra que na sua definição, os programas não contêm a participação das pessoas que deles beneficiam, sobressaindo ainda a necessidade de criar iniciativas mais abrangentes e regulares do que as que são enumeradas. Também identifica a importância de implementar um plano de ação específico, que considere conhecimentos anteriores e integre outras políticas da cidade e nacionais.

Abstract The article reflects on the social and civic participation and inclusion of the elderly in the city of Porto. As a member of the Global Network of Age-Friendly Cities and Communities (RGCCAPI) (since 2011), the city is committed to developing the eight domains suggested by the World Health Organisation in 2007 (WHO, 2007). It is relevant to know the perspectives in relation to opportunities and barriers to the participation of elderly people. This qualitative study, carried out through five semi-structured interviews and the respective content analysis, shows that the programmes do not include the participation of the people who benefit from them in their definition, highlighting the need to create more comprehensive and regular initiatives than those listed. It also identifies the importance of implementing a specific action plan that considers previous knowledge and integrates other city and national policies.