Etnográfica

Quebra-cabeças de narciso: a etnografia defronta-se com o delírio e se “hospeda” no Hotel da Loucura - Rio de Janeiro

Resumo O presente artigo parte de um debate que visa compreender como os regimes disciplinares da antropologia conduzem o pesquisador a seguir um protocolo específico de questões e interesses em suas pesquisas. O objetivo, aqui, é discutir sobre os paradoxos epistêmicos, disciplinares e metodológicos existentes no modelo de pesquisa etnográfica. A partir do trabalho de campo realizado com um coletivo de artistas, médicos e usuários dos serviços de saúde mental da cidade do Rio de Janeiro, chamado Hotel da Loucura, levanto uma série de questões suscitadas na etnografia desenvolvida neste projeto. Dentre diversos acontecimentos e situações vivenciados dentro das dependências de um hospital psiquiátrico, discorro sobre um evento específico que elucida boa parte das questões que tinham me mobilizado ao construir um projeto de pesquisa etnográfica neste contexto. Por fim, especulo sobre os paradoxos que parecem envolver a etnografia e o seu treinamento acadêmico.

Abstract The present article starts from a debate that aims to understand how the disciplinary regimes of Anthropology lead the researcher to follow a protocol of questions and interests in his research. The objective here is to discuss the existing epistemic, disciplinary and methodological paradoxes in the ethnographic research model. Based on fieldwork carried out with a collective of artists, doctors and users of mental health services in the city of Rio de Janeiro, called Hotel da Loucura, I raise a series of questions lifted in the ethnography developed in this project. Among several events and situations experienced in the spaces occupied by this project, within the premises of a psychiatric hospital, I discuss in this article about a specific event which elucidates many of the issues that had mobilized me when building an ethnographic research project in this context. Finally, I speculate on the paradoxes that seem to surround ethnography and its academic training.

Por trás das crianças, dos objetos e dos cuises: agência e pesquisa em um bairro periurbano de Córdoba (Argentina)

Resumen En este artículo retomo emergentes de un proyecto de investigación con niñxs que tiene lugar en un barrio periurbano de la ciudad de Villa Nueva (Córdoba, Argentina) y discuto sobre la agencia infantil y la participación de lxs niñxs en pesquisas de ciencias sociales, a partir de los aportes de los “after childhood”, el feminismo queer y el giro ontológico. En términos metodológicos recupero y analizo notas de campo en clave etnográfica. Para exponer mis reflexiones desarrollo dos secuencias: por un lado, el trabajo con materialidades objetuales presentes en el territorio y, por otro, indago en cómo un grupo de niños y adolescentes se desplazan por los alrededores del barrio para cazar animales. Intento aportar a un campo de debates interesado en la infancia, la etnografía y las investigaciones participativas, señalando que la experiencia social se extiende, la agencia infantil es dispersa y el trabajo investigativo relacional posibilita reconocer cómo lxs niñxs producen formas de vida en lazo con otros grupos, generaciones y especies.

Resumo Neste artigo retomo ideias emergentes de um projeto de pesquisa com crianças que acontece em um bairro periurbano da cidade de Villa Nueva (Córdoba, Argentina) e discuto a agência das crianças e sua participação na pesquisa em ciências sociais com base nas contribuições de “depois da infância”, do feminismo queer e da virada ontológica. Em termos metodológicos, recupero e analiso notas de campo a partir de uma perspetiva etnográfica. Para apresentar minhas reflexões, desenvolvo duas sequências: por um lado, trabalho com materiais objetais presentes no território e, por outro, investigo como um grupo de crianças e adolescentes se desloca pelo bairro para caçar animais. Procuro contribuir para um campo de debate focado na infância, etnografia e pesquisa participativa, apontando que a experiência social é generalizada, e a agência das crianças é dispersa, e a pesquisa relacional permite reconhecer como as crianças produzem modos de vida em conexão com outros grupos, gerações e espécies.

A propósito da construção de conhecimentos sobre o ecossistema amazônico a partir de uma instituição científica brasileira

Resumo A produção de um saber moderno acerca da flora e fauna amazônicas incorpora, desde as expedições naturalistas do século XVIII, conhecedores e conhecedoras por vivência daquele ecossistema. No Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), localizado em Manaus (Amazonas, Brasil) e criado em 1952, a produção desses conhecimentos ocorre predominantemente por meio da relação entre - os assim denominados - mateiros, pescadores e demais “técnicos”; pesquisadores brasileiros e pesquisadores estrangeiros. O artigo propõe que as análises sobre a construção desses conhecimentos devem incorporar uma sociologia dessa tríade científica, à luz do debate teórico e político acerca dos conhecimentos tradicionais.

Abstract Since expeditions by naturalists in the 18th century, the production of modern knowledge about the flora and fauna of the Amazon has included people who know the ecosystem from experience. At the National Institute for Amazon Research (INPA), located in Manaus (Amazonia, Brazil) and created in 1952, the production of this knowledge predominantly takes place through relationships between so-called mateiros[people of the forest], fishermen, and other “technicians”; as well as Brazilian and foreign researchers. This article proposes that analyses of the construction of this knowledge should incorporate a sociology of this scientific triad, in the light of the theoretical and political debate on traditional knowledge.

Viver numa casa do Siza: a experiência da arquitetura de autor na Malagueira, Évora

Resumo Este artigo retoma os estudos sobre a casa e o habitar desenvolvidos pela Antropologia e pela Arquitetura portuguesas, acrescentando-lhes um olhar vindo das geografias da arquitetura, para de seguida explorar a forma como os habitantes de edifícios de arquitetura de autor experienciam as suas casas e os seus bairros no quotidiano. Focando-se no caso do bairro da Malagueira em Évora, projetado por Álvaro Siza Vieira no final dos anos 70 para albergar populações de baixos rendimentos, mas entretanto tendo integrado uma constelação de populações mais variada, o artigo procura responder a perguntas sobre o que significa viver numa casa e num bairro projetados por um arquiteto consagrado, como se relacionam os modos de viver dentro da casa com o desenho e a estética relativamente austeras da arquitetura de Siza, e finalmente como é experienciada a relação com determinados elementos arquitetónicos que fazem a casa funcionar. Baseado em trabalho de campo etnográfico onde se usou a etnometodologia Show Us Your Home (Mostre-nos a Sua Casa), o artigo preenche a lacuna da relativa ausência de estudos sobre a experiência da arquitetura de Siza pelos seus moradores.

Abstract This article draws on the genealogy of studies on the house in Portuguese Anthropology and Architecture as well as on recent perspectives coming from the Geographies of Architecture, to explore the way residents of auteur architecture experience their homes and neighbourhoods. Focusing on Malagueira neighbourhood in Évora, a large housing estate designed by Álvaro Siza Vieira in the late 1970’s to accommodate low-income populations, which has since integrated more affluent residents, the article seeks to answer questions about what it means to live in a house and a housing estate designed by a renowned architect; how individual modes of inhabitation relate to the relatively austere design and aesthetics of Siza’s architecture; and finally about residents’ relationship with the architectural elements that make the house work. Based on ethnographic fieldwork and the Show Us Your Home ethno-methodology, the article fills a research gap on residents’ experience of Siza’s architecture.

Introduction: Beyond penal populism: complexifying justice systems and security through qualitative lenses

Abstract In the global political landscape, as far-right parties gain prominence, populist rhetoric advocating for harsher justice and security policies is becoming increasingly prevalent. Proponents of this rhetoric base their discourse on “alarming” violence and crime rates and discredit more liberal approaches, as well as research that deconstruct those Manichean visions. In this introduction, we ask what tangible contributions qualitative and ethnographic methods can offer to the field of justice and security studies. We explain why and to what extent qualitative methods are essential to accurately represent the reality of justice and security and to help deconstruct overly simplistic interpretations of justice and security. Ultimately, this article contends that these methodologies are crucial, now more than ever, for dismantling narratives driven by penal populism.

Privatizing urban security: control, hospitality and suspicion in the Brazilian shopping

Abstract In this article we argue that hospitality security - a modality that confuses control and care - operates through the actions of security guards in the creation of what we call pre-cases. From a dense ethnography accompanying these workers in a shopping mall in São Paulo, we intend to demonstrate how socio-economic inequalities and structural racism are produced in discrete daily interactions. In their work, guards focus on three types of suspicion: intuitive, universal and directed at child beggars. We argue that inequalities and discrimination are not only located in the spectacular, energetic and violent police actions often reserved for peripheral spaces in cities; they occur through welfare infrastructures, private security operations, and the careful micro-actions of private protection in spaces mostly frequented by the middle classes. Finally, we show how security workers are both subjects and objects in this network of everyday actions.

“Abuso policial, todos os dias o enfrentamos”: notas etnográficas sobre violência policial racista

Resumo A violência policial racista é uma das facetas mais brutais do racismo na nossa sociedade, refletindo estruturas de poder e opressão que marginalizam setores da sociedade. Este artigo sublinha a importância de compreender essa realidade, destacando as abordagens qualitativas, particularmente a etnografia, como ferramenta essencial para a sua análise. Partindo da minha experiência de pesquisa de terreno em bairros racializados da periferia de Lisboa e no estudo do rap, este texto pretende refletir sobre a violência policial racista na sua interseção com o racismo institucional e o lusotropicalismo. Essa reflexão é fundamental para compreender as desigualdades étnico-raciais e aprofundar o debate académico e público sobre o racismo.

Abstract Racist police violence is one of the most brutal facets of racism in our society, reflecting structures of power and oppression that marginalize sectors of our society. This paper emphasizes the importance of understanding this reality, highlighting qualitative approaches, particularly ethnography, as an essential tool for this analysis. Based on my fieldwork experience in racialized neighborhoods on the Lisbon periphery and my study of rap, this text aims to reflect on racist police violence at its intersection with institutional racism and lusotropicalism. Such reflection is essential for understanding ethnic-racial inequalities and advancing the academic and public debate on racism.

Marginality, security, surveillance, crime, imprisonment: reflections on an intellectual and methodological trajectory

Abstract This article engages with contemporary anthropological and ethnographic methodological debates by reflecting on the challenges of conducting research in contexts related with marginality, deviance, surveillance, and imprisonment. It examines the tensions surrounding access, researcher subjectivity, and the positionalities negotiated in the field, emphasizing the epistemological relevance of long-term ethnographic engagement. Rather than treating obstacles, disruptions, and moments of unpredictability as mere hindrances, it considers them as integral to the ethnographic process and as productive sites for generating insight.

Navigating the labyrinth: qualitative research in the securitized border regions of North Africa

Abstract Qualitative researchers face unique challenges in the dynamic domain of border regions, particularly when venturing into highly securitized areas with a constant military presence, advanced surveillance, and restricted access zones. This article discusses the challenges and dilemmas of fieldwork-based research in highly securitized border areas. It draws on recent fieldwork experience in both the Algeria-Morocco and Algeria-Tunisia border regions and sheds light on challenges arising from increased security measures, access restrictions and methodological limitations in sensitive environments. In response to these challenges, the article emphasizes the importance of flexibility, local collaboration, and ethical awareness. The insights provided extend beyond the North African context, offering valuable lessons applicable to border regions globally facing similar obstacles due to securitization and heightened security measures.

Uma vida, muitas vidas: entrevista com Victor Bandeira, etnógrafo e viajante

Da “nota de pesar” à “injusta agressão”: notícias sobre morte escritas pela PMSC

Resumo Este trabalho é uma versão reduzida e sintetizada da etnografia realizada do PMSC Notícia, a plataforma de notícias da Polícia Militar de Santa Catarina (PMSC). A partir das notícias sobre a morte, o morrer e os mortos publicadas no site no ano de 2021, explora-se as desigualdades sociais nas mortes, nas representações do morrer e na forma de se lidar com os mortos. São categorizados cinco tipos de mortes: (a) naturais; (b) violentas “culposas”; (c) violentas “dolosas” causadas por “criminosos”; (d) violentas “dolosas” causadas pela PMSC; e (e) suicídios que explicitam as lacunas e inscrições que reforçam a instituição policial, ao passo que essa legitima suas ações e valores através de narrativas de “notas de pesar” e de “injusta agressão”.

Abstract This paper is a reduced and synthesized version of the ethnography on PMSC Notícia, the news platform of the Military Police of Santa Catarina (PMSC). Based on news about death, dying and the dead published on the website in 2021, social inequalities in deaths, representations of dying and the way of dealing with the dead are explored. Five types of deaths are categorized: (a) natural; (b) “guilty” violent acts; (c) “intentional” violence caused by “criminals”; (d) “intentional” violence caused by PMSC; and (e) suicides that explain the gaps and inscriptions that reinforce the police institution, while it legitimizes its actions and values through narratives of “notes of condolences” and “unjust aggression”.

“Cada mulher demanda um atendimento diferente”: aspectos jurídicos, judiciais e morais na classificação de demandas em um núcleo especializado da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro

Resumo Este trabalho propõe reflexões a respeito das diferentes variáveis que operam na categorização de uma situação como competente ou não ao Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher e das Vítimas de Violência de Gênero (Nudem) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (DPRJ), onde realizei um trabalho de campo etnográfico entre agosto e dezembro de 2022. A expressão “violência de gênero atual/recente” é utilizada pelas assessoras jurídicas para caracterizar os casos que podem ser atendidos pelo núcleo. As categorias “violência”, “gênero” e “atual” são contextuais e refletem percepções morais distintas das pessoas responsáveis pelos atendimentos. Com base na descrição de casos específicos e em pesquisas sobre as dinâmicas classificatórias no sistema de justiça, construídas a partir de categorias relacionais e valorativas, analiso o impacto da expressão “violência de gênero atual/recente” na garantia dos direitos das mulheres que procuram o Nudem. Além disso, discuto os fatores que possibilitam o acolhimento de demandas inicialmente consideradas fora da competência do órgão.

Abstract This study proposes reflections on the different variables that influence the categorization of a situation as within or beyond the jurisdiction of the Special Center for the Defense of Women’s Rights and Victims of Gender Violence (Nudem) of the Public Defender’s Office of Rio de Janeiro (DPRJ), where I conducted ethnographic fieldwork between August and December 2022. The term “current/recent gender violence” is used by legal advisors to characterize cases that can be handled by the center. The categories of “violence”, “gender”, and “current” are contextual and reflect different moral perceptions held by those responsible for providing assistance. Based on the description of specific cases and research on classificatory dynamics within the justice system, constructed through relational and evaluative categories, I analyze the impact of the expression “current/recent gender violence” on ensuring the rights of women who seek assistance from Nudem. In addition, I discuss the factors that enable the accommodation of claims initially deemed beyond the institution’s jurisdiction.