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Análise Social

versão impressa ISSN 0003-2573

Anál. Social  no.224 Lisboa set. 2017

 

ARTIGO

Sindicato, ditadura e transição: continuidades e descontinuidades no corporativismo brasileiro (1974-1984)1

Trade union, dictatorship and democratic transition: continuitys and discontinuities on Brazilian corporatism (1974-1984)

 

Francisco Carlos Palomanes Martinho*

* Departamento de História, Universidade de São Paulo, Rua Urano, 65/94b, Aclimação, CEP 01529-010 São Paulo, Brasil. E-mail:fcpmartinho@gmail.com

 

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo analisar a importância do modelo sindical corporativo brasileiro inaugurado na década de 1930, durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e que permaneceu estável até o final da transição democrática brasileira pós regime civil-militar. Analisaremos, através do caso específico do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, o papel desempenhado pelo chamado “Novo Sindicalismo” que, a despeito das críticas ao modelo corporativo, na prática utilizou-o e fortaleceu-o.

Palavras-Chave: sindicalismo, corporativismo, transição democrática, Brasil.

 

ABSTRACT

This article aims to analyse the importance of the Brazilian corporate union model that was inaugurated during the Getúlio Vargas’ fist government (1930-1945), carried on by the civil-military regime, and continued until the end of Brazilian democratic transition. The article focus on the of Metalworkers Union of Rio de Janeiro to examine the role played by the New Unionism in the Brazilian corporate model. It argues that, despite criticising the corporative model, in fact, the New Unionism made use of its schemes and reinforced it structure.

Keywords: trade union, corporatism, democratic transition, Brazil.

 

INTRODUÇÃO

 

Entre as décadas de 1930 e 1940 foram desenhadas as principais linhas de organização do sindicalismo brasileiro que se mantiveram no fundamental as mesmas até a promulgação da Constituição de 1988 e o consequente encerramento da transição para a democracia no Brasil.2 Grosso modo, o Estado brasileiro durante o primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) estabeleceu uma organização corporativa largamente inspirada nos modelos congéneres então vigentes na Europa. Um modelo piramidal: no topo, o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio; logo abaixo, as confederações nacionais; abaixo destas as federações e, na base, os sindicatos. Para a sustentação desta nova estrutura vertical, o regime do Estado Novo criou o imposto sindical que consiste na cobrança de um dia de trabalho de cada trabalhador brasileiro, seja ele sindicalizado ou não. O imposto recolhido pelo Ministério do Trabalho era repassado aos sindicatos, federações e confederações para gastarem de acordo com as determinações legais previamente definidas. A distribuição do montante era realizada de acordo com a seguinte proporcionalidade: 5% para as confederações, 15% para as federações, 60% para os sindicatos e 20% para o Fundo Social do Ministério do Trabalho. Assim, a existência do sindicato como organismo de representação dos trabalhadores, com dotação orçamentária para o seu sustento, era imposta pelo poder público, enquanto a adesão ao sindicato era uma escolha do indivíduo.3 O conjunto das leis sobre o trabalho aprovadas entre 1930 e 1943 foram compiladas neste ano num único corpo legislativo, chamado de Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Apesar das críticas ao modelo, é um facto que a organização sindical outorgada pelo Estado funcionou com relativa eficiência, dando aos trabalhadores importante protagonismo nas lutas sociais do Brasil entre 1945 (queda do Estado Novo) e 1964 (golpe de Estado civil-militar) (Teixeira da Silva e Negro, 2003, pp. 47-96). Em linhas gerais, a aliança sindical do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) resultou em conquistas importantes para os trabalhadores urbanos brasileiros. Ainda que longe dos padrões de desenvolvimento do capitalismo europeu, pode-se dizer que os marcos regulatórios da legislação trabalhista ao lado de um forte crescimento urbano-industrial permitiram algum grau de “desmercantilização” do trabalho no Brasil (Lobo, 2009). Ainda que, reiteramos, não exatamente de acordo com o modelo europeu, haja vista que o compromisso entre patrões e empregados dava-se por intermédio da imposição coercitiva a partir do Estado. As classes empresariais da indústria, desde o nascedouro da legislação social na década de 1930, sempre se opuseram ao seu efetivo funcionamento (Gomes, 2014). Neste sentido, para usarmos um conceito caro a Barrington Moore, o Estado é um agente determinante para a modernização de um capitalismo “pelo alto” no Brasil (Moore, 1983).

Quando da queda do governo João Goulart, deposto por uma aliança de militares e civis conservadores 4, predominou, no entanto, uma crítica às estratégias da esquerda à época, de aliança com a “burguesia nacional” e de abandono da luta de classes em troca de conquistas de teor “reformista”. Tratava-se do ocaso do “populismo”, modelo marcado pela subserviência dos trabalhadores frente ao “Estado burguês”.5 Foi sob a influência desta crítica que parte da esquerda rompeu com o “reformismo” do PCB e optou pelo enfrentamento armado à ditadura instaurada em 1964. É digno de nota, entretanto, que algumas correntes de esquerda, antes mesmo de 1964, já defendiam a luta armada e criticavam o “reformismo” do PCB. Destaque para a POLOP (Política Operária), organização nascida da unidade de correntes trotskistas, luxemburguistas e da esquerda do trabalhismo e para a AP (Ação Popular), originária da esquerda católica, e que tendeu posteriormente para o maoismo. Mas tratava-se de exceções que se tornaram regra no pós-1964.6 Na mesma proporção em que as esquerdas se radicalizavam, a ditadura também endurecia. O coroamento do sistema repressivo ditatorial deu-se com a aprovação do AI-5 (Ato Institucional n.º 5), de 13 de dezembro de 1968, que eliminou as eventuais “sobras” liberais do regime autoritário. No plano sindical, as críticas das correntes mais à esquerda apontavam para a rutura com o modelo corporativo, a liberdade de organização sindical nos moldes da Convenção 87 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o fim do imposto sindical. Foi então, sob estas bandeiras, que surgiu, na segunda metade da década de 1970, o chamado “Novo Sindicalismo”, sob a liderança do então metalúrgico Luís Inácio Lula da Silva. Não por acaso, num de seus mais conhecidos discursos, Lula afirmou que a “CLT é o AI-5 da classe trabalhadora”, argumentação essa que reduz o interesse dos trabalhadores aos universos estritamente económico e corporativo (­Martinho, 2007, p. 547; 1994). De qualquer forma, fica claro que aos representantes do “Novo Sindicalismo”, a legislação do período Vargas representava o que havia de pior para o mundo do trabalho. Deveria ser abolida. A impressão de que o “Novo Sindicalismo” representava, de facto, uma rutura foi tal que o discurso tornou-se verdade pétrea, repetida como uma espécie de mantra pelos seus defensores e seus adversários. O “novo”, para o bem e para o mal era um dado, e sobre este facto não se discutia (Santana, 1999).

O que se procura demonstrar no presente texto é que, apesar das críticas à legislação corporativa, a militância que pretendia ser uma alternativa a esse modelo, na prática reforçava-o e alimentava-o. Esta questão será tratada tendo como estudo de caso o Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro7 entre 1974 e 1984, ou seja, entre o início da transição democrática e a tomada de posse do primeiro civil como presidente da República desde 1964. Pretende-se analisar, prioritariamente, as conjunturas de eleições e de campanhas salariais. São estes, por certo, os períodos de maior mobilização, tanto da militância, quanto da categoria como um todo.

 

O MOVIMENTO SINDICAL BRASILEIRO NA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA

 

A primeira manifestação organizada da classe trabalhadora no período em estudo foi o Congresso dos Trabalhadores Metalúrgicos de São Bernardo, ocorrido em 1974. Reunindo aproximadamente 400 delegados, algumas resoluções tinham, sem pretender um rompimento definitivo com a legislação em vigor, um carácter liberalizante, na medida em que buscavam maior espaço e mobilidade de atuação dos sindicatos (Vianna, 1978, p. 288).

Ainda em São Bernardo, em agosto de 1977, o Sindicato dos Metalúrgicos daquela cidade, já sob a presidência de Lula, organizou uma campanha exigindo a reposição de 34% do salário. Em 1978, no mês de julho, na Conferência Nacional dos Trabalhadores da Indústria, um grupo dissidente lançou um manifesto que pretendia fundar as bases para a organização de um movimento sindical independente, além de reivindicar maior participação dos trabalhadores na distribuição da renda nacional, a realização de eleições diretas para a presidência da República, e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte (Kinzo, 1988). Percebia-se, assim, que diversas correntes políticas buscavam, através do movimento sindical (como de resto, em várias outras formas de manifestação, como os movimentos comunitários, contra a carestia, pela Amnistia, etc.) expressar a necessidade de mudanças políticas. Estes grupos, na atividade sindical propriamente dita, aproximavam-se e afastavam-se de acordo com as mudanças de conjuntura ou as conveniências políticas. Em linhas gerais, quatro grandes correntes sindicais reivindicavam para si a condição de representantes de um “sindicalismo autêntico”: (1) Os sindicalistas independentes: grupo liderado por Lula, com pouca ou nenhuma participação política anterior. Entraram em conflito com o Ministério do Trabalho, principalmente por motivações salariais ou de condições de trabalho. Aos poucos, na medida em que perceberam maior necessidade de intervenção na vida pública, fundaram o Partido dos Trabalhadores (PT); (2) : desta corrente participavam, principalmente, militantes do PCB, PC do B (Partido Comunista do Brasil) e MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro). Defendiam a participação política no PMDB (Partido do Movimento Democrático Brasileiro), considerando prioritária a unidade das oposições, e “divisionista” a proposta do PT. Defendiam a autonomia dos sindicatos diante do Estado, mas não a sua total liberdade, na medida em que eram favoráveis à manutenção do monopólio de representação, ou seja, à existência de apenas um sindicato por base territorial; (3)oposições sindicais8 ou “atrasadas”, afirmavam-se contrários à legislação sindical em vigor, defensores que eram da ampla liberdade de organização; (4) extrema esquerda: originários de várias correntes que participaram da luta armada contra a ditadura. As duas últimas correntes, na sua maioria, acabaram por também aderir ao PT, o que não significava necessariamente submissão à liderança de Lula (Rodrigues, 1990b). Além destes, mantinham firme atividade um grupo que será aqui denominado de sindicalistas tradicionais: com grande notoriedade no controlo da máquina sindical a partir do golpe de 1964, dentre os quais podemos destacar Joaquim dos Santos Andrade, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, e Valdir Vicente de Barros, do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.

No plano organizativo, os sindicalistas independentes, as oposições e a extrema esquerda formaram a CUT (Central Única dos Trabalhadores) em 1983. A Unidade Sindical, por seu turno, ao lado dos Sindicalistas Tradicionais, também em 1983, fundou a CONCLAT (Coordenação Nacional das Classes Trabalhadoras). Alguns pontos básicos separavam as duas correntes: a CUT, embora formalmente apartidária, originava-se maioritariamente dos grupos de sindicalistas que defendiam a criação de um “partido dos trabalhadores”. Do ponto de vista da política sindical, a CUT defendia a liberdade e autonomia sindicais, da forma como se expressa a já citada Convenção 87 da OIT. A CONCLAT, ao contrário, defendia a unidade sindical, entendendo-a como a existência de apenas um sindicato por base territorial (Menezes e Sarti, 1983). Assim, enquanto a CUT acusava a CONCLAT de manter, na prática, a estrutura sindical herdada do Estado Novo, a CONCLAT considerava a CUT “divisionista” e defensora da fragilização do movimento sindical. De certa forma reproduzia, no campo sindical, a mesma crítica formulada ao universo político-partidário. No entanto, como nenhuma das correntes mencionadas ousou romper de facto com a estrutura corporativa vigente, esta permaneceu intocável e incólume às disputas entre os diversos grupos.

 

O SINDICATO DOS METALÚRGICOS DO RIO DE JANEIRO NO INÍCIO DA TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA: CRÍTICAS E REPRODUÇÃO DO MODELO

 

No ano de 1973 ocorreram eleições para a direção do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro, onde se sagrou vitoriosa uma chapa oposicionista organizada por uma frente de esquerdas. Do PCB à igreja católica, uma ampla unidade se formara em oposição às direções anteriores, consideradas “pelegas” e corruptas. Esta nova direção, embora eleita, não pôde tomar posse no sindicato. Como faziam parte dela nomes de lideranças “queimadas” junto ao Ministério do Trabalho, foi imposta uma intervenção que duraria até ao ano de 1975. A partir desta experiência, os grupos de oposição buscaram novas estratégias de militância junto do sindicato. A primeira delas foi a participação em eleições com nomes “desconhecidos”, a fim de reduzir o risco de novas intervenções.9 Assim, nas duas eleições seguintes, em 1975 e em 1977, as oposições “pescaram” jovens lideranças para representá-las. Nos dois casos, escolheram trabalhadores da FIAT, o maior colégio eleitoral do sindicato. Nos dois casos, saíram vitoriosas no pleito. Nos dois casos, em pouco tempo, estas “jovens lideranças” eram chamadas pelos seus próprios criadores de “pelegos” e “traidores”.

 

A CAMPANHA ELEITORAL DE 1977 E A GREVE DA FIAT DE 1978

 

No ano de 1977 estavam marcadas eleições para a direção do Sindicato dos Metalúrgicos. Adalberto do Oliveira, eleito em 1975 por uma frente de esquerdas, reunia agora uma espécie de unanimidade às avessas. As oposições, como de costume, tentariam impor um novo nome. Desta feita o novo “desconhecido” escolhido pelas oposições chamava-se Oswaldo Pimentel. Tal como o seu antecessor, também ele não tinha militância e apresentava a “ficha limpa” junto aos órgãos de segurança.

Funcionário da FIAT, membro da sua comissão de fábrica, Pimentel, apesar de engenheiro formado, trabalhava como metalúrgico e era ligado ao antigo sindicalista, o já citado Valdir Vicente de Barros. Este, embora cassado da presidência do sindicato por desvio de verbas, mantinha certo prestígio junto a alguns segmentos da categoria e participava das suas articulações. Aliás, em diversas ocasiões, o movimento oposicionista reuniu-se num escritório mantido por Valdir Vicente.10 Desta vez, porém, um militante de tradição oposicionista viria a participar da chapa que concorreria às eleições: José Severino de Paula. De acordo com diversos entrevistados, a secretaria de Imprensa e Divulgação, ocupada por José Severino, seria uma extensão do movimento oposicionista dentro do Sindicato dos Metalúrgicos.11

O período em que Oswaldo Pimentel esteve à frente do Sindicato dos Metalúrgicos pode ser dividido em três fases distintas. A primeira é o ano de 1978, cujo marco fundamental foi a greve da FIAT. A segunda fase, talvez a mais importante, é a do ano de 1979, quando ocorreram as greves da FIAT, mais uma vez e, em seguida, a greve geral dos metalúrgicos do Rio de Janeiro.12 Período em que, claramente, as oposições se aglutinam mais uma vez contra a direção que ajudara a eleger. Por fim, a terceira fase, é a de 1980, quando as oposições, pela primeira vez desde a vitória frustrada de 1973, lançaram uma candidatura própria nas eleições daquele ano.

O processo eleitoral transcorreu de forma relativamente tranquila, sem grandes embates entre as chapas concorrentes. Com a oposição unificada, em pleito realizado entre os dias 13 e 20 de dezembro de 1977, elegeu-se Oswaldo Pimentel, empossado presidente no dia 6 de março do ano seguinte.13

Uma das principais campanhas da primeira fase da gestão de Pimentel foi a luta contra o desemprego, que desde o ano anterior assumira índices alarmantes. Além disso, na primeira edição do órgão oficial do sindicato, o Jornal META, sob a sua administração, faz-se menção à conjuntura política e sindical do país, bem como às mobilizações desencadeadas no próprio Estado do Rio de Janeiro.

Em relação ao problema do desemprego, não há uma crítica direta ao regime civil-militar, fazendo-se apenas uma referência breve às leis que beneficiavam sempre os empregadores em detrimento dos empregados. Por fim, convocava os metalúrgicos a participarem mais do sindicato e a encamparem a luta contra o desemprego. O jornal também mencionava a luta dos trabalhadores do ABC paulista, quando da sua primeira grande greve, saudando o evento como um grande momento na luta das classes trabalhadoras.14 O acontecimento mais importante naquele ano de 1978, conforme já indicado, foi a greve na FIAT. Com uma delegação de fábrica legalmente reconhecida, a FIAT sempre manteve um relativo nível organizacional, mesmo durante a ditadura. Além disso, a dinâmica sindical dentro da FIAT corria parcialmente em separado do resto da categoria, uma vez que o dissídio na fábrica acontecia em maio, e não em setembro conforme os demais metalúrgicos do Rio de Janeiro. Por conta da mobilização daquele ano, o delegado sindical Gilson Thomás de Aquino, militante originário da extrema esquerda, foi demitido ao lado de outros 93 operários. A greve da FIAT, embora vitoriosa nas suas reivindicações salariais, não conseguiu suspender as demissões. Ainda assim, serviu como suporte organizacional para futuros embates.15 Ao mesmo tempo, e apesar da hegemonia oposicionista na FIAT, as suas lideranças buscavam, a todo instante, o apoio e o reconhecimento tanto do sindicato quanto do Ministério do Trabalho, através de sua delegacia regional. Conferia-se, portanto, autoridade a instâncias estatais permanentemente criticadas e mesmo taxadas de ilegítimas.

 

1979: A SEGUNDA GREVE NA FIAT

 

Em julho de 1979, em seguida a um fracassado dissídio, os trabalhadores da FIAT entraram em greve. Os acontecimentos ocorridos nesta fábrica de automóveis podem ser analisados tendo em vista as contradições existentes no segmento que veio a formar o chamado “Novo Sindicalismo”. Movimento efetivamente hegemonizado pelas correntes “renovadoras” do movimento sindical, nem por isso nele se verificou uma unidade de propósitos e de conduta. Se, na paralização de 1977, poucas foram as divergências apresentadas no encaminhamento das reivindicações, desta feita a unidade não era mais verificada sequer na deflagração da própria greve. Trabalhavam na FIAT, naquele período, militantes de diversas correntes de esquerda. Da igreja católica à organizações de carácter marxista-leninista. Todos opositores ao “peleguismo” de Pimentel.

De acordo com João Leal de Araújo, militante da Pastoral Operária, o movimento na FIAT começou com a pauta de reivindicações elaborada pela comissão de fábrica no mês de abril. Os trabalhadores tentaram negociar com a direção da empresa, iniciativa frustrada pela falta de interesse dos dirigentes da fábrica. Em assembleia convocada pela comissão, Luis Gianinni, militante do MST (Movimento Socialista dos Trabalhadores), pequeno agrupamento de carácter “sindicalista”, propõe o encaminhamento de uma greve imediata. Alegando a falta de tradição de greves em abril, a comissão foi contra. Na votação da assembleia, saiu vitoriosa a proposta da comissão de fábrica. Apesar de derrotada a proposta de greve, ainda assim, desrespeitando as deliberações da assembleia houve tentativa de paralisação, cujo resultado foi apenas parcial e parte dos grevistas foram demitidos.

Na assembleia que aprovou a pauta de reivindicações, os setores considerados mais conservadores propuseram a inclusão de um item de desconto para o Sindicato, proposta rechaçada pela oposição. Em resposta ao campo conservador foi aprovado um desconto que ficaria sob o controlo da comissão de fábrica, para que a verba fosse utilizada apenas na Delegacia Sindical de Xerém, distrito pertencente à cidade de Duque de Caxias, onde se localizava a fábrica. Um mês após a entregua da pauta de reivindicações, e sem resposta patronal, a FIAT voltava a parar. O movimento grevista, mais uma vez, tinha início sob a liderança de Luis Gianinni. Com a fábrica apenas parcialmente parada, a direção do sindicato compareceu em peso, buscando fazer refluir o movimento. Além de Oswaldo Pimentel, esteve presente também o ex-membro da comissão de fábrica da antiga FNM (Fábrica Nacional de Motores),16 Jarbas Amorim. Em assembleia, enquanto alguns segmentos mais radicalizados, liderados por Gianinni, defendiam a greve, a direção do sindicato foi contra o movimento. Após grande confusão e conflito, Pimentel foi obrigado a retirar-se da fábrica protegido pela polícia. No dia seguinte, os seguranças da fábrica prenderam Luís Gianinni e esta parou exigindo a sua libertação. Após a sua soltura, Gianinni fez um discurso criticando duramente a política de conciliação de diversos setores do movimento sindical, a começar por Lula, principal expoente do chamado “Novo Sindicalismo”. Gianinni havia recebido aviso prévio da fábrica, que foi publicamente rasgado pelos operários que exigiam a sua libertação e imediata readmissão. Uma semana após o início da paralisação, foi aprovado um acordo considerado bom pela militância. Porém, o impasse continuava em função da recusa dos diretores da FIAT na readmissão de Giannini. Em assembleia realizada no Clube Piauí, município de Duque de Caxias, Luis Giannini não compareceu, mandando uma carta e liberando os trabalhadores para tomarem a decisão que considerassem melhor para eles. Após 12 dias de greve, a FIAT cedeu e acabou aprovando o retorno de Giannini ao trabalho. Imediatamente, foi incorporado na comissão de fábrica, o que lhe garantia alguma estabilidade. Após a greve, formou-se uma comissão com 10 trabalhadores estáveis. Entre eles, Luis Giannini e João Leal. Assim, segundo avaliação predominante, a greve foi considerada vitoriosa, não apenas pela vitória salarial, mas também pelo reconhecimento das formas de organização dos trabalhadores.17 O processo de greve da FIAT foi narrado também pelo Jornal do Sindicato dos Metalúrgicos (META) como tendo sido uma vitória da categoria e um processo no qual o sindicato teve participação direta.18

Em relação à questão da insalubridade e da periculosidade, também houve um processo de mobilização dos trabalhadores da FIAT, fruto da luta em torno da greve. A CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), cuja eleição é obrigatória por lei, era até então controlada pela direção da fábrica, sem a participação dos trabalhadores. Estes, em 1979, exigiram uma eleição na qual pudessem concorrer. Atendendo a uma determinação legal, ocorreram as eleições nas quais foram eleitos 16 membros para a CIPA, com total estabilidade no emprego. A partir daí, a CIPA começou a encaminhar um conjunto de reivindicações a fim de melhorar as condições de trabalho na fábrica. Por exigência dos trabalhadores da FIAT, foram contratados e remunerados pelo sindicato, dois técnicos especializados em insalubridade, da FIOCRUZ (Fundação Instituto Oswaldo Cruz) e uma nutricionista, o que melhorou consideravelmente as condições de trabalho e de saúde daqueles trabalhadores.19

A greve da FIAT foi de inegável importância para o movimento sindical do Rio de Janeiro, em particular para a categoria dos metalúrgicos. Porém, não há como negar a importância do estatismo sindical no processo. Todo o processo de greve foi encaminhado no sentido da legalidade sindical. Apesar das constantes críticas ao sindicato, procurou-se sempre “comprometê-lo” com o movimento. A sua presença era considerada importante em Xerém. A CIPA, órgão legal e reconhecido pelo Ministério do Trabalho, foi o alvo principal a ser ocupado pelos militantes da fábrica. Além disso, procuraram o Ministério do Trabalho para que a eleição fosse efetivada. Por fim, nos dissídios da categoria, o papel do delegado regional do trabalho era entendido como fundamental, por mais que parte dos discursos objetivasse ofuscar o papel das instâncias legais em favor do protagonismo único da organização “autônoma e independente” dos trabalhadores.

 

SETEMBRO DE 1979 – A HORA DA GREVE

 

O dissídio dos metalúrgicos do Rio de Janeiro, como já foi dito, acontecia em agosto. Porém, naquele ano, a mobilização começou bem antes. Já desde o início do ano, um conjunto de ações foi tomado a fim de garantir, com maiores possibilidades de êxito, as reivindicações dos trabalhadores. As duas principais foram a divisão por áreas geográficas e a criação da Comissão Executiva de Salário (CES). Ambas as medidas foram iniciativa da oposição. Para o primeiro caso, predominava a ideia de que a categoria dos metalúrgicos do Rio era muito dispersa, espalhada por toda a cidade, além de alguns municípios vizinhos. Deste modo, se a campanha salarial ficasse centralizada apenas no sindicato, as dificuldades de mobilização seriam maiores. Próximo do seu local de moradia ou de trabalho, o operário via-se em melhores condições de atuar.20 Por outro lado, a CES tinha a tarefa de elaborar a pauta de reivindicações a ser apresentada no momento de negociar com os patrões. Neste caso, a posição assumida no ­sentido da criação da CES era a de que ela envolveria mais os ativistas no processo, comprometendo a categoria como um todo. Porém, para as oposições, o que predominou na constituição da CES foi o facto de que a direção do Sindicato não era confiável para encaminhar sozinha a campanha salarial (Torreão, 1986).

A subdivisão de áreas estabeleceu a organização dos metalúrgicos em torno das seguintes regiões: Centro-Sul, São Cristóvão, Del Castilho, Inhaúma, Avenida Brasil (até Parada de Lucas), Área Naval, Jardim América, Vicente de Carvalho, Guadalupe, Nova Iguaçú, Caxias e Campo Grande.21 A totalidade dos depoimentos afirma o predomínio das oposições na direção das subáreas.22 A sua importância aumentava ainda mais em virtude da CES e do Comando de Greve a ela submetido. Indicados em assembleia realizada na sede do sindicato no dia 22 de junho, eram estes os seus membros: Jarbas Amorim, presidente; Joaquim Arnaldo de Albuquerque, relator; Antonio Carlos Costa, secretário; Marcos Carvalho dos Santos, Antonio Cláudio Cunha e Maria Inês Pereira Guimarães, vogais. Além destes nomes, podiam participar do comando todos os coordenadores de área e toda a direção do sindicato, o que fez com que chegasse a ter 35 membros (Torreão, 1986). Segundo a opinião das oposições e da direção, a CES teve um papel fundamental na greve. Constituída para elaborar a pauta de reivindicações a ser encaminhada pela categoria, ela acabou dirigindo o movimento de greve.23 A CES, é importante assinalar, não era reconhecida legalmente pelos estatutos do sindicato, e menos ainda pelo Ministério do Trabalho. Assim, constituía-se numa organização paralela à estrutura sindical. Porém, a busca de um reconhecimento formal por parte da direção do sindicato fez com que ela se submetesse ao sindicato. E, portanto, ao estatismo que pretendia negar.

Além da reivindicação por aumento de 83%, estavam também presentes nas reivindicações apresentadas pelos metalúrgicos: estabilidade no emprego para os delegados sindicais, estabilidade para a mulher gestante até dois anos após o parto, pagamento de insalubridade em cima do piso salarial e extensiva a toda a categoria, pagamento em dobro das férias e redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais.

No entanto, apesar da extensa lista, o que predominava era a questão salarial. Era ela, no dizer de João Carlos do Amaral que “dava o tom” do movimento.24 Álvaro Lins, em entrevista concedida ao autor, não menciona sequer as demais reivindicações.25 Também o jornal META, na edição de agosto, dava destaque para a questão salarial: 83% ou GREVE.26

No dia 12 de setembro, uma quarta feira à noite, foi deflagrada a greve dos trabalhadores metalúrgicos do Rio de Janeiro. Decidida em assembleia, as diversas subáreas garantiram o sucesso do movimento. Aquela foi talvez uma das maiores assembleias da história do Sindicato dos Metalúrgicos. A rua Ana Néri, sede da entidade, ficou completamente tomada e o tráfego de veículos foi obrigado a mudar.27 Segundo João Carlos do Amaral, a greve foi decidida por cerca de 10 mil metalúrgicos.28 Na quinta-feira, segundo dia do movimento, a paralisação atingiu cerca de 90% das indústrias, resultado plenamente satisfatório e, até certo ponto, inesperado, tanto para os ativistas quanto para os patrões. Os empresários do setor metalúrgico solicitaram ao Ministério do Trabalho a intervenção no sindicato e a decretação da ilegalidade do movimento grevista. Além disso, convocaram a Polícia Militar (PM) para reprimir a prática de piquetes. Após a decretação da greve, as negociações foram suspensas. No primeiro dia, grande parte dos operários que sustentou os piquetes ficou sem almoço, problema que somente foi sanado no dia seguinte, quando as esposas e parentes dos trabalhadores se organizaram para levar os alimentos à porta das fábricas. Como era comum à época, houve violência na porta das fábricas. Da PM contra os operários, destes contra a polícia e também contra os chamados “fura-greve”.

Nesta sexta feira, dia 14, os empresários e o governo decidiram radicalizar contra o movimento. O julgamento do dissídio fora marcado pelo Tribunal Regional do Trabalho para aquele dia, às 13h00.29 O ministro do Trabalho, Murilo Macedo, também naquele dia, declarou que a participação em greve, de acordo com o decreto-lei 1932, de agosto de 1978, implicava em demissão por justa-causa. O TRT julgou a greve e concedeu um aumento de 46%. A reunião de negociação, entretanto, foi adiada. Assim, o Ministério do Trabalho preferiu não intervir no sindicato, esperando a continuidade das negociações. Os metalúrgicos rejeitaram a proposta apresentada pelos patrões de 73% de aumento escalonado. A direção do sindicato apresentou uma contraproposta intitulada “Protocolo de Intenções” e que aceitava os 73% de aumento escalonados. Contrariamente à proposta da direção do sindicato, o relator da CES, Joaquim Arnaldo, defendeu a continuidade do movimento em prol dos 83% e propôs uma nova assembleia para domingo, dia 16. Até lá, a comissão e a direção manteriam as negociações. Esta proposta, por ampla maioria dos presentes à assembleia, foi aceite. A greve continuaria.30

No sábado, dia 15, conforme aprovado no dia anterior, a CES, a direção do sindicato e os representantes das áreas, estiveram ocupados nas negociações com os patrões. Estes entendimentos, entretanto, apesar da aparente tranquilidade, estavam constrangidos pela possibilidade de intervenção no sindicato a qualquer momento.

No dia seguinte, domingo, a assembleia foi marcada por uma forte tensão. Para algumas lideranças, bem como para a direção do sindicato, o objetivo daquele encontro deveria ser o de decretar o fim da greve. Os patrões apresentavam uma nova contraproposta: 75% escalonados. Para a direção do sindicato, o argumento principal para a volta ao trabalho era a necessidade de evitar os riscos de uma intervenção federal. Para algumas lideranças da oposição, o índice alcançado era uma vitória. Esta era, por exemplo, a posição assumida por uma das correntes mais fortes dentro do movimento oposicionista, a Ala Vermelha.31 O relator da CES, Joaquim Arnaldo, defendeu a volta ao trabalho e a manutenção de um “estado de greve”. Entretanto, a proposta vitoriosa na assembleia, foi a de continuidade do movimento grevista e a convocação de uma nova assembleia no dia seguinte, segunda-feira à noite. A defesa da continuidade do movimento coube às correntes mais radicalizadas, como o já referido MST e a Convergência Socialista,32 corrente trotskista que tinha como sua principal liderança Maria Inês Pereira Guimarães, integrante da CES.

Na segunda-feira, dia 17, os factos vieram a comprovar a impossibilidade de continuação do movimento. Em primeiro lugar, o sindicato não assumia mais o movimento, enfraquecendo a CES, pois era ele quem negociava com o Ministério do Trabalho. Além disso, dispostos a encerrar a greve a qualquer preço, os patrões intensificaram a repressão aos piquetes, o que resultou em 42 prisões. Os “piqueteiros” enfrentaram ainda um problema adicional: o retorno ao trabalho de um contingente inesperadamente grande de metalúrgicos. Na assembleia realizada à noite, tumultuosa, foi decidido o fim da paralisação. Os dias de greve foram descontados e 45 metalúrgicos demitidos.

Terminada a paralisação, era chegada a hora do balanço. Como é evidente, nenhum dos grupos envolvidos afirma ter sido contra ou não se ter empenhado em favor da greve. Em relação à direção, ela sem dúvida nenhuma esteve presente no movimento. No jornal META de outubro buscou trazer para si, não sem menção à capacidade de luta dos metalúrgicos, a responsabilidade pelo desencadeamento e sucesso dos resultados alcançados.33 Porém, para boa parte da militância, a direção do sindicato ficou “a reboque”, dirigida que foi pela CES. Em rigor, a direção do sindicato não teria como ser contra um movimento com tamanha força.34 Para além de uma avaliação melhor ou pior da direção e das demais lideranças, todos os segmentos são unânimes em apontar o forte poder de mobilização da categoria como um todo. Curioso é que, dada a importância até certo ponto mítica da classe operária, verificada nas diversas avaliações, regista-se alguma omissão informativa sobre o comportamento dos trabalhadores na segunda-feira, quando um grande contingente destes retornou ao trabalho. Aí, prevalece a acusação contra algum culpado. Para uns, foi a direção que deixou de se empenhar em favor da greve. Nestes casos, as acusações, em geral, buscam atingir também o PCB, o PC do B e o MR8, que teria orientado a militância a fim de comparecer ao trabalho. Para outros, a greve deveria ter sido encerrada no dia anterior, domingo, e a irresponsabilidade de alguns segmentos, nomeadamente da Convergência Socialista e setores radicais teriam quase posto a perder um movimento que, no domingo, se avizinhava vitorioso. Neste caso, a “massa” teria percebido o erro de continuar a greve.

De qualquer modo, a opinião predominante é a de que o movimento foi vitorioso. Exceção feita à Convergência e ao MST. Estas duas correntes interpretaram o final da greve como um ato de “traição” à classe operária. Quanto aos setores que avaliaram positivamente o resultado, eles afirmam que a categoria como um todo entendeu o desfecho da greve como necessária para garantir as conquistas obtidas.

 

O SINDICATO DOS METALÚRGICOS NA FASE FINAL DA TRANSIÇÃO BRASILEIRA: A FORÇA DA TRADIÇÃO

 

Entre 1980 e 1985, o movimento sindical brasileiro viveu momentos de acirrada disputa ideológica entre as correntes “renovadoras” e “conservadoras”. Estas disputas, às vezes excessivamente doutrinárias, às vezes excessivamente pragmáticas, acabaram levando a uma proliferação de centrais sindicais no país. Estas diferenças, acima discutidas, estariveram presentes, como não poderia deixar de ser, no Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro.

Durante estes seis anos, além das questões referentes à política nacional no seu sentido mais amplo e também no estrito senso do sindicalismo, ocorreram três campanhas eleitorais (1980, 1983 e 1984), seis campanhas salariais, além da greve dos 42 dias na FIAT, em 1981. O comportamento dos diversos grupos frente a esses acontecimentos demonstra bem a importância que o estatismo assume para o sindicalismo brasileiro.

 

A CAMPANHA ELEITORAL DE 1980 E A REELEIÇÃO DE OSWALDO PIMENTEL

 

Após o movimento grevista do ano anterior, o Sindicato dos Metalúrgicos voltou a viver momentos de grande atividade com a deflagração do processo eleitoral de 1980. Todos os agrupamentos políticos que participaram da greve concorreram às eleições.

De acordo com Valdir Vicente de Barros 35, havia grande unidade em torno da proposta de manutenção de Pimentel como presidente do sindicato. A sua gestão havia sido democrática e aberta a toda a categoria. Assim, não havia grandes polémicas na definição do seu nome para a reeleição. Compondo com o MR-8, o PCdoB, setores vinculados ao dirigente comunista então retornado ao Brasil, Luis Carlos Prestes e segmentos mais tradicionais do sindicato, formou-se uma chapa defensora da continuidade da gestão anterior. O PCB, ao contrário das expectativas, preferiu sair com uma chapa própria, argumentando que a chapa encabeçada por Pimentel era hegemonicamente conservadora, prevalecendo os antigos “pelegos”. No entanto, optou também por não fazer aliança com as correntes do chamado “Novo Sindicalismo”. Além disso, é notório que o PCB buscava, naquela época, uma afirmação perdida no movimento sindical metalúrgico. “Diluir-se” numa composição em nada contribuiria para este projeto.

As correntes que, em 1979, se definiam como oposicionistas, mais uma vez demonstraram dificuldades de união em torno de uma única chapa. De um lado, formou-se uma corrente que se auto designou MUM (Movimento União Metalúrgico). Este segmento é o que conseguiu ser o mais amplo dentro do quadro oposicionista. Dele participavam os setores da Igreja, a Ala Vermelha, a POLOP, o Movimento pela Emancipação do Proletariado (MEP), além de setores independentes. No entanto, a unidade oposicionista não foi possível, formando-se outra chapa, com a Convergência Socialista e o MST.36 Como já se sabe, a possibilidade de uma chapa conjunta, incluindo, por exemplo, a igreja e a AV, ao lado da CS e do MST, era profundamente difícil, dadas as diferenças demonstradas desde a greve do ano anterior. O que não significa que não houvesse grupos interessados em tal unidade. No entanto, a CS e o MST, viam com reservas a indicação do nome de Joaquim Arnaldo de Albuquerque como provável candidato à presidência da entidade. Ao mesmo tempo, segundo alguns depoimentos, a AV não estaria interessada em compor com as correntes ditas mais “esquerdistas” e “sectárias”.37 De acordo com Álvaro Lins, então militante da AV, é possível que tenha havido o veto contra a CS e o MST, por parte de sua organização política. Mas também afirmava que estas correntes pretendiam uma participação na chapa, maior do que a sua real representatividade.38 A escolha de Joaquim Arnaldo como candidato à presidência do sindicato deu-se por três motivos básicos. O primeiro tem a ver com a necessidade de uma candidatura experiente, que inspirasse respeito na categoria. Militante antigo, nas lutas do sindicato desde os anos 60, Joaquim Arnaldo era o que melhor preenchia este requisito.39 O segundo decorre da sua participação nos Encontros e Congressos Nacionais e Estaduais dos Metalúrgicos e do movimento sindical como um todo. Destacam-se, entre outros, o Encontro Nacional dos Metalúrgicos em 1979 e, no ano seguinte, os Encontros de João Monlevade e de São Bernardo.40 O terceiro fator que definiu a indicação de Joaquim Arnaldo foi a importância que poderia ter o empenho da igreja católica no apoio à chapa encabeçada por um dos seus mais destacados militantes.41

Durante o processo eleitoral, duas correntes despontavam como favoritas. De um lado, a chapa 4, encabeçada por Oswaldo Pimentel; de outro, a chapa 2, encabeçada por Joaquim Arnaldo de Albuquerque. O PCB, isolado, sabia que teria poucas possibilidades. A composição CS/MST, que buscava demarcar uma campo à esquerda, também tinha possibilidades reduzidas. Tanto a chapa 4 quanto a chapa 2, traziam consigo as principais lideranças da greve de 1979, tida como vitoriosa. De um lado, o nome de Oswaldo Pimentel, além do apoio de Benedito Cerqueira, presidente do sindicato cassado em 1964. De outro lado, nomes como o de Joaquim Arnaldo, Washington Costa, Gílson Thomás de Aquino, Nelson Vasques e o apoio de João de Deus, veterano militante do sindicato.

A eleição ocorreu entre os dias 17 e 24 de novembro de 1980.42 O resultado eleitoral, deu vitória à chapa situacionista encabeçada por Oswaldo Pimentel. Os números da eleição são os seguintes: chapa 4: 5294 votos; chapa 2: 2750 votos; chapa 1: 1462 votos; chapa 3: 726 votos; brancos: 107 votos; nulos: 218 votos. O quadro, portanto, das eleições de 1980, revela-nos o reduzido número de trabalhadores em condições de voto. De um total aproximado de 250 mil metalúrgicos, com 53 mil sindicalizados, apenas 14660 podiam votar, e destes, participaram do pleito apenas 10577.43

A vitória da chapa 4 representou uma evidente continuidade com o período anterior, apesar da tão propagada hegemonia oposicionista na campanha salarial de 1979. Uma das causas da derrota oposicionista foi, sem dúvida, a divisão. Num colégio eleitoral tradicionalmente oposicionista como era a FIAT, por exemplo, a chapa 1, encabeçada por Maria Inês, resultou vitoriosa devido à liderança de Luis Giannini.44 Porém, o facto determinante da vitória situacionista, de acordo com a quase totalidade dos entrevistados, foi a denúncia, atribuída ao MR-8, de que o candidato à presidência pela chapa 2, Joaquim Arnaldo era patrão. Trabalhando numa firma registada em nome da sua esposa, era quase impossível a sua caracterização como um simples empregado. Durante o regime civil-militar, para que as lideranças sindicais continuassem a atuar nos sindicatos a que estavam filiados, era comum a criação de pequenas oficinas que os empregassem, ficando registadas no nome de terceiros. De acordo com Gilson Thomás de Aquino, Joaquim Arnaldo trabalhava numa cooperativa montada pela igreja para dar emprego a militantes “queimados”. Porém, a denúncia, que caiu como “uma bomba” sobre os ativistas do MUM, fragilizou a campanha e contribuiu para que alguns votos migrassem para a chapa 1, da aliança CS/MST.45 Para outros militantes, entretanto, a vitória da chapa 4 não se resumiu à referida denúncia. Acreditam estes que, além da acusação, os segmentos oposicionistas organizados no MUM, não souberam, quando da greve de 1979, demarcar um evidente campo político capaz de diferenciá-los da direção do sindicato.46 Terminado o pleito, a nova direção teve de enfrentar uma conjuntura ao mesmo tempo difícil e extremamente rica. Além de toda a situação nacional, a direção eleita do Sindicato dos Metalúrgicos sabia da força oposicionista. Esta, por seu turno, tentava manter-se mobilizada, embora uma efetiva articulação no sentido de enfrentar a nova gestão de Oswaldo Pimentel, só viria a efetivar-se às vésperas do novo pleito, em 1983.

Após as eleições, antes mesmo de tomar posse, o jornal META divulgava o resultado do pleito e o programa da chapa vitoriosa. Em artigo assinado por Oswaldo Pimentel, aparece o discurso da unidade, do esforço da chapa 4 em buscar a composição com os diversos segmentos atuantes no sindicato.47

Como se percebe, há mais uma versão para o facto de a chapa situacionista ter obtido o número mais alto: a incansável busca de unidade. O argumento da unidade é permanentemente utilizado nos meios políticos. É como se, acima das divergências, pudesse haver interesses comuns, que possibilitassem uma ação conjunta. Este argumento busca negar a existência de conceções absolutamente diversas e inconciliáveis. No caso do movimento sindical, por exemplo, as teses acerca da forma de organização dos sindicatos, da relação com o Estado e com os partidos políticos eram bastante divergentes e, como consequência, de difícil conciliação. No entanto, é um facto, também, que o argumento em favor da unidade costuma ter impacto eleitoral.

 

FIAT/1981 – A GREVE DOS 42 DIAS

 

O ano de 1981 foi marcado, na vida do sindicato, sobretudo, pela greve da FIAT. O facto merece relevância, não só pela dimensão que a paralização teve, como também pela hegemonia oposicionista na fábrica. Assim, ela marca um momento de tentativa de afirmação das oposições como um grupo organizado e ativo no sindicato, e merece ser visto, também, como um momento em que a direção se via impelida a relacionar-se com um movimento que se realizava sob o controlo dos seus adversários.

A greve ocorreu num momento de fragilidade da Comissão de Fábrica da empresa, dado o acelerado processo de demissões ocorridas devido à transferência da FIAT para o Estado de Minas Gerais.48 O “mote” do movimento foi a demissão em massa de 250 trabalhadores no final do mês de abril. Entre os demitidos contava-se João Leal de Araújo e demais membros da comissão que, desde o ano anterior, tinham estabilidade garantida. Uma assembleia no dia 30 de abril, com 1100 operários, decide pela greve por tempo indeterminado e por uma ocupação “branca” da fábrica a partir do dia 4, segunda-feira. Naquele primeiro dia, os trabalhadores demitidos foram impedidos de entrar na fábrica. Após um momento de tumulto, estes acabam entrando por ­imposição dos demais trabalhadores. O presidente do sindicato, Oswaldo Pimentel, em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, colocava-se contra a greve e propunha que se formasse uma Comissão para conversar com os patrões, proposta esta rechaçada pelos trabalhadores da fábrica.49 Na segunda-feira, os operários paralisam as suas atividades. O Sindicato dos Metalúrgicos do Rio, frente às circunstâncias, declarou o seu apoio ao movimento, o que não era esperado pelas lideranças da greve.50 No dia 12 de maio, a greve foi considerada legal pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT). Unanimemente, para a liderança do movimento, tal facto constituiu uma grande vitória da categoria, fruto da mobilização que levou, às portas do TRT, cerca de 850 operários.51 No entanto, as dificuldades aproximavam-se. A greve teve o seu reconhecimento, embora as suas reivindicações não tivessem sido julgadas.52 O movimento grevista teve também repercussão internacional. No dia 31 de maio, chegou ao Brasil o sindicalista Bruno Sacerdotti, da Federação dos Metalúrgicos de Turim, para prestar solidariedade aos seus colegas brasileiros. Já com um mês de greve, os operários da FIAT encontravam-se mais mobilizados. No dia 1.° de junho, prepararam um Ato Público na Assembleia Legislativa a fim de angariar maior apoio ao movimento. A intenção era clara: no dia 4 de junho realizar-se-ia um novo julgamento e a meta era adquirir força para constranger os membros do TRT. Aquando do julgamento, mais de 2000 operários foram com as suas famílias à porta do Tribunal. O resultado frustrou e revoltou os manifestantes. Contraditoriamente, apesar de ter julgado pela legalidade da greve, o TRT considerou improcedentes as reivindicações. A revolta dos operários foi de tal grandeza que, nos dias 5 e 8 (sexta e segunda), não deixaram ninguém entrar na fábrica. No dia 9, um aparato com mais de 300 policias militares ocupou a fábrica. Os trabalhadores em greve puderam entrar na fábrica e, após uma assembleia interna, houve a tentativa por parte da PM de cercar os trabalhadores. A manobra foi percebida a tempo e os grevistas evitaram-na espalhando-se pela fábrica. O comando de greve buscou negociar com a PM uma saída pacífica dos trabalhadores, o que não foi conseguido. Após um cerco que durou das 8h00 às 14h00, os trabalhadores acabaram sendo retirados à força, quando mais 50 grevistas fram demitidos por justa causa. A partir desta data, a repressão policial só tendeu a aumentar. O enfraquecimento da greve era cada vez mais evidente. O sindicato voltava-se novamente contra a greve, afirmando não existirem condições de continuidade. Recusava-se, igualmente, a dar apoio material. O argumento era de que não apoiariam um movimento ilegal. Apesar do apoio de diversas entidades da sociedade civil, em assembleia no dia 10, os trabalhadores decidiram pelo fim da paralisação. A tentativa das lideranças da greve era a de que, reconhecendo uma “derrota das reivindicações”, não houvesse também uma “derrota do movimento”.53

O fim da Greve deixou uma situação de desgaste extremamente forte. Para muitos, as vacilações da direção do sindicato contribuíram para que a greve não tivesse o êxito esperado. Embora sem sucesso, parte da militância sindical da FIAT chegou a propor a formação de uma Associação de Empregados da FIAT e a consequente rutura com o sindicato. Entretanto, tal proposta não obteve êxito, uma vez que mesmo alguns militantes opositores à gestão de Oswaldo Pimentel, foram contra a separação da FIAT do Sindicato dos Metalúrgicos, por entendê-lo como um “patrimônio dos trabalhadores”.54

Deste movimento, duas importantes conclusões devem ser tiradas. A primeira, é que, a despeito de ter mobilizado parte considerável da sociedade civil, além da repercussão externa, a Greve da FIAT não mobilizou a categoria, ficando isolada à própria fábrica. Como nas duas greves de 1979, evidenciava-se um comportamento basicamente corporativo, onde os problemas enfrentados pelos trabalhadores da referida fábrica, não dissesse respeito aos demais metalúrgicos. Assim, compreende-se as dificuldades dos segmentos aliados do chamado “Novo Sindicalismo” em romperem com a estrutura estatista. Esta estrutura, longe de ser um ente estranho aos trabalhadores, demonstra a sua força no comportamento destes mesmos trabalhadores. É uma cultura que lhes pertence.

A segunda conclusão, decorrente da primeira, é a necessária compreensão da força que tem o Estado nestes momentos de conflito. Todas as energias depositadas na greve foram canalizadas para a estrutura estatal. O peso colocado nos momentos de definição da legalidade ou ilegalidade do movimento e nos dissídios realizados sob a mediação do Estado, demonstra, por si, o papel-chave que tem o Estado no movimento sindical brasileiro. A greve da FIAT foi derrotada no instante em que, após grandes mobilizações, envolvendo inclusive os familiares dos grevistas, o TRT considerou improcedentes as reivindicações dos seus trabalhadores. A partir daí, o esvaziamento ocorreu de forma lenta, porém contínua. Sem o reconhecimento do Estado e sem o apoio do sindicato, não haveria mais greve.

 

1983/1984: DUAS ELEIÇÕES – UM SÓ PROCESSO

 

No ano de 1983, a gestão de Oswaldo Pimentel chegava ao seu final. Novas eleições foram então marcadas e, com isso, as correntes atuantes do Sindicato dos Metalúrgicos voltaram a articular-se. Naquele momento, a conjuntura ­sindical assemelhava-se àquela de 1980, quando as oposições saíram divididas. Porém, apesar da permanência do regime civil-militar, a conjuntura política sofreu algumas mudanças que influenciaram o comportamento das correntes sindicais nas disputas políticas do período. Interessa destacar, em particular, a fundação da CUT, com a definitiva divisão no movimento sindical brasileiro entre os defensores e os adversários da unicidade sindical imposta em lei. Igualmente consolidava-se a transição democrática, com as articulações em prol da convocação imediata de eleições diretas. Quanto ao sindicato, devido a um resultado eleitoral conturbado, houve duas eleições: a primeira em 1983 e a seguinte em 1984.

A necessidade de manter a dirção sob o seu controlo, fez com que a corrente liderada por Oswaldo Pimentel buscasse apoios, os mais amplos possíveis. Diga-se de passagem que este segmento jamais rejeitou a possibilidade de coligações com o chamado “Novo Sindicalismo”, excluindo aqui as correntes mais “radicais”. Entretanto, sabia-se que era impossível uma unidade tão ampla garantindo, ao mesmo tempo, a hegemonia e o consequente controlo político na direção do sindicato. Desta forma, recorreu-se à busca de uma composição ampla, porém dentro dos limites impostos por esta realidade. De difícil composição, a chapa 1 acabou tendo como candidato um nome sem grande expressão, Jorge de Carvalho, ligado ao PCB. Compunham a chapa nomes ligados a Oswaldo Pimentel e Valdir Vicente, mas também a setores vinculados a algumas organizações de esquerda presentes na CUT, como a Ala Vermelha e o MEP. Talvez em decorrência da presença de setores de esquerda, algumas correntes tradicionalmente aliadas a Pimentel e a Valdir Vicente, preferiram sair em chapa própria, sob a liderança do MR-8, com Marcos de Carvalho candidato a presidente. Para as correntes do chamado “Novo Sindicalismo” presentes na composição, o argumento mais forte foi a necessidade de vitória e esta seria impossível sem um acordo amplo. Deste modo, neutralizar-se-ia tanto os setores mais à “direita” do movimento sindical (MR-8 à frente), como também os mais à “esquerda” (CS). Seria esta, segundo os defensores da unidade, o único modo possível de fazer com que as correntes consideradas renovadoras saíssem vitoriosas no movimento sindical metalúrgico do Rio.55 Vê-se assim que, para estes setores, a vitória de um movimento sindical renovador passava, necessariamente, pela conquista do sindicato estatista em aliança com segmentos que publicamente defendiam a unicidade sindical herdada da CLT combatida pela CUT.

Porém, o movimento sindical “cutista” não é um todo homogéneo, pelo contrário. Assim é que, a despeito do apoio dado à chapa 1 por algumas de suas correntes, outras optaram por organizarem uma chapa própria. Fizeram parte deste segmento a igreja, os sindicalista “autênticos” vinculados a Lula, a POLOP e outras correntes de esquerda. Para estes, era necessário consolidar, no Rio de Janeiro, um campo político declaradamente “cutista”.56 Compor, representaria um retrocesso em dois sentidos. Em primeiro lugar, a CUT, ainda em processo de consolidação, estaria optando por “diluir-se” exatamente em meio a seus principais adversários. Para além desta razão, havia também uma ideia de acordo com o “peleguismo”, cuja consequência, para o futuro do chamado “Novo Sindicalismo” no Rio de Janeiro, era imprevisível.57 Assim, a chapa 2 teve como candidato o militante da igreja, José Domingos Cardoso, o “Ferreirinha”. Apesar da inevitável derrota, o importante era a “demarcação” de um campo, mesmo que numa eleição “legalista”. Esta chapa, não por acaso, denominou-se Princípios e Luta.58

Como já foi dito, as correntes defensoras da unicidade sindical, a despeito do nome, também não conseguiram sair unificadas. O MR-8 não aceitaria uma composição com os “divisionistas” das CUT. A chapa 3, liderada por Marcos de Carvalho, saiu com a fiança quase exclusiva da sua própria organização. Da mesma forma como os militantes da chapa 2, declaradamente cutista, o MR-8 sentia a necessidade de disputar as eleições com um perfil próprio. Acreditava poder catalisar um sentimento oposicionista que se percebia na categoria. E tinha razão.

O resultado eleitoral, absolutamente inesperado, foi o empate entre as chapas 1 e 3. Foram, então, convocadas novas eleições. Por determinação do Ministério do Trabalho, a direção eleita em 1980, Pimentel à frente, continuaria na gestão do Sindicato até a realização do novo pleito. Este, ocorreu no ano seguinte, em 1984.

As eleições do ano seguinte implicaram em novas articulações. De um lado, os militantes da chapa 1 perceberam a importância que tinha o MR-8 naquele momento. Não havia como desprezar uma corrente que, disputando sozinha, quase saira vitoriosa. O próprio Valdir Vicente, futuro candidato à presidência, exigiu, como pré-condição de disputar as eleições, uma aliança com o MR-8.59 O secretário de Finanças seria Marcos de Carvalho. Isto acontecendo, estaria vedada a possibilidade de aliança com as correntes vinculadas ao chamado “Novo Sindicalismo”.

Estes, então, buscaram a unidade entre as oposições. Desta feita, procuraram uma aliança com os antigos membros da chapa 2, além do PCB. Os antigos defensores dos “princípios e luta” deixaram de fazer questão em afirmar um campo exclusivamente cutista e compuseram com os militantes do Partido Comunista. Na cabeça de chapa, Nelson Vasques, da Ala Vermelha, operário do Estaleiro Emaq, a mesma empresa onde trabalhava Marcos de Carvalho. José Domingos Cardoso, o “Ferreirinha”, candidato à presidência no ano anterior pela chapa Princípios e Luta, vinha como candidato à vice-presidência.

Agora, os campos políticos estavam mais definidos. O sindicalismo mais tradicional unificara-se na chapa 1, encabeçada por Valdir Vicente de Barros. Juntos, o MR-8 e o PCdoB. O chamado “Novo Sindicalismo”, aliado ao PCB, estava quase unido na chapa 2. Quase, pois havia uma terceira chapa encabeçada por Carlos Manoel. Jovem militante da igreja, representava um setor minoritário, renitente a qualquer tipo de aliança com os comunistas.60

A eleição ocorreu entre os dias 3 e 10 de outubro.61 O resultado eleitoral, mais uma vez, frustrou as expectativas dos apologistas do “Novo Sindicalismo”. Foi vitoriosa a chapa 1, garantindo o retorno de Valdir Vicente à presidência do Sindicato dos Metalúrgicos. Os números da votação são os seguintes: chapa 1: 4086 votos; chapa 2: 3387 votos; chapa 3: 300 votos. De 160 mil trabalhadores no setor, apenas 11 mil tinham condições de voto. Destes, somente 8220 compareceram às urnas.62

Para os componentes da chapa 1, as razões da vitória estavam nas políticas corretas assumidas, bem como na unidade entre os setores vinculados a Valdir Vicente e o MR-8.63 Uma das “posições corretas” era a defesa da transição democrática através do apoio a Tancredo Neves, candidato das oposições, em disputa com Paulo Maluf, do PDS. Como se sabe, o chamado “Novo Sindicalismo”, tanto quanto o PT, foi contra a ida ao colégio eleitoral. Este posicionamento contrário à ampla aliança política na transição prejudicou a chapa 2, até mesmo na opinião de seus membros.64 Segundo Álvaro Lins Cavalcante Filho, porém, os resultados demonstraram que o posicionamento em favor de uma candidatura própria do chamado “Novo Sindicalismo” poderia até ser correta, ainda que demonstrasse sérias dificuldades de êxito.65

As opiniões aqui expressas, ainda que antagónicas, possuem cada uma a sua parcela de razão. De um lado, é verdade que a defesa da eleição de Tancredo Neves pelo colégio eleitoral num momento de grandes mobilizações e esgotamento das possibilidades da ditadura devem ter facilitado a vitória da chapa 1. Mas é verdade também, e os resultados eleitorais aqui analisados assim o demonstram, que as chamadas correntes conservadoras no movimento sindical, sempre tiveram peso entre os metalúrgicos do Rio de Janeiro.

 

CONCLUSÃO

 

Os anos compreendidos entre a segunda metade da década de 1970 e a primeira metade da década de 1980, parte substancial da longa transição brasileira, foram marcados por um profundo otimismo com relação às possibilidades de renovação na política brasileira, incluindo aí o movimento sindical. O desejo do “novo” encheu corações e mentes de esperanças. “Novos agentes” emergiam depois de anos de ditadura e terror de Estado. As grandes greves do ABC, de 1978-1980 ocuparam as páginas dos principais meios de comunicação do Brasil e mesmo mundo afora. Parecia que um futuro promissor estava destinado ao país. De facto, não há como negar a importância da transição e os reais avanços da democracia brasileira. Mas, perigoso, o encantamento com o “novo” turvou visões potencialmente mais críticas, sobre-estimando as novidades e desdenhando as tradições, fazendo aqui uma referência talvez arbitrária a Arno Mayer. Por exemplo, a desejada rutura em relação ao passado, em larga medida turvou a compreensão do papel do Estado brasileiro como agente modernizador e elemento fundamental para alguma “desmercantilização” do mercado de trabalho. Desta forma, o movimento sindical, mesmo nas otimistas décadas de 1970 e 1980, tendeu a dar continuidade à estrutura herdada das décadas pretéritas. O “novo” reduzia-se apenas ao discurso e ao desejo. Não percebê-lo foi uma escolha.

 

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ENTREVISTAS CONCEDIDAS

 

AO AUTOR:

 

Álvaro Lins Cavalcante Filho

Jaime Leis Santiago

João Carlos do Amaral

João de Deus da Silva

João Leal de Araújo

Joaquim Arnaldo de Albuquerque

Marcos de Carvalho

Maria Inês Pereira Guimarães

Valdir Vicente de Barros

 

A ANA PAULA ALVES DE OLIVEIRA E RENATO ROCHA PITZER:

 

Joaquim Arnaldo de Albuquerque

Gilson Thomás de Aquino

 

DOCUMENTOS DO SINDICATO DOS METALÚRGICOS

 

META. Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Rio de Janeiro, 1970 a 1985.

Têrmo de Posse de Diretoria (março de 1975 a outubro de 1984).

 

MATERIAL DE ORGANIZAÇÕES OFICIAIS E NÃO GOVERNAMENTAIS

 

Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial, 9 de Agosto de 1943. CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, Brasil, Título V. Da Organização Sindical. Capítulo III. Do Imposto Sindical (Com um total de 32 Artigos).

Aconteceu Especial. CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação. SP, 1981.

CECUT– Centro Cultural dos Trabalhadores. 1979 A greve de setembro dos metalúrgicos do Rio de Janeiro. RJ, ABC Sociedade Cultural, 1981.

CEDI – Centro Ecumênico de Documentação e Informação. São Paulo, s/d.

 

PANFLETOS E MATERIAIS DE PROPAGANDA

 

IX Conferência dos Trabalhadores Metalúrgicos/RJ. 30/03 a 01/04 de 1979.Resoluções Finais.

“Demissões em Massa a FIAT DIESEL intranquilizam os metalúrgicos do Rio de Janeiro.”Nota oficial. Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Rio de Janeiro. 1.º de Outubro de 1981.

“Manifesto Programa”(1983). Chapa de Oposição,Princípios e Luta.

“A Greve da FIAT de 42 dias”. Cartilha, s/d.

Cut pela base. Projeto de Resoluções ao II Congresso Nacional da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Rio de Janeiro, 1986.

 

Recebido a 17-05-2016. Aceite para publicação a 31-01-2017.

 

NOTAS

 

1Em memória de Washington Costa, militante sindical e presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Rio de Janeiro entre 1987 e 1990.

2Existe uma vasta literatura a respeito da transição brasileira. São utilizados, para a tese de que a transição brasileira se encerrou com o fim do processo constituinte, os trabalhos de Fleicher (1988) e Vianna (1989); para uma leitura sobre as continuidades do modelo sindical, v. Rodrigues (1990a).

3Estados Unidos do Brasil. Diário Oficial, 9 de agosto de 1943. CLT – Consolidação das Leis do Trabalho, Brasil, Título V. Da Organização Sindical. Capítulo III. Do Imposto Sindical (Com um total de 32 Artigos).

4Sobre as articulações civis e o golpe de 1964, v. Dreyffus (2006), Cordeiro (2009); Grinberg (2009); Gomes e Ferreira (2014).

5As primeiras críticas ao modelo predominante entre 1945 e 1964 foram formuladas no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo, principalmente através dos trabalhos de Ianni (1988; 1989) e de Weffort (1973; 1978).

6Sobre os partidos e organizações de esquerda no Brasil, v. Reis Filho (1990); sobre a POPOP, v. Reis Filho (2007); sobre a AP, v. Ciambarella (2007).

7O nome oficial da entidade é: Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Rio de Janeiro. Doravante será chamado apenas de Sindicato dos Metalúrgicos, como é comumente referido.

8“Pelego” é a pele de ovelha ainda aderente à lã utilizada como cobertura do cavalo, por baixo do selim do cavalo. No vocabulário sindical brasileiro o termo é utilizado para designar o sindicalista que “amacia” a exploração patronal sobre os trabalhadores. V. Boito Jr. (1991).

9A rigor, esta medida não era nova. A escolha de nomes desconhecidos mas com representatividade é conhecida no movimento sindical. Valdir Vicente de Barros, o mesmo presidente “pelego” cassado por corrupção, elegeu-se em 1967 secretário geral da entidade em chapa composta e hegemonizada pelo PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário), organização comunista dissidente do PCB.

10Entrevista com Joaquim Arnaldo de Albuquerque.

11Entrevistas com João Leal de Araújo e João Carlos do Amaral.

12 Sobre a greve de 1979, v. Torreão (1986).

13Termo de Posse da direção do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Município do Rio de Janeiro, 6 de março de 1978.

14A GRANDE GREVE DO ABC. META, ano VII, n.º 26, 1978.

15Entrevista com João Leal de Araújo.

16A FNM, uma empresa estatal especializada no fabrico de caminhões de médio porte funcionou no município de Duque de Caxias até ser vendida para a Alfa Romeo. Logo em seguida foi vendida para a FIAT que ocupou, portanto, o mesmo espaço fabril. Antes do golpe de Estado de 1964 havia um forte movimento sindical na FNM de feição marcadamente trabalhista. Sobre o tema, v. Ramalho (1989).

17Entrevista com João Leal de Araújo.

18META, Ano VIII, n.º 29, Agosto de 1979.

19Entrevista citada com João Leal de Araújo.

20Entrevista com João Carlos do Amaral.

21Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho.

22Principalmente as entrevistas com Jaime Santiago, Álvaro Lins Cavalcante Filho e João ­Carlos do Amaral.

23Entrevista com Joaquim Arnaldo de Albuquerque.

24Entrevista com João Carlos do Amaral.

25Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho.

26 META, Ano VIII, n.º 29, Agosto de 1979.

27Entrevista com Jaime Leis Santiago.

28Entrevista com João Carlos do Amaral.

29Tema ainda pouco estudado pelos historiadores, os Tribunais bem como a Justiça do Trabalho tornaram-se, desde a sua implantação, importante palco de disputas e negociações dos trabalhadores. Em outras palavras, os trabalhadores procuravam, sempre que possível, lançar mão de um leque amplo de canais de reivindicação. Muito além da greve ou de outras formas de enfrentamento. Sobre o tema, v. Teixeira da Silva (2016) e Gomes (2002).

30Entrevista com Joaquim Arnaldo de Albuquerque.

31Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho. Ala Vermelha, dissidência do PC do B de 1966, teve importante atuação no movimento sindical do Rio de Janeiro. V. Silva (2006).

32Sobre a Convergência Socialista, v. Farias (2005).

33META, Ano VIII, n.º 30, outubro de 1979.

34Entrevista com João Carlos do Amaral.

35Entrevista com Valdir Vicente de Barros.

36Sobre o conjunto das organizações de esquerda alternativas e opositoras ao PCB, v. Ferreira e Reis Filho (2007).

37Entrevistas com João Carlos do Amaral e Maria Inês Pereira Guimarães.

38Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho.

39Entrevista citada com Jaime Leis Santiago.

40Entrevista citada com João Leal de Araújo. Sobre os referidos encontros, v. Rodrigues (1990a).

41 Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho.

42Termo de Posse da direção do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Mecânicas, Metalúrgicas e de material Elétrico do Município do Rio de janeiro, 6 de março de 1981.

43Aconteceu – Trabalhadores Urbanos no Brasil/1980, CEDI, 1981, p 24-25.

44Entrevista com Gilson Thomás de Aquino, concedida a Ana Paula Alves de Oliveira e Renato Rocha Pitzer.

45Entrevistas com Álvaro Lins Cavalcante Filho, Jaime Leis Santiago e João Leal de Araújo.

46Entrevistas com Jaime Leis Santiago, João Leal de Araújo e João Carlos do Amaral.

47META, ano X, n.º 34, 1981.

48Entrevista com João Leal de Araújo.

49Greve da Fiat de 42 dias, Cartilha, s/ed, s/d, p. 17.

50ACONTECEU, CEDI, outubro, 1981.

51Greve da Fiat…, cit., p. 19.

52Idem.

53Idem, 22-24.

54Entrevista com João Leal de Araújo.

55Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho.

56Entrevista com Jaime Leis Santiago.

57É o que se depreende da entrevista com João Leal de Araújo, por exemplo.

58Manifesto Programa - Chapa de Oposição -Princípios e Luta

59Entrevista com Valdir Vicente de Barros.

60Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho.

61Termo de Posse da direção do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas, Mecânicas e de Material Elétrico do Município de Rio de Janeiro, 15 de outubro de 1984.

62Aconteceu – Trabalhadores Urbanos no Brasil/82-84, CEDI, s/d.

63Entrevistas com Marcos de Carvalho e Valdir Vicente de Barros.

64Entrevistas citadas com Jaime Leis Santiago e João Carlos do Amaral.

65Entrevista com Álvaro Lins Cavalcante Filho.

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