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Revista Diacrítica
versão impressa ISSN 0870-8967versão On-line ISSN 2183-9174
Diacrítica vol.28 no.2 Braga 2014
RECENSÕES
Vivre le deuil au jour le jour: Christophe Fauré, Paris, Albin Michel, 2012, 330 pp.
Clara Costa Oliveira*
*Universidade do Minho, Instituto de Educação/Centro de Estudos Humanísticos; Instituto de Educação; Campus de Gualtar; Universidade do Minho; 4710 Braga; Portugal.
Nos últimos dez anos, verificou-se uma proliferação de investigação sobre o luto, provavelmente relacionada com o mesmo fenómeno, no que diz à morte e processo de morrer, que começou a ocorrer um pouco mais tarde. As pioneiras neste assunto foram as teóricas enfermeiras, com as suas descrições dos ciclos de sofrimento, como Kubler-Ross.
Todas as áreas de saúde se dedicam ao estudo desta temática, tendo sido produzidos vários quadros teóricos e de intervenção, conforme as áreas. Assim, na psicologia temos, talvez como os mais conhecidos, os ciclos de luto de Baldwin, Bruner e o de Neimeyer, (mais recente e mais reconhecido, atualmente), enquanto na psiquiatria podemos encontrar os ciclos de Wordem e de Lindemann, entre outros. Em Portugal, a Doutora Daniela Alves é uma referência incontornável neste assunto (em articulação direta com Neyemer). Alguns destes autores tratam dos lutos de vivos, além do luto dos mortos, que é aquele mais recorrente, em termos de investigação.
Esta obra, de autor menos divulgado entre nós – eventualmente por ser francófono – aborda ambos oso tipos de luto, ainda que dê alguma proeminência ao luto de mortos. Divide-se em seis partes, como indica o índice: O que é o luto?; O processo de luto; Qual luto?; A ajuda; Epílogo; Anexos. Cada uma destas secções encontra-se, contudo subdividida em várias subpartes, que estimulariam à leitura da obra se constassem do seu índice. A obra encontra-se editada com um tamanho de letra acima da média, o que facilita indubitavelmente a sua leitura.
Em continuidade com os estudos anteriormente mencionados sobre esta temática (e outros), o autor coloca o luto como um processo de sofrimento integrado no processo de vida de qualquer ser humano e denuncia a crescente tendência à sua patologização. É de luto normal que este livro fala, reflete e fornece pistas de atuação face a pessoas que estejam a viver esse processo, cujo timing depende da intensidade do vínculo e da idiossincrasia de cada pessoa que o vive.
Salientando a inter-relação entre os ciclos que enuncia, ele aponta para 4 fases: 1 - Choque, Sideração, negação; 2 - Fuga/Busca; 3 - Desestruturação; 4 - Reestruturação.
A identificação da fase em que a pessoa se encontra predominantemente num momento específico da sua vida num processo de luto pode ser identificado pelas seguintes questões (pp. 257-271): "Qui avez-vous perdu?" (sendo que a pergunta remete para a vinculação e não para um nome, ou uma função social, de uma pessoa); "Que s’est-il passé?" (onde devemos estar atentos à organização da história, à sua coerência, à recorrência de determinados temas, à focalização num determinado momento da história, etc) e "Où on est vous aujourd’hui?" (onde se avalia a projeção da pessoa no passado , no presente e no futuro): pp. 257-271.
Na 1ª fase do ciclo de luto normal, o autor considera que encontramos usualmente, momentos de descarga/anestesia emocional, necessidade de se confrontar corporalmente com as pessoas que perdeu, bem com os seus objetos; ainda nesta faze pode-se começar a ter a noção de que a perda é real. Na fase de Busca/fuga, as pessoas tendem a sentirem-se confusas e desorientadas, entre a sensação de irrealidade e aquilo que lhe dizem ser a realidade. São momentos nos quais se pode ouvir, cheirar e até ver a pessoa que se perdeu num local específico, ou em alguém que por nós passa. Busca-se o outro que nos dizem que partiu para sempre, e começa-se a pensar em o que fazer com os seus objetos, como lidar com heranças, rituais sociais, etc. Por ser uma fase de busca e de fuga, esta pode levar a comportamentos sexuais não habituais na pessoa em causa (quer quanto ao tipo de parceiro sexual, quer à intensidade, quer à quantidade deste tipo de atividade humana).
Alguém em processo de luto encontra-se predominantemente na 3ª fase quando já não busca mais (ou busca menos), quando o inevitável esmaga inexoravelmente a sua existência. Medo de viver, medo de perder aqueles que ama e que ficaram, cólera, raiva, ansiedade, são características de quem se sente a afundar, de quem precisa agora mais do que nunca daqueles que ama, ainda que possa recusar falar, exprimir-se, expor-se. Esta fase tem que ser vivida até ao fim, por mais que nos custe ver alguém que amemos a sofrer tanto; lentamente iremos vendo esses estádios de aniquilamento interior a serem substituídos por momentos de silêncio sereno... última fase que começa a desabrochar, a de reestruturação. A pessoa vai querer estar sozinha, ou fica virada para dentro de si no meio daqueles que ama. Que não seja perturbada; é uma borboleta que se corporifica por dentro de um casulo, lentamente; é o tempo de encontro consigo, numa descoberta de um eu diferente daquilo que se era, é o tempo de se redefinir o seu lugar no mundo e dos outros no seu mundo. Aos cuidadores cabe estar presente, fazendo as perguntas acima enunciadas esporadicamente, mas não sufocar a pessoa; ela está a renascer, um processo doloroso e maravilhoso, simultaneamente, mas que exige muita concentração!
O livro conclui com algumas páginas breves dedicadas ao luto complicado (ou patológico) e à sua eventual medicação; encontra-se repleto de descrição de exemplos de situações clínicas de clientes do autor, psicólogo e psiquiatra; nos anexos remete para várias instituições francesas que podem ajudar pessoas em processo de luto normal (e/ou seus familiares, como grupos de auto-ajuda, que também existem em Portugal).