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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.29 no.3 Lisboa jul. 2011

 

Avaliações em situações de risco e perigo para as crianças: Um roteiro organizador

Ana Teixeira de Melo* e Madalena Alarcão**

* Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra;

** Bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra

Correspondência

 

RESUMO

A avaliação é uma componente central das actividades dos profissionais que intervêm junto de famílias com crianças em situação de risco e perigo, nomeadamente em casos de maltrato. Uma avaliação constitui uma actividade orientada para a produção de informação que possa dar resposta a um conjunto específico de questões pré-determinadas e que facilite um determinado processo de tomada de decisão. A partir da revisão da literatura, apresenta-se um roteiro organizador das avaliações em situações de perigo e de risco, diferenciando os diferentes níveis de avaliação e enunciando um conjunto de questões facilitadoras da recolha de informação.

Palavras-chave: Avaliação; Crianças em perigo; Crianças em risco; Maltrato.

 

ABSTRACT

Assessment is a core activity of professionals working with families with at-risk or in-danger, particularly maltreated children. Assessment is an activity orientated for the production of information which provides an answer to a specific set of pre-determined questions in order to facilitate decision-making. Based on a literature review this article presents a map of organization of assessments in cases of risk or danger, distinguishing different levels of assessment and describing a set of questions to facilitate the collection of information.

Key-words: Assessment, At-risk children, child maltreatment, Endangered children.

 

INTRODUÇÃO

O trabalho, no campo da protecção e promoção dos direitos da criança, foi largamente influenciado, nos últimos anos, pelo clima de pressão criado pela mediatização de casos de danos severos ou mesmo de morte de crianças na sequência de maus tratos. Nos inquéritos e estudos conduzidos, foram sublinhadas algumas vulnerabilidades associadas à actuação dos profissionais: adopção de procedimentos de avaliação cientificamente pouco sustentáveis e desconhecimento dos factores de risco identificados na literatura da especialidade; processos de tomada de decisão inconsistentes; insuficiente capacidade de reflexão crítica; dificuldades na construção e adequação dos planos de intervenção, face às características específicas dos casos e à insuficiente preparação dos profissionais (Cicchinelli, 1995, citado por White & Walsh, 2006; Farmer, 1999; Osmo & Benbenishty, 2004; Warner, 2003). Mas a investigação tem também chamado a atenção para a existência de problemas na utilização, integração e comunicação da informação que é produzida no decurso dos processos de avaliação (MacDonald, 2001). Em Portugal, a necessidade de orientações mais precisas para guiar as práticas de avaliação, de instrumentos estandardizados e validados e de formação dos profissionais, têm sido aspectos apontados como urgentes (Comissão Nacional de Protecção de Crianças e Jovens em Risco, 2009; Torres, 2008).

Os apelos para o desenvolvimento de metodologias de avaliação rigorosas, que contribuam para a protecção das crianças, para a promoção do seu desenvolvimento e para a disponibilização adequada de serviços (DePanfilis, 1996; English & Pecora, 1994) têm vindo a crescer em vários países. Durante algum tempo, e nalguns sistemas de protecção, a atenção dos profissionais e investigadores focalizou-se nos casos mais graves e, quase exclusivamente, na avaliação do risco (Baird & Wagner, 2000; Baird, Wagner, Healy, & Johnson, 1999). A ideia de controlo e predição passou a dominar, com consequências negativas como a burocratização e desumanização dos serviços, a patologização das famílias, a sobre-simplificação da sua realidade e a desvalorização das suas necessidades (Goddard, Saunders, Stanley, & Tucci, 1999; Houston & Griffiths, 2000; Reder & Lucey, 1995). Contudo, o desenvolvimento e implementação de alguns sistemas de avaliação impulsionaram uma importante reflexão sobre os modelos de avaliação (Calder, 2002; Childrens’ Research Center, 2008; Department of Health, 2000; Horwath, 2001; Platt, 2001; Wald & Woolverton, 1990), tendo em vista o ajustamento e desenvolvimento positivos futuros das crianças.

Neste artigo, propomo-nos reflectir sobre as avaliações em situações de risco e perigo ponde rando o seu propósito e a importância das questões que as orientam. Para o efeito, consideraremos uma definição de perigo correspondente à apresentada na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei 147/99), conforme definido no artigo 3. Assim, e de acordo com a referida Lei Portuguesa, será considerada em situação de perigo a criança que: (a) está abandonada ou vive entregue a si própria; (b) sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; (c) não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; (d) é obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; (e) está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectam gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional; (f) assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectam gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto, se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação. Por outro lado, falar de risco implica um conjunto de conceitos associados a mecanismos complexos cujo papel, no desenvolvimento humano, a investigação tem procurado entender (Cicchetti, 2006). Não sendo objectivo deste artigo rever a literatura neste campo, adoptaremos uma definição simplificada de criança em risco, considerando-a aquela em cujo percurso desenvolvimental é possível identificar um conjunto de factores relacionados com a criança (e.g., factores constitucionais ou desenvolvimentais), com as suas circunstâncias familiares (e.g., capacidade parental; dinâmica do funcionamento familiar), sociais (e.g., vizinhança; situação económica; qualidade da rede social) e ambientais (e.g., qualidade do ambiente físico doméstico; qualidade do ambiente comunitário) que estão associados, de acordo com a investigação, a uma maior probabilidade de desajustamento futuro (Cummings, Davies, & Campbell, 2000; Werner & Smith, 1992). Enquanto numa situação de perigo a criança enfrenta circunstâncias que, no imediato, são ameaçadoras da sua integridade física e psicológica, numa situação de risco o dano é menos imediato, embora provável no futuro, podendo também falar-se de risco para a exposição ao perigo, por exemplo, risco de maltrato. A noção de risco adoptada engloba, ainda, aquilo que alguns autores e sistemas de protecção têm definido como crianças “em necessidade” (Department of Health, 2000; Little, Axford, & Morpeth, 2004), ou seja crianças que, na ausência de intervenção, podem ver o seu desenvolvimento afectado ou que, tendo já estado expostas a situações de adversidade, que resultaram nalgum dano ou perturbação para o seu desenvolvimento, necessitam de um apoio especializado que as ajude a compensar ou remediar o dano. Neste artigo, entenderemos por crianças todos os indivíduos com idade inferior a 18 anos. Tomando estes conceitos como base, apresentamos, assim, uma proposta de organização de níveis e modalidades de avaliação em situações de risco e de perigo, organizando a informação científica existente e procurando contribuir para a construção de uma linguagem partilhada por profissionais e investigadores.

ENQUADRAMENTO DAS AVALIAÇÕES EM SITUAÇÕES DE RISCO E PERIGO

A avaliação, no quadro da protecção e promoção da criança, pode ser entendida como um conjunto de actividades organizadas e orientadas para dar resposta a um conjunto de questões prédefinidas, no sentido de produzir informação que permita uma tomada de decisão informada (Horwath, 2001; MacDonald, 2001; Munro, 2008; White & Walsh, 2006).

O trabalho avaliativo deve constituir-se como um espaço e um tempo de reflexão, para os profissionais e para a própria família. A legitimidade e razão de ser da avaliação têm que ser inequivocamente explicitadas perante a família, pelo que é importante que o profissional saiba fundamentar a sua necessidade para poder discuti-la com a família de uma forma clara (Cirillo & DiBlasio, 1992; Saint-Jacques, Drapeau, Lessard, & Beaudoin, 2006). Esta justificação, na maioria das situações, prende-se com os indicadores de perigo ou de risco e com a ligação destes à segurança e bem-estar actual e futuro da criança, sendo certo que a valorização que é feita dos mesmos deve estar cientificamente suportada pela investigação e enquadrada pelos valores e práticas que uma sociedade define, num determinado momento, como sendo desejadas e necessárias para que sejam prestados cuidados mínimos apropriados às crianças.

Correspondendo a um processo de “recolha e apreciação de informação revelante para um propósito identificado” (Adcock, 2001, p. 76), a avaliação deve decorrer num contexto em que as questões que a orientam e as decisões que dela dependem são inequivocamente explicitadas. Esta dimensão é fundamental porque a avaliação não pode responder a questões que não tenham sido colocadas previamente (Budd, 2005).

A literatura sobre avaliação em situações de risco psicossocial e perigo é dispersa, por vezes confusa e mesmo contraditória. Diferentes termos são utilizados para referenciar formas de avaliação semelhantes e as mesmas expressões são aplicadas a diferentes racionais, modalidades e finalidades da avaliação.

Numa tentativa de contribuir para a clarificação de conceitos, para uma maior clareza e transparência do pensamento organizador das práticas dos profissionais que trabalham no terreno, propomos um roteiro para avaliação de famílias com crianças em situação de risco e/ou de perigo, com diferentes níveis e modalidades de avaliação, associados a questões orientadoras da avaliação e a processos de tomada de decisão. Para cada nível de avaliação poderiam ser referidas várias metodologias, procedimentos e instrumentos de avaliação, enquadrados por racionais distintos. Não cabendo, no âmbito deste artigo, a sua revisão, espera-se que a proposta apresentada facilite, no entanto, uma análise e escolha posteriores que permitam não só dar resposta às questões de avaliação como apoiar o processo de tomada de decisão associado. A escolha dos métodos ou instrumentos deverá ser ponderada, também, em função, do quadro de referências teóricas preferido do profissional ou do investigador.

UM ROTEIRO ORGANIZADOR DAS AVALIAÇÕES EM SITUAÇÕES DE PERIGO E DE RISCO

Afirmamos, anteriormente, que um processo de avaliação deve ser orientado para responder a um conjunto pré-determinado de questões, a que estão associadas decisões que deverão servir o

superior interesse da criança (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro).

A Figura 1 apresenta a proposta de um roteiro de organização das avaliações em diferentes níveis, esquematizando-se a sequência e a complementaridade das mesmas, em diferentes momentos de tratamento de um caso, e os pontos-chave de decisão.

 

FIGURA 1

 

Tomando como ponto de partida o contexto de trabalho de profissionais com competência em matéria de promoção e protecção, a quem seja sinalizada uma situação de perigo ou de risco psicossocial para uma criança, há um primeiro conjunto de questões (Quadro 1) (Children’s Research Center, 2008; DePanfilis & Salus, 2003; MacDonald, 2001; Munro, 2008; Righthand, Kerr, & Drach, 2003) que importa colocar e que exploraremos nos pontos seguintes, por nível.

 

QUADRO 1

Questões orientadoras por nível e modalidade de avaliação


1º NIVEL – Questões: Triagem da sinalização/denúncia

a) O que sucedeu que motivou a denúncia/sinalização?

b) Que tipo de preocupações há com a criança? Há indicadores de perigo? Há indicadores de maus tratos? 1) De que tipo de maus tratos se trata, qual a duração, frequência e severidade? Que tipo de relação tem a criança com o eventual perpetrador? Qual a sua situação no momento presente? c) Que tipo de preocupações há com a criança? Há indicadores de risco psicossocial significativos?

1) Há factores e mecanismos relacionados com a criança, com a família ou o seu contexto de vida que a literatura tem apontado como aumentando a probabilidade de desajustamento futuro da criança? Quais? A que resultados desenvolvimentais têm estado associados? Como operam e interagem entre si? A criança revela alguns sinais de adaptação positiva?


2º NÍVEL – Questões 2A: Avaliação da segurança imediata a) A criança pode ser considerada segura no momento actual? 1) O que pode acontecer se nada for feito? Quais são os indicadores actuais de perigo/segurança imediata para a criança? b) É possível adoptarem-se acções para que a criança possa ser considerada segura no seu meio/fora do seu meio natural de vida (e.g., elaboração de um plano de segurança?). Há condições que garantam a viabilidade e cumprimento de um plano de segurança para manutenção da criança na família/noutros contextos (e.g., medida de acolhimento)?


2º NÍVEL – Questões 2B: Avaliação do tipo e foco das necessidades a) Trata-se de uma situação de risco ou de dificuldades focalizadas? 1) A família experimenta dificuldades ou uma exposição recente a factores de risco? As necessidades, dificuldades ou factores de risco identificados são reduzidos, em número, e focalizados, em áreas particulares do funcionamento individual, familiar, ambiental e social? Se a família fosse apoiada nessas dificuldades seria possível restringir os encaminhamentos a dois serviços? Os problemas podem ser facilmente explicados por um número reduzido de variáveis? 2) A exposição da família a contextos de pobreza ou outros contextos marcados por outras formas de adversidade (e.g., violência comunitária) é recente? Que recursos tem a família (internos ou externos) para lidar com essas formas de adversidade? b) Trata-se de uma situação de múltiplos desafios e/ou múltiplos riscos? 1) As necessidades, dificuldades ou factores de risco identificados distribuem-se por diferentes áreas do funcionamento individual, familiar, ambiental e social? As dificuldades ou factores de risco identificados são múltiplos? As dificuldades ou exigências múltiplas com que a família lida podem exceder a sua capacidade de resposta/coping? Se a família fosse encaminhada para serviços especializados, focados em cada uma das suas necessidades, teriam que ser feitos mais do que dois encaminhamentos? 2) A família desenvolveu-se em contextos de pobreza e desfavorecimento, ou em contextos marcados por outras formas de adversidade (e.g., violência comunitária), a que pode ter estado associada uma exposição prolongada a stressores e menores oportunidades de obtenção e desenvolvimento de recursos?


3º NÍVEL – Questões 3: Avaliação da (re)emergência do perigo (focada na predição)

a) Qual o tipo de dano possível para a criança e provável gravidade do mesmo, caso ocorra?

b) Qual a probabilidade de ocorrência ou re-ocorrência de mau trato ou de reaparecimento das circunstâncias de perigo no futuro? Qual a probabilidade de dano futuro para a criança?


4º NÍVEL – Questões 4A: Avaliação do risco de (re)emergência do perigo (focada na gestão e compreensão)

a) Que tipo de decisões têm que ser tomadas relativamente ao nível e natureza do risco/probabilidade de (re)emergência de maus tratos ou das circunstâncias de perigo identificadas? Há necessidade de intervenção?

b) Os factores associados à (re)ocorrência de maltrato, ou de reaparecimento de outras circunstâncias de perigo no futuro, são passíveis de serem alterados? É possível geri-los adequadamente de modo a manter o risco controlado?

c) Que factores podem contribuir para diminuir a probabilidade e controlar o risco de (re)ocorrência de mau trato ou outras circunstâncias de perigo?

d) Qual a disponibilidade e capacidade da família para desenvolver acções que permitam gerir adequadamente os factores associados a uma maior probabilidade de ocorrência ou re-ocorrência de maltrato ou de outras circunstâncias de perigo?


4º NÍVEL – Questões 4B: Avaliação compreensiva

a) Quais os principais factores de risco e protecção associados ao percurso de desenvolvimento da família e da criança? Como interagem entre si os factores de risco e protecção?

b) Que tipo de factores estão especificamente implicados no aparecimento e/ou manutenção dos problemas identificados? Que outros factores interagem com eles, constrangendo-os ou potenciando-os?

c) Que objectivos seriam adequados para um plano de mudança tendo em conta a natureza e extensão dos problemas/preocupações/necessidades? Quais os resultados mínimos a atingir para que a criança possa ser considerada segura/para que se considere que se aumentam as probabilidades de desenvolvimento positivo futuro da criança?

d) Que tipo de estratégias de intervenção podem ser implementadas tendo em conta as decisões a serem tomadas e os resultados a serem atingidos? Quais as opções disponíveis e quais as vantagens e desvantagens? Como devem ser combinadas ou integradas as estratégias num plano de intervenção?


4º NÍVEL – Questões 4C: Avaliação do potencial de mudança

a) A família está disponível para mudar?

b) A família tem capacidade para envolver-se num processo de mudança? Qual o potencial da família para operacionalizar as mudanças necessárias para garantir condições mínimas de segurança e bem-estar para a criança?

c) Está disponível um tipo de intervenção que possa apoiar a família no processo de mudança e/ou na obtenção e desenvolvimento de recursos necessários à mesma? Que tipo de intervenção é mais adequado? Em que medida a família está capaz de beneficiar dessa intervenção?


5º NÍVEL – Questões 5A: Avaliação do processo e resultado do projecto de suporte para a mudança

a) O projecto de suporte para a mudança foi implementado como esperado? As componentes do projecto foram implementadas como esperado? As características dos serviços eram adequadas tendo em conta os resultados esperados? A família recebeu a quantidade de serviços esperada? A qualidade dos serviços prestados foi adequada? É necessário e/ou viável a revisão do projecto de suporte para a mudança?

b) Os objectivos eram adequados e realistas? Foram atingidos conforme previsto? Quais os resultados positivos e negativos? Quais as consequências dos mesmos para a criança, a curto, médio e longo prazo? É necessária uma revisão dos objectivos? A que nível?

c) Os resultados positivos e negativos podem ser associados à família e ao projecto de apoio ou melhor explicados por outros factores? Que explicações alternativas há? Quais as consequências dessas explicações para a avaliação das condições de manutenção das mudanças? Há indicadores de condições favoráveis à manutenção das mudanças?


5º NÍVEL – Questões 5B: Avaliação do processo e resultado do projecto de intervenção. Confirmação de indicadores ou re-avaliação

a) Em que medida as mudanças são sustentáveis/ a família tem capacidade para mantê-las? Em que medida as mudanças podem ser atribuídas à família? Em que medida a família foi capaz de se adaptar a circunstâncias imprevistas e de ajustar o seu funcionamento em função das mesmas?

b) Em que medida o nível de risco de (re)emergência do perigo foi gerido como esperado? Em que medida o nível de risco actual permite encerrar o caso?

c) Apesar das mudanças, há necessidades que justifiquem um encaminhamento para serviços especializados ou serviços universais de apoio à família e à criança que possam contribuir para a promoção de condições favoráveis ao desenvolvimento da família e da criança?

 

1º Nível

A resposta às questões de triagem do caso (1º nível) deve contribuir para decidir pelo arquivamento da sinalização/denúncia ou seguimento do caso para um 2º nível de avaliação (Figura 1). Desta avaliação resulta, assim, uma decisão sobre o tipo e enquadramento do caso. Alguns modelos de avaliação dispõem de guiões orientadores para a condução das avaliações iniciais e para definição da prioridade da resposta (e.g., Children’s Research Center, 2008). A informação recolhida pode configurar uma situação de perigo o que exige que, numa etapa seguinte se responda às questões de nível 2 (Quadro 1, 2º nível, questões 2A).

A informação recolhida pode, contudo, evidenciar não uma situação de perigo mas sim de risco. Com efeito, podem existir mecanismos, relacionados com as características da criança, com o seu percurso de desenvolvimento e/ou com as circunstâncias familiares, sociais e ambientais de vida, que estão associados a um aumento da probabilidade de desenvolvimento de perturbações futuras ou de bloqueio desenvolvimental. De facto, há situações em que a família poderia beneficiar de apoio para satisfazer as suas necessidades (Thorpe & Bilson, 1998) e activar ou fortalecer mecanismos de protecção (Rutter, 1990). Tratando-se de um caso de risco ou necessidade, mas não de perigo (Quadro 1, 1º nível), há que conduzir uma avaliação preliminar do tipo e foco de necessidades da família (Quadro 1, 2º nível, questões 2B).

 

2º Nível

2º Nível, questões 2A

Caso, no nível 1, tenha sido identificada uma situação de perigo, é essencial decidir sobre a necessidade de se desenvolverem intervenções que garantam a segurança imediata da criança. Há, assim, que dar resposta a questões da avaliação da segurança imediata da criança (Quadro 1, 2º nível, questões 2A). Esta avaliação deve decorrer o mais rapidamente possível, existindo orientações para que não ultrapasse os 7 dias que se seguem a uma denúncia (Children’s Research Center, 2008; Fowler, 2003). Tem havido algum esforço de avaliação do impacto da implementação de protocolos de avaliação da segurança que, noutros países, têm apresentado resultados positivos na prevenção da reincidência dos maus tratos (Children’s Research Center, 2008; Fluke, Edwards, Bussey, Wells, & Johnson, 2001). A avaliação da segurança, independentemente dos métodos ou instrumentos em que se apoie, deverá permitir decidir pela manutenção da criança na família, com a elaboração de um plano de segurança nos casos em que o perigo imediato resida no ambiente familiar, ou pela sua colocação em ambientes em que possa ser considerada segura (e.g., acolhimento familiar; acolhimento junto de pessoa idónea; acolhimento em instituição) (DePanfilis & Salus, 2003; Fowler, 2003). Os resultados desta avaliação devem informar sobre as condições existentes para a construção de planos de segurança detalhados (DePanfilis & Salus, 2003; Fowler, 2003; Turnell & Edwards, 1999; Turnell & Essex, 2006).

Encontrando-se garantida a segurança imediata da criança há que prosseguir de modo a salvaguardar a sua segurança a médio e longo prazo e, inclusivamente, durante a própria intervenção, passando-se para as questões de nível 3.

2º Nível, questões 2B

Os resultados desta avaliação devem ajudar o profissional a identificar não só os processos de risco psicossocial particularmente salientes na trajectória de desenvolvimento da família e da criança mas, também, os mecanismos de protecção e as dimensões em que são mais salientes (Masten, 2007; Masten & Reed, 2005). Face às situações de necessidade, a decisão de intervir justifica-se quando é possível ajudar a família a identificar mais facilmente os seus recursos e dificuldades, a desenvolver adequadas estratégias de coping e a activar mecanismos de protecção. Nalgumas situações, contudo, pode considerar-se que a actuação profissional não trará benefício ou não produzirá resultados que a família não consiga alcançar por si própria, mobilizando os recursos disponíveis. Justificando-se uma intervenção profissional há, então, que dar resposta a questões (Quadro 1, 2º nível, questões 2B) que permitam distinguir entre dois tipos de casos: (a) situações em que existem necessidades, riscos ou problemas relativamente focalizados; (b) situações de famílias que lidam com múltiplos desafios e em cujos percursos de vida é possível identificarem-se múltiplos riscos que, não raramente, interagem entre si de forma complexa. No primeiro caso, as famílias podem ser directamente encaminhadas para serviços de apoio (não mais de dois) que ofereçam respostas especializadas para os problemas identificados. Estes serviços podem ser de cariz terapêutico (e.g., terapia familiar; psicoterapia individual, etc.), de aconselhamento (e.g., aconselhamento conjugal ou parental; orientação profissional) ou educativo (e.g., educação parental; apoio social), mas são sempre focalizados numa determinada dimensão do funcionamento da criança, dos prestadores de cuidados, da família, ou das suas circunstâncias de vida.

Nas situações de múltiplos desafios, problemas ou riscos, tendo em conta a multiplicidade de áreas em que são identificadas dificuldades, este tipo de actuação, na ausência de um planeamento cuidadoso, pode revelar-se inadequado e mesmo problemático, contribuindo para o agravamento das dificuldades da família, para a multiplicação dos riscos e problemas (Alegret & Baulenas, 1997; Colapinto, 1995; Sousa, 2005). Estas são situações complexas que exigem uma compreensão mais integradora e sistémica do caso. O profissional deverá explicitar, junto da família, as razões pelas quais considera que as suas actuais circunstâncias de vida e as suas dificuldades constituem um risco e de que forma podem contribuir negativamente para a construção das trajectórias de desenvolvimento das crianças. Partindo de uma definição comum de preocupações, mesmo que não totalmente coincidente entre profissionais e famílias, aqueles devem convidá-las a envolverem-se num processo de avaliação mais aprofundado que informe a elaboração de um plano de apoio elaborado “à medida” das necessidades da família. Nestes casos, o contacto da família com os profissionais, despoletado pela sinalização/denúncia, deve ser entendido, por uns e por outros, como uma oportunidade que a família tem de ser apoiada tendo em vista o seu fortalecimento e a melhoria das suas circunstâncias de vida (Cirillo & DiBlasio, 1992; Dale & Fellows, 1999). As avaliações com famílias multidesafiadas com crianças em situação de risco aproximar-se-ão, assim, em determinado momento, dos processos de avaliação com famílias com crianças em situação de perigo, no nível 4.

 

3º Nível

A avaliação do risco de (re)ocorrência de maus-tratos é, por certo, o tipo de avaliação mais debatido na literatura mas também aquele relativamente ao qual há, provavelmente, mais contradições e indefinições (DePanfilis, 1996; Wald & Wolverton, 1990). Regra geral, é entendida como a avaliação da probabilidade de ocorrência ou de re-ocorrência de maus tratos ou negligência futura (English & Pecora, 1994). Uma vez que o termo avaliação do risco pode ser facilmente confundido com a avaliação de mecanismos de risco psicossocial, optamos por utilizar a expressão avaliação do risco de (re)emergência de perigo, particularmente de maus tratos.

Falar da avaliação do risco de (re)emergência do perigo do implica, assim, falar de probabilidades e, por conseguinte, da “incerteza de resultados” (Calder, 2002, p. 7). Da resposta às questões da avaliação do risco de re-emergência de maus tratos (Quadro 1, 3º nível), ou de outras situações de perigo, e da gravidade que se estima estar associada a esses eventos, poderão depender decisões relacionadas, por exemplo, com o grau de controlo e monitorização da intervenção (e.g., situações de maior risco exigem maior vigilância) ou com a intensidade e modalidade da mesma (e.g., situações de maior risco são mais indicadas para um trabalho de maior proximidade, no domicílio ou na comunidade, do que para trabalho em contexto de gabinete, e para contactos mais frequentes e/ou mais intensivos). Por outro lado, não sendo possível garantir, para todas as famílias, o acesso a determinados serviços, este tipo de avaliação pode ajudar a estabelecer um critério para definição de prioridades e, por exemplo, de ordenação dos casos em lista de espera nos serviços (DePanfilis, 1996; English & Pecora, 1994).

Podemos falar de duas grandes abordagens de avaliação da (re)emergência dos maus tratos e negligência: as abordagens actuariais e as abordagens clínicas ou consensuais. Os modelos actuariais procuram dar resposta às questões da avaliação por recurso a métodos formais, assentes em modelos estatísticos de predição do maltrato, a partir da identificação de factores de risco fortemente associados ao mesmo (MacDonald, 2001; Munro, 2008). De entre as vantagens associadas às abordagens actuariais encontram-se uma maior validade e fidelidade empírica, quando comparada com a obtida por métodos de decisão clínica, na estimação do risco de maltrato futuro (Baird, & Wagner, 2000; Baird et al., 1999; Doueck, English, DePanfilis, & Moote, 1993). A estimativa realizada pode compreender uma análise da gravidade associada ao fenómeno previsto (Munro, 2008). Estas abordagens não estão, contudo, isentas de crítica e vários autores têm alertado, entre outros aspectos: (a) para os perigos da instrumentalização da relação com as famílias no processo de avaliação; (b) para a negligência de factores importantes para uma compreensão mais aprofundada do caso e do significado que o risco assume, num determinado contexto; (c) para a criação de ilusões de falsa segurança e mecanização de procedimentos, particularmente entre profissionais inexperientes; (d) para o facto de as necessidades das crianças poderem não ser verdadeiramente entendidas e endereçadas; (e) para as limitações metodológicas dos estudos, que exigem um carácter longitudinal; (f) para as vulnerabilidades psicométricas que os instrumentos continuam a apresentar, nomeadamente no que diz respeito às margens de erro que estão associadas à identificação de falsos positivos e negativos (Calder, 2002; Goddard et al., 1999; Munro, 2004; Righthand et al., 2003; Wald & Woolverton, 1990). Porque centrada na predição, colocamos a avaliação actuarial da (re)emergência do perigo num 3º nível de avaliação (Figura 1), dando resposta a um conjunto particular de perguntas (Quadro 1, 3º nível, questões 3). Este tipo de abordagem poderá ser útil numa fase inicial de avaliação como forma de fazer uma primeira triagem que permita, por exemplo, estabelecer um critério de prioridade para gestão de listas de espera de casos que serão tratados no nível 4. Por outro lado, na ausência de indicadores claros para a definição do tipo de caso, mas quando continuem a subsistir dúvidas após as averiguações iniciais, poder-se-á justificar, com a identificação de um nível de risco elevado, a continuação da avaliação para aprofundamento do caso de modo a garantir-se uma resposta mais adequada. Por exemplo, poderá justificar-se a manutenção de um processo de promoção e protecção em que os indicadores de maltrato, sendo ambíguos ou não confirmados, se fazem acompanhar, não obstante, de um nível de risco elevado para o maltrato. Neste caso, a avaliação justificaria a passagem do caso para um nível 4, para uma avaliação mais aprofundada.

 

4º Nível

4º Nível, questões 4A

Os modelos consensuais de avaliação do risco, assentes no julgamento e decisão clínica, tendem a apresentar resultados menos favoráveis em termos de validade preditiva e fidelidade intercotadores, e a estarem mais sujeitos a enviezamentos decorrentes das experiências e características do avaliador (Doueck et al., 1993; MacDonald, 2001; Munro, 2008). Não obstante, e dependendo dos modelos, podem melhor captar as especificidades de cada caso e contribuir para uma relação mais positiva entre os profissionais e as famílias (Munro, 2008; Wald & Woolverton, 1990). Neste nível de avaliação, consideramos, por isso, que os métodos de carácter mais clínico são pertinentes, sozinhos ou combinados com outros. Aliás, alguns autores defendem o desenvolvimento e implementação de abordagens integradoras, que combinem o melhor das evidências científicas disponíveis com um julgamento clínico devidamente orientado e suportado pela teoria e pela investigação, mas também pela experiência e pela prática, nomeadamente pela capacidade de adequar o conhecimento adquirido à situação particular de uma determinada família (Calder, 2002; Cash, 2001; Children’s Research Center, 2008; MacDonald, 2001; Munro, 2008; Shlonsky & Wagner, 2005; Schwalbe, 2008; Wald & Woolverton, 1990). A avaliação do risco de(re)emergência dos maus tratos, nesta perspectiva, aproxima-se e desenvolve-se em estreita ligação com uma avaliação compreensiva, de que falaremos adiante, pelo que a colocamos num 4º nível de avaliação (Figura 1), respondendo a questões (Quadro 1, 4º nível, questões 4A) que se articulam directamente com as da referida avaliação compreensiva (quadro 1, 4º nível, questões 4B). O tipo de avaliação abordado neste ponto pode ser mais indicado para os casos de perigo do que de risco, muito embora não se exclua a sua adequação nestes últimos na medida em que, nestes casos, podem verificarse factores de risco especialmente associados à emergência de situações de perigo, particularmente de maltrato.

4º Nível, questões 4B

Neste 4º nível de avaliação (Figura 1), o profissional deve dar resposta a questões que permitam uma avaliação compreensiva da situação (Calder, 2002; Cooper, 1997; MacDonald, 2001; Munro, 2008; Rightand et al., 2003; Wald & Wolverton, 1990). O processo de recolha de informação deve ser organizado com o objectivo de compreender que sentido assume o maltrato/outra situação perigo, bem como a manutenção do risco psicossocial, e em que medida a família está capaz de o ultrapassar. No âmbito da avaliação compreensiva, é importante construir hipóteses sobre o modo como os factores de risco e de protecção, identificados na trajectória desenvolvimental de uma criança, podem interagir de modo a aumentar ou diminuir as probabilidades de ajustamento e desenvolvimento positivo futuro da mesma (quadro 1, 4º nível, questões 4B). Falar de avaliação compreensiva implica, habitualmente, falar de uma avaliação que decorre no âmbito de um enquadramento ecológico e que procura compreender o contributo dos factores individuais, familiares e sociais, e da sua interacção, para o aparecimento e manutenção dos problemas identificados bem como para a promoção de alternativas aos mesmos (Cooper, 1997; Jack, 2001). Este tipo de avaliação é, frequentemente, equiparado a uma avaliação de necessidades na medida em que permite identificar dimensões associadas à promoção do bem-estar e segurança da criança que podem constituir-se como foco de intervenção (Schwalbe, 2008; Wald & Woolverton, 1990). Trata-se de uma avaliação tendencialmente multi ou interdisciplinar que está dependente de um claro enquadramento teórico que facilite a formulação de hipóteses e a integração da informação (Adcock, 2001; MacDonald, 2001). Sem este enquadramento, a avaliação traduz-se num acumular de dados sem sentido e, por conseguinte, pouco úteis. A explicitação do racional teórico e das premissas em que assenta a análise da informação é, aliás, na consideração de alguns autores, um critério de qualidade das avaliações (MacDonald, 2001).

A avaliação compreensiva deve permitir tomar decisões acerca do desenho do projecto de intervenção informando quais as dimensões e processos que mais facilmente podem contribuir para a dissolução dos problemas e/ou para os resultados desejados e que devem constituir foco prioritário de atenção. Esta avaliação deve, ainda, informar sobre os processos que devem ser focados em primeiro lugar e sobre a articulação de diferentes componentes de um projecto de intervenção (e.g., que actividade/serviço se deve seguir a qual, quando, como e em que condições). É, ainda, esta avaliação que permitirá definir objectivos adequados a cada caso e indicadores de avaliação.

Em Portugal, escasseiam protocolos de avaliação compreensiva devidamente avaliados e validados, bem como modelos com racionais teóricos integradores que orientem os profissionais na condução de uma avaliação com o mesmo teor, e que facilitem a construção de hipóteses compreensivas de caso que respeitem o carácter multidimensional e multideterminado de muitas situações de risco psicossocial ou de perigo. Noutros países, alguns modelos de avaliação cumprem, entre outras, as funções de ajudar o profissional a considerar um conjunto diversificado de factores em função de uma compreensão ecológica das necessidades das crianças, como é o caso da Framework for the Assessment of Children in Need and Their Families (e.g.; Jack, 2001; Rose, 2001). No entanto, muitos dos modelos disponíveis não prescrevem um racional teórico que permita elaborar hipóteses compreensivas integradoras relativas aos processos que podem estar implicados na manutenção das vulnerabilidades identificadas ou na activação das forças e de processos de mudança familiares.

4º Nível, questões 4C

No quadro de uma intervenção protectiva, o processo avaliativo não pode ficar completo se não se procura dar resposta a questões de avaliação do potencial de mudança da família (Figura 1, 4ºnível de avaliação, Quadro 1, questões 4C) (Carr, 2006; Cirillo & DiBlasio, 1991; Dale, Green, & Fellows, 2005; Fitzpatrick, 1995). Este potencial diz respeito à sua capacidade para promover dinâmicas familiares que potenciem o bem-estar e o desenvolvimento saudável da criança, alteradas que possam ser algumas das condições sócio-familiares adversas com que se confronta bem como aos significados que atribui aos vários riscos a que estão a sujeitos os seus elementos mais jovens. A avaliação deste potencial permite não só hipotetizar quais serão, no futuro, as consequências das decisões tomadas, no presente, relativamente às (in)competências do sistema familiar, mas possibilita, também, a definição dos contornos particulares da intervenção familiar a realizar (e.g., que tipo de estratégias podem ser mais eficazes considerando o padrão de mudança e aprendizagem da família) e da capacidade da família beneficiar da mesma. Esta avaliação deverá facilitar a decisão sobre a viabilidade da implementação de um projecto de intervenção familiar (e com que características) ou sobre a elaboração de projectos de intervenção alternativos à família (e.g., preparação da criança para adopção; medidas de promoção de autonomia de vida do jovem, etc.) Muito embora a investigação nesta área seja escassa, a literatura tem chamado a atenção para algumas dimensões potencialmente importantes a ter presentes na avaliação do potencial de mudança das famílias, propondo alguns indicadores (e.g., capacidade dos prestadores de cuidados de empatizarem com a criança e de colocarem as necessidades desta acima das suas; capacidade de reflexão; desconforto com o problema; reconhecimento do contributo pessoal dos prestadores de cuidados para o problema e para as soluções; capacidade de envolvimento da família na experimentação de comportamentos, pensamentos e emoções alternativas, etc.) e sugerindo alguns procedimentos de suporte a esta avaliação (e.g., realização de algumas sessões que permitam à família ensaiar mudanças e avaliar as estratégias mais adequadas para a facilitar) (Carr, 2006; Cirillo & DiBlasio, 1992; Fitzpatrick, 1995; Horwath & Morrison, 2001; Righthand et al., 2003). No entanto, desconhecemos instrumentos validados que apoiem os profissionais na recolha, síntese e análise da informação para avaliação do potencial de mudança. A resposta às questões de avaliação do potencial de mudança da família devem contribuir para que se decida por um projecto de intervenção familiar, com selecção das estratégias mais adequadas, ou por medidas e projectos alternativos que permitam salvaguardar a segurança e o bem-estar na criança.

 

5º Nível

Durante e após a implementação de um projecto de suporte para a mudança, a avaliação decorre num 5º nível em que é avaliado o processo de implementação e os resultados obtidos (Quadro 1, 5º nível, questões 5A). Os resultados desta avaliação oferecem indicadores sobre a necessidade de revisão do projecto de suporte para a mudança, sobre a sua continuidade ou conclusão. Esta avaliação conduzirá, então, a uma avaliação para confirmação dos indicadores de mudança e reavaliação da (re)emergência de perigo. Caso se considere que o projecto de intervenção não foi adequado, ou que a família não efectuou as mudanças necessárias, pode ser necessário rever a avaliação compreensiva e do potencial de mudança. Caso contrário, haverá que avaliar se há condições necessárias para a sustentação das mudanças (Quadro 1, 5º nível, questões 5B). O ciclo da avaliação pode, assim, terminar, no nível 5, ou ser retomado, ainda que com variações, nos níveis 3 e 4.

Esta re-avaliação pode conduzir a vários cenários desde a revisão dos projectos de suporte para a mudança familiar à elaboração de projectos de intervenção alternativos à família, passando pela continuação do suporte para a mudança ou pelo encerramento do processo, com ou sem encaminhamento para serviços que prestem apoio pontual ou focalizado em necessidades particulares da família, quando adequado.

CONCLUSÃO

Propusemos, neste artigo, uma reflexão sobre as avaliações em situações de risco psicossocial e de perigo, particularmente de maus tratos, para as crianças. Apresentamos aquilo que consideramos ser uma estrutura organizadora do planeamento da avaliação, desde as etapas mais precoces de condução de um processo ao seu encerramento, no contexto de actuação no sistema de promoção e protecção, conforme definido na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo (Lei n.º 147/99 de 1 de Setembro). O roteiro descrito reflecte, assim, um processo semi-estruturado de tomada de decisão orientado pelas respostas obtidas face a conjuntos de questões correspondentes a diferentes níveis de avaliação.

É nosso entendimento que a construção de uma linguagem e de um quadro de referência partilhado pode facilitar uma melhor articulação entre profissionais, intra e inter níveis de actuação neste sistema, sublinhando a complementaridade do seu trabalho nos diferentes níveis e modalidades de avaliação.

Idealmente, um ciclo completo de avaliações deve, num nível inicial de contacto com uma situação de uma criança sinalizado por risco ou perigo, permitir a definição do tipo e enquadra mento (inclusivamente legal) do caso e do seguimento a dar ao mesmo. Num segundo nível deve haver lugar, nos casos de maus tratos e outras formas de perigo, para o desenvolvimento e implementação de avaliações e intervenções de segurança. Por outro lado, enquanto os casos de necessidades focalizadas podem ser referenciados para serviços especializados, os casos de múltiplos desafios e riscos devem ser devidamente identificados e encaminhados para avaliações de um nível multissistémico. Num terceiro nível, os casos de maus tratos devem ser avaliados considerando-se a probabilidade e gravidade da (re)emergência do perigo de modo a decidir-se sobre o grau de urgência, controlo, monitorização e intensidade associada a qualquer intervenção que venha a ser equacionada. Num quarto nível, a avaliação deve permitir construir uma hipótese útil para a compreensão do significado do risco de (re)ocorrência de maus tratos ou de outras formas de perigo bem como das dinâmicas de risco e protecção associadas às trajectórias desenvolvimentais da criança e da família. Esta avaliação deve, assim, permitir a identificação de processos chave a serem considerados num projecto de intervenção, bem como a selecção e combinação das suas componentes. Por outro lado, deve permitir julgar sobre a viabilidade de um projecto de suporte para a mudança familiar ou sobre a necessidade de elaboração de projectos de vida alternativos à preservação ou reunificação familiar. Num quinto nível de avaliação deve ser possível avaliar-se em que medida o processo de implementação desses projectos contribuiu para os resultados obtidos e em que medida estes garantem segurança e condições facilitadoras do desenvolvimento positivo da criança. Deste modo, da avaliação no quinto nível decorrem decisões relacionadas com o encerramento do caso, com a revisão dos projectos de intervenção centrados na família ou com o desenho de projectos de vida alternativos para a criança. Para tal, pode ser necessário, neste nível, proceder-se a uma avaliação de confirmação dos indicadores de mudança, a uma re-avaliação do risco bem como a uma revisão da avaliação compreensiva e do potencial de mudança da família.

Cada etapa do processo no trabalho com famílias com crianças em situação de risco e perigo está associado a práticas avaliativas que devem ser guiadas por questões claras, pertinentes e focalizadas, para que as decisões se substanciem numa lógica coerente e em critérios os mais claros possíveis. Cabe aos profissionais identificarem qual o nível em que devem posicionar-se num determinado momento do processo e articular a sua actuação com aquilo que resultou das avaliações em níveis anteriores e aquilo que é esperado em etapas posteriores do processo.

Como limitações da proposta apresentada pode apontar-se o facto de não oferecer indicações concretas sobre os métodos e instrumentos a utilizar, sobre os critérios de qualidade no processo de recolha da informação nem sobre a natureza da relação estabelecida com a família no decorrer do processo. A ausência de referência a estas questões, bem como à conceptualização do papel da família no processo de mudança, não deve ser entendida como desvalorização das mesmas pois resulta apenas do facto de que a sua discussão ultrapassaria os objectivos deste artigo. O roteiro proposto poderá servir de enquadramento a um debate sobre as vantagens e limitações de diferentes metodologias e instrumentos de avaliação, bem como sobre os pressupostos que lhes subjazem e paradigmas que os enquadram (Houston & Griffits, 2000), nos diferentes níveis e modalidades de avaliação.

Consideramos que este roteiro pode, ainda, facilitar uma comunicação mais eficaz entre profissionais e académicos, nomeadamente, para que os primeiros sejam capazes de fazer pedidos mais claros aos segundos e para que estes melhor percebam as dificuldades e necessidades dos primeiros.

 

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Este trabalho foi desenvolvido no âmbito de uma bolsa de doutoramento (SFRH/BD/39912/2007), atribuída à primeira autora pela Fundação para a Ciência e Tecnologia.

Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Ana Teixeira de Melo, Rua Manuel Pinto Canedo, 161, 1º esq., Hab. 12, 4430-140 Vila Nova de Gaia. E-mail: anamelopsi@gmail.com

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