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Análise Psicológica

versão impressa ISSN 0870-8231

Aná. Psicológica vol.32 no.2 Lisboa jun. 2014

https://doi.org/10.14417/ap.721 

“Parentalidade Minimamente Adequada”: Contributos para a operacionalização do conceito

 

Dora Isabel Fialho Pereira*; Madalena Alarcão*

* Faculdade de Psicologia e de Ciências de Educação, Universidade de Coimbra

Correspondência

 

RESUMO

Apontado na literatura como um conceito de referência nas avaliações da parentalidade, a “parentalidade minimamente adequada” está, contudo, insuficientemente refletida e operacionalizada. Este artigo procura abrir essa discussão, a partir da apresentação e discussão dos resultados de três focus group (FG) de profissionais, das áreas social, judicial e académica, aos quais foi diretamente colocada a seguinte questão: o que é e quais são os indicadores de “parentalidade minimamente adequada”? O conteúdo das discussões foi analisado utilizando o software QSRnVivo 8. As categorias de conteúdo apontam para indicadores qualitativos de parentalidade mínima, distribuídos por diferentes níveis ecológicos (indivíduo, microssistema e contexto social). É também referida a impossibilidade de se alcançar uma formulação universal do que constitui uma “parentalidade minimamente adequada” e de se utilizar apenas um tipo de indicadores para a caracterizar. Com base nos contributos deste estudo é proposta uma matriz tridimensional de operacionalização do conceito.

Palavras-chave: “Parentalidade minimamente adequada”, Avaliação, Risco, Norma, Análise de conteúdo.

 

ABSTRACT

Minimally adequate parenting is still not enough discussed and translated in indicators for parenting assessments, in despite being a concept far reported in the literature. This article enlarges that discussion from the presentation and analysis of three focus groups (FG) results, professionals from social work, courts and research that answered the question: what is and what are the minimally adequate parenting indicators? Discussions ‘content was analysed with QSRnVivo8 software. Content categories point to minimally adequate parenting’ qualitative indicators, distributed through different ecological levels (individual, microsystem, social context). It’s also noted that is not possible to use just one kind of indicators or to reach a universal formula of minimally adequate parenting. Based on this study contributions is proposed a three-dimensional matrix to translate this concept into case specific indicators.

Key-words: Minimally adequate parenting, Assessment, Risk, Norm, Content analysis.

 

 

 

A avaliação da parentalidade no âmbito do sistema de promoção e proteção da infância é uma tarefa exigente, tendo em conta as suas implicações na vida das crianças e suas famílias. Por esta razão, é importante que subjacente a tais avaliações estejam conceitos claros e aceites por todos os intervenientes (técnicos, juízes, pais, sociedade em geral). Não obstante esta é precisamente uma das limitações comummente apontada à avaliação das capacidades parentais (Azar & Benjet, 1994; Budd & Holdsworth, 1996, 2008; Budd, Poindexter, Felix, & Naik-Polan, 2001; Hurley, Chiodo, Leschied, & Whitehead, 2003; Kellet & Apps, 2009).

O conceito de “parentalidade minimamente adequada” (Budd & Holdsworth, 1996) remete para os critérios a que devem obedecer os juízos relativos à qualidade da parentalidade, sendo apontado como referencial de boas práticas, por contraponto à utilização do critério da parentalidade ótima. Ou seja, os profissionais deverão avaliar se as práticas parentais dos prestadores de cuidados são ou não suficientes para garantir a segurança e o bem-estar da criança. Mais especificamente, a “parentalidade minimamente adequada” corresponderá à “quantidade mínima de cuidado necessária de modo a não causar dano à criança” (Centre for Parenting and Research – New South Wales Department of Community Services, 2006, p. 1), atendendo à especificidade da relação entre cada criança e o prestador de cuidados avaliado. Segundo Fernández e Puyana (2009, p. 120) este conceito implica que: (1) existem dimensões da parentalidade consideradas essenciais; (2) as capacidades parentais se representam num continuum em cada dimensão considerada; e (3) a capacidade parental começa a ser questionável a partir de um determinado ponto nesse continuum. Saliente-se que, em nosso entender, a “parentalidade minimamente adequada” não deverá ser entendida como uma parentalidade inferior (Edwards, 1995; Tomison, 1998) mas antes como a garantia de cuidados mínimos necessários ao desenvolvimento do potencial da criança. Como referem Boisson e Verjus (2004, p. 31), “a parentalidade suficientemente boa é uma parentalidade adaptada às necessidades da criança”.

No contexto português de proteção à infância não é comum a utilização deste conceito. Não obstante, o nosso enquadramento jurídico, ao apontar a intervenção mínima como um dos princípios em matéria de promoção e proteção das crianças e jovens (Lei 147/99 de 1 de Setembro), legitima e exige que o seu estudo seja aprofundado.

Na literatura, dificilmente se encontra descrito o que constitui uma parentalidade minimamente adequada, sendo comum a referência a dificuldades na sua operacionalização e a ausência de indicadores comportamentais claros (Azar, Lauretti, & Loding, 1998; Budd, 2001, 2005; Budd, Felix, Sweet, Saul, & Carleton, 2006; Choate, 2009). Em 2000, Daniel estudou, através da metodologia Q-sort, a relação entre as crenças dos profissionais sobre os elementos da parentalidade que são importantes para assegurar o bem-estar da criança e as perceções acerca do que subjaz à sua tomada de decisão. Concluiu que existe uma ligação entre as visões que os profissionais mantêm acerca das necessidades das crianças e a sua tomada de decisão, e distinguiu três clusters de opiniões significativamente diferentes acerca das prioridades a ter em conta na avaliação da parentalidade: um primeiro em que os profissionais priorizam o bem-estar emocional da criança, um segundo em que focam sobretudo os apoios à parentalidade que são disponibilizados aos pais, e um terceiro em que enfatizam a qualidade das relações de vinculação. Esta autora fez ainda algumas sugestões ao nível da formação e treino dos profissionais de forma a clarificar os próprios processos de tomada de decisão e a limitar a influência das experiências e crenças pessoais dos técnicos. Uma das sugestões foi a de que a supervisão dos profissionais deve incluir oportunidades para avaliar até que ponto a tomada de decisão é consistente com as suas crenças acerca do que é a “parentalidade minimamente adequada”.

Este artigo pretende reler criticamente o conceito de “parentalidade minimamente adequada” a partir de três conceitos de referência – parentalidade, risco e norma – e propor uma forma de o operacionalizar, tendo em conta os contributos recolhidos a partir de um estudo qualitativo realizado com um conjunto de peritos portugueses da área social, judicial e académica. Adota-se como modelo de referência para esta leitura o modelo bioecológico de Bronfenbrenner (1999) e a caracterização que o autor faz dos diferentes níveis ecológicos, nomeadamente ontossistema, microssistema, mesossistema, exossistema e macrossistema. Este modelo tornou-se um marco conceptual incontornável para a compreensão do desenvolvimento humano ao considerar a influência simultânea destes vários níveis na sua evolução. Considera-se o modelo mais adequado para compreender a multiplicidade de fatores que influenciam a parentalidade.

 

PARENTALIDADE

É hoje consensual que a parentalidade é um processo de desenvolvimento dos pais, mais do que um papel ou uma função (Coordination des ONG pour les droits de l’enfant, 2011; Daly, 2007). Como dizem Boisson e Verjus (2004, p. 5) “ser pai não é nem um dado biológico nem um dado social mas o fruto dum processo complexo de maturação psicológica” que implica uma progressão no sentido de “tornar-se pais”, feita através de reorganizações psíquicas e afetivas (Lamour & Barraco, 1998, p. 26).

Para Houzel e colaboradores (1999, citados por Euillet & Zaoche-Gaudron, 2008), a parentalidade deve ser concebida segundo 3 eixos. No primeiro, o exercício da parentalidade inclui os direitos e os deveres jurídicos de que todo o progenitor é depositário quando nasce um filho, como a obrigação de vigilância e proteção quanto à educação e à saúde, e que só são modificáveis perante decisão judicial. No segundo, a experiência da parentalidade integra o que é sentido, experimentado e vivido por aqueles que são encarregues de funções parentais. No terceiro a prática da parentalidade, diz respeito a tarefas de ordem doméstica, de cuidado, de educação e de socialização, mas também interações fantasmáticas entre o progenitor e o seu filho. Todo este processo visa cumprir uma função dos pais/prestadores de cuidados junto da criança, nomeadamente a satisfação das necessidades físicas, afetivas, cognitivas, emocionais e sociais com vista à sua autonomização. Saliente-se a importância do contexto de coparentalidade que remete, segundo Feinberg (2003, p. 96), para “as formas como os pais e/ou figuras parentais se relacionam uns com os outros no papel de pais”. É portanto um processo relacional, uma experiência emocional (Dix, 1991), decorrente da relação única que se estabelece com a criança, influenciado pelas características do contexto em que ocorre, o que leva Daly (2007, p. 7) a completar esta definição dizendo que a parentalidade deve ser definida em termos “de uma comunidade de parceiros chave: pais, crianças, serviços locais e nacionais, e o estado”. Ou seja, como referia Bornstein (2001, p. 2) “a parentalidade constitui toda uma ecologia abrangente para o desenvolvimento” da criança. Autores como Cochran e Diego (2002) ou Armstrong, Birnie-Lefcovitch e Ungar (2005) salientam a importância do apoio social para o exercício da parentalidade; Cochran e Diego (2002) destacam não só os tipos de apoio que são disponibilizados aos pais, mas também a forma como os vários elementos da rede social influenciam a qualidade do desenvolvimento da criança, através das interações que com ela estabelecem.

Contudo, “o ‘como’ da parentalidade é crítico” (Daly, 2007, p. 124). Em 2005 Barudy e Dantagan apontam cinco características duma parentalidade mínima: (1) existência de recursos de vinculação, níveis de empatia e modelos educativos que reconheçam a criança como sujeitos com necessidades e direitos; (2) existência de experiências de participação em redes de apoio social; (3) capacidade de solicitar ajuda dos serviços o que respeita às crianças; (4) capacidade introspetiva suficiente para assunção da responsabilidade; (5) possibilidade de confiar e colaborar com profissionais e instituições que possam oferecer-lhes ajuda. Posteriormente, Daly (2007) aponta quatro características da prática parental que promovem o superior interesse da criança: satisfazer as necessidades básicas, dar estrutura e limites, reconhecer e reforçar a criança e promover o seu empowerment. Além disso, acrescenta que a parentalidade deve ser exercida de forma não violenta, atualizar-se de acordo com a evolução da própria criança e ser apoiada (o seu exercício) pela comunidade.

Focando-se nos avaliadores, Kellet e Apps (2009) publicaram um estudo qualitativo que pretendeu perceber como é que profissionais de saúde comunitária, pediatria, educação e apoio social avaliavam a parentalidade e a necessidade de apoios para o seu exercício. As autoras verificaram, a partir de 54 entrevistas, que as visões dos profissionais focavam quatro temas principais relativos ao que consideravam ser “parentalidade minimamente adequada”: (1) satisfazer as necessidades desenvolvimentais e de saúde da criança; (2) colocar as necessidades da criança em primeiro lugar; (3) disponibilizar cuidado consistente e rotineiro; (4) haver envolvimento dos pais com os serviços de apoio. Para muitos destes profissionais, a “parentalidade minimamente adequada” era vista como o critério mínimo de parentalidade e não como o que seria desejável. “Neste nível minimalista a parentalidade suficientemente boa era vista como o dar afeto e amor incondicionais, e satisfazer as necessidades básicas da criança, de alimento, segurança e cuidado físico” (Kellet & Apps, 2009, p. 27). Concluíram ainda que “as dificuldades dos técnicos residem em ponderar a importância relativa dos aspetos emocionais e práticos da parentalidade de forma a avaliar o que é a parentalidade minimamente adequada” (idem, p. 29).

Mais recentemente, Wolfe e McIsaac (2010), consideram que estilos de cuidado positivo refletem: conhecimento do desenvolvimento infantil e expectativas adequadas acerca dos limites do desenvolvimento normal; competências adequadas para lidar com o stresse relacionado com o cuidar de crianças pequenas e formas de promover o desenvolvimento infantil através de estimulação e atenção satisfatórias; oportunidades para desenvolver a vinculação normal pais- filhos e resolver problemas precoces de comunicação; conhecimento parental adequado de gestão doméstica, incluindo planeamento financeiro básico, abrigo adequado e planeamento de refeições; oportunidades e disponibilidade para partilhar os deveres de cuidar das crianças entre ambos os pais, quando aplicável; acesso aos serviços sociais e de saúde necessários; ênfase em métodos comportamentais adequados para controlar o comportamento não desejável das crianças em vez de métodos de controlo psicológico que induzem o medo e a culpa (Wolfe & McIsaac, 2010, p. 9).

A partir desta síntese pode perceber-se que os diferentes autores especificam de forma diversa o que constitui uma parentalidade adequada, utilizando denominações diferentes que refletem enfoques diversos no exercício, na experiência ou na prática da parentalidade. Tendo em conta estes três eixos da parentalidade, em função de que critérios deve decidir-se sobre a sua adequação ou desadequação? Ou, mais especificamente ainda, e reportando-nos à área da proteção à infância, como se define o que é ou não é uma “parentalidade minimamente adequada”?

 

Critérios de Avaliação da Adequação da Parentalidade

A adequação da parentalidade tende a ser definida em função de dois referenciais de análise: o impacto nas crianças, a que chamaremos critério do risco/dano, e a adequação social do comportamento parental, a que chamaremos critério normativo.

 

Critério do risco/dano

A ideia de que o comportamento parental afeta o comportamento das crianças está largamente presente na literatura, em estudos que associam características do comportamento parental a evoluções desenvolvimentais das crianças (Golding, 2000). O próprio conceito de goodness of fit, ao salientar que os pais terão de adequar-se às necessidades desenvolvimentais específicas de cada criança (Wolfe & McIsaac, 2010), reflete claramente essa ideia. No entanto, o comportamento da criança é influenciado por múltiplas variáveis para além do comportamento parental, como sejam as circunstâncias ambientais ou a qualidade do seu próprio desenvolvimento (Golding, 2000).

De acordo com a hipótese da suscetibilidade diferencial (Pluess & Belsky, 2010), as crianças reagem de forma diferente aos padrões de cuidado, de acordo com as suas características individuais. No estudo longitudinal publicado em 2010, os autores (idem) verificaram que crianças com temperamento difícil são mais suscetíveis à qualidade dos cuidados parentais e que tal efeito é observável ao longo do seu desenvolvimento. Tal significa que o comportamento parental e o comportamento da criança devem ser entendidos na sua ecologia, em vez de serem perspetivados linearmente como causa-efeito um do outro (Golding, 2000). Neste sentido, Daly (2007, p. 10) considera que “uma boa parentalidade beneficia tanto a criança como os pais [só podendo] ser definida como positiva quando opera em benefício de ambos”. Há situações em que os pais não têm recursos suficientes para implementar as mudanças necessárias à adequada satisfação das necessidades dos seus filhos (e.g., perturbações mentais e/ou limitações intelectuais graves, ou abuso de tóxicos, são habitualmente limitadores importantes de tais capacidades de mudança). Num artigo de 1996, Barnardo’s Staff defende que o risco/dano deverá ser o principal critério a seguir na determinação do que pode ser a “parentalidade minimamente adequada”, uma vez que o comportamento parental pode ser igualmente prejudicial independentemente da sua desadequação ser devida a ignorância, intencionalidade ou omissão.

Tomando como critério o risco/dano, a parentalidade deixa de ser minimamente adequada quando coloca a criança, intencionalmente ou não, numa situação em que a qualidade do seu desenvolvimento pode vir a ser prejudicada. Contudo, não pode esquecer-se que o impacto do comportamento parental é específico de cada relação (Wolfe & McIsaac, 2010), o que significa que a avaliação da (des)adequação dos comportamentos parentais não pode esquecer o contexto relacional específico em que os mesmos ocorrem.

 

Critério normativo

O critério normativo integra duas ordens de referenciais: as práticas culturais e as normas legais de cada contexto considerado. As práticas culturais dominantes em cada comunidade ou grupo social constituem um referencial com o qual os pais são comparados (Hurley et al., 2003) e que devem ser tidas em conta no processo de avaliação (Budd, 2008; Hurley, Chiodo, Leschied, & Whitehead, 2003; Kellet & Apps, 2009).

As imagens difundidas pelos media constituem um poderoso veículo de construção desta cultura dominante. Por isso, Assarsson e Aarsand procuraram, analisando um programa de televisão sueco e uma revista norte-americana para pais, caracterizar a imagem de parentalidade aí transmitida. Verificaram que, “(...) nos media, a parentalidade é categorizada, avaliada e corrigida. Independentemente do género, tema ou dilema em causa, são transmitidas normas e preferências relativamente a como ser um bom pai” (Assarsson & Aarsand, 2011, p. 79). As conclusões vão no sentido de que a parentalidade é um processo, especificando que uma parentalidade suficientemente boa implica estar continuamente a corrigir e a melhorar a prática parental. Apontam a distinção entre “obrigações parentais” e “recomendações parentais”, sendo que as primeiras não são negociáveis (e.g., controlar a ira ou a tolerar a frustração) e as segundas são vistas como quase inalcançáveis (e.g., “tentar não gritar” e ser “tão consistente quanto possível”). Desta análise resulta a ideia, segundo os autores, de que ainda que os pais não atinjam o ideal, a falta de sucesso não é considerada problemática caso ocorra um forte investimento na sua prossecução.

Já em 2008, Prins e Toso haviam realizado um estudo que ponderava a presença, do modelo cultural de referência nas práticas parentais. Verificaram que os pais das classes média e alta promovem e monitorizam ativamente as competências das crianças e tendem a seguir os conselhos dos técnicos “tentando deliberadamente estimular o desenvolvimento dos seus filhos e promover as suas competências sociais e cognitivas”; nas classes sociais mais baixas, os pais cuidam das crianças, dão-lhes limites e deixam-nas crescer, ao mesmo tempo que satisfazem as suas necessidades básicas e lhes garantem um ambiente seguro, sem estarem focados na promoção ativa das suas competências. Prins e Toso concluem que, ainda que os técnicos tendam a favorecer o primeiro modelo, os diferentes modelos respondem a exigências contextuais diferentes.

Conclui-se, portanto, que a avaliação da (des)adequação dos pais não pode decorrer da mera constatação de que os mesmos estão mais ou menos afastados das práticas dominantes, numa determinada cultura, devendo ter-se em conta a especificidade funcional das diferentes práticas culturais. Tal assumirá especial relevância quando avaliador e avaliado pertencem a grupos sociais com práticas dominantes diferentes.

As normas legais traduzem também as especificidades culturais de cada contexto espacial e temporal. Refira-se, a título de exemplo, o recente reconhecimento, pelo Conselho da Europa, da desadequação da punição corporal como prática educativa (Recomendação 1666 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, 2004) e de como a integração desta norma na legislação portuguesa (Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro – Vigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro – Artigo 152 do Código Penal) tem vindo a exigir mudanças na forma como os adultos colocam limites ao comportamento das crianças.

 

Articulação dos critérios

Os dois critérios referidos, do risco e da norma, plasmam o modelo ecológico que subjaz às conceptualizações comummente aceites acerca da parentalidade (Belsky,1984; Farnfield, 2008): o critério do risco aplica-se à relação (específica) pai-filho, ou seja a conteúdos de avaliação provenientes do ontosistema e do microssistema; o critério normativo aplica-se à relação entre os pais e a comunidade e decorre de referenciais culturais comuns a um determinado grupo social, estejam eles reportados, ou não, a normas legais (conteúdos provenientes do exossistema e do macrossistema). Assim se concretiza a afirmação de Lacharité (2003, p. 13) de que “as competências parentais já não dizem respeito apenas à relação entre os pais e a criança, mas igualmente à sua relação com a coletividade”. Os técnicos da área social, nas suas avaliações, são chamados a integrar ambos os critérios, na resposta à questão: será que este pai/esta mãe exerce a função parental de forma minimamente adequada?

A reflexão acerca da forma como estes critérios podem ser conjugados e operacionalizados, bem como sobre os indicadores de “parentalidade minimamente adequada”, assume-se não só como um desafio mas também como uma necessidade para uma mais adequada intervenção dos profissionais da proteção à infância.

 

MÉTODO

No âmbito do estudo de validação de um Guia de Avaliação das Capacidades Parentais (adaptação da proposta de Steinhauer et al. (1993), a ser utilizado no contexto do sistema de promoção e proteção português, procurou explorar-se a compreensão que alguns profissionais e académicos portugueses, com experiência de avaliação ou decisão em casos de promoção e proteção, fazem do conceito de parentalidade mínima. Partindo de 3 grupos de profissionais diferentes, magistrados, profissionais da área psicossocial e académicos, questionou-se quais devem ser os indicadores e os limiares a considerar para poder decidir se, efetivamente, existe ou não um nível mínimo de cuidados por parte dos prestadores de cuidados. A sua escolha teve um duplo significado: por um lado, são os principais grupos profissionais que conceptualizam e operacionalizam conceitos relevantes para o trabalho na área da proteção à infância; por outro, os magistrados pautam a sua atuação pelo critério coletivo, isto é, pela norma, enquanto para os académicos e os profissionais da área psicossocial o critério risco se assume como fundamental no processo de avaliação e ponderação das medidas de proteção e promoção a tomar.

 

Participantes

A amostra do estudo é constituída por 10 profissionais, 3 da área psicossocial, com mais de 15 anos de experiência na avaliação de situações de criança em risco ou perigo, sinalizadas a comissões de proteção ou acolhidas em centros de acolhimento, 4 magistrados com larga experiência em processos judiciais de promoção e proteção, e 3 académicos com trabalho de investigação reconhecido na área da avaliação psicológica e das respostas institucionais para situações de crianças em risco ou perigo. Embora tenham participado profissionais do sexo feminino (n=6) e masculino (n=4), o grupo de académicos integrou apenas profissionais do sexo feminino.

 

Procedimentos Recolha da informação

Atendendo à falta de informação sobre o conceito e indicadores de “parentalidade minimamente adequada”, considerou-se que a metodologia mais interessante e adequada à obtenção de resultados válidos e úteis consistia na realização de um estudo qualitativo, orientado para a descoberta. Recorreu-se à metodologia do focus group (FG), constituindo 3 grupos homogéneos quanto à área profissional. A cada um dos grupos, e depois de enquadrada a problemática da necessidade de avaliação das competências e capacidades parentais no contexto da promoção e proteção, foi diretamente colocada a questão de saber “o que é e quais são os indicadores de “parentalidade minimamente adequada”.

As discussões dos vários FG foram registadas em áudio e vídeo e tiveram a duração total de aproximadamente 2h30, sendo em média 1h dedicada à discussão desta questão e o restante tempo usado para avaliar a validade do Guia de Avaliação das Capacidades Parentais, estudo que é objeto de um outro trabalho (Pereira & Alarcão, 2013).

 

Análise dos dados

Após a transcrição dos registos áudio, os textos foram objeto de análise de conteúdo, tendo sido utilizado para tal o software QSRnVivo8. Foi escolhido o tema como unidade de análise. Assim, a 1ª autora fez uma primeira leitura integral das transcrições e identificou os diferentes temas abordados, criando um conjunto de categorias e subcategorias que discutiu com a 2ª autora. As categorias de conteúdo não foram definidas a priori, antes decorreram da revisão sucessiva das referências numa perspetiva indutiva, guiada pelos dados, seguindo uma abordagem concordante com a grounded theory, caracterizada por sucessivas revisões dos dados e redefinição das categorias. As subcategorias constituem propriedades das categorias, tendo as referências sido agrupadas seguindo um critério de dimensionalização (LaRossa, 2005) segundo o qual são agrupados conceitos diferentes entre si mas unidos por um outro de nível de abstração mais elevado (Quadro 1).

 

 

Assim, cada categoria corresponde a um nível ecológico (indivíduo, microssistema e contexto social), e inclui subcategorias que apontam para tipos de indicadores como, por exemplo, os comportamentos da criança, ou as competências parentais. Foram ainda diferenciadas outras três categorias: uma na qual foram incluídas referências que apontam para um paralelismo entre os indicadores de “parentalidade minimamente adequada” e os indicadores de negligência, outra onde se incluem referências sobre a natureza quantitativa ou qualitativa dos indicadores e ainda uma outra cujas referências apontam para a insuficiência de um único tipo de indicadores de “parentalidade minimamente adequada”.

Posteriormente a consistência das mesmas foi testada com recurso a três juízes que codificaram 90 de um total de 272 referências, após um primeiro teste piloto em que os três juízes aplicaram e discutiram a codificação de cerca de 15 referências. O acordo inter-codificadores, definido como o grau em que dois codificadores independentes avaliam uma característica de uma mensagem e chegam à mesma conclusão (Lombard, Snyder-Duch, & Bracken, 2010), foi calculado ao nível das subcategorias, obtendo-se o valor K de Fleiss de 0.91, o que é considerado muito adequado. Este valor foi calculado através da folha de cálculo especificamente desenvolvida por Jason King (2004) para o cálculo de acordo entre mais de dois codificadores.

 

RESULTADOS

O número de referências nas categorias não corresponde exatamente à soma das referências codificadas nas subcategorias, por duas razões: a primeira, porque nem todas espelham o nível de especificidade exigido pelas subcategorias, pelo que só foram codificadas na categoria que as enquadra; a segunda porque algumas referências articulam conteúdos codificáveis em mais do que uma subcategoria (da mesma categoria), como é o caso, por exemplo, das que remetem para capacidades e competências parentais.

Caracterização dos Indicadores de “Parentalidade Minimamente Adequada”

Como pode ver-se no Quadro 1, os indicadores de “parentalidade minimamente adequada” distribuem-se por diferentes níveis ecológicos – indivíduo, microssistema e contexto social – ainda que com muito mais incidência no nível microssistémico (92 referências, num total de 129). Dizem fundamentalmente respeito a capacidades (Quadro 2, exemplo 1) e competências parentais (Quadro 2, exemplo 2) – respetivamente, 47 e 22, de um total de 92 referências.

 

QUADRO 2

Referências exemplificativas


Exemplo 1: FG Académicos: “A3: ter capacidade, de gerir os recursos, afetivos, emocionais, enfim, todos os que existem e materiais em favor da criança, e portanto se o fazem, se o souberem fazer, mesmo em contextos fortemente adversos, ah... A2: São bons cuidadores(...).”

 

Exemplo 2: FG Técnicos: “T1: no limite temos a responsabilidade, ou seja quando é que nós consideraremos que é capaz de exercer a sua função? Quando conseguir ser responsável por tempo indeterminado, não é, por aquela criança , e se ele conseguir garantir a sua segurança, o seu bem-estar, as questões de higiene, portanto todas as outras questões de vida do dia-a-dia, então aí ele com certeza conseguirá ser uma pessoa competente na sua função”

 

Exemplo 3: FG Técnicos: “T1: (...) nós percebermos qual é que é a diferença quando a criança está no acolhimento ou quando está na família. Ela pergunta-nos coisas, provavelmente seria a expectativa dela em relação à família, ou seja, quem é que vai ficar com ela à noite, quem é que vai com ele para a escola, quem é que vai tomar conta da mochila dele ou ajudá-lo a fazer a mochila (...) portanto isto às vezes são indicadores de coisas que ou aconteciam na família ou não aconteciam.”

 

Exemplo 4: FG Magistrados: “M3: Há vários outros fatores, (...) naturalmente tem a ver também como eu disse com a situação de stresse, não é, por vários motivos, ou por razões endógenas ou exógenas, designadamente a pobreza, as circunstâncias difíceis de trabalho e do ponto de vista da sustentabilidade.”

Exemplo 5: FG Académicos: “A1: nem a [parentalidade] ótima está retratada, (...) nem a nível do processo, nem a nível dos resultados, ora o que (...) uma pessoa que nós a... , consensualmente podemos assumir como sendo alguém, com um bom desenvolvimento, (...) também não quer dizer que isto seja só o reflexo da parentalidade. É o reflexo, de muita coisa.”

 

Exemplo 6: FG Académicos: “A1: Que parâmetros, é que eu posso estabelecer, não é quais são as áreas que eu vou avaliar, mas depois como é que em cada uma dessas áreas eu consigo afinar o suficiente a quantificação do mínimo?”

 

Exemplo 7: FG Académicos: “A3: (...) faz-me questionar, se a parentalidade pode ser absoluta, ou seja, se não é possível... A1: Ah, isso não, não; A3: Não, pois não? A2: tem de ser em termos de competências, é essa a diferença... A1: diferenciadas em função do desenvolvimento da criança”

 

Exemplo 8: FG Académicos: “A3: Isso tem uma referência (...) sociocultural importante. Porque aquilo que é funcional numa dada..., num dado grupo social ou cultural e que é aceite A1: num dado tempo A3: não é num outro.... E nós estamos a assistir muito a isso, até com minorias étnicas e outras...A1: sim, sim, sim! A3: ... aquilo que era funcional, ou que era em determinado contexto deixou de sê-lo, e por vezes as pessoas têm alguma dificuldade em lidar com isso.”

 

Exemplo 9: FG Académicos: “A1: Eu acho que isto está muito, é assim, para mim quando eu penso qual é a parentalidade mínima adequada estamos na discussão de, qual é o risco! (...) A3: Hum, hum. A2: É. Claro. A1: Porque quando os pais não asseguram a parentalidade mínima adequada, a criança entrou no risco. Eh, sim, em termos globais, é isto.

 

Exemplo 10: FG Magistrados: “M2: E depois há uma coisa que obviamente, em qualquer situação, que é a capacidade que os pais têm da afeição não é, o cuidar, o gostar, aliás há uma disposição na lei de promoção e proteção que diz que a criança está em perigo quando não tem a afeição, ou seja, quando não é gostada, não é cuidada.”

 

Exemplo 11: FG Magistrados: “M3: O ponto de vista da psicologia eu acho para quem trabalha é de tentar perceber realmente a verdade, a verdade da qualidade daquela relação afetiva, mas depois vêm estes problemas todos a seguir que é, a capacidade de tradução prática nas outras exigências que a criança tem (...) que é o cuidar e muitas vezes os pais quando se avalia se chega à conclusão que eles são incapazes não é, eles até podem querer mas... eu acho que para quem está, para nós que estamos a avaliar isso, não só os técnicos, quando chega aos tribunais quem tem de decidir é muito, é muito complicado, são aquelas situações que são situações ... M4:de fronteira... M3: de fronteira, mais difíceis, que é decidirmos (...), qual é a capacidade de mudança daqueles pais e quando a relação afetiva não existe ou existe mas é deficiente, é formal, é ... M4: acaba por vir ao de cima... M3: não há aquela vinculação, consegue-se decidir.”


 

Operacionalização do Conceito de “Parentalidade Minimamente Adequada”

Foi comum aos três grupos a dificuldade em operacionalizar os indicadores de parentalidade mínima (cf. Quadro 1, categoria g), sendo o número de referências desta categoria muito inferior (12/129) ao das categorias em que é feita a identificação qualitativa do indicador (143/129; relativa ao indivíduo: 18, microssistema: 92; contexto social: 16). Saliente-se ainda que todos os grupos apontaram a insuficiência de um único tipo de indicadores para caracterizar o que poderá ser a “parentalidade minimamente adequada”, reforçando também a necessidade de conjugar indicadores provenientes de outros níveis ecológicos, nomeadamente da própria criança (Quadro 2, exemplo 3) e do contexto social (Quadro 2, exemplo 4). Como referiu um dos participantes do FG dos académicos “(...) há um cruzamento de fatores, de condições (...). Temos que fazer uma avaliação mais geral para perceber então o que é que poderá levar a isto, e não podemos centrar- nos, automaticamente naquele (...) linearmente”.

Para além de referir a dificuldade de definir e operacionalizar o conceito de parentalidade mínima (Quadro 2, exemplos 5 e 6), os académicos referiram a impossibilidade de fazê-lo através de uma formulação única (Quadro 2, exemplo 7), universal para todas as crianças.

Tal definição será diferente, em função das necessidades específicas de cada criança, alterando-se ao longo do seu desenvolvimento e dos momentos e espaços sociais em que está inserida (Quadro 2, exemplo 8). Este caráter dinâmico justifica que se devam ter em conta indicadores de “parentalidade minimamente adequada” provenientes dos diferentes níveis ecológicos – criança, prestadores de cuidados, comunidade.

 

Critérios de Avaliação

O risco (Quadro 2, exemplo 9) e a norma (Quadro 2, exemplo 10) sugiram nas discussões como critérios de referência para distinguir o ponto a partir do qual pode considerar-se a parentalidade como minimamente adequada. As frequências muito próximas de ambos os critérios (em 25 referências, 13 remetem para o critério do risco e 16 para o critério da norma, sendo que em quatro são referidos ambos os critérios) evidenciam que a norma tem também a função social de prevenir a concretização de determinados riscos, nomeadamente os que coloquem em causa o bem-estar das crianças.

A ponderação destes dois critérios estará relacionada com os diferentes dilemas éticos com que os técnicos e os magistrados se confrontam no momento de decidir se a forma como a parentalidade está a ser exercida é ou não minimamente adequada. Os participantes mencionaram vários dilemas (16 das 272 referências), tais como, entre afeto e competência parental (Quadro 2, exemplo 11), indicadores da criança e indicadores dos pais, soluções propostas e viabilidade da sua concretização, universalidade ou especificidade dos indicadores de “parentalidade minimamente adequada”.

Para além destes aspetos, os participantes associaram os indicadores de “parentalidade minimamente adequada” à intervenção na área da promoção e proteção, com destaque para os princípios que norteiam a mesma e que estão expressos nos textos legais, como por exemplo o princípio da intervenção mínima. Refira-se ainda que os participantes também utilizaram exemplos decorrentes (20/272 referências) das suas experiências profissionais e pessoais da parentalidade para fundamentar os seus contributos para a discussão.

 

DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Como mostram os resultados deste estudo, a operacionalização do conceito de “parentalidade minimamente adequada” é uma tarefa difícil. Tal dificuldade associa-se a três aspetos fundamentais, também referidos pelos participantes: (1) à existência de diferentes crenças, valores e normas legais e culturais relacionados com a parentalidade em diferentes contextos (Barroso & Machado, 2011); (2) à especificidade funcional de cada relação entre criança e prestador de cuidados (“goodness of fit”; Wolfe & McIsaac, 2010); e (3) ao facto de que a evolução desenvolvimental da criança não decorre apenas do comportamento parental, mas da multiplicidade de fatores específicos de cada nível ecológico que caracteriza o sistema em que a criança está integrada. Acresce ainda que o que constitui “parentalidade minimamente adequada” pode alterar-se ao longo do tempo, devido quer ao próprio processo de desenvolvimento dos pais e da criança, quer às diferentes circunstâncias ambientais que enquadram tal processo em cada momento. Como atesta a densidade de categorias de conteúdo decorrentes das respostas à questão colocada, não é correto operacionalizar-se o conceito de “parentalidade minimamente adequada” centrando-nos apenas nos pais, na criança ou no contexto, nem fazê-lo de forma absoluta, numa formulação universal aplicável a todas as crianças e todos os pais ou cuidadores. Assim, e corroborando a opinião de Golding (2000), a adequação parental deixa de ser um conceito “fixo” para ser um conceito essencialmente dinâmico, na medida em que a valoração do comportamento parental não depende apenas da natureza do mesmo, mas da forma como interage com todos os componentes do contexto em que ocorre. Como diz Daly (2007, p. 9) “não há uma forma correta de exercer a parentalidade”.

Assim, considera-se que a categorização criada no âmbito deste estudo se afigura útil para a construção de um referencial de operacionalização do conceito de “parentalidade minimamente adequada”. Contudo, beneficiaria se fosse testada em estudos com amostras de maior dimensão, que contivessem focus group heterogéneos e que integrassem, também, pais/prestadores de cuidados, limitações que podem ser apontadas a este trabalho.

 

CONCLUSÕES

As discussões dos três focus group permitem concluir que os indicadores apontados para qualificar a parentalidade como minimamente adequada devem refletir: (i) as especificidades culturais e o valor atribuído à infância ao longo da história, por uma determinada sociedade (macrossistema); (ii) os referentes legais e sociais vigentes (exossistema); (iii) as características específicas da relação criança-prestador de cuidados (microssistema); e iv) as necessidades da criança (ontossistema). Estes indicadores poderão remeter para condições do exercício da parentalidade, capacidades ou competências parentais, tendo em conta que são as capacidades parentais que possibilitam a atualização das competências dos pais ao longo do desenvolvimento dos filhos.

No contexto da proteção à infância, a resposta à questão “o que é parentalidade minimamente adequada” caracteriza o momento presente, distinguindo o risco (é minimamente adequada) do perigo (não é minimamente adequada). Mas suscita de imediato uma outra questão: “apesar do modo como estes pais/prestadores de cuidados exercem agora a parentalidade, poderão eles vir a fazê-lo de uma forma minimamente adequada?”. A resposta a esta outra pergunta, naturalmente sob a forma de prognóstico, determina o modo como se equaciona o futuro da criança e da família e reflete-se nas decisões relativas à intervenção e ao projeto de vida da criança. Ambas as questões evidenciam o duplo critério a ter em conta, o risco e a norma. Se a norma, área de especialização dos magistrados, conduz a uma comparação entre o que existe e o que é considerado coletivamente como adequado, o risco, área de especialização dos técnicos psicossociais, remete para uma comparação entre o que existe e as implicações desenvolvimentais dessa realidade para aquela criança. É desta dualidade que advém grande parte dos dilemas éticos com que os profissionais da área psicossocial e os magistrados se confrontam e que foram referidos neste estudo. Situando-se no mesossistema, exatamente a meio do sistema ecológico, são chamados a definir e a operacionalizar o conceito de minimamente adequado, pelo que têm de gerir a tensão entre critérios coletivos e individuais e fazer a ponte entre a criança, os pais e a sociedade em geral. Tal gestão é muitas vezes efetuada recorrendo a referenciais pessoais, que podem enviesar a avaliação que está a ser realizada.

Neste enquadramento, propõe-se que a operacionalização do conceito de “parentalidade minimamente adequada” seja feita a partir de uma matriz tridimensional (Figura 1), com os seguintes eixos: (1) origem dos indicadores, que integra os diferentes níveis ecológicos, (2) forma que os indicadores poderão assumir (capacidades, competências, condições de exercício) e (3) diferentes marcadores temporais que os enquadram (história da parentalidade, diagnóstico, prognóstico).

 

 

A “parentalidade minimamente adequada” será operacionalizada sob a forma de condições de exercício da parentalidade, capacidades ou competências parentais (indicadores qualitativos), específica de cada díade criança-prestador de cuidados. A informação que a suporta deve refletir os diferentes níveis ecológicos, ou seja, é necessário ter em conta informação da criança, dos pais e dos serviços/contexto social, ponderando-a à luz do critério do risco e do critério da norma. Tal operacionalização diferirá consoante o tempo e o espaço em que se pondera a adequação da parentalidade. Os instrumentos de avaliação das capacidades e competências parentais que sejam capazes de refletir esta densidade conceptual, serão determinantes para a recolha estruturada da informação e para a elaboração de juízos fundamentados. Os profissionais a quem cabe esta tarefa poderão assim ir muito além dos seus próprios referenciais pessoais e encontrar, nesta matriz, um referencial de fundamentação dos seus pareceres.

 

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LEGISLAçÃO

Lei n. º 147/99 de 1 de Setembro

Lei n.º 59/2007 de 4 de Setembro – Vigésima terceira alteração ao Código Penal, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro

 

Correspondência

A correspondência relativa a este artigo deverá ser enviada para: Dora Isabel Pereira, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, Rua Colégio Novo, 3001-802 Coimbra. E-mail: disabelp@netvisao.pt

 

Submissão: 13/07/2013 Aceitação: 09/03/2014

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