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Revista de Ciências Agrárias

versão impressa ISSN 0871-018X

Rev. de Ciências Agrárias vol.42 no.3 Lisboa set. 2019

https://doi.org/10.19084/rca.17079 

ARTIGO

Efeito do tratamento térmico sobre a resistência da madeira de cambará a cupins subterrâneos

Effect of Qualea paraensis wood thermal treatment to termite attack resistance

Rafael R. de Melo1,3,*, Andrey G. da M. F. e Silva2, Marlus Sabino2, Diego M. Stangerlin2, Felipe G. Batista3 e Maila J. C. de Souza3

1 Departamento de Ciências Agronômicas e Florestais, Universidade Federal Rural do Semi-Árido, Mossoró, RN, Brasil

2 Instituto de Ciências Agrárias e Ambientais, Universidade Federal de Mato Grosso, Sinop, MT, Brasil

3 Programa de Pós-Graduação em Ciências Florestais, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Macaíba, RN, Brasil

(*E-mail: rafael.melo@ufersa.edu.br)


RESUMO

O trabalho avaliou a influência da termorretificação na resistência ao ataque de cupins em madeira de Qualea paraensis. A madeira utilizada no experimento foi submetida à termorretificação com duas temperaturas (180 e 200°C) e dois períodos de permanência em estufa (120 e 240 min.). Após os tratamentos térmicos, as amostras de madeira foram submetidas ao ensaio de biodegradação, sendo mantidas em ambiente controlado, com presença do cupim Nasutitermes corniger. (Dictyoptera: Termitidae), durante 45 dias. Os resultados foram submetidos a análise de variância e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de significância. Os diferentes tratamentos térmicos alteraram as características avaliadas para a madeira de Qualea paraensis. Três dos quatro tratamentos térmicos avaliados aumentaram a massa específica da madeira. Contudo, também foi verificado um aumento da suscetibilidade da madeira ao ataque de cupins de madeira úmida.

Palavra-chave: Xilófagos, Nasutitermes, Biodegradação.


ABSTRACT

The study evaluated the influence of heat treatment on termites attack of Qualea paraensis. wood. The wood used in the experiment was submitted to heat treatment with two temperatures (180 and 200°C) and two periods of stay in the oven (120 and 240 min.). After heat treatment the wood specimens were subjected to the biodegradation test, being maintained in a controlled environment with presence of the termites Nasutitermes corniger. (Dictyoptera: Termitidae) for 45 days. The results were submitted to variance analysis and the means compared to Tukey's test at 5% significance. The thermal treatments for the Qualea paraensis made modifiction characteristics of the wood. Three of the four thermal treatments evaluated increased the density. However, there was also an increase too in susceptibility of wood to the attack of humid wood termites.

Keywords: Xylophagous, Nasutitermes, biodegradation.


INTRODUÇÃO

A madeira de Qualea paraensis (cambará) vem ganhando destaque e se tornando uma das espécies florestais mais valorizadas para o emprego estrutural na construção (Biasi & Rocha, 2007), sendo indicada para uso interno em construção civil, como caibros, vigas, esteios, ripas, para confecção de móveis, brinquedos, cabos de ferramentas e instrumentos agrícolas (Lorenzi, 2002). Contudo, apesar das suas propriedades que permitem ampla utilização, ainda existem algumas limitações no uso da madeira, como, por exemplo, a instabilidade dimensional e a biodeterioração (Araújo et al., 2012).

Muitos estudos têm sido desenvolvidos na área da modificação da madeira, com o intuito de melhorar a estabilidade dimensional e a resistência biológica (Matsuda, 1996). Uma forma de melhorar a estabilidade dimensional da madeira é o emprego de tratamento térmico no material, que reduz a higroscopicidade pela degradação térmica das hemiceluloses (Severo & Calonego, 2009). De entre os constituintes químicos da madeira, a hemicelulose é a mais hidrófila, contribuindo para a variação dimensional da madeira em função da troca de água com o meio (Borges & Quirino, 2004). Porém, a degradação de um componente estrutural da madeira pode causa efeitos negativos às propriedades químicas e mecânicas, sendo esses efeitos irreversíveis (Winandy & Rowell, 2005).

Diante das possibilidades da aplicação da madeira termorretificada, é evidente que a questão da sua resistência ao ataque de cupins também faz parte do elenco das demandas existentes para avaliação do produto (Pessoa et al., 2006). Assim, o conhecimento da resistência natural da madeira é de suma importância para a recomendação de empregos adequados e para evitar gastos desnecessários com a reposição de peças deterioradas e reduzir os impactos sobre as florestas remanescentes (Paes et al., 2003).

Desta forma, este trabalho avaliou os efeitos da termorretificação na resistência ao ataque de cupins na madeira de cambará (Qualea paraensis.).

MATERIAL E MÉTODOS

Para realização deste estudo foram utilizadas peças de madeira da espécie Qualea paraensis. (Cambará) obtida em estabelecimentos madeireiros do município de Sinop - MT. As peças foram encaminhadas para o Laboratório de Tecnologia da Madeira da Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Sinop, onde foram confeccionadas amostras com dimensões de 25,0cm x 9,0cm x 1,7cm, sendo o maior tamanho no sentido axial, e submetido a tratamento de termorretificação.

O processo da termorretificação foi realizado em março de 2015 em estufa de circulação de ar forçada. Os tratamentos foram constituídos de variação na temperatura de 180°C e 200°C em períodos de permanência na estufa de 120 e 240 minutos, com acréscimo das amostras testemunha (Quadro 1).

 

 

Após o tratamento térmico as peças foram redimensionadas, tornando-se proporções de 4,9cm x 1,7cm x 1,7cm, para a análise da biodegradação por cupim Nasutitermes corniger, e 25,0cm x 1,7cm x 1,7cm para caracterização mecânica.

A escolha desse grupo de cupins do gênero Nasutitermes, foi feita em função de sua ampla distribuição, além de proporcionar danos em madeiras e estruturas no Brasil, sendo responsável por uma percentagem considerável de estragos no Brasil (Paes et al., 2003).

O ensaio de biodegradação por cupim foi realizada no Laboratório de Química da Madeira Universidade Federal de Mato Grosso, Campus de Sinop, entre os meses de fevereiro e abril de 2016. Para o ensaio foram adotados 10 corpos de prova de cada tratamento. As amostras foram secas em estufa de circulação de ar forçada, numa temperatura de 60 °C, durante 2 dias para obtenção do peso seco inicial, sendo em seguida expostas em ambiente controlado contendo uma colônia de Nasutitermes corniger.

As amostras permaneceram expostas por período de 45 dias sob ações dos agentes xilófagos. Após o período de exposição às amostras foram novamente secas em estufas para obtenção do peso seco final. A quantificação do ataque dos agentes xilófagos foi feita pela perca de massa das amostras antes e após serem expostas aos cupins. Foi realizada ainda uma avaliação qualitativa do ataque seguindo a normativa proposta pela American Society for Testing and Materials - ASTM D3345-17 (ASTM, 2017), na qual as amostras receberam notas conforme sua classe de intensidade de ataque (Quadro 2).

 

 

O delineamento experimental foi inteiramente casualizado (DIC) em esquema unifatorial 5 x 10 (tratamento térmico x repetição, respectivamente), sendo os parâmetros analisados a perca de massa e o desgaste (obtido por meio de análises subjetivas), atribuídas por nota da avaliação qualitativa da intensidade de ataque. Os resultados dos parâmetros foram submetidos à análise de variância (ANOVA), e as médias, quando significativas, comparadas pelo teste de Tukey a 5% de significância utilizando o programa estatístico Sisvar (Ferreira, 2010).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A variação de massa específica para os diferentes tratamentos avaliados pode ser observada na Figura 1. Verificou-se que as variações de tempo e temperatura do tratamento proporcionaram alterações em sua massa específica. De acordo com os resultados, os tratamentos de 120 min e o de 240 min a 180ºC não apresentaram diferenças significativas entre eles, sendo que a massa específica média aumentou quando comparado ao caso do tratamento mais agressivo (240 min e 200ºC) e as amostras testemunha onde houve uma diminuição da massa específica. De acordo com Tiemann (1915), os processos de modificação térmica podem ser aplicados a uma ampla variedade de espécies de madeira, mas precisam ser otimizados para cada espécie. As propriedades melhoradas são altamente dependentes de condições de processo, como intensidade de tratamento (duração, temperatura), espécies de madeira e as dimensões da madeira serrada, que pode ter contribuído paro o aumento e diminuição da massa específica.

 

 

A perda de massa da madeira durante a modificação térmica é um efeito característico, onde a diminuição de massa de até 20% pode ocorrer dependendo do tipo de processo. A maioria das propriedades de madeiras termicamente modificadas são semelhantes às propriedades da matéria-prima, afetadas pela intensidade do processo de tratamento de calor, ou seja, pela duração e a temperatura do processo. A maior parte dos processos de modificação térmica, mesmo em temperaturas amenas, diminui a higroscopia da madeira, ou seja, sua capacidade de absorção de umidade do ar, no entanto, em alguns casos, a diminuição da higroscopia pode ser recuperada por umidificação (Maejima et al., 2015).

A análise da perda de massa pela ação dos agentes xilófagos entre os tratamentos pode ser observada na Figura 2. De acordo com os resultados com exceção do tratamento 120 min e 200ºC (com maior perda percentual de massa) todos os outros são estatisticamente idênticos, mas diferentes da testemunha. De modo geral, o tratamento térmico não resultou na melhoria da resistência da madeira. A maior resistência foi observada para as amostras testemunha, ou seja, aquelas que não foram submetidas ao tratamento térmico. Romanini et al. (2014); Jesus et al. (1998) e Carneiro et al. (2009), encontraram resultados semelhantes quanto à resistência da madeira de cambará sem tratamento térmico contra a ação de agente xilófagos, sendo esta considerada uma espécie altamente resistente.

 

 

Em relação aos desgastes causados pelos agentes xilófagos nas amostras, onde esses dados são endossados pela análise qualitativa do ataque (notas), observou-se que as madeiras não tratadas (testemunha) aparentaram menor intensidade de ação dos cupins, com valor médio de 9,53, sendo as madeiras submetidas a maiores temperaturas que apresentaram as maiores intensidades de ataque (Figura 3). Trevisan (2014), não encontrou diferença significativa para o ataque de cupins em Eucalyptus grandis submetido a diferentes condições de termorretificação e a amostra testemunha, contudo notou-se maior susceptibilidade de madeiras submetidas ao tratamento térmico à ação de cupins de madeira seca.

 

 

Na avaliação do ataque de cupins, em 11 espécies de madeira, realizada por Gonçalves et al. (2013), observou-se altas taxas de mortalidades, sendo para a espécie Anadenanthera peregrina, cujo valor de densidade é próximo ao do cambará, a taxa de mortalidade foi superior a 90% dos cupins. De acordo com Haygreen & Bowyer (1998), madeiras mais densa tendem a apresentar teores de extrativos mais elevados e uma maior resistência a organismos xilófagos. Explicando a alta mortalidade, visto que a Qualea paraensis é uma espécie de densidade moderada a alta.

Pessoa et al. (2006), ao analisar madeiras termorretificadas de Eucalyptus grandis com algumas variações de temperaturas similares ao que foi investigado (120 a 200ºC), constatou que o grau de desgaste provocados pelos cupins é menor nas amostras tratadas em temperaturas mais elevadas, ocorrendo assim, acréscimo na mortalidade desses agentes deterioradores. Silva (2012), ao avaliar madeiras de Eucalyptus citriodora ao ataque de cupins subterrâneos (Nasutitermes sp.), conclui também que os tratamentos térmicos ocasionaram maior resistência nas amostras tratadas com altas temperaturas.

Romanini et al. (2014), ao avaliarem a durabilidade de madeiras da região amazônica em campo, encontraram alta durabilidade para madeira de cambará, associando essa característica à densidade e ao teor de extrativos da espécie. Paes et al. (2003), contudo, ao avaliarem o ataque de cupins subterrâneos a diversas espécies de madeira, afirmaram que a resistência não está associada somente à densidade e à quantidade de substâncias presentes na madeira, mas a outras características intrínsecas da espécie.

Esteves & Pereira (2009), conclui que o tratamento térmico altera a composição química da madeira, levando à perda de massa, mas tem o intuito de melhorar a durabilidade da madeira, aumentando a resistência à podridão causada pelos fungos, exceto em contato com o solo, e limitado ao intemperismo e insetos, mas com pouco efeito sobre a resistência a cupim.

Apesar de qualquer outro aspecto, é de salientar que, para as condições específicas do estudo, os danos ocorreram em todos os tratamentos, indicando que o tratamento térmico não foi capaz de proteger completamente a madeira contra o ataque dos cupins. Portanto, mediante os resultados obtidos, acredita-se na existência de componentes tóxicos na madeira de Qualea paraensis, que conferem alta resistências aos agentes xilófagos, sendo, contudo, necessários estudos químicos para determinação dos mesmos.

A correlação entre a perda de massa e o desgaste atribuídas por notas (obtido por meio de análises subjetivas), analisada para madeira de Qualea paraensis. pode ser observado na Figura 4.  De modo geral, verificou-se uma boa correlação entre as variáveis (perda de massa e o índice de desgaste), constando alto coeficiente de correlação (r) = 0,81, o que indica que a atribuição de nota se apresenta como uma ferramenta eficiente para análise qualitativa da sanidade das amostras pós-ataque. Resultados similares foram observados por Melo et al. (2010), ao avaliar a durabilidade da madeira detrês diferentes espécies florestais – Luehea divaricata (açoita cavalo), Carya illinoinensis (nogueira pecã) e Platanus acerifolia (plátano) onde apresentou altos coeficientes de correlação (r) = 0,89, 0,78 e 0,86, respectivamente.

 

 

CONCLUSÕES

A utilização de tratamento térmico afetou as características de massa específica e resistência a biodegradação por cupins da madeira de Qualea paraensis.

Os tratamentos que utilizaram temperatura de 180 e 200ºC por 120 min e, 180ºC por 240 min promoveram um aumento da massa específica da madeira. O aumento da temperatura durante o processo de termorretificação proporcionou um aumento da suscetibilidade da madeira ao ataque de cupins de madeira úmida.

As madeiras de Qualea paraensis pode ser considerada altamente resistentes aos agentes xilófagos, mesmo sem tratamento térmico.

 

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Recebido/received: 2019.02.24

Aceite/accepted: 2019.06.03

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