INTRODUÇÃO
A amendoeira (Prunus dulcis), é uma cultura com origem nas regiões quentes do sudoeste asiático (Ladizinsky, 1999). Com o passar dos anos, esta cultura foi-se instalando à volta da bacia do mediterrâneo, encontrando-se actualmente distribuída por todo o mundo. Em Portugal, localizava-se sobretudo a norte, mais propriamente na Terra Quente Transmontana e Riba Côa, estando em grande expansão no sul do País, principalmente na zona do Alentejo (INE, 2019). O consumo de amêndoa tem aumentado nos últimos tempos. A produção mundial de amêndoa rondou as 1,32 milhões de toneladas em 2018/2019, sendo os Estados Unidos um dos principais produtores deste fruto seco com mais de um milhão de toneladas (Statista, 2019). Em 2018, a produção nacional foi de 21642 toneladas de amêndoa (INE, 2019). Relativamente às variedades plantadas, os produtores têm optado por variedades estrangeiras, maioritariamente francesas (Ferraduel, Ferragnès) e espanholas (Constantí, Guara, Marinada e Vayro), em detrimento de variedades tradicionais portuguesas, como por exemplo, a Duro Italiano,correndo-se o risco de se perder este importante património genético.
Ao nível industrial, este fruto seco é muito versátil, podendo ser sujeito a diversas operações, tais como o descasque (para se obter miolo de amêndoa com pele e farinha de amêndoa com pele), seguido de despelagem e secagem, de forma a se obter miolo de amêndoa sem pele, laminados, granulados e farinha de amêndoa sem pele. Podem ser moídos para produção de manteiga de amêndoa ou usados para produzir bebidas, tais como o “leite” de amêndoa. A torra de miolo é também um processo muito utilizado, para se obter miolo de amêndoa torrado.
Poucos trabalhos têm sido desenvolvidos sobre o efeito da torra e da temperatura de conservação ao nível de propriedades físico-químicas e sensoriais de miolo de amêndoa. Oliveira et al. (2020) caracterizaram o perfil volátil de frutos de variedades de amendoeira regionais e estrangeiras e verificaram que a torra modificou o perfil volátil. Além disso, verificaram que algumas variedades, como por exemplo a Glorieta (variedade estrangeira) e a Molar (variedade regional) parecem demonstrar uma maior resistência à oxidação e a alterações resultantes do processamento. Ao nível da conservação, García-Pascual et al. (2003) verificaram que a amêndoa em casca, armazenada à temperatura ambiente durante nove meses, mantinha a sua qualidade. Raisi et al. (2015) também verificaram que miolo de amêndoa da variedade Mamaei (sem torra) permaneceu fresco durante 8 a 9 meses de armazenamento, à temperatura ambiente (aprox. 23 ºC), enquanto que em ambiente refrigerado, o tempo de prateleira foi superior a 10 meses. Kazantzis et al. (2003) verificaram que o armazenamento de miolo de amêndoa (sem torra) a 5 ou 20 ºC durante 6 meses, resultou num decréscimo no teor de humidade, num maior teor de óleo, num teor idêntico em açúcares, mas com modificações ao nível da composição destes, quando comparado com fruto recentemente colhido. Assim, de modo a obter mais informações sobre o efeito da torra em variedades tradicionais portuguesas e do seu comportamento ao longo do armazenamento, no presente trabalho pretendeu-se avaliar o efeito deste processo de secagem e da temperatura de conservação, ao nível da qualidade de miolo amêndoa, proveniente de uma variedade tradicional portuguesa, Duro Italiano, até agora pouco estudada. Neves et al. (2020) refere que esta variedade era comum no Algarve até aos finais do século XX, apresentando floração tardia e sendo bastante produtiva. Contudo, esta variedade tem vindo a ser substituída por variedades estrangeiras, podendo este património genético vir a ser perdido.
MATERIAL E MÉTODOS
Amostra e tratamentos aplicados
Foram adquiridos aproximadamente 12 kg de amêndoa da variedade Duro Italiano (variedade tradicional Portuguesa) a um produtor da região de Trás-os-Montes. No laboratório, após descasque, dividiu-se o miolo obtido por seis lotes de aproximadamente um kg cada. Três desses lotes foram sujeitos a torra, à temperatura de 180 ºC durante 20 minutos, enquanto os restantes três não foram sujeitos a qualquer tratamento. De cada lote, prepararam-se dez cuvetes de polietileno próprio para indústria alimentar, com 100 g de semente, nas quais se pretendeu simular as condições de mercado. Metade das cuvetes foram colocadas à temperatura ambiente e expostas à luz, enquanto a outra metade foi colocada à temperatura de 50 ºC. Ao longo de quatro semanas, semanalmente foi retirada uma cuvete de cada lote, ou seja, a t0, t1, t2, t3 e t4, onde foram avaliados os parâmetros físico-químicos e sensoriais a seguir descritos.
Parâmetros físico-químicos avaliados
Semanalmente, foi retirado um lote de miolo de amêndoa sujeito ou não à torra, e à temperatura de armazenamento ambiente ou a 50 (C. Os parâmetros avaliados foram os seguintes: (i) cor: utilizou-se um colorímetro (Minolta CR-400) (Konica Minolta Company, Japão) e o sistema CIELAB, tendo sido avaliados os parâmetros L* (luminosidade), a* (-verde:vermelho+), b* (-azul:amarelo+), C* (croma) e o h* (tonalidade) do exterior e interior do miolo. Previamente o equipamento foi calibrado com um padrão branco; (ii) atividade da água (aw): avaliou-se a aw do miolo de amêndoa de cada um dos lotes, utilizando-se o medidor Novasina (LabSwift-aw, Lachen, Suíça); (iii) teor de humidade: por perda de peso a 105 (C, até se obter peso constante; (iv) teor de gordura: extração por Soxhlet de 5 g de miolo de amêndoa com éter de petróleo durante 24 horas; (v) índice de peróxidos: na gordura obtida determinou-se o índice de peróxidos por titulação iodométrica; e (vi) coeficientes de extinção específica (K232 e K268) determinados por espectrofotometria no ultravioleta, segundo o Regulamento de Execução (EU) 2015/1833 (UE, 2015).
Parâmetros sensoriais avaliados
Um painel semi-treinado de 5 pessoas analisou semanalmente as amostras de cada um dos lotes em relação à intensidade das sensações cinestésicas - dureza, fibrosidade, crocância -, sabores básicos - doce e amargo -, e a deteção de defeitos sensoriais, tendo sido utilizada uma escala contínua, não estruturada, de 0 a 10.
Análise estatística
O programa utilizado no tratamento estatístico dos dados foi o Minitab (versão 14). Em primeiro lugar, avaliou-se a normalidade e homogeneidade de variâncias, aplicando os testes de Shapiro-Wilk e Levene, respetivamente. Como se observou normalidade dos dados, aplicou-se a ANOVA, quando se verificou homogeneidade de variâncias, para avaliar a existência de diferenças significativas entre os lotes (valor-p = 0,05). Quando se observaram diferenças significativas entre as amostras, aplicou-se, de seguida, o teste de Tukey. Nas situações em que não se verificou homogeneidade de variâncias, aplicou-se a ANOVA-Welch. Nesta situação, ao se observarem diferenças significativas entre as amostras, aplicou-se o teste de Games-Howell.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No Quadro 1 encontram-se descritos os valores da aw do miolo de amêndoa da variedade Duro Italiano, quando sujeito ou não à torra, e à temperatura de armazenamento ambiente e a 50 (C.
Amostra | Tempo (Semanas) | ||||
---|---|---|---|---|---|
t0 | t1 | t2 | t3 | t4 | |
Sem Torra | |||||
- Ambiente | 0,539±0,004d,B | 0,462±0,007b,B | 0,484±0,003c,B | 0,474±0,003b,c,B | 0,444±0,005a,B |
- 50 (C | 0,539±0,004c,B | 0,221±0,026b,A | 0,245±0,028b,A | 0,206±0,008b,A | 0,152±0,016a,A |
Com Torra | |||||
- Ambiente | 0,457±0,026a,A | 0,493±0,003b,B | 0,504±0,011b,B | 0,470±0,002ª,b,B | 0,444±0,006a,B |
- 50 (C | 0,457±0,026c,A | 0,245±0,039b,A | 0,225±0,009b,A | 0,197±0,003ª,b,A | 0,163±0,004a,A |
Nota: Letras minúsculas diferentes ao longo da linha indicam a existência de diferenças significativas (p<0,05) ao longo do tempo de armazenamento para uma dada amostra. Letras maiúsculas diferentes ao longo da coluna indicam a existência de diferenças significativas (p<0,05) entre amostras sujeitas ao mesmo tempo de armazenamento.
Os resultados obtidos indicam não ter havido grandes alterações na aw, tanto nas amêndoas cruas como nas torradas, quando armazenadas à temperatura ambiente, ao longo das quatro semanas, com valores médios próximos de 0,47, enquanto nas amêndoas armazenadas a 50 ºC, verificou-se um valor inferior (aproximadamente de 0,21), tanto nas cruas como nas torradas. De referir que já no início da experiência, a aw do miolo de amêndoa (antes de ser submetido à torra) apresentou um valor de aw inferior a 0,6 (0,539), indicativo de uma secagem adequada do fruto realizada pelo produtor, a quem se adquiriu a amostra. Este valor de aw indica a existência de condições desfavoráveis ao desenvolvimento microbiano, não sendo o crescimento de bolores provável. Relativamente à torra (tempo t0), esta permitiu baixar a aw de 0,539 para 0,457, correspondendo a um decréscimo de 15%.
No Quadro 2 encontram-se descritos os valores do teor de humidade para as diferentes amostras. O valor determinado na amostra crua, no início da experiência (t0), de 4,33%, p.f., foi da mesma ordem de grandeza do indicado para miolo de amêndoa da variedade Mamaei, colhida no Irão, de 3,29% (Raisi et al., 2015), e para as variedades Marcona, Desmayo Largueta, Planeta e Nonpareil analisadas por García-Pascual et al. (2003) (4,5; 5,1; 5,3 and 4,3%, p.f., respetivamente).
Amostra | Tempo (Semanas) | ||||
---|---|---|---|---|---|
t0 | t1 | t2 | t3 | t4 | |
Sem Torra | |||||
- Ambiente | 4,33±0,16a,B | 6,47±0,06c,C | 6,31±0,09b,c,C | 7,30±0,20d,B | 5,91±0,20b,B |
- 50 (C | 4,33±0,16b,B | 4,46±0,35b,A | 3,37±0,21a,A | 5,15±0,24c,A | 4,01±0,13b,A |
Com Torra | |||||
- Ambiente | 2,95±0,23a,A | 5,47±0,12b,B | 5,47±0,19b,B | 6,89±0,19c,B | 5,35±0,37b,B |
- 50 (C | 2,95±0,23a,A | 4,39±0,21c,A | 3,57±0,21b,A | 4,86±0,23c,A | 3,65±0,14b,A |
Nota: Letras minúsculas diferentes ao longo da linha indicam a existência de diferenças significativas (p<0,05) ao longo do tempo de armazenamento para uma dada amostra. Letras maiúsculas diferentes ao longo da coluna indicam a existência de diferenças significativas (p<0,05) entre amostras sujeitas ao mesmo tempo de armazenamento.
No presente trabalho, para cada tipo de amostra e ao longo do armazenamento (quando se comparou o t1 com o t4), no teor de humidade não se registaram grandes diferenças ao longo do tempo, a não ser uma ligeira diminuição na amostra crua armazenada à temperatura ambiente e na torrada armazenada a 50 ºC. Contudo, ao longo do armazenamento, observaram-se algumas flutuações no teor de humidade das diferentes amostras. Relativamente ao efeito da torra, este foi mais significativo no início (t0), tendo o teor de humidade diminuído de 4,33 para 2,95%, correspondendo a um decréscimo de 32%, indicando que a torra é um processo que permite reduzir o teor de humidade das amostras. Resultado idêntico foi obtido por García-Pascual et al. (2003) após a torra de quatro variedades de amêndoa, tendo sido obtido um teor de humidade final idêntico para todas as amostras, igual a 2,33%, p.f.. Contudo, pelo presente trabalho constata-se que há necessidade de se utilizar uma embalagem adequada, que não permita a absorção de água.
Relativamente à cor do exterior e interior do miolo, os valores medidos de L*, a*, b*, C* e h*, encontram-se indicados nas Figuras 1 e 2, respetivamente. Na cor do exterior do miolo registaram-se algumas alterações, nomeadamente uma diminuição dos parâmetros L*, b*, C* e h* de t0 para t1, enquanto a coordenada a*, foi aquela que variou menos ao longo do armazenamento e entre amostras. Também se constatou que as amostras armazenadas a 50 ºC foram aquelas que após 4 semanas apresentaram valores médios inferiores de L*, b*, C* e h*, quando comparados com os determinados nas amostras armazenadas à temperatura ambiente. Estes resultados indicam que o armazenamento a temperaturas elevadas (50 ºC) provocam alterações na cor do exterior do miolo.
Já no interior (Figura 2), os parâmetros de cor mantiveram-se praticamente constantes, com um ligeiro decréscimo no L* e um pequeno aumento no parâmetro a*, principalmente nas amostras cruas, armazenadas a 50 ºC. Contudo, o armazenamento a temperaturas elevadas (50 ºC) não originou alterações na cor do interior do fruto tão significativas como no exterior do mesmo. Além disso, as amostras sujeitas a torra (representadas pelos símbolos a preto) apresentaram, na maioria das situações, valores médios inferiores de a* e maiores valores de b*, C* e h* do que as amostras não sujeitas a torra, indicando um ligeiro amarelecimento do interior do fruto.
Ao comparar a cor do exterior com a do interior, estes resultados sugerem que ao longo do armazenamento, a cor do exterior do miolo de amêndoas pode sofrer alterações mais significativas do que o interior.
A avaliação sensorial mostrou, ao nível dos parâmetros de textura, uma ligeira diminuição da dureza ao longo do armazenamento, observando-se alguma variabilidade nos valores dos restantes parâmetros (Figura 3). Na amêndoa torrada, observou-se um ligeiro aumento ao nível da doçura. Ao nível dos defeitos observou-se o aparecimento de ligeiro ranço após a quarta semana de ensaio, com uma mediana de defeito de 3,0 para o miolo cru e 3,4 para o miolo torrado, ambos colocados a 50 ºC (resultados não apresentados), sugerindo que esta temperatura acelera os processos de oxidação lipídica. Pelo contrário, Raisi et al. (2015) verificaram que o sabor de miolo de amêndoa armazenado à temperatura ambiente, permaneceu aceitável até os 10 meses de armazenamento, demonstrando a importância da temperatura utilizada no armazenamento do fruto. Rizzolo et al. (1994) também referem que o armazenamento de miolo despelado das variedades Ferraduel e Supernova pode ser realizado a 4 ºC, por mais de um ano, se armazenado em embalagens de alta barreira, tais como sacos metalizados com azoto. Deste modo, a temperatura de armazenamento e o tipo de acondicionamento utilizado, são fatores de extrema importância a ter em conta na preservação da qualidade do miolo de amêndoa.
CONCLUSÃO
Os resultados indicam que as sementes da variedade Duro Italiano quando armazenadas à temperatura ambiente mantiveram-se íntegras durante o período em estudo. A utilização de temperaturas elevadas (50 ºC) no armazenamento originou algumas alterações do ponto de vista físico-químico e sensorial. O comportamento do miolo cru e torrado foi semelhante, com a exceção da cor que sofreu alteração superior no torrado. O presente trabalho contribuiu ainda para expandir o conhecimento acerca de uma variedade tradicional de amendoeira, para a qual serão desenvolvidos mais trabalhos com vista à sua valorização.