INTRODUÇÃO
A palma forrageira, por ser uma planta da família Cactaceae, se adapta muito bem às condições de estresse hídrico que ocorrem em climas com elevadas temperaturas diurnas e alta irregularidade no padrão das chuvas (Marques, 2017). A capacidade adaptativa desta família deve-se às suas inúmeras adaptações morfofisiológicas permitindo a essa planta se manter metabolicamente ativa por longos períodos de estiagem (Takane et al., 2009).
Embora seja uma cultura cultivada para múltiplos usos, no Semiárido brasileiro a palma é quase que exclusivamente usada como fonte de alimentos para animais. Pela sua rusticidade, fácil propagação, longevidade e a capacidade de se manter verde durante longos períodos de estiagem, a palma forrageira torna-se uma planta estratégica para a alimentação dos animais na seca e por essa razão está plenamente incorporada no sistema de produção pecuário do semiárido brasileiro (Leite et al., 2014).
Nas últimas duas décadas, a cochonilha selvagem (Dactyolpius sp.) vem dizimando os palmais da região nordeste do Brasil. Das inúmeras técnicas de controle que foram estudadas, comprovou-se que a utilização de variedades de palma forrageira resistentes a essa praga é a melhor alternativa de controle (Aguiar et al., 2019). Esse resultado da pesquisa impulsionou os criadores do semiárido ao plantio de materiais genéticos resistentes à cochonilha.
Duas espécies se destacam como espécies resistentes a cochonilha do carmim, a Opuntia strica Haw com a cultivar Orelha de Elefante Mexicana e a Nopalea cochenillifera Salm Dick com a cultivar Baiana, que além de serem exigentes em relação à fertilidade do solo, apresentam teores nutricionais similares às espécies e cultivares já comumente cultivadas no Brasil (Lopes et al., 2012). No entanto, a baixa oferta de cladódios para plantio de variedades de palma forrageira resistentes a cochonilha encareceu muito o custo de aquisição de material genético para a substituição de palmais de variedades tradicionais por variedades resistentes, limitando o acesso a esse material genético (palma forrageira resistente) aos produtores menos capitalizados (Aguiar et al., 2019).
O limitado número de campos de palma das variedades resistentes à cochonilha do carmim restringe a expansão de campos com essa planta, devido ao número reduzido de raquetes (cladódios) disponíveis na região. Um segundo ponto, seria o preço para comércio das raquetes-sementes disponíveis, que ainda são relativamente caras, inviabilizando a compra para grande parte dos agricultores (Pereira et al., 2018).
Tradicionalmente a principal forma de multiplicação da palma forrageira é pelo uso das partes vegetativas (cladódios), sendo comumente plantado um cladódio por cova, o que demanda grande quantidade de cladódios para formação da área. Entretanto, para tentar solucionar a falta de material vegetal (cladódios) para plantio, a pesquisa descobriu que apenas frações do cladódio são suficientes para gerar uma nova planta. Nesse sentido, a técnica do fracionamento da raquete (cladódio) surge como uma alternativa bastante viável para produzir um número maior de plantas de palma para o plantio (Cavalcante et al., 2017a).
Métodos de fracionamento de cladódios vêm sendo amplamente estudados a partir da metade da última década. Estes nasceram como uma alternativa barata e fácil para a multiplicação da palma forrageira, sendo rapidamente tomada como uma alternativa quando comparada com a técnica de micropropagação de propágulos da palma forrageira que era a então única forma disponível para rápida propagação de material genético para replantio das áreas (Santos et al., 2007). Os primeiros estudos foram publicados por Lopes et al. (2012) que revelaram ser possível gerar até 15 plantas com uma só raquete. Até o presente momento tem-se estudado nessa técnica diversos desafios tecnológicos para sua implementação, tais como: Tempo de cura (Cavalcante et al., 2017a); ocorrência de pragas e doenças (Souza et al., 2010); tamanho de fragmentos e disposição dos fragmentos (Calvacante et al., 2017b); plantio em função das fases de lua (Souza et al., 2010). No entanto, até o momento, não foi encontrado na literatura dados que descrevem o efeito das frações do cladódio usado como mãe sobre as características das plântulas e a sua taxa de sobrevivência.
Diante o exposto, objetivou-se avaliar o efeito da fração do cladódio (Fração superior, mediana e inferior) no método de propagação por fracionamento do cladódio da palma forrageira das variedades Orelha de elefante (Opuntia stricta L.Haw) Mill e Baiana (Nopolea cochenillifera Salm Dick).
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi desenvolvido em condições de viveiro não controlado (ausência de proteção solar/ambiental e de rega) na Estação Experimental Professor Ignácio Salcedo, pertencente ao Instituto Nacional do Semiárido (INSA/MCTIC), no município de Campina Grande - PB, Brasil, localizado sob as coordenadas geográficas 07°16’36.75’’ S; 35°57’52.10’’O. De acordo com a classificação Köppen-Geiger a região apresenta clima semiárido quente e seco (BSh), caracterizada por apresentar um curto período chuvoso e distribuição irregular da precipitação, temperaturas elevadas, altas taxas de evaporação, solos rasos, rios intermitentes e escassos recursos hídricos subterrâneos, o que configura à localidade uma elevada vulnerabilidade hídrica.
O período de avaliação foi de fevereiro a agosto de 2018, totalizando 189 dias de experimento, com cinco avaliações realizadas, sendo a primeira aos 28 dias, segunda aos 60 dias, terceira aos 87 dias, quarta aos 129 dias e a quinta e avaliação aos 189 dias após a implantação do experimento. Foram avaliadas duas espécies de palma forrageira: a espécie Opuntia stricta L. Haw, cultivar Orelha de elefante Mexicana e a espécie Nopalea cochenillifera Salm Dick cultivar Baiana. Ambas cultivares são representantes das espécies mais cultivadas na região. Foram utilizados para o fracionamento os cladódios de um palmal de dois anos de idade, de onde foram selecionados exemplares de cladódios sadios, isentos de doenças e insetos, maduros e com boa quantidade de reservas, retirados de plantas mães na sua terceira brotação com semelhança simétrica e de tamanho. Todo o material foi obtido dos campos produção de palma forrageira do INSA.
Os cladódios selecionados em campo foram deixados em local protegido e devidamente espalhados para o processo de cura e cicatrização dos pontos de corte por três dias. Após esse tempo, foi realizado o fracionamento dos cladódios utilizando estiletes esterilizados com solução de água e hipoclorito de sódio (2%) a cada 10 fracionamentos realizados nos cladódios. O fracionamento foi realizado em cima de uma mesa de madeira com superfície plana para possibilitar cortes precisos e sem perder a afiação dos estiletes (Figuras 2-a, 2-b).
Os cladódios foram fracionados longitudinalmente com o propósito de obter três tratamentos experimentais constituídos pelas frações retiradas na posição do terço superior (Ts), terço médio (Tm) e terço inferior (Ti) do cladódio. Após os cortes longitudinais, cada fração obtida da posição do terço superior, médio e inferior foi dividida transversalmente no ponto médio do cladódio (Figura 2-c) com propósito de obter seis fragmentos de tamanhos semelhantes, aumentando o número de frações e de repetições do experimento.
Após a fragmentação, os cladódios foram mantidos à sombra e local arejado por outros três dias para a cura e cicatrização dos cortes antes de serem plantados. O plantio dos cladódios fracionados foi realizado no dia 28 de fevereiro de 2018. Foram utilizados 180 sacos plásticos com volume de 2 L, próprios para produção de mudas. Como substrato para o enraizamento, foi utilizado em todos os sacos de mudas, solo acrescido de 50% de esterco bovino curtido. O solo local foi coletado (0-30 cm) na Estação Experimental do INSA e classificado como Planossolo. Após beneficiamento (TFSA + separação em peneira de 2mm) foi analisado, e os resultados de fertilidade foram os seguinte: pH (H2O) = 6,2; CE (uS cm-1) 130; P (mg Kg-1) = 4,76; H++Al3+ (cmolc Kg-1) = 1,5; Ca2+ (cmolc Kg-1) = 4,4; Mg2+ (cmolc Kg-1) = 0,6; Na+ (cmolc Kg-1) = 0,5; K+ (cmolc Kg-1) = 0,4; SB (cmolc Kg-1) = 5,9; T (cmolc Kg-1) = 7,4; V (%) = 79,7; m (%) = 1,67.
As divisões dos tratamentos corresponderam a 180 mudas avaliadas, sendo 90 da cultivar Orelha de elefante e 90 da cultivar Baiana. Com o fracionamento dos cladódios obtiveram-se 30 fragmentos do terço superior, 30 fragmentos do terço médio e 30 fragmentos do terço interior.
Com as partes fracionadas montou-se um desenho experimental em fatorial 3x2, sendo as três porções (superior, mediana e inferior) fracionada do cladódio nas duas espécies de palma forrageira e com 30 repetições por tratamento. Os tratamentos foram distribuídos em 4 blocos (45 plantas cada), de forma casualizada. Cabe destacar que cada unidade experimental consistiu de uma fração de palma plantada.
Cada fragmento foi plantado cuidadosamente de modo que não houvesse a introdução por pressão do cladódio empurrando-o no substrato, mas acomodando-os na posição vertical e preenchendo o restante de volume dos sacos plásticos até cobrir 2/3 de cada fração de modo a garantir o máximo de aréolas em contato com o solo para facilitar o enraizamento.
Os tratamentos foram alocados em campo aberto, em sistema de sequeiro, organizados em canteiros. Todo o plantio ocorreu em condições de sequeiro.
Após 28 dias do plantio, foi realizada a primeira avaliação das variáveis de interesse no estudo, sendo elas o número frações com brotações (NB), número de frações vivas sem brotação (NFVSB), número de frações com mais de uma brotação (NFCMB) e o número total de cladódios brotados (NTC) por posição do corte e variedade de palma.
No final do experimento, após a última leitura realizada aos 129 dias após o plantio (DAP), todas as mudas tiveram seus cladódios brotados extraídos para avaliação da biomassa verde (MV) e seca (MS), para assim ser calculada a quantidade de água que cada fragmento conseguiu acumular em suas brotações.
Os dados obtidos foram submetidos a análise a Análise de Variância (ANOVA) e em seguida as médias foram submetidas ao teste T (P<0,05). As figuras foram geradas através do software Origin 6.0 (Zhang et al., 2003).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A fração do cladódio plantada afetou a acumulação de matéria seca dos cladódios das plântulas de palma forrageira (Figura 3). Em ambas as espécies os maiores conteúdos de matéria seca das plântulas foram observados quando estes derivaram das frações superiores do cladódio (P>0,05). Na cultivar Baiana (Figura 3) as plântulas oriundas da fração superior apresentaram em média uma acumulação de 0.6 Kg MS -1 planta -1, seguida da fração inferior do cladódio com acumulação média de 0.47 Kg MS -1 planta -1 e da fração mediana com acumulação média de 0.39 Kg MS -1 planta -1, respectivamente. Os valores de da biomassa seca (MS) para a cultivar Baiana nas frações do cladódio inferior e mediana foram estatisticamente similares em termos de acumulação de fitomassa aos 189 DAP. Para a cultivar Orelha de elefante foi observado comportamento similar em termos de acumulação de matéria seca (Figura 3), com os maiores valores de biomassa seca (0.58 Kg MS -1 planta -1) observados nas plântulas oriundas da fração superior do cladódio, enquanto nas frações medianas e inferiores, a acumulação de biomassa seca praticamente apresentou os mesmos valores (0.37 Kg MS -1 planta -1; 0,38 Kg MS -1 planta -1, respectivamente).
Foi possível ainda identificar através das barras de desvio padrão que não houve diferença estatística entre espécies dentro do mesmo tratamento (P<0,05).
Diferentes regiões do cladódio podem apresentar diferenças quanto ao peso e número de gemas (Pereira et al., 2018). Portanto, os fragmentos dos cladódios usados como mudas podem gerar plantas com distintos padrões em sua morfogênese. Essas diferenças afetam o desenvolvimento das brotações e de novas raízes nestes fragmentos conforme sua localização original no cladódio.
Lima et al. (2013) afirmam que a região da base do cladódio é, frequentemente, mais espessa e com maior concentração de matéria seca. Essa diferença em concentração pode explicar os resultados observados em nosso estudo, onde plântulas oriundas da parte inferior do cladódio apresentaram maior acumulação de matéria seca que a parte mediana e superior.
De uma forma geral as plântulas da espécie N. cochenillifera acumularam maior quantidade de matéria seca que as da espécie O. stricta. Esses resultados corroboram com os reportados por Inglese et al. (2017).
A Figura 4 apresenta o percentual de brotação de plântulas das espécies de palma forrageira estudadas. Plântulas oriundas da porção mediana do cladódio em ambas espécies apresentaram menor taxa de brotação, o que em parte pode ser explicado por uma maior área de exposição do mesófilo. A exceção estatística ficou para as frações mediana e superior da cultivar Orelha de elefante que não apresentou diferenças entre si (P<0,05).
Os resultados deste estudo corroboram os reportados por Pereira et al. (2018) que observaram que quanto maior a área exposta do tecido mesofílico derivado do fracionamento do cladódio, menor é o percentual de brotação observado em plântulas da espécie Nopalea cochenillifera Salm Dick, cultivar Baiana.
Uma maior exposição do mesófilo da planta, implica em maior demanda da energia de reserva contida na planta, seja para selar a parte exposta, que embora fechada deixa de ser uma região fotossinteticamente ativa e sem pontos germinativos de brotação.
Em média as frações apresentaram um percentual de brotação superior a 60%. Os percentuais de brotação obtidos em nosso estudo foram 3 a 5 vezes maiores aos reportados por Cavalcante et al. (2017a) para a variedade Orelha de elefante Mexicana e de Pereira et al. (2018) para a Nopalea cochenillifera Salm Dick, cultivar Baiana.
O número médio de brotações por cladódio por plântula é apresentado na Figura 5. Diferenças significativas entre espécies foram apenas observadas para frações do terço superior dos cladódios (P<0,05), o que pode ser explicado pela distribuição das auréolas (pontos vegetativos de germinativos) na planta. A morfologia natural da palma forrageira concentra os seus pontos de crescimento na parte mais alta do seu cladódio (plagiotropismo).
O cladódio tem variações no peso e número de gemas de acordo com sua região. Portanto, fragmentos dos cladódios usados como mudas podem gerar plantas com distintos padrões em sua morfogênese (Lima, 2019). Essas variações explicam a diferença no número de brotações por plântulas neste estudo.
O percentual de enraizamento aos 129 dias após o plantio é apresentado na Figura 6. Embora a fração do cladódio tenha pouca influência sobre a parte aérea, esse parece ter grande importância no desenvolvimento das raízes. De uma forma geral frações da parte mediana do cladódio tem menor percentual de enraizamento que as demais frações estudadas.
O volume de plantas enraizadas nesse estudo evidencia que a viabilidade do fracionamento de cladódios como meio prático e eficaz de se obter maior número de plantas é uma técnica que pode ser utilizada quando o germoplasma é um fator limitante para expansão de campos de palma forrageira. Resultados similares foram obtidos para espécie Opuntia fícus indica por Solano & Orihuela (2008), onde observaram que os primeiros 15 dias pós plantio são críticos para as raízes da palma. No semiárido Brasileiro, raízes de plântulas de palma forrageira são comumente atacadas por uma podridão de coloração acastanhada a preta que deriva principalmente do ataque de fungos e bactérias oportunistas (Feitosa et al., 2018).
CONCLUSÕES
Mudas de palma forrageira oriundas da fração superior dos cladódios apresentam maior acumulação de matéria seca, porém uma maior quantidade de brotos é observada nas mudas oriundas da fração inferior do cladódio, independentemente da cultivar de palma forrageira. Em ambas as espécies e tratamentos estudados o enraizamento foi superior a 90% o que denota a viabilidade da técnica do fracionamento como meio rápido e prático de se obter maior quantidade de mudas por cladódio para plantio na palma forrageira. Esta pesquisa sugere que a técnica do fracionamento do cladódio como forma de propagação de mudas de palma forrageira resistentes à cochonilha, pode ser empregada com sucesso na perspectiva de aumento de campos de produção de palma no semiárido brasileiro.