INTRODUÇÃO
O consumo de alimentos livres de agroquímicos, conhecidos como alimentos orgânicos vem crescendo de forma exponencial ao longo da última década (Orlando et al., 2020). Além da procura do mercado, o cultivo orgânico pode ser uma solução para reduzir o impacto ambiental ocasionado através dos sistemas agrícolas atuais de produção (Nemecek et al., 2011). O Brasil, na safra 2017/18, foi o maior produtor de arroz orgânico da América Latina (IRGA, 2018), demonstrando oportunidades ao cultivo do cereal livre de produtos químicos.
A produção do arroz no sistema orgânico, pode ser uma alternativa para pequenos produtores se tornarem competitivos, devido ao preço agregado desse produto no mercado global de alimentos orgânicos (Hazra et al., 2018). Entretanto, ainda existem muitas dificuldades no sistema para elevar a produtividade. Segundo Huang et al. (2016), as principais carências de informações do cultivo do arroz orgânico referem-se à gestão das plantas daninhas ou infestantes e do fornecimento de nutrientes à cultura. Nesse sentido, Delmotte et al. (2011) relatam que a incidência de plantas daninhas é uma das principais causas da baixa produtividade de arroz orgânico.
Na cultura do arroz irrigado existem diversos táxones de plantas daninhas, com importância econômica devido interferência que causam na cultura, em particular monocotiledóneas da família das Poáceas (Vasconcelos et al., 2020). No Brasil, entre os táxones mais problemáticos destacam-se: Echinochloa spp., Cyperus spp., Sagittaria montevidensis, Aeschynomene spp., Oryza sativa L. e Heteranthera reniformis Ruiz&Pav. A ocorrência dessas espécies e a intensidade dos danos provocados dependem de vários fatores como: luz, temperatura, umidade e fertilidade do solo, e a capacidade de competição da cultura com as plantas daninhas (Takahoshi, 1995), que irão determinar o nível de interferência e prejuízos no sistema de produção.
De forma alternativa ao uso de herbicidas, o controle mecânico de plantas daninhas pode ser uma opção, porém é considerada uma atividade onerosa, exigindo maior disponibilidade de mão-de-obra, o que proporciona aumento do custo de produção (Sen et al., 2021). Dessa forma, a formação da lâmina de água no estabelecimento da irrigação pode ser uma alternativa para a gestão de plantas daninhas, pois inibe a germinação e estabelecimento de diversas espécies de invasoras devido ao sistema anaeróbico formado sob a superfície do solo (Andres e Machado, 2004).
Tradicionalmente, o início da irrigação ocorre nos estádios vegetativos V3 e V4 da cultura, que segundo escala proposta por Counce et al. (2000) corresponde de 15 a 20 dias após a emergência das plântulas. A redução do período entre a emergência e a entrada de água no sistema aumenta a habilidade competitiva da cultura com a planta invasora (Agostinetto et al., 2007), além de diminuir o período propício ao surgimento de plantas daninhas que necessitam de disponibilidade de oxigênio para sua germinação. No entanto, ainda não se sabe mensurar os efeitos dessa antecipação da irrigação sobre o desenvolvimento da cultura do arroz e as implicações sobre as características morfológicas e fisiológicas da planta, bem como sobre a qualidade dos grãos e sementes produzidos.
A utilização de cultivares de maior vigor e germinação, associado à maior habilidade competitiva pode ser opção para reduzir a ocorrência de plantas invasoras no sistema (Galon et al., 2015). Além disso, cultivares de ciclo precoce podem ter o estabelecimento inicial mais rápido, se beneficiando da entrada antecipada da água no sistema.
Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho foi avaliar diferentes épocas do estabelecimento da irrigação para a cultura do arroz irrigado no sistema orgânico de produção.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram conduzidos dois ensaios em condições de campo durante a safra agrícola de 2019/20, na Área Didático Experimental de Várzea do Departamento de Fitotecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). O clima da região, segundo a classificação de Köppen é Cfa, subtropical úmido, sem estação seca definida e com verões quentes. A temperatura mínima média do ar é de 14,2°C no mês mais frio (junho), e a máxima é de 24,6°C no mês mais quente (janeiro), com uma precipitação pluvial média anual de 1688 mm (Climate-data, 2018). O solo é classificado como Planossolo Háplico Eutrófico arênico (Santos et al., 2018). O solo apresenta as seguintes características físico-químicas: % MO = 1,6 (m/v); % Argila = 24,6 (m/v); S= 8,2 (mg/dm³); P-Mehlich = 12,8 (mg/dm³); K = 31,0 (mg/dm³); pH água 1:1 = 5,5; CTCph7 = 11,4 (cmolc/dm³); V (%) = 1,6; m (%) = 61,4; SMP= 6,0, quando avaliada a camada de 0 - 0,20 m.
Os ensaios foram conduzidos em duas datas de sementeira. O ensaio I foi semeado no dia 10 de outubro, e o ensaio II no dia 02 de dezembro de 2019. O delineamento experimental utilizado foi o de blocos casualizados, num esquema fatorial 4x2, com quatro repetições. O fator A foi formado por quatro épocas de início da irrigação da cultura do arroz: (A1) ‘estádio fenológico S3’, (A2) ‘estádio fenológico V1’, (A3) ‘estádio fenológico V2’, (A4) ‘estádio fenológico V3’, segundo escala proposta por Counce et al. (2000). Os níveis do fator D foram compostos por duas cultivares: (D1) ‘BRS Pampa’ e (D2) ‘BRS 358’. As unidades experimentais foram compostas por 5 m de comprimento e 3,06 m de largura, totalizando uma área de 15,3 m².
Para a gestão da adubação, aplicou-se uma fonte de fertilizante orgânico peletizado da marca Adubasul, contendo 2% de azoto, 2% de fósforo e 2% de potássio. No ensaio I, foram aplicados 2 t ha-1 do fertilizante, totalizando 40 kg ha-1 de N, 40 kg ha-1 de P2O5 e 40 kg ha-1 de K2O. Para o ensaio II, foram aplicadas 3 t ha-1, fornecendo 60 kg ha-1 de N, 60 kg ha-1 de P2O5 e 60 kg ha-1 de K2O. Em ambos os ensaios a aplicação da adubação foi a lanço e à superfície do solo, juntamente com a entrada da água em cada época de irrigação.
As cultivares utilizadas tem o ciclo precoce. A sementeira foi realizada com uma semeadora de parcelas de 9 linhas de sementeira e espaçamento entrelinhas de 0,17 m, sob o sistema de plantio convencional. A densidade de sementeira foi de 100 kg ha-1 para a cultivar ‘BRS Pampa’ e de 120 kg ha-1 para a cultivar ‘BRS 358’.
Para a gestão da irrigação, estabeleceu-se uma lâmina inicial, de acordo com a fenologia da cultura referida anteriormente, de 0,10 m de água até o décimo dia após o início da irrigação, sendo posteriormente reduzida a lâmina para 0,5 m até o vigésimo dia, e retomada novamente a lâmina de 0,10 m até o final do ciclo em ambos os ensaios. Essa gestão de irrigação visou a formação da barreira física inicial para a emergência de plantas daninhas, sendo reduzida a lâmina de água após o décimo dia após o início da irrigação com intuito de melhorar o estabelecimento da cultura. Os dois ensaios foram implantados sobre área sistematizada.
Determinaram-se as variáveis: população inicial de plantas (PIP); número de plantas daninhas de cada espécie por m2; matéria seca da parte aérea (MSPA); estatura de plantas (EP); penetração de luz no dossel vegetativo (PLDV); Índice SPAD; rendimento de grãos (RG); produtividade da água de irrigação (PAI); número de panículas por m2 (NP); número de grãos por panícula (NGP); massa de mil grãos (MMG) e esterilidade de espiguetas (EE).
A PIP foi mensurada através da contagem das plântulas de arroz em uma área de 0,17 m2 (0,17 x 1 m) na segunda linha de sementeira em cada unidade experimental, no estádio fenológico V3. Para o número de plantas daninhas por m2, foram realizadas três amostragens por unidade experimental com um quadro de área de 0,25 m2 (0,5 x 0,5 m), sendo realizada a contagem e identificação das espécies de acordo com a metodologia proposta por Erasmo et al. (2004). A MSPA foi quantificada através da coleta da parte área em uma área de 0,17 m2 (0,17 x 1 m) na segunda linha de sementeira, nos estádios fenológicos V8 e R4. Posteriormente, as amostras foram secas em estufa de ventilação forçada a 65ºC até atingirem massa constante. Avaliou-se a EP medindo cinco plantas na terceira linha de sementeira, nos estádios V8 e R4. A PLDV foi determinada com auxílio de sensor de fótons LI-191 R, marca LI-COR, conectado a um radiômetro portátil, nos estádios V8 e R4. As medições da irradiância fotossintético incidente (µmol fóton m-2 s-1) foram feitas posicionando-se o sensor acima do coberto vegetal e no nível da superfície da lâmina de água.
O índice SPAD foi avaliado com clorofilômetro SPAD 502 DL Meter. A medição foi realizada no terço médio da última folha completamente expandida em 30 plantas por unidade experimental, nos estádios V8 e R4 da cultura. Determinou-se o RG através da colheita de uma área útil de 5,95 m2 (5 x 1,19 m), quando os grãos apresentavam umidade média de 20%. Posteriormente, foi realizada a trilha, a limpeza e a pesagem dos grãos com casca. Realizou-se a conversão para 13% de umidade e se converteu para kg ha-1. A PAI foi obtida pela razão entre o rendimento de grãos da cultura (kg ha-1) e o uso de água para esse fim em m³, o qual foi mensurado através de hidrômetro. O NP foi determinado através da contagem do número de panículas demarcadas em 1m linear da segunda linha de sementeira de cada unidade experimental no estádio R9. O NGP, MMG e a EE foram determinadas através de 10 panículas coletadas em sequência em cada unidade experimental.
No ensaio I em razão da elevada emergência de plantas daninhas houve necessidade de realizar monda mecânica nos tratamentos que previam estabelecimento da irrigação definitiva nos estádios fenológicos V2 e V3, previamente ao estabelecimento da lâmina de água. No ensaio II, a gestão de plantas daninhas foi realizada apenas com a lâmina de água.
A análise da variância (ANOVA) dos dados foi realizada através do teste F. Quando a ANOVA foi significativa, as médias dos fatores foram submetidos ao teste de Scott-knott em nível de 5% de probabilidade de erro.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Não houve interação entre os fatores estudados para a variável plantas daninhas nos ensaios I e II. A antecipação da irrigação para o estádio fenológico S3 inibiu o estabelecimento de plantas do gênero Echinocloa (Quadro 1) em 100% nos ensaios I e II comparativamente às outras épocas de irrigação, possivelmente por inibir a germinação deste táxone. Segundo Chauhan e Jonhson (2010), a germinação de Echinocloa spp. é prejudicada com a presença da água em função da sensibilidade do aumento do potencial osmótico de água na semente, a qual é inibida em ambiente anaeróbico. Além disso, a lâmina de água formada atua como regulador térmico, reduzindo a temperatura do solo, o que dificulta a germinação de sementes de Echinocloa spp. (Bastiani et al., 2015). Para as cultivares, houve redução significativa da incidência da infestante apenas para no ensaio I, na qual a cultivar ‘BRS Pampa’ obteve redução de 7% na incidência quando comparada a cultivar ‘BRS 358’. A utilização de cultivares competitivas, com um rápido estabelecimento inicial, ciclo curto e de rápida cobertura do solo pelo coberto vegetal também podem ser opção para reduzir a infestação (Mahajan & Chauhan, 2013).
A presença de Sagittaria montevidensis não diferiu entre as épocas de início da irrigação, bem como para as cultivares no ensaio I. Resultados obtidos por Agostinetto (2007), demonstram que a germinação e estabelecimento de biótipos de Sagittaria montevidensis não são reduzidos com a presença e elevação da lâmina de água no sistema. Já no ensaio II, houve uma redução de 75% na presença da infestante quando se antecipa o início da irrigação definitiva do estádio V3 para S3, não apresentando diferenças significativas entre cultivares. A redução da ocorrência de Sagittaria montevidensis no ensaio II, ocorreu devido ao período sem precipitações que antecedeu o início da irrigação e da época de sementeira (Figura 1), reduzindo a umidade do solo e dificultando a emergência da infestante que é considerada uma espécie macrófita aquática. Trabalhos desenvolvidos por Cassol et al. (2008), demonstram que a germinação e estabelecimento de plântulas de Sagittaria montevidensis é reduzida em solos secos ou de baixa umidade.
A ocorrência de espécies aquáticas como Heteranthera reniformis foi similar em todas as épocas de início da irrigação, bem como para as cultivares no ensaio I. O acúmulo de precipitações de 96 mm (Figura 1) entre a sementeira e a emergência da cultura, associado às temperaturas diárias amenas, em torno de 15 ºC, prolongaram a presença de umidade no solo favorecendo o estabelecimento da planta daninha. A espécie possui uma alta capacidade reprodutiva, dado que suas sementes germinam, enraízam e crescem em solo saturado (Bianchini et al., 2010). Além disso, as temperaturas amenas (15 a 20ºC) após a sementeira e as condições de solo saturado retardaram a emergência da cultura, prolongando em 9 dias o período entre a sementeira e a entrada da água em S3. De acordo com Yoshida (1981), as temperaturas ótimas para a germinação da cultura do arroz estão entre 20 a 35 ºC. Já no ensaio II, houve uma redução de aproximadamente 50% de plantas de Heteranthera reniformis quando antecipada a irrigação para o estádio S3, em relação à média dos estádios V2 e V3. Essa redução pode estar relacionada com o período sem precipitações entre o momento da sementeira e o início da irrigação em S3, aliado às temperaturas médias diárias de 22 a 25ºC que permitiram a germinação e emergência mais rápida das plântulas de arroz. Não se observaram diferenças significativas para a incidência dessa planta daninha entre as cultivares.
A ocorrência dos outros táxones (Aeschynomene indica, Ludwigia longifolia e Cyperus spp.) foi 63 e 90% menor quando se antecipou a irrigação do estádio V3 para S3, respectivamente para os ensaios I e II. A lâmina de água quando estabilizada permite a formação de uma barreira física no sistema, dificultando a emergência de diversas plantas daninhas. Segundo Gomes (2004), a água atua sobre a superfície do solo reduzindo as trocas gasosas entre o solo e a atmosfera, tornando o ambiente anaeróbico, dificultando a germinação e emergência de alguns táxones de plantas daninhas. Para aqueles 3 táxones não houve diferenças significativas entre cultivares.
De maneira geral, em ambos os ensaios se observa uma redução na ocorrência de plantas daninhas através da antecipação da irrigação, com exceção de espécies que possuem ampla adaptação a ambientes alagados, como Sagittaria montevidensis e Heteranthera reniformis. A antecipação da irrigação pode ser uma ferramenta para o orizicultor, devido à possibilidade de controle das infestantes no sistema orgânico de produção que não permite a utilização de herbicidas, quando a sementeira for em solo seco. Além disso, é uma alternativa à utilização da monda manual ou mecânica, que são formas de controle utilizadas no sistema orgânico de produção de arroz irrigado (Hokazono e Hayashi, 2012; Sen et al., 2021). Estudos desenvolvidos demonstram que a monda manual pode exigir um aumento de até 50% na mão-de-obra para a realização da intervenção (Chapagain et al., 2011), provocando aumento do custo final de produção (Sen et al., 2021). Dentro do sistema de produção, o nivelamento do solo é muito importante para a eficácia da antecipação da irrigação, devido à uniformidade da distribuição da água ao longo do perfil do solo. O nível de cota zero, ou aproximado a isso, permite formar uma lâmina de água uniforme, o que é fundamental na gestão e controle de plantas daninhas (Jat et al., 2009; Chauhan, 2012), auxiliando também no rápido e uniforme estabelecimento das plantas da cultura.
Época de irrigação -Fenologia da cultura | Echinocloa spp. (2) (plt. m2) | Sagittaria montevidensis (plt. m2) | Heteranthera reniformis (plt. m2) | Outros táxones (3) (plt. m2) |
--------- Ensaio I ---------- | ||||
S3(1) | 0,0 d* | 2,2 ns | 13,0 ns | 0,7 d |
V1 | 1,2 c | 1,9 | 13,0 | 1,2 c |
V2 | 2,0 b | 2,0 | 12,9 | 1,4 b |
V3 | 2,6 a | 2,2 | 11,9 | 1,9 a |
Cultivar | ||||
‘BRS Pampa’ | 1,4 b | 2,0 ns | 12,6 ns | 1,3 ns |
‘BRS 358’ | 1,5 a | 2,1 | 12,8 | 1,3 |
Média | 1,5 | 2,1 | 12,7 | 1,3 |
CV (%) | 8,8 | 8,8 | 10,8 | 9,3 |
---------- Ensaio II --------- | ||||
S3 | 0,0 d | 0,2 d | 2,5 c | 0,2 d |
V1 | 0,3 c | 0,3 c | 3,5 b | 0,7 c |
V2 | 3,4 b | 0,7 b | 4,8 a | 1,0 b |
V3 | 4,7 a | 0,8 a | 5,1 a | 2,0 a |
Cultivar | ||||
‘BRS Pampa’ | 2,1 ns | 0,5 ns | 4,0 ns | 1,0 ns |
‘BRS 358’ | 2,0 | 0,6 | 4,1 | 0,9 |
Média | 2,1 | 0,5 | 4,1 | 0,9 |
CV (%) | 10,8 | 10,9 | 10,4 | 6,2 |
*Médias não seguidas da mesma letra diferem entre si na coluna pelo teste Scott-Knott a 5% de probabilidade de erro. ns= não significativo pelo teste F. (1) Escala fenológica proposta por Counce et al. (2000). (2) (Echinocloa spp.) Echinocloa colona, Echinocloa crusgalli; (3) Aeschynomene indica, Ludwigia longifolia, Cyperus spp; (plt. m-2) plantas por m2.
Analisando a resposta da cultura ao início da época de irrigação segundo a sua fenologia, no ensaio I não se verificou interação entre os fatores estudados para a população inicial de plantas. Nesse sentido, a antecipação da irrigação para o estádio S3 reduziu em 18% a população inicial de plantas quando comparada com os demais tratamentos (Quadro 2). A precipitação acumulada de 96 mm e temperaturas amenas entorno de 15 a 20ºC (Figura 1) entre a sementeira e emergência da cultura podem ter contribuído para a redução da germinação das sementes do arroz, que segundo Yoshida (1981), a temperatura ideal para a germinação situa-se entre 20 e 35ºC. As condições de alta umidade ou saturação do solo, inibem a absorção de água e a respiração das sementes, provocando redução na emergência de plântulas de arroz (Angaji et al., 2010; Matsushima & Sakagami, 2013). Houve efeito significativo entre cultivares no ensaio I, na qual a cultivar ‘BRS Pampa’ obteve redução de 26% na emergência de plantas. A redução da emergência pode estar relacionada à menor densidade de sementeira utilizada para esta cultivar, associada com as características genéticas. Resultados obtidos por Angaji et al. (2010) demonstram redução na germinação de cultivares de arroz em solos encharcados.
Já no ensaio II, houve interação entre os fatores estudados para população inicial de plantas. A cultivar ‘BRS Pampa’ apresentou redução de 40 e 34% para a PIP quando a irrigação se iniciou nos estádios S3 e V1, respectivamente, comparativamente à média das outras épocas de irrigação. A temperatura abaixo da adequada para a cultura no momento da sementeira podem ter contribuído para a redução da germinação das sementes. Entretanto, a cultivar ‘BRS 358’ não apresentou diferenças significativas para as épocas de irrigação. Entre as cultivares, a ‘BRS 358’ apresentou um acréscimo de 31% no número de plantas quando comparada a cultivar ‘BRS Pampa’, resultado explicado em parte através da maior densidade de sementeira recomendada.
Em relação a estatura de plantas (EP) no ensaio I, houve diferenças significativas para o fator cultivar e épocas de irrigação, porém não houve interação entre os fatores analisados. A cultivar ‘BRS Pampa’ obteve um aumento de 11% na EP. Entretanto, a antecipação da irrigação proporcionou maior estatura de plantas de 18 e 11% para os estádios S3 e V1, respectivamente, quando comparadas às outras épocas de irrigação. No ensaio II, houve interação entre os fatores estudados. Nesse sentido, a cultivar ‘BRS Pampa’ quando submetida a irrigações nos estádios S3, V1 e V2, apresentou em média um incremento de 13% na estatura de plantas, já para a cultivar ‘BRS 358’, as irrigações nos estádios S3 e V1 resultaram num aumento de 7% quando comparativamente à média das outras épocas de irrigação. Patel et al. (2010), comparando sistemas de irrigação em arroz, observaram um acréscimo de 11% na estatura de plantas quando realizada a inundação devido ao alongamento do colmo e comprimento de entrenós. Por outro lado, a diferença para a estatura de plantas também pode ser explicada através de características genéticas da cultivar (Jin et al., 2008).
No ensaio I, houve interação entre os fatores estudados quando se avaliou a penetração de luz no coberto vegetal (PDLV). Na cultivar ‘BRS Pampa’, a antecipação da irrigação para o estádio S3 proporcionou uma redução de 3% para a PDLV quando comparada ao início da irrigação em V3. Essa redução ocorre devido ao maior fechamento das entrelinhas quando se antecipa a irrigação para o estádio S3, demonstrando maior desenvolvimento do coberto vegetal das plantas de arroz irrigado. Entretanto, não se observaram diferenças significativas para a cultivar ‘BRS 358’ quando associada a irrigação. Entre as cultivares, a cultivar ‘BRS Pampa’ apresentou redução de 10% na PDLV comparada a ‘BRS 358’. No ensaio II, houve diferenças significativas somente entre cultivares com redução de 9% na PDLV para a cultivar ‘BRS Pampa’. Essa redução pode estar associada ao menor coberto vegetal, associado à menor estatura de plantas (Quadro 2) e arquitetura de planta, com folhas mais curtas, estreitas e eretas da cultivar ‘BRS 358’.
Épocas de irrigação - Fenologia da cultura | Cultivares | Média | Cultivares | Média | ||||
‘BRS Pampa’ | ‘BRS 358’ | ‘BRS Pampa’ | ‘BRS 358’ | |||||
População inicial de plantas de arroz nº por m2 - Estádio V3 | ||||||||
Ensaio I | Ensaio II | |||||||
S3 | - | - | 247 b* | 192 Bb* | 350 NSa | 271 | ||
V1 | - | - | 292 a | 213 Bb | 416 a | 315 | ||
V2 | - | - | 319 a | 326 Ab | 387 a | 357 | ||
V3 | - | - | 296 a | 317 Ab | 379 a | 349 | ||
Média | 245 b | 333 a | 263 | 383 | ||||
CV (%) | 9,1 | 11,3 | ||||||
Estatura de plantas (m) - Estádio R4 | ||||||||
Ensaio I | Ensaio II | |||||||
S3 | - | - | 0,68 a | 0,88 Aa | 0,80 Ab | 0,84 | ||
V1 | - | - | 0,63 b | 0,86 Aa | 0,79 Ab | 0,83 | ||
V2 | - | - | 0,57 c | 0,84 Aa | 0,75 Bb | 0,79 | ||
V3 | - | - | 0,56 c | 0,74 Bns | 0,72 B | 0,73 | ||
Média | 0,65 a | 0,58 b | 0,83 | 0,76 | ||||
CV (%) | 4,7 | 3,1 | ||||||
Penetração de luz no coberto vegetativo (%) - Estádio V8 | ||||||||
Ensaio I | Ensaio II | |||||||
S3 | 92,0 Cb | 96,8 NSa | 94,4 | - | - | 86,5 ns | ||
V1 | 93,2 Bb | 96,5 a | 94,9 | - | - | 86,1 | ||
V2 | 92,9 Bb | 97,0 a | 95,0 | - | - | 86,8 | ||
V3 | 94,7 Ab | 96,8 a | 95,7 | - | - | 86,9 | ||
Média | 93,2 | 96,8 | 82,3 b* | 90,9 a | ||||
CV (%) | 4,9 | 6,6 |
*Os resultados das variáveis que não apresentaram interação significativa são apresentados na coluna média para os tratamentos do fator épocas de irrigação e na linha média para o fator cultivares, quando significativas (Scott-Knott, p<0,05) diferem entre si na linha por letra minúscula e na coluna por letra maiúscula pelo teste Scott-Knott a 5% de probabilidade de erro (1) Escala fenológica da cultura proposta por Counce et al. (2000). ns não significativo pelo teste de Scott-Knott (p<0,05).
Não houve interação entre os fatores analisados para o índice SPAD, bem como não se verificaram diferenças significativas para as épocas de início de irrigação entre os ensaios I e II, entretanto, houve diferenças entre cultivares. A cultivar ‘BRS 358’ teve maior índice SPAD de 8 e 6% comparativamente à ‘BRS Pampa’, nos ensaios I e II, respectivamente. Yang et al. (2014) observaram que o aumento do índice SPAD está diretamente relacionado com a presença de azoto na planta. Associado a esses fatores, e sabendo que a disponibilização dos nutrientes através de fontes orgânicas é lenta e gradual, principalmente relacionado com a mineralização do azoto (Sacco et al., 2015), a cultivar ‘BRS 358’ pode ter apresentado maior absorção do azoto, além de geneticamente apresentar coloração verde mais escuro das folhas.
As épocas de irrigação não apresentaram diferenças estatísticas para a massa seca da parte aérea (MSPA) para nos ensaios I e II, além de não apresentar interação entre os fatores analisados. Fageria et al. (2011) demonstram que a matéria seca tem relação direta com o rendimento de grãos, o que pode explicar em parte o resultado obtido para o rendimento de grãos (Quadro 4). Nesse sentido, a cultivar ‘BRS Pampa’ obteve um acréscimo de 7 e 5% de incremento da MSPA nos ensaios I e II, respectivamente. A menor MSPA da ‘BRS 358’ pode estar relacionada à menor estatura de plantas, associado à maior penetração de luz no coberto vegetal que indica um menor desenvolvimento das plantas de arroz. Resultados obtidos por Dong et al. (2013) verificaram diferenças no incremento da biomassa entre diferentes genótipos de arroz, relacionado ao gene que confere a adaptabilidade da cultivar sob determinado ambiente.
Épocas de irrigação - Fenologia da cultura | Cultivares | Média | Cultivares | Média | ||||
‘BRS Pampa’ | ‘BRS 358’ | ‘BRS Pampa’ | ‘BRS 358’ | |||||
Índice SPAD - Estádio R4 | ||||||||
Enaio I | Ensaio II | |||||||
S3 | - | - | 32,0 ns | - | - | 36,8 ns | ||
V1 | - | - | 32,0 | - | - | 36,2 | ||
V2 | - | - | 31,2 | - | - | 36,9 | ||
V3 | - | - | 31,9 | - | - | 36,7 | ||
Média | 30,5 b | 33,1 a | 35,6 b | 37,8 a | ||||
CV (%) | 3,2 | 2 | ||||||
Matéria seca da parte aérea (kg ha-1) - Estádio R4 | ||||||||
Ensaio I | Ensaio II | |||||||
S3 | - | - | 6765 ns | - | - | 9001 ns | ||
V1 | - | - | 6535 | - | - | 9030 | ||
V2 | - | - | 6576 | - | - | 8687 | ||
V3 | - | - | 6282 | - | - | 8284 | ||
Média | 6776 a | 6300 b | 8991 a | 8515 b | ||||
CV (%) | 7,9 | 6,1 |
*Os resultados das variáveis que não apresentaram interação significativa são apresentados na coluna média para os tratamentos do fator épocas de irrigação e na linha média para o fator cultivares, quando significativas (Scott-Knott, p<0,05) diferem entre si na linha por letra minúscula e na coluna por letra maiúscula pelo teste Scott-Knott a 5% de probabilidade de erro (1) Escala fenológica da cultura proposta por Counce et al. (2000). ns não significativo pelo teste de Scott-Knott (p<0,05).
No ensaio I não foi verificado influência das épocas de irrigação para o número de panículas por m2, número de grãos por panícula, massa de mil grãos, esterilidade de espiguetas, produtividade da água de irrigação, bem como para o rendimento de grãos (Quadro 4). Segundo Fageria et al. (2011), o número de grãos por panícula e a massa seca da parte aérea (Quadro 3) são as variáveis que mais se correlacionam com o rendimento de grãos, explicando em parte o resultado obtido. Apesar de não se obterem diferenças para o rendimento de grãos quando se antecipa a irrigação, trabalhos realizados por Freitas et al. (2004) referem perdas de até 20% na produtividade quando atrasada a irrigação de 20 para 35 dias após a emergência da cultura. Por outro lado, a antecipação da irrigação para os estádios fenológicos S3 e V1 possibilita o controle de forma mais eficiente de infestantes como Echinocloa spp., Aeschynomene indica, Ludwigia longifolia e Cyperus spp. neste sistema de produção.
Entre as cultivares, no ensaio I, verificou-se diferença significativa para as variáveis número de panículas por m2, número de grãos por panícula, massa de mil grãos, produtividade da água de irrigação e rendimento de grãos. Para o NP, se obteve acréscimo de 13% para a ‘BRS 358’ quando comparada com a ‘BRS Pampa’, o que pode estar relacionado à maior população inicial de plantas. Entretanto, houve redução de 18 e 13% para o NGP e MMG, respectivamente, quando comparada a ‘BRS Pampa’ à ‘BRS 358’. Essa redução pode estar associada ao maior rendimento de grãos com valores absolutos de 450 kg ha-1 da ‘BRS Pampa’. Esse resultado pode estar relacionado com a maior MSPA, menor PLDV, menor interferência de infestantes que competem por nutrientes, como Echinocloa spp., além da maior estatura de plantas, variáveis quantitativas que podem interferir positivamente na melhor adaptação e desenvolvimento da cultivar no sistema orgânico utilizado. A ‘BRS Pampa’ obteve a maior produtividade da água de irrigação comparativamente à ‘BRS 358’. De acordo com Giacomeli et al. (2019), a maior eficiência do uso da água está relacionada com a maior produtividade da água de irrigação, sendo geralmente maiores na gestão da irrigação que mantém o rendimento de grãos com menor uso de água.
As diferentes épocas de irrigação não demonstraram diferenças significativas para os componentes do rendimento, bem como para o rendimento de grãos no ensaio II. Para as cultivares, houve diferença somente para as variáveis MMG e PAI. Nesse sentido, a ‘BRS Pampa’ obteve acréscimo de 12% para a massa de mil grãos quando comparada com a ‘BRS 358’, porém não refletiu em acréscimo significativo para o rendimento de grãos. A produtividade da água de irrigação foi superior quando utilizada a ‘BRS Pampa’.
De modo geral, apesar da inundação alterar o equilíbrio de nutrientes presentes no solo, em resposta às transformações químicas, físicas e biológicas decorrentes (Sousa et al., 2006), além de possibilitar o aumento da disponibilidade de nutrientes, como o fósforo e potássio (Ponnamperuma, 1977), o rendimento de grãos não foi afetado pelas épocas de irrigação. Essa resposta pode estar associada à disponibilização dos nutrientes através da adubação orgânica utilizada em ambos os ensaios, além da pequena diferença em dias após a entrada da água entre os tratamentos. De acordo com Sacco et al. (2015), a liberação dos nutrientes da adubação orgânica é lenta, sendo muitas vezes limitada devido às condições de ordem química do solo, como o pH e matéria orgânica. Esses fatores quando associados às características físico-químicas do solo, podem explicar o baixo rendimento de grãos nos dois ensaios em comparação com a média de produtividade do sistema convencional de produção de arroz irrigado. A utilização de 1000 kg ha-1 a mais de adubo no ensaio II e o estabelecimento mais rápido e uniforme das plantas de arroz pode ter contribuído para o maior rendimento de grãos mesmo quando realizada a sementeira no final da época recomendada.
Épocas de irrigação - Fenologia da cultura | NP (m-2) | NGP - | MMG (g) | EE (%) | PAI (kg m-3) | RG (kg ha-1) | ||
--- Ensaio I --- | ||||||||
S3(1) | 482 ns | 77 ns | 21,9 ns | 8,1 ns | 0,78 ns | 5.573 ns | ||
V1 | 462 | 73 | 21,7 | 8,5 | 0,79 | 5.620 | ||
V2 | 471 | 69 | 21,6 | 9,4 | 0,80 | 5.554 | ||
V3 | 487 | 69 | 21,6 | 8,6 | 0,78 | 5.376 | ||
Cultivar | ||||||||
‘BRS Pampa’ | 441 b* | 79 a | 23,2 a | 8,3 ns | 0,82 a | 5.756 a | ||
‘BRS 358’ | 510 a | 65 b | 20,2 b | 8,9 | 0,76 b | 5.306 b | ||
Média | 475 | 72 | 21,7 | 8,6 | 0,79 | 5.531 | ||
CV (%) | 6,1 | 10,5 | 1,9 | 12,3 | 5,2 | 5,2 | ||
--- Ensaio II --- | ||||||||
S3(1) | 474 ns | 107 ns | 22,5 ns | 6,9 a | 0,87 ns | 6.300 ns | ||
V1 | 510 | 102 | 22,7 | 6,5 b | 0,88 | 6.364 | ||
V2 | 488 | 98 | 22,7 | 6,3 b | 0,91 | 6.562 | ||
V3 | 483 | 96 | 22,1 | 7,2 a | 0,88 | 6.212 | ||
Cultivar | ||||||||
‘BRS Pampa’ | 475 ns | 102 ns | 24,0 a* | 6,8 ns | 0,90 a | 6.389 ns | ||
‘BRS 358’ | 503 | 100 | 21,1 b | 6,7 | 0,87 b | 6.331 | ||
Média | 489 | 101 | 22,5 | 6,7 | 0,89 | 6.360 | ||
CV (%) | 8,9 | 8,6 | 2,3 | 6,3 | 3,2 | 4,1 |
*Médias não seguidas da mesma letra, por coluna, diferem entre si pelo teste Scott-Knott a 5% de probabilidade de erro. ns= não significativo pelo teste de Scott-Knott (p<0,05). (1) Escala fenológica da cultura proposta por Counce et al. (2000).
CONCLUSÕES
A antecipação da irrigação para os estádios fenológicos S3 e V1 reduz a ocorrência de plantas daninhas na cultura do arroz irrigado no sistema orgânico de produção, principalmente de espécies do gênero Echinocloa spp.
A irrigação para estádios anteriores dos quais são recomendados para a cultura do arroz irrigado pode ser uma ferramenta no sistema orgânico de produção em área sistematizada, sem causar prejuízos para o rendimento de grãos.
A cultivar ‘BRS Pampa’ possibilita maior rendimento de grãos do que a cultivar ‘BRS 358’ no sistema orgânico utilizado, quando associado à sementeira no o início da época recomendada.