INTRODUÇÃO
Os solos são um recurso natural com relevância para o suporte das atividades humanas, designadamente produção de alimentos e biomassa. A prestação de serviços de ecossistema que assume forte relevância na atualidade, está intimamente relacionada com a vida no solo. Tendo em consideração que os organismos que vivem no solo são os responsáveis diretos pelo seu funcionamento, atuando, entre outros, nos processos de génese, decomposição de resíduos orgânicos, reciclagem de nutrientes e recuperação de áreas contaminadas, justifica a importância e reforça a necessidade da inclusão dos indicadores biológicos (bioindicadores) nas avaliações de qualidade do solo (Seaton et al., 2021).
Este trabalho foi realizado no âmbito do projeto MaisSolo e teve como objetivo perceber se haveria efeito dos diferentes sistemas culturais na comunidade de artrópodes do solo.
Biodiversidade de artrópodes de solo
Os artrópodes representam cerca de 97% do total de espécies de animais do solo (Decaëns et al., 2006) e todos, independentemente das funções que desempenham, fornecem importantes serviços ao ecossistema.
Os microartrópodes, como alguns ácaros e colêmbolos (Figura 1), são muito importantes na cadeia alimentar, regulando em grande parte o processo de decomposição da matéria orgânica, seja diretamente, através da sua ingestão e digestão, seja indiretamente, convertendo--a física e quimicamente em substratos passíveis de serem usados por outros organismos.
Por outro lado, artrópodes de maiores dimensões como formigas (Figura 2) e térmitas, promovem o revolvimento do solo, contribuindo para modificar as suas caraterísticas físicas, ao alterar a estrutura, composição mineral e orgânica e movimentos da água e sua retenção no solo (Culliney, 2013).
Outros macroartrópodes, como os aracnídeos (i.e. escorpiões, aranhas e opiliões) (Figura 3a) e insetos (i.e. carabídeos e estafilinídeos) (Figura 3b, 3c) são importantes predadores, contribuindo para a regulação das populações de pragas (Gonçalves et al., 2018).
A biodiversidade do solo e a manutenção das cadeias alimentares suportadas por estes organismos permitem assegurar os fluxos de energia e a resiliência dos sistemas. A destruição acelerada dos solos e a necessidade de contrariar estes processos têm conduzido a estudos que permitem demonstrar e comunicar as evidências dos efeitos benéficos da preservação da biodiversidade do solo.
MATERIAL E MÉTODOS
Os artrópodes do solo foram monitorizados de 2018 a 2021 em dois campos piloto com diferentes sistemas culturais: (i) rotação de batata e milho (campo A, situado na Golegã) e (ii) sistema de monocultura de tomate para indústria (campo B, situado na Lezíria de Vila Franca de Xira). Em cada um dos locais foram instaladas 16 armadilhas tipo “pitfall” com etilenoglicol, durante um período de 7 dias, em cada colheita de amostras, a qual foi adaptada às culturas principais instaladas e respetivo ciclo cultural. Assim, em cada um dos momentos monitorizados efetuaram-se duas amostragens no campo A e uma no campo B (2018), três em cada campo (2019 a 2020), duas no campo A e três no campo B (2021). Os artrópodes capturados foram observados em laboratório, separados em morfotipos e identificados até à família, género e espécie, sempre que a conservação dos indivíduos o permitiu, de acordo com protocolo elaborado para o efeito.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As capturas, em número total de indivíduos, variaram de ano para ano e entre campos. Foram encontrados organismos pertencentes aos quatro sub-filos de artrópodes, Chelicerata, Hexapoda, Crustacea e Myriapoda, sendo que é na classe Insecta que se encontra a maior parte dos organismos capturados (cerca de 80%) (Valério et al., 2021).
No que se refere à diversidade, na cultura principal, o número total de morfotipos separados foram 62, 157, 132 e 117 em 2018, 2019, 2020 e 2021 respetivamente.
O número de morfotipos nos dois campos, com diferentes sistemas culturais, revelou cenários distintos (Figura 4).
Pode-se afirmar que o campo em estudo onde se pratica a monocultura de tomate (campo B) manifestou, durante os 4 anos de amostragem, uma biodiversidade de artrópodes inferior ao campo A, com um sistema cultural que inclui rotações/sucessões de culturas. Em 2021 a diferença não foi tão relevante, todavia importa referir que esse ano não pode ser comparado aos anteriores pois foi realizada menos uma amostragem no campo A, onde, à semelhança dos 3 anos anteriores, seria expectável um maior número de indivíduos diferentes.
O grupo taxonómico com maior número de indivíduos capturados, no campo onde se pratica monocultura, pertenceu à ordem Collembola (Figura 5). A intensificação agrícola é conhecida por alterar a diversidade de grupos individuais da biota do solo tornando as teias alimentares menos diversificadas e compostas por organismos de menor dimensão, como é o caso dos colêmbolos (Tsiafouli et al., 2015). Neste campo, não foram encontrados artrópodes pertencentes às ordens Lepidoptera, Orthoptera e Dermaptera. A intensificação do uso da terra resulta em menos grupos funcionais da biota do solo e menos taxonomicamente relacionados (Tsiafouli et al., 2015).
Para melhor compreender o efeito das práticas sobre este compartimento, optou-se por apresentar, com maior detalhe o grupo dos carabídeos por serem muito interessantes para o estudo dos impactes sobre as comunidades de seres vivos nos solos, uma vez que são fortemente sensíveis às alterações induzidas pelo homem (Niemelä et al., 1993; Menta & Remelli, 2020).
Comparando os anos de 2019 e 2020, com procedimento experimental semelhante, verificou-se que no campo com sistema de rotação se observaram 9 e 13 morfotipos pertencentes a esta família, em 2019 e 2020, respetivamente. No campo com monocultura, em 2019, foram observados apenas três morfotipos, sendo de destacar que não se recolheram carabídeos em 2020.
Através de índices de biodiversidade, podemos verificar que, em 2020, no campo com rotação foi obtido um maior número de morfotipos, menor índice de Simpson e maior de equibilidade do que em 2019, apesar de terem sido capturados menos carabídeos (103 em 2019, 83 em 2020). Este aspeto indica uma tendência para maior biodiversidade e populações mais equilibradas com a continuação da prática de rotação. Os resultados de 2020 revelam maior número de indivíduos dos géneros presentes numa parcela com maior diversidade em plantas.
Conclusões
Os dados sugerem uma tendência para uma maior biodiversidade de artrópodes em sistemas culturais que incluem rotações/sucessões de culturas e populações mais equilibradas com a continuação da prática de rotação o que aumenta a expetativa de melhores resultados futuros onde a rotação e as culturas de cobertura constituem uma prática agronómica de forma regular.