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Revista Portuguesa de Educação
versão impressa ISSN 0871-9187
Rev. Port. de Educação vol.25 no.1 Braga 2012
Editorial
Fátima Antunes
Fazer da Revista Portuguesa de Educação uma publicação de referência na comunidade científica lusófona é uma opção editorial consolidada e fundada na convicção de que essa linha de ação constitui um contributo significativo para uma cultura científica relevante, plural e de orientação cosmopolita. Nesse sentido, tem vindo a ser desenvolvido o esforço continuado pela integração da revista nas mais importantes bases de difusão associadas a comunidades com as quais Portugal afirma uma identidade histórica de abertura ao mundo como projeto com sentido de futuro: a lusofonia e os espaços europeu e ibero-americano. Comunicar investigação científica em português, procurando dialogar com comunidades de dimensão global, constitui uma orientação de política editorial e científica realista que igualmente toma a sério a responsabilidade de construir a relevância do conhecimento para os contextos local e nacional. Esta é uma opção consolidada pela RPE que este número mais uma vez afirma.
Discutir a docência universitária nas suas dimensões de interface com a construção de culturas científicas é o desafio que o artigo de Carlinda Leite e Kátia Ramos trazem a debate; as autoras argumentam que a construção de um conhecimento pedagógico-didático que sustente a comunicação pedagógica no ensino superior é suscetível de abrir e consolidar espaços de diálogo entre a cultura humanística e a cultura científica, favorecendo a (re)contextualização de saberes e de fazeres. No contexto de uma instituição que assume como central a missão de criar e comunicar ciência, as autoras propõem uma leitura científica das situações e argumentam a favor da construção da sua objectividade também a partir de relações de inter-subjetividades. Nesta perspectiva, a reflexão sobre a especificidade docente universitária pode contribuir para superar o "divórcio" entre a cultura humanística e a cultura científica.
Margarida Marta e Amélia Lopes discutem a questão da influência de experiências e contextos de trabalho na construção de identidades profissionais a partir de dois estudos, com educadoras de infância cujos percursos profissionais se desenvolveram: (i) apenas num dos setores, público ou privado; (ii) mistos. O intervalo de 7 anos entre as pesquisas permitiu ainda explorar efeitos de mudanças organizativas e de carreira entretanto ocorridas. Interpretando convergências e divergências, as autoras debatem efeitos identitários da integração dos jardins de infância públicos em agrupamentos de escolas e, entre outras, certas dimensões de identidade subjectiva como a pertença profissional (ocupação, grupo ). O artigo termina debatendo implicações de políticas educativas recentes suscetíveis de transformar a educação pré-escolar da rede pública em organizações com referenciais subordinados à lógica de um serviço para clientes.
No estudo dos processos de recontextualização na mensagem do currículo, através da análise de dois manuais, Sílvia Calado e Isabel Pestana Neves argumentam que há fundamento para levantar questões sobre o nível de aprendizagem científica num quadro de maior intervenção de autores e professores. Mobilizando o modelo do discurso pedagógico de Bernstein, as autoras chamam a atenção para a relevância da formação de professores na construção de capacidades colectivas e condições institucionais que sustentem processos de flexibilização curricular, baseados na selecção de atividades em função das especificidades dos alunos, de modo a que todos os alunos tenham acesso a uma educação que promova uma alfabetização científica de nível elevado.
Um estudo junto de alunos do 3º ciclo de escolas de Lisboa, com pais ou avós de origem africana, recolhe as representações desses jovens sobre a sua aprendizagem da língua de escolarização, apreende como se situam face a tarefas que lhes são pedidas e que necessidades identificam face ao seu sucesso escolar. Carolina Gonçalves sublinha que as dificuldades apontadas pelos estudantes são por si só indícios de uma elevada barreira escolar que tem impacto na integração social.
Por sua vez e com preocupações parcialmente convergentes, Sandra Figueiredo e Carlos Fernandes Silva analisam o desempenho de sujeitos aprendentes de Português Língua Segunda, que constituem uma amostra representativa das populações discentes migrantes em Portugal, em testes de segmentação de palavras (soletração) e de identificação de pares mínimos. No estudo apresentado, os autores propõem um programa de avaliação diagnóstica e de intervenção no ensino e aprendizagem, dirigida especificamente a alunos que estejam a iniciar o processo de aprendizagem/aquisição de Português Língua Segunda.
Os dois artigos que se seguem estudam realidades sociohistóricas distintas de um e outro lados do Atlântico, através de documentos históricos disponíveis, designadamente jornais, revistas e registos da administração (relatórios, atas ou normativos). Ademir Santos analisa e discute a utilização do sistema escolar como estratégia formadora da infância e juventude, visível no modo como a educação escolar se prestou à construção nacionalista, colaborando na formação dos cidadãos do Estado Novo no Brasil dos anos 30 e 40. Por seu lado, António Leonardo, Décio Martins e Carlos Fiolhais analisam o ensino secundário, com ênfase no estudo das Ciências Físico-Químicas, na Primeira República em Portugal. A partir de documentos diversos e da análise de literatura especializada da época, com destaque para a centenária publicação O Instituto, os autores percorrem e contextualizam iniciativas, medidas de reforma, preocupações governamentais e debates pedagógicos influentes na organização do ensino secundário do primeiro quartel do século XX.
Carlos Barrigas e Isabel Fragoso discutem a associação entre desempenho académico, estatuto socioeconómico, capacidade de raciocínio e maturidade com base num estudo com 792 alunos, de oito escolas de Lisboa, com idades entre os 6 e os 13 anos e que nunca tinham sido retidos. Para além de ter sido confirmada a relação entre a primeira e a segunda variáveis, quer a maturidade, quer a capacidade de raciocínio se mostraram associadas ao desempenho académico de modos que os autores procuram problematizar e esclarecer.
O artigo de Teresa Gonçalves argumenta em torno de convergências e interpelações entre as Ciências da Educação e as Ciências Cognitivas. A autora sugere a relevância de perspectivas de complexidade e de transdisciplinaridade para explorar possibilidades assim abertas de compreensão do fenómeno educativo e do sujeito a educar, ao mesmo tempo que chama a atenção para o perigo de alguma precipitação neste campo e para os riscos de simplificações redutoras.
O presente número da RPE encerra com as notas de leitura de José António Afonso em torno da obra Estado, Igreja e Educação. O Mundo Ibero- Americano nos Séculos XIX e XX, discutindo como paulatina e de modos específicos se entrecruzam, no quadro de relações de poderes políticos e institucionais de vulto, a construção sociohistórica da educação e a constituição de diversas sociedades nacionais nos contextos europeu e sul-americano.
Este trabalho agora entregue nas mãos do leitor percorre um itinerário cujo fio nos conduz ao início deste editorial: das múltiplas relações entre conhecimento e docência no ensino universitário e entre identidades profissionais e contextos de trabalho em educação; das questões em torno da alfabetização científica para todos à aprendizagem de Português, língua não materna e de escolarização; da análise sociohistórica quer de utilizações e intervenções governamentais nos sistemas de ensino ou da construção destes e das sociedades modernas; da exploração de variáveis associadas ao desempenho académico ao debate sobre os contornos do domínio científico a que é referenciável, a investigação aqui publicada em português convoca e afirma um campo de conhecimento polifacetado e de expressão multicontinental para elucidar realidades socioeducativas também elas localmente relevantes de um e de outro lados do oceano.