A imunoterapia com alergénios (ITA) é o único tratamento disponível com potencial modificador de doença na alergia respiratória, tendo demonstrado benefício a nível da redução de sintomas e da necessidade de medicação 1. Apesar de constituir um tratamento seguro e bem tolerado, podem ocorrer reações adversas. As reações locais secundárias a ITA por via subcutânea ocorrem em cerca de metade das administrações, sendo habitualmente responsivas a medidas gerais, como a aplicação local de gelo, de corticoide tópico e/ou tratamento/pré-tratamento com anti-histamínico oral 2. Na presença de reações locais extensas está ainda preconizada a redução da dose na administração seguinte 2.
Um jovem de 12 anos foi referenciado a consulta de Imunoalergologia por prurido nasal, crises esternutatórias, rinorreia anterior e obstrução nasal. Referia que os sintomas descritos ocorriam no período correspondente à primavera e que tinham impacto no seu dia-a-dia.
Durante a investigação etiológica foram realizados testes cutâneos por picada com aeroalergénios (extratos Diater®), os quais foram positivos para pólen de gramíneas selvagens e para pólen de oliveira. O doente foi diagnosticado com rinite alérgica persistente, moderada-grave, com sensibilização a pólenes de gramíneas selvagens e de oliveira, tendo iniciado tratamento com associação de anti-histamínico e corticoide tópico nasal, com controlo clínico. Posteriormente, com o objetivo de reduzir a necessidade de medicação para controlo dos sintomas, o doente foi proposto para ITA. Nesse sentido, foi realizado um estudo de IgE específica para componentes moleculares pela plataforma de imunoensaio ImmunoCAPTM ISAC, com resultados muito elevados (>14,9 ISAC Standardized Units, ISU-E) para Phl p 1 (21 ISU-E), Phl p 2 (22 ISU-E), Phl p 5 (37 ISU-E), e Ole e 1 (45 ISU-E), traduzindo sensibilização genuína a pólen de gramíneas e de oliveira.
No início de fevereiro de 2023, o doente iniciou ITA por via subcutânea, com extrato polimerizado (polimerização com glutaraldeído) de gramíneas selvagens e de Olea europaea (Polimerizado 100 Diater ®, Madrid, Espanha), em esquema ultra-rush (0,2 ml + 0,3 ml, em braços alternados e com intervalo de 30 minutos entre administrações).
O doente foi aconselhado a aplicar gelo, a não friccionar os locais de administração e a não praticar exercício físico nas 24 horas subsequentes a todas as administrações de ITA.
Cerca de 12 horas após a administração da ITA, o doente iniciou prurido, eritema e edema com dimensão superior a 20 cm, em ambos os braços. A reação remitiu em cerca de 48 horas após tratamento com anti-histamínico oral, corticoide tópico e reforço da aplicação de gelo.
Na administração seguinte, quatro semanas depois, optou-se por redução da dose a administrar para 0,2 ml e foi reforçada a aplicação local de gelo. No entanto, o doente voltou a manifestar reação local com as mesmas características.
Antes da administração seguinte, quatro semanas depois, o doente foi instruído a realizar pré-medicação com anti-histamínico oral, na véspera (manhã e noite) e na manhã do dia da administração da ITA. Adicionalmente, optou-se por redução da dose de ITA para 0,1 ml e foi prescrito tratamento com anti-histamínico oral durante os dois dias subsequentes e aplicação tópica de mometasona 1 mg/g em pomada, duas vezes por dia. Apesar do ajuste de dose e do reforço das medidas preventivas, seis horas depois da administração o doente desenvolveu novamente reação local extensa (15 cm). Quatro semanas depois, após nova administração de 0,1 ml de ITA, o doente reproduziu a mesma reação (17 cm). Não foram registadas reações sistémicas. Em todos os episódios o doente cumpriu as indicações fornecidas e negou a presença de intercorrência infeciosa concomitante.
De notar que, de acordo com dados da Rede Portuguesa de Aerobiologia (disponível em https://www.rpaerobiologia.com), as contagens de pólen de oliveira e de gramíneas apenas foram significativas a partir da primeira semana de abril de 2023.
Nos casos refratários à redução de dose e medidas gerais de minimização de reações locais é usual considerar-se a alteração da via de administração para a via sublingual ou a suspensão do tratamento. Outra abordagem, raramente utilizada, consiste na administração de ITA em seringa revestida com adrenalina. Identificamos três trabalhos em que esta abordagem foi testada com sucesso3‑5.
Casselman et al. realizaram um estudo retrospetivo em indivíduos com idade superior a cinco anos (n=72) sob tratamento com ITA, administrada em seringa revestida com adrenalina 3. Estes autores concluíram pela diminuição, com significado estatístico, da incidência de reações locais, sem ocorrência de reações adversas sistémicas3.
Mustafa et al. realizaram um estudo prospetivo controlado por placebo, em ocultação simples, em doentes com idade superior a quatro anos que apresentavam reação local após administração de ITA, apesar de pré-medicação com anti-histamínico de segunda geração, na posologia de uma vez por dia 4. Os doentes (n=70) foram aleatorizados em três braços: administração de ITA em seringa revestida com adrenalina, com difenidramina ou com água para injetáveis 4. O procedimento de revestimento da seringa consistiu na aspiração de 1 ml de adrenalina, difenidramina ou água para injetáveis, seguida do seu desperdício e posterior aspiração e administração da ITA 4. A administração de ITA em seringa revestida com adrenalina associou-se a redução significativa das reações locais 4. Sapsaprang et al. realizaram um estudo prospetivo controlado por placebo, em dupla ocultação, em doentes com idade superior a seis anos com reação local após administração de ITA, apesar de pré-medicação, realizada 60 minutos antes da administração da ITA, com anti-histamínico de segunda geração (associado a montelucaste em cerca de metade dos casos) 5. Os doentes (n=17) foram aleatorizados para administração de ITA em seringa revestida com adrenalina ou com solução salina 5. A seringa foi revestida através da aspiração de 0,2 ml de adrenalina ou de solução salina, seguida de desperdício e posterior aspiração e administração de ITA 5. Os doentes cuja administração de ITA foi realizada em seringa revestida com adrenalina apresentaram diminuição significativa da dimensão da reação local (5). Em ambos os estudos prospetivos não se registaram reações sistémicas. Os autores destes trabalhos propõem que a eficácia da administração de ITA em seringa revestida com adrenalina seja secundária a efeitos vasoconstritores locais 4,5.
Após discussão com o doente e os tutores legais e obtenção de consentimento informado, foi decidida administração subsequente de ITA em seringa revestida com adrenalina. O procedimento adotado consistiu na aspiração de 0,2 ml de solução de adrenalina 1 mg/ml seguido de desperdício de todo o volume aspirado e posterior aspiração e administração da ITA. Quatro semanas após o último tratamento, foram administrados 0,2 ml de ITA sem registo de qualquer reação adversa local, ao qual se seguiram as administrações de 0,4 ml e de 0,5 ml, com intervalo de três semanas, também sem qualquer intercorrência.
Quatro semanas depois foram administrados 0,5 ml de ITA em seringa sem revestimento de adrenalina, sem reação adversa.
Em conclusão, apesar de não se poder garantir a estabilidade do extrato da ITA quando administrado em seringa revestida com adrenalina, o doente tolerou posteriormente a administração de 0,5 ml de ITA sem recurso a seringa revestida com adrenalina, sugerindo que este procedimento constitui uma alternativa válida e eficaz na gestão de doentes com reações locais extensas refratárias às medidas habituais.