A prescrição off-label contempla a prescrição de um fármaco cujo uso (indicações, subgrupos populacionais, dose ou via de administração) não foi aprovado pelas entidades reguladoras, não constando no resumo das características do medicamento (RCM).1
Em Cuidados Paliativos (CP), particularmente em fim de vida, para além das alterações fisiopatológicas, existe perda de via oral, sendo fundamental encontrar vias alternativas para administrar fármacos que sejam seguras e contribuam para melhorar a qualidade de vida do doente.1,2
Para determinar a prevalência de prescrições off-label, de forma regular, numa unidade de internamento de CP (UCP), desenvolveu-se um estudo observacional descritivo, retrospetivo, transversal sendo analisados:
i) o número de fármacos prescritos off-label, por doente;
ii) o critério do uso off-label (via de administração ou dose)
Não foram analisados os motivos de prescrição, o local de administração, a ocorrência de reações adversas ou eficácia clínica.
O presente estudo teve parecer favorável da Comissão de Ética da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra e autorização da Direção Clínica da instituição onde decorreu o estudo.
Foram incluídos 115 doentes da UCP “O Poverello” (53,9% homens; idade média 70,0±12,9 anos). Verificou-se mediana de 4 fármacos (intervalo interquartil: 3; 7) por doente. Do total, 82 doentes (71,3%) tinham uma prescrição off-label, pelo menos. Nestes, o uso off-label estava relacionado com a via subcutânea em 100% dos casos, facto não contemplado no RCM.3 Entre os fármacos assim administrados encontravam-se: metoclopramida (em 44 doentes, sendo 88,6% off-label); midazolam (em 30 doentes, sendo 58,3% off-label); dexametasona (em 28 doentes, sendo 100% off-label); furosemida (em 24 doentes, sendo 58,3% off-label); levomepromazina (em 15 doentes, sendo 100% off-label) e haloperidol (em 13 doentes, sendo 84,6% off-label).
A prevalência da prescrição off-label neste estudo foi su-perior à identificada numa recente revisão sistemática, onde variou entre 14,5% e 35%.1 Tal pode dever-se ao predomínio de doentes oncológicos (84,3%), admitidos 10 dias antes da morte (mediana), sem via oral patente ou acessos vasculares periféricos, e cuja caquexia condicionava a administração intramuscular. Em conformidade, uma revisão recente com doentes oncológicos verificou que a prescrição off-label podia ter uma prevalência até 76% em CP.4
A via subcutânea é largamente utilizada em CP, devido às suas vantagens, nomeadamente comodidade, baixo custo e viabilidade em regime ambulatório.5 Contudo, verifica-se escassa evidência científica pelo que o uso desta via denota a experiência clínica de cada médico e instituição. Numa recen-te revisão sistemática foi identificado o potencial efeito benéfico do uso subcutâneo da metoclopramida, dexametasona, furosemida e levomepromazina, no entanto também destaca a falta de evidência de qualidade dos estudos efetuados.5 Já para o uso do midazolam e do haloperidol a evidência foi considerada insuficiente e por isso, a recomendação, inconclusiva.5 Assim, importa clarificar a eficácia desta via e outros aspetos farmacológicos (biodisponibilidade, dose, formas de diluição e compatibilidades) para uniformizar e certificar esta prescrição em CP.1
A prescrição off-label é um dos desafios no final da vida em CP, com implicações técnicas, legais e éticas (associadas à autonomia e ao consentimento informado, p.e.).1 Não há um registo nacional pelo que a prevalência do uso de fármacos off-label em Portugal é desconhecida. Este assunto requer uma abordagem multidisciplinar e tem sido amplamente dis-cutido, inclusive, foi considerado um dos eixos prioritários em 2019-2020 no Plano Estratégico para o Desenvolvimento dos Cuidados Paliativos.2