Em 1960, deu-se uma viragem importante na atividade “metropolitana” da equipa de Jorge Dias (1907-1973), baseada no Centro de Estudos de Etnologia Peninsular (CEEP).1 Desde 1953 que essa pesquisa tinha sido assegurada por Ernesto Veiga de Oliveira (1910-1990) e Fernando Galhano (1904-1995), a quem se juntou, a partir de 1959, Benjamim Pereira (1928-2020). Jorge Dias, que estivera até 1953 muito ativo na pesquisa de campo em Portugal, torna-se a partir de então menos presente nessa frente de trabalho.
O seu relativo desligamento da pesquisa de terreno em Portugal fica a dever-se a vários fatores. Alguns são de ordem científica. No seguimento do seu famoso ensaio “Os elementos fundamentais da cultura portuguesa” (1990 [1953]), Jorge Dias está então mais interessado na publicação de artigos de síntese, sobre a cultura portuguesa ou sobre a sua conceção de etnologia. Outros decorrem da sua ligação ao ensino universitário da etnologia e da antropologia cultural (que ele inaugurou). Entre 1952 e 1956, foi professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) e, a partir de 1956, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL) e no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (ISEU). A sua atividade internacional torna-se também particularmente intensa, uma vez que, entre 1954 e 1957, assegurou o cargo de secretário-geral da Commission Internationale des Arts et Traditions Populaires (CIAP), organismo da UNESCO que agrupava folcloristas e etnólogos europeus (Rogan 2015).
Mas o fator mais importante deste menor envolvimento de Dias com a pesquisa em Portugal relaciona-se com a vontade de alargar os seus interesses de investigação para fora do mundo rural português, que tanto o tinha fascinado. Logo em 1951, deixa-se seduzir pela perspetiva - não concretizada - de realizar uma pesquisa sobre “aculturação” entre os povos bantos da África do Sul (a convite da Wenner Gren Foundation).2 Em 1953, na sequência da sua estadia na Universidade do Paraná (Brasil), entusiasma-se pela possibilidade de realizar um estudo de comunidade em Entre-os-Rios, sobre um grupo de refugiados suábios que haviam emigrado para o Brasil na sequência da derrota alemã da II Guerra Mundial (Leal 2021). Mas mais uma vez essa perspetiva não se concretizou. No mesmo ano, o antropólogo norte-americano - e seu grande amigo - Charles Wagley (1913-1991), que já antes o contactara para integrar a equipa do projeto sobre relações raciais na Bahia (Brasil), de que resultou o livro Race and Class in Rural Brazil (Wagley 1952), escreve-lhe sobre um projeto conjunto africano, que - ficaremos a saber mais tarde - passaria pelo estudo dos bijagós (a cargo de Wagley) e dos balantas e papéis (a cargo de Dias).3 Mas, mais uma vez, o projeto não passou disso mesmo.
Torna-se de qualquer forma evidente, ao longo dos anos 1950, a disponibilidade de Dias para outros horizontes de pesquisa. Entretanto, só a partir de 1956, quando foi convidado por Adriano Moreira (1992-2022) para chefiar a Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português (MEMEUP), é que essa disponibilidade terá resultados concretos. Será no âmbito da Missão que Jorge Dias irá realizar, em conjunto com Margot Dias (1908-2001) e Viegas Guerreiro (1912-1997), a sua pesquisa sobre os macondes do norte de Moçambique (Dias 1964; Dias e Dias 1964; Dias e Dias 1970; Guerreiro 1966). Acentua-se, assim, o seu afastamento dos terrenos portugueses.
Não é que Jorge Dias não mantenha algum envolvimento com a pesquisa em Portugal. Em 1963 será coautor de umas das mais conhecidas monografias, sobre os espigueiros portugueses, produzida no âmbito do CEEP (Dias, Oliveira e Galhano 1963). Por vezes junta-se aos seus companheiros na pesquisa de campo, sobretudo nas chamadas “excursões de prospeção geral”, destinadas a uma tomada de contacto preliminar com uma determinada região. E continua a acompanhar de perto as pesquisas de Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira, que encontram nele um interlocutor muito ativo e interessado.
Dado esse menor envolvimento de Jorge Dias, a partir de 1953, em relação aos “terrenos metropolitanos”, foi nas mãos de Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira que passou a repousar a pesquisa sobre os universos rurais portugueses. Esta tinha-se desenvolvido a bom ritmo, sobretudo desde a entrada, em 1953, de Ernesto Veiga de Oliveira para o CEEP. Com ele, novos temas - com destaque para a arquitetura popular e para as festividades cíclicas - tinham sido incluídos no menu das atividades de investigação do centro. É também dos anos 1950 que datam as primeiras “excursões” de Veiga de Oliveira e Galhano ao litoral central português, que iriam estar na origem do livro Palheiros do Litoral Central Português (Oliveira e Galhano 1964).
Mas, mau grado os seus bons resultados, essa era, apesar de tudo, uma pesquisa com algumas limitações. Dada a escassez do financiamento do Instituto de Alta Cultura - de quem o CEEP dependia -, o Norte, mais acessível a partir do Porto, estava sobrerrepresentado em relação a outras regiões do país, com destaque para o Sul. Ao passo que na década de 1950, Ernesto Veiga de Oliveira e Galhano (e, mais tarde, Benjamim Pereira) realizaram 67 “excursões” no norte do país, no sul realizaram-se apenas 19.4 A pesquisa sobre arquitetura popular é um bom reflexo disso. A maioria dos artigos publicados a partir da segunda metade dos anos 1950 por Veiga de Oliveira - por vezes em colaboração com Fernando Galhano - trata tipologias arquitetónicas do Norte. Como referiu Benjamim Pereira em entrevista:
“Em relação à arquitetura, começou por realizar-se os estudos que eram mais fáceis, aqueles que não implicavam despesas. No fundo, o grande problema eram as dotações que eram insignificantes e, portanto, não permitiam que as pessoas saíssem para além daquilo que era a sua base normal… O Porto como ponto de partida. E por isso os primeiros estudos sobre arquitetura são justamente no Porto: as casas rurais dos arredores do Porto, as casas de Vila do Conde, as casas da Maia, as casas da Póvoa do Varzim.” (Pereira 1996)
Serão essas limitações que a partir de 1960 serão ultrapassadas, fazendo com que a pesquisa do CEEP ganhe uma expressão nacional e uma diversificação temática mais efetivas. Para tal será decisivo o financiamento atribuído ao CEEP pelo serviço de música da Fundação Calouste Gulbenkian com o objetivo de reunir uma coleção de instrumentos musicais populares portugueses. A solicitação terá sido feita inicialmente a Jorge Dias - que, desde 1959, passou a integrar, a convite de Madalena (Farinha) Perdigão (1923-1989), a Comissão de Etnomusicologia da Fundação Calouste Gulbenkian - mas serão Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira a concretizar a pesquisa, entre 1960 e 1965. Os resultados mais palpáveis desta missão são conhecidos. Para além de uma coleção de 486 instrumentos musicais populares portugueses - hoje em dia depositados no Museu Nacional de Etnologia - teve lugar em 1964, na Gulbenkian, uma exposição sobre o tema, e em 1966 Veiga de Oliveira publicou o livro Instrumentos Musicais Populares Portugueses, editado pela Fundação Calouste Gulbenkian (Oliveira 1966). Foram também realizadas gravações de música popular, igualmente depositadas no MNE e até hoje inéditas, compreendendo 452 fonogramas e cerca de 16:30 horas de som. Entre 1960 e 1965 - com particular incidência em 1961 e 1962 - foram percorridos por Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira 34.688 km, num total de 245 dias (cerca de oito meses) de pesquisa de campo.
Para além destes resultados mais conhecidos, a pesquisa sobre os instrumentos musicais populares impactou de forma talvez menos conhecida, mas muito significativa, a pesquisa do CEEP. Permitiu, em particular, o seu alargamento geográfico e temático. Alargamento geográfico porque o país foi percorrido pela primeira vez de forma sistemática, incluindo o sul e os arquipélagos atlânticos da Madeira e dos Açores. Neste último, Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira estiveram durante dois meses, trazendo consigo uma admiração e um entusiasmo contagiantes pela cultura popular açoriana, à qual dedicariam mais tarde três livros (Oliveira, Galhano e Pereira 1965; Oliveira e Pereira 1987; Oliveira 1986). Para além desse alargamento geográfico, a pesquisa sobre os instrumentos musicais populares possibilitou também a consolidação e o alargamento temático da pesquisa do CEEP. De facto, nas suas “saídas” - como são apelidadas as suas deslocações de campo nos relatórios anuais enviados à Fundação Calouste Gulbenkian - Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira aproveitavam para recolher informação sobre outros aspetos de interesse etnográfico nas localidades e regiões sucessivamente percorridas. Como referiu Benjamim Pereira em entrevista,
“O projeto dos instrumentos musicais foi fantástico, foi um projeto que animou muito, enriqueceu muito o Centro, na medida em que permitiu circular pelo país em condições excecionais. Porque, com as condições que o Centro tinha, a gente fazia meia dúzia de excursões e esgotava a massa. Por exemplo, os palheiros do litoral central foram feitos a partir do Porto em bicicleta. Ao passo que, com o projeto dos instrumentos musicais, o Centro passou a dispor de possibilidades de circular pelo país e isso refletiu-se de uma forma espantosa. Porque no fundo o que é que acontecia? A gente ia, deambulava em demanda dos tocadores, etc., e passava e via um elemento e fotografava e inquiria e registava e fazia uma ficha. Isso permitiu uma atividade durante dois anos, praticamente, em que nós estivemos no terreno em permanência.” (Pereira 1996)
As cinco cartas agora publicadas - na realidade quatro cartas e um postal - permitem aceder a esse momento transformativo da pesquisa da equipa de Jorge Dias. As cartas são de índole pessoal e fazem parte de uma longa correspondência entre Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira. Essa correspondência é integrada por mais de 100 cartas e postais de Jorge Dias para Ernesto Veiga de Oliveira e mais de 20 cartas e postais de Ernesto Veiga de Oliveira para Jorge Dias.5 Não há no arquivo Jorge e Margot Dias (Museu Nacional de Etnologia) correspondência de ou para Jorge Dias com um volume similar. A correspondência entre ambos remonta a 1935, quando Jorge Dias vai estudar Filologia Germânica para a FLUC, e prolonga-se até 1964, quando Ernesto Veiga de Oliveira passa a viver - como Jorge Dias - em Oeiras. É uma correspondência onde se fala de trabalho, sobretudo a partir do regresso de Dias a Portugal, em 1944. Mas testemunha sobretudo da imensa amizade que, desde os seus tempos juvenis no Porto e das suas “vagabundagens” pelas montanhas do norte de Portugal, os unia.
Com a entrada de Veiga de Oliveira para o CEEP, à amizade soma-se o trabalho conjunto. De alguma maneira, foi a sua ida para o centro que permitiu que Dias se aventurasse por outros horizontes. Podia estar no Brasil ou em Moçambique, a escrever ensaios sobre a sua conceção de etnologia ou a participar em reuniões do CIAP, porque o trabalho que ele iniciara em Portugal continuava em boas mãos. Por isso, entre ele e Ernesto Veiga de Oliveira, amizade e antropologia, relatórios informais e confidências continuarão a caminhar juntos. Mesmo mais desligado da pesquisa nos universos rurais portugueses, Jorge Dias continuava, pois, a acompanhar o projeto do estudo sistemático da cultura popular portuguesa de matriz rural que ele tinha concebido e implementado, e que agora estava nas mãos de Ernesto Veiga de Oliveira, Fernando Galhano e Benjamim Pereira.
É essa mistura de amizade e trabalho que as cartas agora publicadas ilustram. Foram escritas em 1961, durante o primeiro ano de trabalho de campo de Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira sobre instrumentos musicais populares. Nesse ano, ambos percorreram 13.600 km, num total de 70 dias de pesquisa de terreno.6 Entre as regiões visitadas, encontravam-se o Douro, Trás-os-Montes, a Beira Baixa, o Alentejo e Coimbra.7
As cartas tornam antes de mais evidente o genuíno entusiasmo de Veiga de Oliveira pela pesquisa que tem entre mãos. Provavelmente esse entusiasmo encontra-se noutras suas pesquisas de campo, mas, neste caso, é tornado mais claro por duas outras circunstâncias. Por um lado, Veiga de Oliveira era um incorrigível melómano, de cultura musical vasta e de gosto exigente. Recolher instrumentos musicais, entrevistar tocadores, gravar o seu repertório, acarretava, por isso, um prazer acrescido. Por outro lado, ficou espantado com a riqueza do material que encontrou. Não faltam por isso adjetivos nas suas cartas para Jorge Dias: “uma gaita transmontana fabulosa” (carta de 7.III.1961); “tem sido, por esta Beira, um delírio de cantares maravilhosos” (postal de 11.III.1961); “encontrámos e arranjámos coisas inacreditáveis” (carta de 5.V.1961); “encontrámos tipos formidáveis” (carta de 5.V.1961); “temos coisas estupendas de viola campaniça” (carta de 5.V.1961); “a coleção está estupenda” (carta de 5.V.1961); “maravilhosas canções beiroas, ao adufe” (carta de 5.V.1961); “tem sido uma maravilha” (carta de 5.V.1961) (todos os itálicos são nossos). A contenção que caracteriza os relatórios anuais enviados à Fundação Calouste Gulbenkian é, nas cartas para Jorge Dias, posta de lado. Ernesto Veiga de Oliveira quer partilhar com ele - a quem trata carinhosamente por “dear old boy” - o encantamento que acompanha a sua pesquisa.
As cartas revelam também aspetos dos bastidores da pesquisa que, sem elas, desconheceríamos. Por um lado, a ênfase - quase detetivesca - posta na descoberta de instrumentos musicais raros ou já caídos em desuso. Como escreve Ernesto Veiga de Oliveira a Jorge Dias, “procurar uma ‘gaita’ de pastor em Trás-os-Montes é mais, verdadeiramente, do que procurar agulha em palheiro…” (carta de 7.III.1961). Mas ele não desiste: “tu sabes como eu sou: se me cheira à mais ligeira pista, à mais vaga menção, não descanso enquanto não apanho a coisa ou me certifico de que ela já não existe mais - o que é o mais frequente…” (carta de 7.III.1961).
É também grande a importância dada por Ernesto Veiga de Oliveira a descobertas relacionadas com certos instrumentos insuficientemente documentados. Como escreve a propósito dos tamborileiros alentejanos,
“fomos nós os primeiros, se não verdadeiramente a descobrir, pelo menos a estudar e a ter consciência desse curiosíssimo elemento, que relaciona a música daqui com o caso espanhol e do Sul de França (o mesmo homem a tocar tamboril e pífaro; mas aqui o caso tem formas especiais).” (carta de 5.V.1961)
Ou, então, sobre a viola campaniça:
“A viola campaniça, de que também tínhamos conhecimento apenas por uma menção do mero nome, e fotografias, no A. Leça e na Tradição, e que é um instrumento que ainda existe certamente, mas já se não faz, fomos como o perdigueiro, pela foto do A. Leça a Peroguarda, já não era lá, dali acolá e acoli - e demos com ela, e depois outra, e onde se faziam, etc. - e arranjámos 3 ótimos exemplares, dos principais fabricantes…” (carta de 5.V.1961)
Não é que sejam tudo rosas na pesquisa de Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, como mostram vários desabafos que o primeiro faz a Jorge Dias. Logo na primeira carta para ele, Ernesto Veiga de Oliveira transmite o seu grande desânimo com as dificuldades encontradas:
“Crê: não tivemos a ajuda de absolutamente ninguém. Ninguém. Nem uma só pessoa. Tivemos nós que ‘esmifrá-lo’ todo, e assim, além de um trabalho insano, a maior parte das coisas e démarches foram totalmente infrutíferas. Tivemos - e continuamos a ter, pelo contrário, muito, inimigos para o nosso trabalho: as peças mais bonitas fugiram-nos para a porcaria dos ranchos: a rabeca de Amarante, para esse rancho de Santo Tirso, e agora uma maravilhosa flauta de buxo, toda lavrada à moda Mirandesa, que o Mourinho não largou por nada lá para o rancho dele… E o mesmo já com outra flauta do rancho de Ponte da Barca, e não sei mais o quê. Eu fiquei desesperado, com vontade de tomar o comboio, atirar-me aos pés da Madalena Farinha, e pedir-lhe que me desobrigasse da incumbência de organizar a coleção, porque estas coisas ainda me fazem sofrer, imagina tu!…” (carta de 7.III.1961)
Mais tarde, depois de uma visita de Lopes Graça (1906-1994) à coleção, Veiga de Oliveira escreve, em tom simultaneamente crítico e desanimado:
“Como te disse, veio cá o Lopes Graça ver os instrumentos. Gostava também de saber o que ele pensou realmente, porque a mim só disse coisas amáveis. De resto parece-me ter percebido que ele não pesca peva do assunto. É terrível: ninguém, ninguém, ninguém sabe nada para nos aconselhar, guiar, criticar. Começo a crer que em Portugal inteiro quem mais sabe de instrumentos populares somos nós - e sabemos bem pouco.” (carta de 17.XII.1961; sublinhado no original).
Mas, desabafos à parte, o que ressalta mais nas cartas de Ernesto Veiga de Oliveira para Jorge Dias é o gosto e o encantamento com a pesquisa, que se estende, por exemplo, aos tocadores e especialistas que ele e Benjamim Pereira vão encontrando:
“As velhas do pandeiro de Malpica; o maluco da zambumba, o Tio Rebanda a despedir-se da vida num último sopro de sua flauta, o indiscritível António Inácio, de Genísio, o estupendo Vergílio Cristal, a mãe do pe. Mourinho, sei lá!” (carta de 5.V.1961)
É a partir desse encantamento que Veiga de Oliveira vai dando conta, nas cartas, das suas primeiras reflexões sobre o que vai encontrando. Logo na carta de 7.III.1961, esboça uma primeira aproximação tipológica aos instrumentos musicais populares. Mais tarde, em torno de uma conversa com o “perito das guitarras” Armando Simão, reflete sobre os percursos portugueses da guitarra. Mas é muito prudente em relação ao fado: “o material do fado é realmente muito complicado, e parece-me que se devia considerar à parte, uma sala ou um museu do Fado” (carta de 5.V.1961).
Dando uma boa visão dos bastidores da pesquisa sobre instrumentos musicais populares portugueses, as cartas deixam-nos também ver melhor a pessoa por detrás da obra: a sua sensibilidade, o seu gosto pela música e pelos universos rurais que percorre, os seus ocasionais “estados de alma”. E são também demonstrativas de algo que afirmámos no início: o modo como, mesmo mais desligado dos terrenos portugueses, Jorge Dias continua a projetar a sua sombra nas pesquisas “portuguesas” da sua equipa. Por isso, numa passagem marcada pela emoção, Ernesto Veiga de Oliveira escreve a Jorge Dias:
“Enfim, old boy, tem sido uma maravilha, e a única pena de que não nos poderemos nunca consolar, é que tu não tenhas participado disto. Nesta terra, isto, mais do que de mais ninguém, é o teu mundo, meu velho! Mas crê que é sempre para ti que nós vamos a todas as coisas.” (carta de 5.V.1961)
Numa das suas cartas para Jorge Dias, Ernesto Veiga de Oliveira refere o “segredo invisível da música” (carta de 5.V.1961). Do que estas cartas nos falam é do “segredo invisível” da amizade que uniu por mais de 40 anos Jorge Dias e Ernesto Veiga de Oliveira.
Cartas 8
Carta de 7.III.1961
Porto, 7.III.1961
Dear old boy
Desculpa não ter escrito há tanto tempo. Como sabes, logo a seguir à tua partida, fomos por aí fora para um longo périplo transmontano - desde o rio Douro, do Pocinho, até Bragança, pelos concelhos de Moncorvo, Mogadouro, Miranda, Vimioso e Bragança, com regresso por Izeda, Macedo, Mirandela e o resto que calculas. Uma maravilha, claro, mas eu vim muito descorçoado. Isto de se andar a fazer uma coleção quando já não há nada, é na verdade muito ingrato. Claro que ainda há muita coisa, e aí é que está o busílis; o que já não há é nada disso em uso corrente, e procurar uma “gaita” de pastor em Trás-os-Montes é mais, verdadeiramente, do que procurar agulha em palheiro… E depois, tu sabes como eu sou: se me cheira à mais ligeira pista, à mais vaga menção, não descanso enquanto não apanho a coisa ou me certifico de que ela já não existe mais - o que é o mais frequente…
Fizemos mais de 1000 Km, e o resultado não é brilhante. Trazemos poucas coisas, algumas promessas (mas teremos de voltar, fazer de novo 1000 Km, e repetir as mesmas lutas, esperas, incertezas, sei lá…), e muita descrença. Compreende: para se conseguir isto, era preciso a colaboração de toda a gente, pelo menos da gente esclarecida das diferentes áreas, que tivesse efetivamente procurado saber aonde havia coisas, obtê-las, etc.
Crê: não tivemos a ajuda de absolutamente ninguém. Ninguém. Nem uma só pessoa. Tivemos nós que “esmifrá-lo” todo, e assim, além de um trabalho insano, a maior parte das coisas e démarches foram totalmente infrutíferas. Tivemos - e continuamos a ter -, pelo contrário, muito inimigos para o nosso trabalho: as peças mais bonitas fugiram-nos para a porcaria dos ranchos; a rabeca de Amarante, para esse rancho de Santo Tirso, e agora uma maravilhosa flauta de buxo, toda lavrada à moda Mirandesa, que o Mourinho não largou por nada lá para o rancho dele… E o mesmo já com outra flauta do rancho de Ponte da Barca, e não sei mais o quê. Eu fiquei desesperado, com vontade de tomar o comboio, atirar-me aos pés da Madalena Farinha,9 e pedir-lhe que me desobrigasse da incumbência de organizar a coleção, porque estas coisas ainda me fazem sofrer, imagina tu!…
Isto dá muito que dizer, mas depois conversaremos de viva voz. Ando a chocar uma ideia para a exposição que me parece com piada, vamos a ver o que te parece. A coisa é difícil, porque eu sei pouco do caso, é mesmo assim. Quero dizer, em vez de uma exposição por tipos, fazer uma exposição por certos conjuntos característicos:
1) a área dos Zés Pereiras minhotos, que vai até Penafiel e Carrazeda de Anciães: Bombo, Caixa, Gaita Galega, e ocasionalmente de que te falaremos depois - tambor e caixa), ligado com os pauliteiros - castanholas, paus, conchas; a par disto (mas aí tenho dúvidas que é preciso esclarecer), o tamborileiro, com o tamboril e a flauta.
Como “pano de fundo”, instrumental de todos os sítios onde não há instrumentos especiais, o instrumental de “tuna”, guitarra braguesa (isto é guitarra que não é de fado), violão e bandolim (com todos os seus derivados: violão baixo, bandolas, etc., etc.), e acordéons.
Outro instrumento qualquer, além de certos “implementos” (como lhes chama Maynard de Araujo): a “móquinha”, de Basto, talvez o traje (carapuça vermelha e faixa, etc.).
2) área - e é claro, o instrumental respetivo - das “estúrdias”, “festadas”, “rufas” de Entre-Douro-e-Minho: Cavaquinho, viola burguesa, violão, ferrinhos, e talvez, outras coisas.
3) área da chula: rabeca, viola de Amarante, violão, tambor e não sei se também ferrinhos.
4) área do gaiteiro transmontano, (gaita - trouxemos uma gaita transmontana fabulosa, feita pelo próprio que a toca, que é um tipo formidável).
5) áreas do fado - Coímbra e Lisboa - guitarras e violões, sobre uma capa de estudante e um xaile de cantadeira.
6) Instrumentos da Semana Santa (matracas, zaclitracs, trambonelas, etc).
7) Instrumentos da Serração da Velha e Assuadas: cornos, funis, chocalhos, reque-reques, etc.
8) Área do adufe, pandeiro e pandeireta.
9) Flautas de pastores.
E outras coisas de que a gente se vai lembrando. E também, pequenos grupos “monográficos”: o cavaquinho (Guimarães, Lisboa, Brasil, Ukulele); as castanholas e castanhotas; etc.
Pequenos instrumentos especiais: profissionais (gaita de amolador, “reclamos” de [ilegível], etc., e de diversão solitária (!) - berimbau, gaitinhas, etc.
--------
O Orlando10 está cá, veio cá ontem almoçar. Gostaria de lhe ter pedido para ficar aqui, mas ele estava com o filho e a filha. Vamos logo com ele dar uma volta pela estrada marginal até Entre-os-Rios. Partimos 5ª f para a Beira Baixa, mas estaremos de regresso antes de 17.
O maior abraço do teu Ernesto
Postal de 11.III.1961
[postal com imagem a preto e branco do Jardim do Paço de Castelo Branco]
11.III.1961
Boy old dear - Por aqui andamos, em busca de adufes, pífaros e pandeiros… Já arranjámos umas coisas bonitas, e hoje trouxemos de Malpica uma sarronca. Tem sido, por esta Beira, um delírio de cantares maravilhosos, ao som do adufe. Que pena não estares! Até ao dia 17, abraço do Benjamim
[postal escrito por Ernesto Veiga de Oliveira, mas assinado por Benjamim Pereira]
Carta de 5.V.1961
Moura, 5.V.1961
Dear old boy
Tenho realmente má consciência de te ter deixado tanto tempo sem nada saberes ao certo sobre nós. Desde que foste para Roma, o silêncio tem sido total… E contudo, temos na verdade coisas sem conta para te dizermos. Da nossa segunda volta, nessa altura mais ou menos, encontrámos e arranjámos coisas inacreditáveis: por um fio, descortinámos, esmiuçámos, estudámos, tudo, do tamborileiro alentejano, que conhecíamos duma fotografia idiota do Armando Leça,11 e dum artiguelho da Tradição12… Averiguámos tudo, e, milagrosamente, encontrámos dois em Ficalho (aquilo é uma instituição quase oficial, ligada à festa principal de cada terra, que só sai nesse dia e tem funções rituais), e adquirimos um, que é o mais bonito dos últimos quatro que há na província… (2 em Ficalho - agora um e outro na nossa coleção -, 1 em São Aleixo, e 1 em Barrancos). A viola campaniça, de que também tínhamos conhecimento apenas por uma menção do mero nome, e fotografias, no A. Leça e na Tradição, e que é um instrumento que ainda existe certamente, mas já se não faz, fomos como o perdigueiro, pela foto do A. Leça a Peroguarda, já não era lá, dali acolá e acoli - e demos com ela, e depois outra, e onde se faziam, etc. - e arranjamos 3 ótimos exemplares, dos principais fabricantes… Mas isto não é tudo: é que agora conhecemos profundamente o País, que tem o segredo invisível da sua música por todas estas terras: encontrámos tipos formidáveis, e gravámos, gravámos, gravámos. Temos coisas estupendas de viola campaniça, gravámos os tamborileiros de Barrancos e de Ficalho, e estamos agora aqui para assistirmos amanhã e depois às festas de Santo Aleixo, onde o tamborileiro tem o seu papel de primeira importância. Podemos dizer, old boy, que fomos nós os primeiros, se não verdadeiramente a descobrir, pelo menos a estudar e a ter consciência desse curiosíssimo elemento, que relaciona a música daqui com o caso espanhol e do Sul de França (o mesmo homem a tocar tamboril e pífaro; mas aqui o caso tem formas especiais).
Quer dizer, a coleção está agora estupenda, e a malha cerra-se notavelmente. Já só questão de afinar pormenores, intentei arranjar o instrumental das Folias do Espirito Santo beiroas. “Impossível”; desapareceu tudo há 30 anos: era, above all, o tambor; e depois, conforme os lugares, o pandeiro, pratos, violas; a viola é a campaniça; e, subitamente, na Atalaia, todo velho e desfeito, achámos - e comprámos - o velho tambor autêntico - o “tambor da Folia”. É um tambor vulgar, mas é uma peça digamos histórica. E gravámos, gravámos, gravámos, maravilhosas canções beiroas, ao adufe. Sem adufe, sei lá! O tamboril-e-flauta existe também em Terras de Miranda. Já arranjáramos o de Constantim; e agora, depois de démarches várias, desencantamos e refizemos o autêntico - e é o mais bonito - Tamboril de Ifanes! E gravámos tudo o que pudemos em Trás-os-Montes, ao mesmo tempo a ilustrar os instrumentos e a registar a música.
Agora marcamos encontros, etc., a datas a fixar, para gravar mais coisas beiroas, v.g toda uma “Folia” do princípio ao fim. E vamos nessa altura tentar ver se ainda conseguimos encontrar o resto do instrumental.
Enfim, old boy, tem sido uma maravilha, e a única pena de que não nos poderemos nunca consolar, é que tu não tenhas participado disto. Nesta terra, isto, mais do que de mais ninguém, é o teu mundo, meu velho! Mas crê que é sempre para ti que nós vamos a todas as coisas. As velhas do pandeiro de Malpica; o maluco da zambumba, o Tio Rebanda a despedir-se da vida num último sopro de sua flauta, o indiscritível António Inácio, de Genísio, o estupendo Vergílio Cristal, a mãe do pe. Mourinho,13 sei lá! Tenho já escritos 4 estudos, que te levo: Aspetos etno-musicais do Bxo. Alentejo - I - o Tamborileiro alentejano - II - A viola campaniça. A Sarronca. A Sanfona. Vou agora escrever o Pandeiro e a Flauta. E queremos, o Benjamim e eu, escrever uma crónica, picaresco-patética, de toda esta gente, estas andanças, este magnifico espetáculo humano. Nós devemos estar aí em Lisboa pelo dia 8 ou 9, depois falamos. Corremos a Serra do Montemuro, à procura do pandeiro de que falou a tua irmã. Ninguém conhece nem nunca viu nem ouviu falar, nem nada. Isso não houve meio de achar a mais leve pista; pelo contrário, por toda a parte apenas estranheza total e espanto. Trouxémos mas foi o bombo das “sortes” e das “rogas” de Relva. E agora, um abraço até ao dia 8/9 do teu Ernesto
Carta de 12.VI.1961
Porto, 12.VI.1961
Dear Old Boy
Não estranhes não te termos mandado notícias há mais tempo: esta carta é a 24ª ou 5ª que escrevo desde que chegámos, na 5ª feira à noite (e no sábado e domingo tivemos que ir a Celorico, por causa de complicações que lá surgiram).
Tu dizes que os dias de Milfontes te fizeram bem - que diremos nós, old boy, a quem tu fazes melhor que o sol e o ar! Se a gente pudesse acabar por fazer vida próxima, rapaz, nem sei o que isso seria!…
Mas agora vou ter que te dar as noticias em estilo telegráfico, porque desconfio que elas são muitas.
À vinda, resolvemos parar em Coimbra, porque tínhamos lá (e na região) muitas coisas a tratar.
1) - Os gaiteiros. Foi muito successful: compramos um Zé-Pereira muito bonito, gaita, bombo e caixa, e colhemos informes. O mais interessante é que a gaita é feita em Coimbra, como o Armando Leça diz que antigamente se faziam; e demos depois em Coimbra com o homem, um torneiro muito simpático, que reconheceu o instrumento que lhe mostrámos. Ele aprendeu com outro mais antigo, explicou-nos muita coisa, etc., e por aí a coisa correu muito bem, e valeu bem a pena.
2) - Passámos também em Pomares, acima de Avô e Arganil, para tirarmos dúvidas das Sarroncas de fio: são, como as brasileiras e africanas, com o fio por dentro. Caímos com uma deliciosa velhinha de 84 anos, irmã do homem que as fazia, perfeitamente lúcida, coerente, exata, nem por sombras desmemoriada, que reconstitui perfeitamente o instrumento que conhecia muito bem, e que nos cedeu um cântaro como os que faziam antigamente. E não tenho dúvidas de que ali é como os brasileiros, com o fio dentro do bojo.
3) - Ficámos a saber da existência de mais um tipo de viola popular, daquela região: a viola Toeira, da mesma família da braguesa e da campaniça. Vai ser muito difícil de encontrar um exemplar, temos de lá voltar com vagar para ver o que [se] arranja. Vê-se que a viola de arame era caso geral. 4 variantes.
4) - Post multos multosque labores [depois de muitos e muitos trabalhos], lá fomos a Góis, ver o Presidente da Câmara, Dr. Armando Simão, perito das guitarras… O homem é um velho um pouco presunçoso do seu saber, que começou pela filiação da guitarra na Harpa de terra [ilegível] e não sei mais o quê. Eu chamei-o mais para os últimos tempos, e o tipo na verdade sabe imensa coisa, tem um ficheiro enorme e com muito valor e interesse, toca bem, explica a evolução, etc., etc. Tem um livro preparado, e por isso eu disse-lhe que não tomava notas nenhumas: não há o direito de em 5 minutos colher o fruto do trabalho alheio de uma vida… Incitei-o a publicar, e fomos muito amáveis. É esse tipo de velho académico, que diz: “eu sei muito disto e entendo bem a guitarra, porque bebi muito vinho com ela”. Tem piada e sabe. O ponto de vista dele é terrível musicalmente; a guitarra é o instrumento supremo, que dá para tudo, e torna tudo mais bonito: toca nela a morte de Aase, os noturnos de Chopin, etc. ‘Tás a ver. Mas etnograficamente a coisa tem interesse, porque de facto a guitarra começou por ser um instrumento atípico, que dava para tudo, e só mais tarde é que se adapta ao fado. Ele explica a coisa assim: chegada (de Inglaterra) nos fins do sec. XVIII, era então instrumento de sala, que conheceu grande voga, e se espalha muito. A sua difusão normal é interrompida pelas invasões francesas e lutas liberais; localiza-se mais em Lisboa, na Mouraria, onde se ajusta ao fado (também recente). A nobreza portuguesa fadista leva-o daí para os salões, e depois para Coimbra; em Lisboa, as putas é que o ensinam aos nobres, e vem de baixo para cima; em Coimbra, os estudantes é que o ensinam aos futricas, e vem de cima para baixo. Mas o homem tem muitas notas, normas de fabricantes, tocadores, músicos, etc. E em casa dele vimos meia dúzia de peças, que documentavam muito bem o caso (entre elas, uma dessas violas toeiras).
Quer dizer, old boy: o material do fado é realmente muito complicado, e parece-me que se devia considerar à parte, uma sala ou um museu do Fado.
Continuo, depois disto, a não saber como lhe pegar.
Escrevi à Gulbenkian, sobre o programa da televisão, no dia 27. O Listopad 14 falou com a Madalena Perdigão, a pedir para eles autorizarem que se fale na Fundação e se mostrem os instrumentos. “Tudo o que vocês quiserem, já falei com o Dr. E. Oliveira”.
---------------
(Não sei se reparas que a gente de Barrancos dirige a carta deles a D. Madalena Farinha… Claro, escreveram-lhe pela circular do ano passado. É chato, mas penso que ela compreenderá).
---------------
Escrevi a pedir folhetos e guias dos museus ao ar livre (Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda). Era urgente começarmos a comprar coisas; os antiquários já varreram Celorico (Tecla)… Depois, temos enfim, acabada agora esta revoada de cartas, tenho 3 matacões pela frente: os espigueiros, o resto dos instrumentos, e o pano de fundo de tradução, que é o pior de tudo.
Os espigueiros e instrumentos vão bem; mas, destes últimos, os cordofones é que não vai nada. E agora a conversa do homem mais me veio mostrar que não percebo nada do caso. Eu escrevi-lhe a dizer que gostaria que tu lá fosses.
---------------
Mando-te essa carta da gente de Barrancos, que é para ti; fiz essa resposta, para tu assinares e lhes mandares, se achares bem.
[sem assinatura]
Carta de 17.XII.1961
Porto, 17.XII.1961
Dear old boy
Aqui vai este monumento! Gostava que lesses, mas na verdade quem faz relatórios de 16 páginas, não pode aspirar a tanto! Não pensei que ficasse tão longo; mas não creio que tenha palha; é que realmente a gente fez muita coisa, caramba! Enfim, se puderes diz o que te parece. E desculpa a “lata”!
Como te disse, veio cá o Lopes Graça 15 ver os instrumentos. Gostava também de saber o que ele pensou realmente, porque a mim só disse coisas amáveis. De resto parece-me ter percebido que ele não pesca peva do assunto. É terrível: ninguém, ninguém, ninguém sabe nada para nos aconselhar, guiar, criticar. Começo a crer que em Portugal inteiro quem mais sabe de instrumentos populares somos nós - e sabemos bem pouco. Se lhe falares, ele certamente te dirá que os instrumentos, estão muito bem, mas que as gravações são más; não tenhas medo nem faças caso. As pessoas são tão pouco preocupadas com falta de rigor e exatidão! Ele ouviu apenas algumas canções beiroas, as nossas piores e as primeiras gravações que fizemos; e mesmo perante mim concluiu logo que “as gravações não são boas”. Mas eu sei, de certeza, que temos coisas ótimas.
O Wildhaber16 escreve-me e diz que quer vir cá, comprar coisas para o Museu de Basileia… Se puderes dizer isso ao Perdigão, e mostrar-lhe como o mundo culto que conta dá valor a essas coisas! De resto, eu tenho muita pena, mas acabo por lhes ceder a eles a nossa coleção, onde há coisas insubstituíveis: estamos desembolsados de um dinheirão, não as podemos ter indefinidamente aqui em casa, e afinal cá em Portugal ninguém tem interesse por elas. Enfim…
Um grande xi do Benjamim e do Fernando, e outro mais do teu de sempre Ernesto