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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.8 Coimbra mar. 2016

https://doi.org/10.12707/RIV15046 

INVESTIGAÇÃO HISTÓRICA

 

Exercício da Liderança de 1926 a 1974 por Enfermeiras Dirigentes de uma Entidade de Classe

Exercise of Leadership by Nurse Leaders of a Class Entity from 1926 to 1974

Ejercicio del Liderazgo de 1926 a 1974 por Enfermeras Líderes de una Entidad de Clase

 

Ana lúcia Domingues Neves*; Maria Cristina Sanna**

* Enfermeira, Especialista em Cardiologia e Educação Continuada. Aluna do Programa de Pós-Graduação Senso Estrito da Escola de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo, 04021-001, São Paulo, Brasil. Contribuição no artigo: revisão bibliográfic, colheita e análise de dados, escrita do artigo. Morada para correspondencia: Rua Sena Madureira, 1500, CEP:04021-001, Vila Clementino, São Paulo, Brasil [analudneves@gmail.com].

** Ph.D., Enfemagem, Orientadora Credenciada junto à Pós-Graduação Senso Estrito da EPE-UNIFESP, Pesquisadora do GEPAG, São Paulo, Brasil [mcsanna@uol.com.br] Contribuição no artigo: conceção e planeamento da pesquisa, revisão da metodología, interpretação dos dados, aprovação final da versão a ser publicada [mcsanna@uol.com.br].

 

RESUMO

Contexto: O exercício da liderança em enfermagem iniciou-se com a compreensão de que liderar é manter os membros da equipe unidos na busca pela realização dos objetivos profissionais. Na entidade de classe pioneira na representação da enfermagem brasileira – Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) – a ascensão da classe profissional estava diretamente ligada aos esforços das suas dirigentes.

Objetivos: Descrever o exercício da liderança por enfermeiras dirigentes da ABEn.

Metodologia: Estudo qualitativo, histórico documental, sobre a liderança daquelas que atuaram, no período de 1926 a 1974, na direção da ABEn. As fontes primárias foram publicações científicas de periódicos brasileiros, além de estudos de casos, biografias e obituários da história das líderes da enfermagem.

Resultados: A análise das histórias dessas enfermeiras permitiu construir as seguintes categorias de resultados: preparação para a liderança, posicionamento ideológico das líderes, exercício da liderança e reconhecimento profissional das líderes.

Conclusão: As líderes tinham poder político, capacidade de trabalho, eram modelo de dedicação, firmeza de convicção, com grande capacidade de articulação, e poder político; muito realizaram pela enfermagem.

Palavras-chave: história da enfermagem; liderança; enfermeiras; biografia

 

ABSTRACT

Background: The exercise of Nursing leadership begins with an understanding that leading means keeping the team members united in the quest for the accomplishment of professional goals. In the pioneer class entity for the representation of Brazilian Nursing – the Brazilian Association of Nursing (ABEn) – the advancement of the professional class was directly linked to the efforts of its leaders.

Objectives: To describe the exercise of leadership by nurse leaders of the ABEn.

Methodology: Documentary historical study, with a qualitative approach, on the leadership of the nurse leaders of the ABEn from 1926 to 1974. The primary sources were scientific publications of Brazilian journals, as well as case studies, biographies and obituaries of the nursing leaders.

Results: The analysis of the lives of these nurses allowed us to build the following outcome categories: preparation for leadership, ideological positioning of the leaders, exercise of leadership, and professional recognition of the leaders.

Conclusion: We conclude that the leaders had political power and working capacity. They were role models of dedication and firmness of conviction, with great capacity for coordination and political power. They did great things for nursing.

Keywords: history of nursing; leadership; nurses; biography

 

RESUMEN

Contexto: El ejercicio del liderazgo de enfermería comenzó con la comprensión de que liderar es mantener a los miembros del equipo unidos en la búsqueda de la realización de metas profesionales. En la entidad de clase pionera en la representación de la enfermería brasileña – la Asociación Brasileña de Enfermería (ABEn) – el ascenso de la clase profesional estaba directamente vinculado a los esfuerzos de sus líderes.

Objetivos: Describir el ejercicio del liderazgo de las enfermeras líderes de la ABEn.

Metodología: Estudio cualitativo, histórico documental, sobre el liderazgo de aquellas que actuaron en el período de 1926 a 1974 en la dirección de la ABEn. Las fuentes primarias fueron publicaciones científicas de las revistas brasileñas, así como estudios de casos, biografías y obituarios de la historia de las líderes de enfermería.

Resultados: El análisis de las historias de esas enfermeras permitió construir las siguientes categorías de resultados: preparación para el liderazgo, posicionamiento ideológico de las líderes, ejercicio del liderazgo y reconocimiento profesional de las líderes.

Conclusión: Las líderes tenían poder político y capacidad de trabajo, eran modelo de dedicación, tenían firmeza de convicción, gran capacidad de articulación y poder político, hicieron mucho por la enfermería.

Palabras clave: historia de la enfermería; liderazgo; enfermeras; biografía

 

Introdução

A entidade de classe pioneira na representação da enfermagem brasileira – a Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn) – completou 88 anos de existência em 2015 e, segundo Cabral e Almeida (2013), a sua trajetória contou com a atuação de dirigentes com grande capacidade de diálogo, articulação e liderança, o que propiciou a sua crescente participação na promoção do desenvolvimento científico e profissional da enfermagem no país. A ascensão da classe profissional estava diretamente ligada aos esforços desses dirigentes no século XX, que, nas suas atuações à frente da entidade, alcançavam, a partir da acumulação de ideias e continuidade dos planos de trabalho, grandes realizações em diferentes campos de atuação no Brasil (Carvalho, 2008).

A instituição em foco contou com personalidades de expressão, assim como ocorreu em diferentes agremiações similares noutros países. Por exemplo, Mariana Diniz de Sousa, em Portugal, marcou a sua presença na História da Enfermagem por meio da atuação em entidade de classe (Ordem dos Enfermeiros, 2015).

Dentre as transformações ocorridas na trajetória da ABEn, estão as diferentes denominações que a entidade recebeu no curso de 85 anos: Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED, 1926-1944), Associação Brasileira de Enfermeiras Diplomadas (ABED, 1944-1954) e Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn, de 1954 até os dias atuais; Cabral & Almeida, 2013), fato que denota o poder de articulação política das suas dirigentes. Essa atuação definiu um perfil de enfermeiras líderes capazes de desenvolver a gestão com espírito de inovação e empreendedorismo (Mendes & Marziale, 2003), firmeza de posição política, conhecimento e capacidade de lidar com problemas polémicos e controversos (Furukawa, 2009), além da comum preocupação de se unirem, mediante a participação em entidades de classe, para enfrentarem os desafios presentes nas profissões de enfermagem.

O exercício da liderança em enfermagem parte da compreensão de que liderar é manter os membros da equipa unidos através do diálogo (Sousa & Barroso, 2009), na busca pela realização dos objetivos profissionais. Nesse aspeto, percebe-se um paralelo com a atuação das antigas dirigentes da entidade citada, que procuravam fazer prosperar as ideias advindas de gestões anteriores, a fim de fortalecer as conquistas da classe. Assim, questiona-se: Como foi o exercício da liderança pelas dirigentes da ABEn?

Entendendo a necessidade de contribuir com as reflexões sobre a liderança na enfermagem brasileira, hoje construída sob um novo paradigma, e de participar na construção da sua prática, realizou-se o presente estudo, com o objetivo de descrever, no período de 1926 a 1974, o exercício da liderança por enfermeiras dirigentes da ABEn.

 

Metodologia

Estudo de natureza histórico documental, de abordagem qualitativa, sobre a liderança daquelas que atuaram, no período de 1926 a 1974, na direção da ABEn. As fontes primárias foram publicações científicas de periódicos brasileiros, muitas de autoria das próprias dirigentes, além de estudos de casos, biografias e obituários da história das líderes da enfermagem, sendo o texto mais antigo datado de 1958 e o mais atual de 2013. Como fontes secundárias foram utilizados livros, teses e dissertações que discorressem sobre o tema.

O recorte temporal do estudo foi desenhado entre 1926 e 1974, período que vai da fundação da entidade à sua consolidação, atestada pelo último mandato documentado em publicação oficial da ABEn. Foi nesse período que várias enfermeiras diplomadas atuaram em espaços diversos e se destacaram na instituição da enfermagem profissional no Brasil. Isso serviu de base para a escolha das enfermeiras aqui analisadas: Edith de Magalhaes Fraenkel, Hilda Anna Krisch, Zaira Cintra Vidal, Marina Bandeira de Oliveira, Waleska Paixão, Glete de Alcântara, Maria Rosa de Souza Pinheiro, Marina de Andrade Rezende, Clarice Della Torre Ferrarini, Circe de Melo Ribeiro e Amália Corrêa de Carvalho, que ocuparam o ponto máximo de direção da entidade no período estudado (Carvalho, 2008).

Os seguintes vocábulos foram selecionados, nos Descritores em Ciências da Saúde da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), e empregados na busca: História da Enfermagem, Liderança, Enfermeiras, Biografia, Enfermagem e Assistência de enfermagem. Além disso, foram utilizados outros termos adicionais conceptualmente essenciais para a pesquisa: lideres, líder e líder da equipe.

Os critérios de inclusão das fontes primárias foram: Ter sido escrito no idioma português, estar disponível na íntegra, em formato eletrónico ou impresso, armazenado em centros de pesquisa disponíveis para consulta e que discorressem sobre o exercício da liderança pelas enfermeiras dirigentes em questão.

O acesso às fontes que serviram de base para a pesquisa não necessita de prévia autorização do Comité de Ética em Pesquisa, como no caso de pesquisa com seres humanos e/ou animais, por se tratar de acesso online livre ou consulta a fontes publicadas.

Para a seleção dos artigos, foi realizada uma busca nas bases de dados Perienf da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) e nas que integram o portal BVS, além dos obtidos na biblioteca virtual Scientific Electronic Library Online (SCIELO). Em relação à localização dos textos, obteve-se o seguinte: 11 artigos (50%) foram localizados na base de dados Perienf, 10 (40,9%) na BVS (nas bases LILACS, MEDLINE, BDENF e Hisa) e um artigo (9,10%) na biblioteca SCIELO. A busca resultou, então, em 22 textos diferentes. Para seleção dos artigos duplicados considerou-se, como referência, a base de dados Perienf, por se tratar da base de dados que fornece artigos mais antigos, tão necessários à investigação histórica.

Os dados foram organizados e armazenados fisicamente em pastas, por ordem cronológica de data de publicação. Para organização da população do estudo, foi elaborada uma planilha no programa Microsoft Office Excel, com as seguintes variáveis: base de dados, título, periódico, ano em que o texto foi publicado, autor(es) e assuntos abordados em cada publicação.

As fontes de dados foram alcançadas na íntegra através de canais diferenciados. Os disponíveis apenas para fotocópia (cópias eletrostáticas ou digitalizadas) foram obtidos na Biblioteca Wanda de Aguiar Horta da Escola de Enfermagem da USP, totalizando 12 textos. Os outros 10 textos foram obtidos via rede mundial de computadores no formato PDF e impressos para facilitar a análise.

Para a análise dos dados segundo o método histórico, foi realizada a leitura repetida do material na íntegra e posterior enquadramento temático, sendo feito o agrupamento dos conteúdos por afinidade de temas, para construção das seguintes categorias de descrição: preparação para a liderança, papéis profissionais de liderança, caracterização do perfil das líderes, reconhecimento profissional das líderes e liderança na organização dos serviços de enfermagem.

A apresentação dos resultados e a discussão foram feitas, então, de forma descritiva e buscando responder à questão formulada no início do estudo. Todas as categorias foram explicadas à luz dos acontecimentos históricos e comparados com relatos do exercício da liderança pelas dirigentes da entidade ABEn.

 

Resultados e Discussão

Preparação para a Liderança

A formação das antigas dirigentes da ABEn ocorreu em renomadas escolas de enfermagem do país e do exterior, sendo que muitas delas usufruíram de bolsas de estudo concedidas pela Fundação Rockefeller, por meio do Serviço Internacional de Saúde, uma agência internacional que apoiava a organização de uma profissão capaz de associar educação e saúde (Moreira, 1999). Segundo Furukawa (2009), na ocasião, a Fundação Rockefeller ofereceu-lhes formação no exterior e havia, desde então, a pretensão de formá--las sob o paradigma do modelo anglo-americano de enfermagem desenvolvido nos Estados Unidos da América (EUA), e que se tornaria prevalente nas Américas.

Tal facto marcou a história da educação e preparação das antigas dirigentes da ABEn para atuação nos cargos de liderança, em vários espaços de saúde, após a formação em instituições de ensino como a Universidade de Toronto, no Canadá (Oguisso, 2002, 2003) e a Universidade de Filadélfia, nos EUA (Anónimo, 2002; Oguisso, Freitas, & Takashi, 2013), assim como após a realização de estágios e cursos financiados em renomadas instituições dos EUA (Borenstein, Padilha, Caetano, & Mancia, 2004) e França e Canadá, além de cursos de pós-graduação em Administração e Ensino de Enfermagem (Oguisso, 2002; Oguisso et al., 2013); em Nova Iorque, nos EUA, e titulação no nível de mestrado na Universidade de Columbia, nos EUA (Oguisso, 2002, 2003).

Esse fenómeno ocorreu principalmente a partir de 1922, com a criação do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de Saúde Pública, seguida da fundação da Escola Anna Nery (EEAN) em 1923, e se estendeu até o ano de 1933, com a criação da Escola de Enfermagem Carlos Chagas (EECC; Furukawa, 2009). Salienta-se o facto de que, entre 1920 e 1960, as enfermeiras que se destacavam no curso no Brasil ou nas suas atividades profissionais, eram também enviadas para estudar nos países citados, o que acontecia com o objetivo de se prepararem para a direção de escolas e serviços de enfermagem nos órgãos públicos de saúde, posições de maior responsabilidade e, gradativamente, irem substituindo as enfermeiras norte-americanas e europeias da Missão Técnica Americana (Carvalho, 2008).

Posicionamento Ideológico das Líderes

O perfil das antigas dirigentes da ABEn pode ser claramente descrito, visto existir envolvimento de características comuns nas suas personalidades profissionais e pessoais. A linguagem correta, clara, exigente e concisa na medida certa, uma personalidade ímpar, além de exemplo de simplicidade, refletia- -se na grandeza das ações de tais dirigentes (Secaf, 1988) que sempre foram referenciadas por uma vida profissional com muitas missões e trabalhos especiais (Oguisso, 2002), de grande envergadura para os quais foram convocadas e os quais desenvolveram com sucesso.

Apesar de muito esforço e dedicação terem sido necessários ao exercício da liderança em enfermagem, as antigas dirigentes, segundo Alcântara (1960), tinham a seu favor o seu perfil questionador, disciplinado, visionário e, além disso, eram detentoras da capacidade de criar oportunidades para manifestar os pontos de vista, em busca da construção da Enfermagem profissional. Muitas delas foram reconhecidas como grandes líderes da enfermagem brasileira, seja pela importante atuação política (Oguisso, 2002, 2003), como pela coragem, determinação, ousadia (Oguisso, 2002), inteligência, dedicação e inesgotável capacidade de trabalho. Sabiam expressar os pensamentos com clareza e de maneira lógica, apresentavam-se com muita lucidez, sabedoria e, sobretudo, demonstravam uma liderança segura e visionária (Borenstein et al., 2004).

O perfil das antigas personagens à frente da liderança da ABEn era dito visionário por valorizarem a importância de uma associação de classe para o desenvolvimento profissional; ativo por ajudarem, por exemplo, na organização de eventos científicos da enfermagem, como o 1º Congresso Brasileiro de Enfermagem; e, por fim, político por realizarem ações estratégicas com o Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil (Borenstein et al., 2004). O reflexo dessa liderança de sucesso estava vinculado ainda à capacidade de agregar a equipe em torno dos seus ideais, o que lhes permitiu exercer liderança de longa duração na história da enfermagem brasileira (ManciaI & PadilhaII, 2006). Dessa maneira, o poder de comunicação que as antigas dirigentes da ABEn possuíam, vinculado à capacidade de agir com objetividade em situações divergentes (Oguisso, 2003), construiu um perfil de liderança capaz de intermediar importantes conquistas para a enfermagem brasileira.

Reconhecimento Profissional das Líderes

O reconhecimento profissional das enfermeiras líderes significava a importância dos seus trabalhos em prol da categoria, a qual foi sendo alavancada visivelmente pela capacidade de articulação política expressa em conquistas para a categoria. Essas líderes estavam constantemente em busca da valorização e equiparação da profissão aos níveis de qualidade existentes na época e, devido à sua importante atuação, propiciaram, à Enfermagem, a possibilidade de se tornar uma profissão estruturada.

Naquela época, de acordo com Oguisso, Campos, e Santiago (2009), o reconhecimento era manifestado através de premiações, menções honrosas e entrega de títulos, como o prémio Enfermeira do Ano. Este prémio era uma homenagem oferecida às líderes de destaque como, por exemplo, àquela que rompeu com o ideário duplamente estigmatizado de enfermeira e professora, tornando-se uma mulher bem-sucedida profissionalmente, independente, defensora dos seus argumentos e da sua condição de mulher.

Desta forma, muitas antigas líderes dirigentes da ABEn conquistaram a menção honrosa deste prémio (Oguisso, 2003; Pinheiro, 1969; Alcântara, 1960; Oguisso et al., 2009; Ferrarini, 1968). Destaca-se que o 1º prémio Enfermeira do Ano foi oferecido em 1967 àquela líder que publicou diversos artigos, em periódicos nacionais e internacionais, recebendo vários prémios pelos seus trabalhos apresentados em eventos de enfermagem (Azevedo, Carvalho, & Gomes, 2009; Ferrarini,1968).

Outro reconhecimento foi a entrega do título de sócia honorária da Associação Nacional de Enfermeiras Diplomadas (ANED) à primeira enfermeira brasileira que era detentora de vasto capital cultural, semelhante ao das enfermeiras americanas, e capaz de alavancar o movimento feminista para a enfermagem brasileira (ManciaI & PadilhaII, 2006). O título de Doutor Honoris Causa, somente concedido pela EEAN, foi contemplado àquela que se dirigiu ao estado do Sergipe em prol de uma causa social e contribuiu com a criação de escolas, creches e hospitais, através da sua influência política (Azevedo et al., 2009). Esta foi uma das enfermeiras que exerceu exemplo de liderança à frente da ABEn.

Exercício da Liderança

Os papéis profissionais de liderança das antigas dirigentes da ABEn foram de grande importância para a consolidação da enfermagem profissional. Dentre estes destacou-se a atuação na 1ª Presidência do Conselho Federal de Enfermagem (COFEN; Oguisso, 2003), o apoio para a realização do 1º Congresso Brasileiro de Enfermagem (CBEn; Oguisso, 2002; Oguisso et al., 2013), sendo que de, 1969 a 1971 ocorreram o XXI, XXII, XXIII e XXIV CBEn, nas cidades de Porto Alegre, São Paulo, Manaus e Belo Horizonte, respetivamente (Carvalho, 2008).

Em relação ao exercício da liderança, houve ainda empenho no planeamento, organização, execução e conclusão do Levantamento de Recursos e Necessidades de Enfermagem no Brasil, primeira pesquisa realizada com uma metodologia científica na enfermagem brasileira (Oguisso, 2002, 2003).

No período estudado observou-se que as primeiras enfermeiras diplomadas brasileiras passaram a assumir a liderança da profissão, atuando em espaços diversos como associações, assistenciais e governamentais. Há relatos descritos por Ribeiro (1965) referindo que uma das antigas dirigentes da ABEn dizia ser o trabalho da liderança efetiva da equipa de enfermagem dependente da disponibilidade da enfermeira e da diminuição das tarefas burocráticas.

Percebe-se que o trabalho administrativo das enfermeiras nas instituições de saúde tinha grande valor e que se repercutiu na implantação do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) e da Escola de Enfermagem da USP, na atuação das líderes enquanto assistentes da Subdivisão de Enfermagem dessa instituição e, posteriormente, em cargos de chefia da Subdivisão de Enfermagem (Pinheiro, 1969; Borenstein et al., 2004).

O posicionamento político das líderes da época permitiu que a lei que estabelecia o enfermeiro como profissional técnico-científico de nível superior, no Serviço Público Federal, fosse sancionada, bem como alavancou a enfermagem à categoria de nível universitário, com remuneração condizente (Carvalho, 2008; Azevedo et al., 2009).

Neste contexto, a consolidação da enfermagem profissional era alvo destas líderes por considerarem que, para a profissão se estabelecer, deveria haver escola, associação e revista. Assim, há relatos de que, no mandato de uma das dirigentes da ABEn, em 1971, foram reiniciadas gestões para a formação de outras associações profissionais.

As líderes também participaram de modo preponderante e ativo na criação, implantação e direção da ABEN. Uma delas, inclusive, citada por Carvalho (2008), foi indicada, em 1947, a representar a entidade na comissão designada para estudar os problemas de enfermagem no Brasil.

Pensando ainda em estabelecer a profissão, atuaram na idealização da Revista Anais de Enfermagem e, em 1966, foi instituído o fundo Marina de Andrade Rezende para auxílio financeiro à Revista Brasileira de Enfermagem (Carvalho, 2008). Outro aspeto do exercício da liderança pode ser observado no planeamento de cursos de graduação e pós-graduação, sendo que uma delas também participou em assessorias, junto ao Ministério de Saúde de Portugal, para implantação de cursos de pós-graduação para enfermeiros nesse país (ManciaI & PadilhaII, 2006; Oguisso et al., 2009).

A visão da necessidade de formar profissionais capacitados e especializados no trabalho em enfermagem repercutiu também na História da Enfermagem em Portugal, pois há relatos da preocupação em relação à falta de harmonia entre os currículos de formação dos enfermeiros que ingressavam, sem preparação e sem habilitações necessárias ao exercício da profissão, na época. Além disso, a criação e existência de uma revista foi uma questão visionária neste país, pois, de acordo com Rodrigues e Louçano (2014), já em 1929 havia publicação quinzenal de uma revista denominada O Enfermeiro Português.

No contexto do ensino da enfermagem brasileira, houve ainda outro tipo de manifestação do exercício da liderança. Uma delas dirigiu interinamente o Departamento Nacional de Saúde Pública e criou a Escola Rachel Haddock Lobo, enquanto outras assumiram cargos de vice-direção e/ou direção da atual Escola de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo (EEUSP), a qual teve as suas bases alicerçadas também pelo trabalho dessas líderes (Oguisso, 2002; Alcântara, 1960; Oguisso et al., 2009).

Diferentes segmentos dos serviços de saúde brasileiros, órgãos públicos e entidades receberam contribuição através do exercício da liderança das antigas dirigentes da ABEn, como por exemplo, o Ministério da Saúde, a Superintendência do HCFMUSP, e a própria ABEn durante a criação da Seção Belo Horizonte e Seção São Paulo (Ferrarini, 1968; Oguisso et al., 2013). Nesse período, outra líder também se destacou no campo da educação, na Escola de Enfermagem Anna Nery, e logo foi nomeada, pelo presidente do país, como diretora de tal instituição, momento em que a escola foi definida como padrão (Azevedo, et al., 2009) para as demais. Em 1971, no mandato de uma das dirigentes da ABEn, estudo de um novo projeto de currículo mínimo foi encaminhado ao Conselho Federal de Educação, dando origem ao Parecer 163/72 (Carvalho, 2008), que regeu o ensino de Enfermagem até 1994.

Muitas outras conquistas descritas por ManciaI e PadilhaII (2006), como o título de sócia honorária da entidade, o exercício do cargo de instrutora na Escola de Enfermagem Anna Nery, bem como a incorporação dessa à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foram méritos obtidos por uma das antigas dirigentes da ABEn.

 

Conclusão

A partir de reflexões sobre o percurso traçado pelas dirigentes para atingir importantes cargos de articulação política, e ao desvelar a ideologia por elas defendida na busca da profissionalização da enfermagem – criar escolas de qualidade, associações representativas da classe e revistas científicas – este estudo permitiu compreender melhor a trajetória histórica do exercício da liderança.

Concluiu-se que as líderes tinham poder político, grande capacidade de trabalho, envolvimento com a ação educadora e eram modelo de dedicação e firmeza de convicção, além de estarem comprometidas com a defesa da classe. Dentre as características pessoais e profissionais evidentes no exercício da liderança das dirigentes da enfermagem brasileira estavam: o uso de uma linguagem correta, clara, concisa e exigente; a personalidade ímpar; a simplicidade na grandeza das ações; o perfil questionador, disciplinado, visionário, além de uma visão prospetiva e capacidade de criar oportunidades. As dirigentes da ABEn tinham grande atuação política, determinação, ousadia, inteligência, dedicação e capacidade de trabalho. Sabiam expressar os pensamentos críticos com clareza e lógica, lucidez, clarividência e sabedoria, exercendo sempre uma liderança segura, visionária e livre de divagações.

O estudo envolvendo importantes líderes dirigentes da entidade de classe – considerados legítimos estudos de caso na história da liderança em Enfermagem – pode contribuir com a construção de novos conhecimentos ao subsidiar a modulação do comportamento de grupos profissionais por meio da correlação desta vivência entre o passado e o presente da enfermagem.

 

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Recebido para publicação em: 05.08.15

Aceite para publicação em: 06.01.16

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