Introdução
A artrite reumatóide (AR) é uma doença inflamatória crónica, autoimune e multissistémica, que causa sintomas como dor, rigidez articular, edema articular e deformidades, bem como alterações no estado de ânimo, incluindo fadiga e depressão (Shin, 2020), que leva a limitações significativas, que tornam simples atividades da vida diária em verdadeiros desafios (Shao et al., 2020), disruptivos da vivência familiar, societária, autoconceito e estados de ânimo (Ribeiro et al., 2020). As atividades de autocuidado aliviam os sintomas e as complicações das doenças, reduzem o tempo de recuperação e reduzem a taxa de hospitalização e re-hospitalização (Santos et al., 2017).
A monitorização e gestão da qualidade de vida nas pessoas com AR é um desafio para a própria redução do impacto causado pela doença.
A investigação conduzida concorre para a caracterização da população-alvo do estudo e assume-se como um determinante de suporte à construção de intervenções eNURSING, previstas num estudo mais amplo que esta integra.
O objetivo deste estudo consiste em avaliar a relação da autonomia funcional com a qualidade de vida (QDV) em pessoas com AR assistidas na consulta de reumatologia de uma unidade hospitalar da zona norte de Portugal.
Enquadramento
A AR é uma doença autoimune, crónica, progressiva e potencialmente incapacitante (Sousa et al., 2017). As causas são ainda desconhecidas, contudo, sendo de origem autoimune, ocorre uma desregulação do sistema imunitário, havendo uma reação deste contra as estruturas do próprio indivíduo (Figueiredo & Martins, 2016), que no caso específico da AR, tem como principal alvo o tecido sinovial. Segundo a Sociedade Portuguesa de Reumatologia (SPR), numa fase inicial esta patologia provoca inflamação das articulações periféricas, nomeadamente, nas articulações das mãos e dos pés. À medida que a doença progride, mais articulações podem inflamar, incluindo ombros, cotovelos, ancas e joelhos, levando à destruição do tecido articular e periarticular (Rocha, 2019), o que pode originar deformidades. Estas deformidades provocam assimetria, causando um impacto significativo na autonomia funcional, independência e na qualidade de vida do doente (Figueiredo & Martins, 2016).
A AR afeta 0,5% da população adulta no mundo, apresentando uma prevalência em Portugal de 0,7% (Sousa et al., 2017), sendo duas a quatro vezes mais incidente nas mulheres do que nos homens, com o pico da ocorrência a registar-se após a menopausa. Importa notar que, ainda assim, em todas as idades pode-se desenvolver a doença, incluindo na adolescência (Figueiredo & Martins, 2016). A sua apresentação clínica é muito heterogénea e sistémica, não se circunscrevendo apenas à inflamação articular, apresentando sintomas como dor, fadiga, rigidez matinal, perda de força muscular, perda da amplitude de movimento das articulações, alterações na qualidade do sono, ou depressão (Sousa et al., 2017), que impactam significativamente a qualidade de vida destas pessoas, o que obriga à integração e desenvolvimento de comportamentos promotores do autocuidado, para melhorar a qualidade de vida (Ribeiro et al., 2020).
A autonomia funcional pode ser compreendida sob três aspetos: autonomia de ação, autonomia de vontade e autonomia de pensamento. Na presente investigação foi avaliada na primeira aceção, relacionada com a independência física ou capacidade de realização de tarefas do dia-a-dia (Bravo et al., 2018), aqui percebido como autocuidado.
Conceptualmente, o autocuidado foi definido por Orem como uma função desempenhada pelas próprias pessoas ou outros que a executem por ela, com vista à manutenção da vida, saúde e bem-estar (Orem, 2001).
As limitações vivenciadas pelas pessoas com AR refletem efeitos psicológicos e sociais, incluindo interrupções na capacidade de trabalho, papéis sociais e dependência, que comprometem o funcionamento familiar, as atividades de vida diária (AVD’s), o autoconceito e o humor, levando ao sofrimento psicológico (Ribeiro et al., 2020).
Nesse sentido, é importante que o autocuidado e a autogestão façam parte da vida diária destes doentes, envolvendo atividades intencionais para prevenir ou limitar doenças e retardar a sua progressão (Ribeiro et al., 2020). A SPR (2019), recomenda exercícios como exercício aeróbio de baixo impacto, exercícios de flexibilidade e mobilização das mãos, pés, membros superiores e membros inferiores, pois são uma forma de melhorar a amplitude de movimento das articulações e aliviar a dor. Por outro lado, deve ser evitada a exposição a temperaturas extremas, utilizando roupas apropriadas à temperatura ambiente ou recorrendo a equipamentos de controlo da temperatura ambiente, bem como manter o peso corporal dentro de valores normais, pois excesso de peso é uma situação que provoca uma sobrecarga nas articulações, agravando as queixas e limitando a atividade física.
Devido ao significativo impacto causado na vida da pessoa com AR, é importante entender, avaliar, monitorizar e intervir ativamente, com recurso a diversos instrumentos que permitem determinar o diagnóstico, o grau de atividade da doença, as necessidades afetadas e a eficácia da terapêutica. Assim, poder-se-á direcionar intervenções adequadas e recomendadas, contribuindo para uma melhor qualidade de vida, cujo conceito é amplo e complexo, centrado em diversos determinantes como a saúde física e psicológica, grau de independência, interações sociais, crenças pessoais e ambiente, podendo ser definida como a perceção que a pessoa tem sobre a sua índole, conduta de vida, objetivos e apreensões (Martinec et al., 2019).
Questão de investigação
Qual a relação entre a autonomia funcional e a QDV em pessoas com AR assistidas na consulta de reumatologia de uma unidade hospitalar da zona norte de Portugal?
Metodologia
Foi realizado um estudo descritivo, analítico-correlacional, conduzido segundo um enfoque transversal, com uma amostra não probabilística, por conveniência, de 139 pessoas com AR, acompanhadas na consulta de reumatologia de uma unidade hospitalar da zona norte de Portugal, entre fevereiro e março de 2020, agregado a uma investigação mais ampla, denominada “Desenvolvimento e Viabilidade de uma Intervenção eNURSING com Pessoas com Artrite Reumatóide: Continuidade de Cuidados”, cujo desenho metodológico segue o quadro do Medical Research Council (MRC) para intervenções complexas (Craig et al., 2008; Bleijenberg et al., 2018), integrando o primeiro passo do quadro metodológico, nomeadamente, modelar componentes da intervenção e definir resultados.
As variáveis sociodemográficas, bem como a autonomia funcional e a qualidade de vida, foram avaliadas através da aplicação de um questionário sociodemográfico ad hoc e de escalas: Escala Health Assessment Questionnaire (Santos et al., 1996): permite avaliar a autonomia funcional, enquanto autonomia de ação, autocuidados. Baseia-se em oito categorias de atividades (vestir-se, levantar-se, comer, deambular, higiene pessoal, alcançar, agarrar e outras atividades) constituído por 20 questões. O índice de incapacidade (ID) resultante da escala anterior, é sustentado pela resposta, por parte do doente, a cada uma das questões, onde é atribuído um grau de dificuldade (com três opções de resposta): 0 - sem qualquer dificuldade; 1 - com alguma dificuldade; 2 - com muita dificuldade; 3 - incapaz de o fazer. O score final é obtido mediante a média das pontuações para as oito categorias. Assim, um score entre 0 e 1 indica um ID leve, entre 1 e 2 um ID moderado e entre 2 e 3 ID elevado. Quanto mais baixo for o score, maior será a autonomia funcional da pessoa com AR.
Questionário EQ-5D - Avaliação de Ganhos em Saúde, versão portuguesa, 1997, 2013, EQ-5D v2 (Grupo EuroQoL, 1987, validada pelo Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra). Este questionário contribui para a avaliação da qualidade de vida, permitindo a junção de duas componentes essenciais de qualquer medida da mesma, relacionada com a saúde, a ser usada em avaliações económicas de custo-utilidade: (a) um perfil descrevendo o estado de saúde em termos de domínios ou dimensões; (b) um valor numérico associado ao estado de saúde anteriormente descrito (Ferreira et al., 2014). O sistema classificativo que descreve a saúde em cinco dimensões: Mobilidade, Cuidados pessoais, Atividades habituais, Dor/mal-estar e Ansiedade/depressão. Cada uma destas dimensões tem três níveis de gravidade associados, correspondendo a: sem problemas (nível 1), alguns problemas (nível 2) e problemas extremos (nível 3) vividos ou sentidos pelo indivíduo. Neste sentido, este sistema permite descrever um total de 35 = 243 estados de saúde distintos. Também é solicitado ao respondente que registe a avaliação que faz do seu estado de saúde em geral numa escala visual analógica de 0 (pior estado de saúde imaginável) a 100 (melhor estado de saúde imaginável) denominada frequentemente por termómetro EQ-VAS.
Foram obtidos pareceres favoráveis das Comissões de Ética da Escola Superior de Saúde de Viseu, e da unidade hospitalar onde foi realizado o estudo (n.º de referência 03/20/05/2019), bem como a autorização para a realização da recolha de dados por parte do seu Conselho de Administração. Os direitos de autodeterminação, intimidade, anonimato e confidencialidade foram garantidos, envolvendo a assinatura, por parte de todos os participantes, de um consentimento informado, esclarecido e livre.
A informação constante dos instrumentos de recolha de dados (questionário e escalas) foi codificada para posterior tratamento estatístico, mediante a utilização do IBM SPSS Statistics, versão 24.0.
Na análise dos dados, com recurso à estatística descritiva, determinaram-se frequências absolutas e percentuais, algumas de localização (médias) e medidas de variabilidade (coeficiente de variação e desvio-padrão). Recorreu-se ao teste de qui-quadrado de independência e de Fisher, no caso das variáveis categoriais.
O estudo da associação entre a qualidade de vida e a autonomia funcional foi realizada através da análise de variância (ANOVA).
Considerou-se estatisticamente significativo um p < 0,05.
Resultados
A amostra do presente estudo foi constituída por 139 pessoas com AR, sendo a maioria por pessoas do sexo feminino (79,86%; n = 111), com idades compreendidas entre os 26 e os 85 anos, com uma média de idades de 63,05 anos (DP = 12,241), com uma dispersão moderada em torno da média (CV = 19,4%). A maioria dos participantes da amostra partilhavam uma vida conjugal (69,1%; n = 96), residiam em meio rural (79,1%; n = 110) e eram praticantes de uma religião (88,5%; n = 123) e 61,9% (n = 86) frequentaram a escola até à 4ª classe. Verificou-se ainda que 58,3% (n = 81) se encontra em situação de reforma ou desemprego, classificados como não ativos profissionalmente (7,2% homens e 51,1% mulheres) e 41,7% (n = 58) permaneciam no ativo.
O estudo da autonomia funcional, suportado pelo Health Assessment Questionnaire, demonstra que os itens onde as pessoas com AR manifestam incapacidade para realizar determinada atividade são “Alcançar e trazer até si um objeto de 2,5kg colocado numa prateleira acima da sua cabeça” (12,9%; n = 18), seguido dos itens relativos às atividades “Abrir a tampa de frascos que já tenham sido abertos” (5,8%; n = 8) e “Abrir pela primeira vez um pacote de leite de cartão” (5,8%; n = 8) e por último “Fazer compras e recados” (4,3%; n = 6). Os doentes com AR manifestaram que “Subir 5 degraus” se constituiu como uma atividade que implica grande dificuldade para a sua execução (23,0%; n = 32). De salientar ainda que 44,6% (n = 62) apresentaram alguma dificuldade em “Vestir-se, incluindo abotoar a roupa e atar os sapatos”. Em contrapartida, nos itens “Levar à boca um copo ou chávena cheios” e “Abrir e fechar torneiras”, as pessoas com AR não manifestaram qualquer dificuldade, com valores percentuais de 63,3% (n = 88) e 60,4% (n = 84), respetivamente (Tabela 1).
Variáveis | Sem qualquer dificuldade | Com alguma dificuldade | Com muita dificuldade | Incapaz de fazer | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Vestir | ||||||||
Vestir-se incluindo abotoar a roupa e atar os sapatos | 59 | 42,4 | 62 | 44,6 | 18 | 12,9 | 0 | 0,0 |
Lavar o cabelo | 67 | 48,2 | 53 | 38,1 | 18 | 12,9 | 1 | 0,7 |
Levantar | ||||||||
Erguer-se de uma cadeira | 62 | 44,6 | 56 | 40,3 | 20 | 14,4 | 1 | 0,7 |
Deitar-se e levantar-se da cama | 61 | 43,9 | 60 | 43,2 | 17 | 12,2 | 1 | 0,7 |
Comer | ||||||||
Cortar a carne | 50 | 36 | 58 | 41,7 | 27 | 19,4 | 4 | 2,9 |
Abrir pela primeira vez um pacote de leite de cartão | 57 | 41 | 46 | 33,1 | 28 | 20,1 | 8 | 5,8 |
Levar à boca um copo ou chávena cheios | 88 | 63,3 | 42 | 30,2 | 9 | 6,5 | 0 | 0,0 |
Deambular | ||||||||
Caminhar fora de casa em terreno plano | 71 | 51,1 | 50 | 36 | 16 | 11,5 | 2 | 1,4 |
Subir 5 degraus | 53 | 38,1 | 52 | 37,4 | 32 | 23 | 2 | 1,4 |
Higiene Pessoal | ||||||||
Lavar e limpar todo o corpo | 67 | 48,2 | 56 | 40,3 | 15 | 10,8 | 1 | 0,7 |
Tomar banho | 66 | 47,5 | 57 | 41 | 14 | 10,1 | 2 | 1,4 |
Sentar-se e levantar-se da sanita | 67 | 48,2 | 54 | 38,8 | 16 | 11,5 | 2 | 1,4 |
Alcançar | ||||||||
Alcançar e trazer até si um objeto de 2,5kg colocado numa prateleira acima da sua cabaça | 42 | 30,2 | 48 | 34,5 | 31 | 22,3 | 18 | 12,9 |
Curvar-se e apanhar roupas caídas no chão | 55 | 39,6 | 53 | 38,1 | 26 | 18,7 | 5 | 3,6 |
Agarrar | ||||||||
Abrir as portas de um carro | 75 | 54 | 50 | 36 | 9 | 6,5 | 4 | 2,9 |
Abrir a tampa de frascos que já tenham sido abertos | 57 | 41 | 56 | 40,3 | 18 | 12,9 | 8 | 5,8 |
Abrir e fechar torneiras | 84 | 60,4 | 42 | 30,2 | 12 | 8,6 | 1 | 0,7 |
Outras Atividades | ||||||||
Fazer compras e recados | 64 | 46 | 46 | 33,1 | 22 | 15,8 | 6 | 4,3 |
Entrar e sair de um carro | 63 | 45,3 | 54 | 38,8 | 19 | 13,7 | 2 | 1,4 |
Fazer a lida da casa (por ex. aspirar o pó, varrer ou fazer jardinagem) | 53 | 38,1 | 56 | 40,3 | 26 | 18,7 | 4 | 2,9 |
Após análise das atividades que requerem apoio, apurou-se que a atividade “Lida doméstica e compras” é aquela na qual os doentes com AR necessitam de um maior apoio (35,3%; n = 9), seguidas das atividades “Agarrar e abrir objetos” (27,3%; n = 38) e “Alcançar objetos” (24,5%; n = 34). Os apoios ou instrumentos mais utilizados dizem respeito aos “auxiliares para se vestir” (12,9%; n = 18), “adaptações com pegas longas para a higiene pessoal” (9,4%; n = 13), “pegas na banheira” com 8,6% (n = 12), e 7,9% (n = 11) dos doentes utilizam a “muleta ou canadiana” na sua deambulação e fizeram “adaptações nas suas casas ou seus utensílios”.
Para avaliar a qualidade de vida recorreu-se, como já descrito, à Escala EQ-5D. O estado de saúde das pessoas com AR foi explorado de duas formas. Na primeira fase foi solicitado aos inquiridos que localizassem o seu estado de saúde no dia, através de uma escala (EQ VAS) em que o 0 corresponde ao pior estado de saúde imaginado e 100 ao melhor estado de saúde imaginado, tendo sido apurado um valor médio na amostra de 60,25 ± 24,86 mm. Na segunda fase foram avaliadas as cinco dimensões que integram a referida escala, verificando-se que a Dor/mal-estar foi a que mais problemas suscitou (51,8% alguns problemas e 12,9% problemas extremos), contribuindo assim para a diminuição da qualidade de vida da pessoa com AR. Nas restantes dimensões obteve-se maioritariamente o nível 1, correspondendo a sem problemas. Verificou-se ainda que na amostra das pessoas com AR, foram poucas as que referiram problemas extremos. Assim sendo, a grande maioria apresentou nenhuns ou alguns problemas (Tabela 2).
Dimensões | Sem problemas | Alguns Problemas | Problemas extremos | |||
---|---|---|---|---|---|---|
N | % | n | % | n | % | |
Mobilidade | 76 | 54,7 | 59 | 42,4 | 4 | 2,9 |
Cuidados pessoais | 83 | 59,7 | 51 | 36,7 | 5 | 3,6 |
Atividades habituais | 73 | 52,5 | 59 | 42,4 | 7 | 5 |
Dor/mal-estar | 49 | 35,3 | 72 | 51,8 | 18 | 12,9 |
Ansiedade/depressão | 95 | 68,3 | 36 | 25,9 | 8 | 5,8 |
A maioria da amostra usufrui de uma razoável qualidade de vida (90,6%; n = 126), sendo que 9,4% (n = 13) das pessoas com AR refere ter fraca qualidade de vida. Das mulheres, 72,7% (n = 101), face a 18,0% (n = 25) dos homens, apresentaram uma razoável qualidade de vida. Do total da população estudada ninguém apresentou um índice compatível com saúde perfeita.
Avaliada a autonomia funcional encontrou-se o valor médio de 1,029, correspondente a uma incapacidade moderada, apresentando 48,9% leve incapacidade, logo mais autonomia funcional, 43,2% moderada incapacidade e 7,9 elevada incapacidade.
Verificou-se ainda que, à medida que diminui a incapacidade funcional, aumenta a qualidade de vida das pessoas com AR, com evidências estatísticas altamente significativas (F = 38,116; ( = 0.00; Tabela 3).
QDV | (In)Capacidade Funcional | Incapacidade Leve (n = 68) | Incapacidade Moderada (n = 60) | Incapacidade Elevada (n = 11) | Anova F | p |
---|---|---|---|---|---|---|
OM | OM | OM | 38,116 | 0,00 | ||
93,91 | 49,81 | 32,32 |
Nota. QDV = qualidade de vida; F = Teste de Fisher; p < 0,05 = diferença estatisticamente significante; p ≥ 0,05 = diferença estatística não significativa.
Do score das oito dimensões avaliadas (Vestir, Levantar, Comer, Deambular, Higiene pessoal, Alcançar, Agarrar e Outras atividades), apurou-se que apenas a Higiene pessoal, o Deambular e o Comer predizem a qualidade de vida das pessoas com AR, explicando 54% da sua variância (Figura 1).
Discussão
A AR acomete implicações físicas, psicológicas e sociais importantes que se associam a um declínio da autonomia funcional e da qualidade de vida (Branco et al., 2016). O presente estudo, com o objetivo de avaliar a autonomia funcional, a qualidade de vida em pessoas com AR, e a relação entre as mesmas, mostrou que a sintomatologia da patologia se associa não apenas a uma deterioração física, mas também é igualmente impactante e com prejuízo na saúde emocional e psicológica, logo na qualidade de vida. Os resultados obtidos declaram que a amostra é constituída maioritariamente por mulheres com uma média de idade de 65,46 anos, condizente com outros estudos (Branco et al, 2016, Cunha et al., 2016, Santos et al., 2019).
As implicações nosológicas decorrentes da AR, de que é exemplo a dor, produzem efeito na diminuição da autonomia funcional, o que se traduz, inevitavelmente, num importante impacto na qualidade de vida e esperança média de vida (Branco et al., 2016).
A autonomia funcional da nossa amostra apresenta-se moderadamente preservada, uma vez que 48,9% apresentava incapacidade leve e 43,2% moderada, resultados semelhantes aos relatados noutras investigações (Santos et al., 2019).
Apurou-se que alguns dos doentes com AR apresentavam incapacidade em desenvolver atividades como alcançar e agarrar objetos, fazer compras e recados. Identificou-se, ainda, muita dificuldade por parte dos doentes em promover atividades de vida diárias (AVD’s) absolutamente determinantes no quotidiano do ser-humano, em particular nas atividades como comer, deambular, vestir e despir, levantar e higiene pessoal. A impossibilidade destas pessoas realizarem AVD’s, resultantes, entre outros, do processo doloroso da própria doença, repercute-se na sua capacidade de autocuidado.
Por outro lado, constata-se que a utilização de instrumentos no quotidiano facilita estas pessoas no desempenho das AVD’s, promovendo a independência, a mobilidade e o atraso da progressão da doença. Pessoas com AR tendem a sentir maiores dificuldades na realização de atividade física, todavia, a sua realização é responsável por benefícios no controlo dos sintomas da sua patologia (Santana, 2014). Além disso, tendem a ser fisicamente menos ativos que a população saudável, sendo que com um estilo de vida sedentário, aliado ao processo da sua patologia, tendem a ter uma maior perda de massa muscular e acumular maiores quantidades de gordura visceral, o que pode levar a um aumento da inflamação sistémica com a possibilidade de originar diversos problemas inflamatórios (Santana, 2014).
As pessoas com AR, alvo do estudo, que apresentam mais autonomia funcional, são também aquelas que pontuam com uma melhor qualidade de vida, com evidência significativa (F = 38,116; ( = 0.00). O estudo da qualidade de vida patenteia que 90,6% pontua como razoável e apenas 9,4% fraca, salientando que ninguém apresentou um índice compatível com saúde perfeita. Estes resultados vêm corroborar a premissa de que a incapacidade funcional na realização dos autocuidados influencia negativamente o estado de saúde/qualidade de vida das pessoas com AR (Katchamart, 2019).
Apesar da maioria dos estudos encontrados apontarem para uma tendência de relação positiva da autonomia funcional com a qualidade de vida, os participantes pontuam com baixos níveis de qualidade de vida (Seca et al., 2019).
A elevada percentagem de qualidade de vida razoável presente na nossa amostra pode dever-se ao facto de a idade média dos participantes ser superior a 65 anos, o que poderá explicar a aceitação da sua condição e a aquisição de estratégias ao longo da vida, que lhes permite lidar com as suas limitações.
Os fatores preditivos de qualidade de vida são por isso cruciais na abordagem por parte dos serviços e profissionais de saúde na gestão da atividade da doença. Importa referir que a promoção da saúde absorve especial importância para potenciar a capacidade de o doente lidar com o seu processo de doença, destacando-se entre outros, o nível de literacia existente, que quando elevada se associada a scores mais baixos na escala Health Assessment Questionnaire, ou seja, a uma maior autonomia funcional (Branco et al., 2016).
A educação do doente/cuidador, o alívio dos sintomas associados à patologia, a redução da incapacidade, diminuição da progressão da doença e promoção da saúde física e mental constituem pilares essenciais de uma prática científica da enfermagem holística contemporânea. Daqui se infere que, para a eficaz e eficiente gestão do tratamento da AR, concorre a singular missão da enfermagem, elo facilitador e promotor do autocuidado, determinante essencial ao bem-estar da pessoa (Ribeiro et al., 2020).
Não obstante o presente estudo contribuir para o desenvolvimento do conhecimento existente sobre o impacto da AR na qualidade de vida das pessoas que padecem desta patologia, reconhecem-se como limitações desta investigação a amostra ser circunscrita a uma região específica de Portugal e o espaço temporal dedicado à recolha de informação, devido à pandemia existente, limitar o N amostral (139).
Acreditamos que o alargamento, no futuro, do número de participantes pode contribuir para a otimização dos resultados.
Pela positiva, salienta-se a taxa de adesão ao estudo de 80% dos utentes, bem como o concomitante diagnóstico de necessidades de cuidados durante o processo investigativo, o que originou o encaminhamento/referenciação de doentes e a antecipação da consulta, obtendo-se, por esta via, ganhos em saúde.
Conclusão
Em síntese, enuncia-se que a autonomia funcional se revelou como preditora da qualidade de vida, associando-se positivamente a esta, mais concretamente nas dimensões Comer, Deambular e Higiene pessoal.
A qualidade de vida, relacionada com a saúde, apresenta-se como um conceito amplo e complexo, centrado na saúde física e psicológica, grau de independência, interações sociais, crenças pessoais e ambiente, pelo que, apesar do impacto negativo que a perda de autonomia funcional das pessoas com AR possa ter na qualidade de vida da pessoa afetada, o desenvolvimento de estratégias de tratamento que melhorem de forma importante o seu quotidiano, assegurando um controlo mais eficaz da doença, assomam-se como primordiais.
Destaca-se, da mesma forma, a necessidade de se construírem intervenções de enfermagem dirigidas e ajustadas à pessoa com AR, de modo a promover a sua autonomia funcional e qualidade de vida. As entidades nosológicas em análise devem, igualmente, ser consideradas aquando do planeamento de ações educativas/formativas da pessoa, da família/cuidador e dos profissionais de saúde.
Como linhas para futura investigação, emerge auditar as práticas clínicas, avaliar a continuidade dos cuidados, envolver a academia e a comunidade terapêutica na monitorização das necessidades e satisfação dos utentes.