Introdução
A doença provocada pelo novo coronavírus SARS-COV-2, conhecida por COVID-19, rapidamente se configurou como um problema de saúde pública a nível mundial, assumindo a situação de pandemia.
São muitos os desafios e mudanças impostos pela COVID-19, nomeadamente a imposição do isolamento social.
Os estudantes do ensino superior, nomeadamente os de enfermagem, passaram a ter aulas online e viram-se confrontados com a cessação dos ensinos clínicos. Estas súbitas mudanças de hábitos e rotinas, a restrição de contactos sociais, o ter que lidar com o medo de ficar infetado ou de contaminar os entes queridos, o ser capaz de gerir os desafios do ensino à distância, acionam diversos mecanismos de coping, podendo estes ser ou não promotores do bem-estar psicológico dos estudantes. O objetivo deste estudo foi analisar a relação entre as estratégias de coping utilizadas e o bem-estar psicológico em estudantes de enfermagem durante a quarentena pela COVID-19, com a finalidade de identificar a necessidade de implementação de estratégias promotoras da saúde mental.
Enquadramento
Nos últimos meses tem-se intensificado a produção científica em torno dos efeitos da pandemia e do seu consequente isolamento sobre os diferentes aspetos da saúde dos indivíduos. Atualmente, quando nos referirmos à saúde mental, há uma tendência em centrarmo-nos em conceitos positivos que lhe estão associados, como por exemplo o da felicidade ou do bem-estar psicológico. Este, pode ser considerado como uma experiência subjetiva e individual, que se constrói ao longo do ciclo de vida da pessoa, podendo traduzir-se por um estado de satisfação global das necessidades pessoais, da satisfação com a vida, a vivência das emoções e a capacidade de mudança/adaptação contínuas (Nogueira & Sequeira, 2020). De acordo com os valores humanistas, o indivíduo tem capacidade para identificar o quanto se sente satisfeito ou feliz, bem como os recursos psicológicos que tem ao ser dispor (Monteiro et al., 2012).
A situação pandémica pode ser considerada uma situação potencialmente desencadeadora de stress, ameaçando o bem-estar psicológico dos indivíduos (Afonso, 2020; Bao et al., 2020; Pestana et al., 2020; Sáez Alvarez et al., 2020). O impacto psicológico pode ser substancial e duradouro (Brooks et al., 2020) e levar a consumos abusivos, stress e depressão (Wu et al., 2008). A apreciação que cada indivíduo faz desta situação stressante irá desencadear um processo de ajustamento individual, denominado habitualmente como coping (Silva et al., 2020). O conjunto de estratégias direcionadas para a gestão do stress, utilizadas de forma repetida, por cada indivíduo, constituem o estilo de coping (Pais-Ribeiro & Rodrigues, 2004).
A quarentena está repleta de situações de incerteza, de perceção de falta de segurança e medo (Afonso & Figueira, 2020). A abundância de informação nos diferentes meios de informação digital, as dificuldades económicas com a taxa de desemprego a aumentar em todo o mundo, a dificuldade em aceder aos recursos de saúde especializados e os comportamentos sociais negativos vão influenciar negativamente a saúde mental das pessoas (Afonso & Figueira, 2020), em especial as mais vulneráveis.
Sabe-se que os estudantes do ensino superior são vulneráveis a um leque alargado de ameaças do seu bem-estar (Monteiro et al., 2012; Nogueira & Sequeira, 2020). No caso concreto dos estudantes de enfermagem portugueses, há evidência de que, apesar de apresentarem um estilo de vida muito bom, têm alterações do sono e baixa capacidade para gerir o stress (Ferreira et al., 2017). No contexto da atual pandemia, os estudantes viram-se confrontados com uma situação de confinamento social, de transição súbita para o ensino à distância, de múltiplos desafios e mudanças. Neste contexto, multiplicam-se os fatores stressores, que ameaçam o bem-estar psicológico, desconhecendo-se as estratégias de coping adotadas e a forma como estão relacionadas com a perceção de bem-estar psicológico.
Questões de investigação
Q1: O bem-estar psicológico e as estratégias de coping utilizadas pelos estudantes variam em função do ano de curso?
Q2: O bem-estar psicológico e as estratégias de coping utilizadas pelos estudantes, variam em função das alterações ocorridas no rendimento económico familiar?
Q3: As estratégias de coping utilizadas pelos estudantes estão relacionadas com o bem-estar psicológico dos estudantes?
Metodologia
O presente estudo transversal, descritivo correlacional, foi realizado numa instituição do ensino superior, na área da saúde, em Portugal. Utilizou-se uma amostra por conveniência, constituída por 136 estudantes, que respeitavam os seguintes critérios de seleção: ter idade igual ou superior a 18 anos e estar inscrito no curso de licenciatura em enfermagem. Os dados foram colhidos em abril de 2020, durante o período de confinamento (estado de emergência), através de um questionário online enviado por e-mail pelo grupo de investigadoras da instituição.
O questionário incluiu um conjunto de questões relacionadas com os dados sociodemográficos e as condições das atividades letivas durante a quarentena obrigatória.
Para avaliar o bem-estar psicológico foi utilizada a Escala de Medida de Manifestação de Bem-estar Psicológico (EMMBEP; Massé et al., 1998; Monteiro et al., 2012). O instrumento foi testado em Portugal, numa população de estudantes do ensino superior, revelando boas propriedades psicométricas (Monteiro et al., 2012). Inclui 25 itens, tipo escala de likert com cinco pontos, distribuídos por seis subescalas: Felicidade, Sociabilidade, Controlo de si e dos acontecimentos, Envolvimento social, Autoestima e Equilíbrio, para além de um resultado global ou bem-estar total. Quanto mais elevado for o total obtido, maior será o bem-estar psicológico percebido. Relativamente à consistência interna da escala, apuramos um valor de alfa de Cronbach de 0,943 para o global, e valores entre 0,664 e 0,901 para as subescalas.
Para avaliar as estratégias de coping utilizou-se a Brief COPE (Carver, 1997), versão portuguesa (Pais-Ribeiro & Rodrigues, 2004). Este inventário inclui 28 itens, redigidos em termos de ações implementadas durante a situação de quarentena (exemplo: “durante o último mês procurei apoio emocional de alguém”), com as possibilidades de resposta: nunca; às vezes; frequentemente, ou sempre. Os itens estão distribuídos por 14 escalas e incluem dois tipos de coping. O coping focado no problema, de acordo com os autores, tende a predominar quando as pessoas sentem que pode ser feito algo de construtivo. Engloba as escalas Coping ativo, o Planeamento e o Suporte instrumental. Por sua vez, o coping focado na emoção, que tende a predominar quando as pessoas sentem que o stressor tende a persistir, abrange o suporte emocional, a reinterpretação positiva, a aceitação, a negação e a religião. O instrumento inclui ainda as dimensões Autoculpabilização, Expressão de sentimentos, Autodistração, Desinvestimento comportamental, Uso de substâncias (medicamentos/álcool) e o Humor. Todas as escalas, com exceção da Autoculpabilização, obtiveram bons valores de consistência interna que variam entre ( = 0,663 (aceitação) e ( = 0,969 (uso de substâncias). Optou-se por não incluir a escala Autoculpabilização.
A realização do presente estudo teve parecer favorável da Comissão de Ética do Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Católica Portuguesa (nº 97/ 2020). Todos os participantes foram informados sobre o direito de não participar na investigação e a possibilidade de abandoná-la a qualquer momento.
Os dados foram tratados com recurso à estatística descritiva e inferencial através do software de análise de dados IBM SPSS Statistics, versão 25. Para analisar as diferenças no bem-estar psicológico e nas estratégias de coping em função do ano de curso e da alteração dos rendimentos recorremos respetivamente à análise de variância - One Way ANOVA e ao teste t de Student para duas amostras independentes. Para analisar a relação entre as dimensões do Bem-estar Psicológico e as estratégias de coping adotadas pelos estudantes utilizamos o coeficiente de Pearson, para um nível de significância de 5%.
Resultados
Dos 136 participantes no estudo, a maioria era do género feminino (92,8%), com uma idade média de 22 anos (DP = ± 4,7 anos), distribuídos pelos 4 anos de licenciatura (21,3% no 1º ano; 25,7% no 2º ano; 22,1% no 3º ano e 30,9% no 4º ano). Permaneciam em média 5,9h (DP = ± 3,6) por dia no computador em atividades relacionadas com o ensino à distância (aulas, trabalhos).
Quando responderam ao inquérito, os estudantes estavam há 44,5 dias em quarentena obrigatória (DP = ± 8,9), tendo saído de casa em média 6,7 dias (DP = ±6,9). A maioria (96,4%) não foi infetada pelo SARS-CoV-2, mas 10,1% tiveram alguém do seu agregado familiar que contraiu o vírus. A quebra significativa no rendimento do agregado familiar decorrente da pandemia foi referida por 46,4%, sendo que 13% preferiu não responder a esta questão.
Pela leitura da Tabela 1, podemos verificar que existem diferenças estatisticamente significativas, nas dimensões do bem-estar psicológico: Felicidade (p = 0,003), Controlo de si e dos outros (p = 0,001), Equilíbrio (p = 0,012) e Bem-estar psicológico global (0,012), em função do ano de curso. Os estudantes do 3º e 4º anos obtiveram as pontuações mais elevadas nestas dimensões. Por sua vez, os do 2º ano obtiveram scores médios mais baixos em todas as dimensões do bem-estar, bem como no global.
Relativamente aos estilos de coping, também se encontraram diferenças em função do ano do curso, tendo os estudantes do 3º e 4º ano obtido pontuações mais elevadas num tipo de coping focado no problema - o Suporte instrumental (p = 0,015); mas simultaneamente também obtiveram scores mais elevados num estilo de coping centrado na emoção - o Suporte emocional (p = 0,009).
Ano do Curso | ||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1º (n = 29) | 2º (n = 35) | 3º (n = 30) | 4º (n = 42) | F | p | |||||
Bem-estar Psicológico | M | DP | M | DP | M | DP | M | DP | ||
Felicidade | 3,0 | 0,8 | 2,8 | 0,67 | 3,3 | 0,9 | 3,3 | 9,6 | 4,9 | 0,003 |
Sociabilidade | 3,5 | 0,7 | 3,2 | 0,6 | 3,6 | 0,8 | 3,5 | 0,8 | 2,3 | 0,08 |
Controlo de si e dos outros | 3,2 | 0,7 | 2,8 | 0,5 | 3,4 | 0,8 | 3,4 | 0,7 | 5,4 | 0,001 |
Envolvimento social | 2,9 | 0,7 | 2,8 | 0,6 | 3,0 | 0,8 | 3,0 | 0,6 | 0,8 | 0,500 |
Autoestima | 3,2 | 0,6 | 3,1 | 0,7 | 3,4 | 0,7 | 3,1 | 0,8 | 0,9 | 0,410 |
Equilíbrio | 3,1 | 0,8 | 3,1 | 0,5 | 3,7 | 0,9 | 3,4 | 0,8 | 3,8 | 0,012 |
BEP total (score médio) | 3,1 | 0,6 | 2,9 | 0,5 | 3,4 | 0,7 | 3,3 | 0,6 | 3,8 | 0,012 |
Coping | ||||||||||
Coping ativo | 3,5 | 1,3 | 3,1 | 1,1 | 3,4 | 1,3 | 3,6 | 1,0 | 1,5 | 0,232 |
Planear | 3,7 | 1,2 | 3,5 | 1,4 | 3,8 | 1,3 | 4,1 | 0,9 | 1,3 | 0,270 |
Suporte instrumental | 2,4 | 1,7 | 2,5 | 1,6 | 3,1 | 1,8 | 3,5 | 1,5 | 3,6 | 0,015 |
Suporte emocional | 2,7 | 1,7 | 2,9 | 1,7 | 3,9 | 1,6 | 3,6 | 1,3 | 4,0 | 0,009 |
Religião | 1,6 | 1,7 | 1,4 | 1,8 | 2,0 | 2,0 | 2,2 | 2,1 | 1,4 | 0,238 |
Reinterpretação positiva | 3,2 | 1,4 | 2,9 | 1,2 | 3,7 | 1,4 | 3,3 | 1,4 | 1,8 | 0,144 |
Aceitação | 4,1 | 1,2 | 3,9 | 1,2 | 4,4 | 1,4 | 3,9 | 1,1 | 1,0 | 0,390 |
Negação | 0,7 | 1,1 | 1,2 | 1,7 | 0,6 | 1,0 | 1,1 | 1,4 | 1,5 | 0,228 |
Expressão de sentimentos | 3,6 | 1,7 | 3,4 | 2,0 | 3,1 | 1,4 | 2,8 | 1,0 | 2,0 | 0,120 |
Autodistração | 4,1 | 1,8 | 3,2 | 1,5 | 3,6 | 1,8 | 4,0 | 1,2 | 2,3 | 0,085 |
Desinvestimento | 1,0 | 1,1 | 1,3 | 1,6 | 0,7 | 1,4 | 0,7 | 1,1 | 1,9 | 0,133 |
Uso de substâncias | 0,3 | 0,7 | 0,6 | 1,7 | 0,0 | 0,0 | 0,2 | 0,8 | 2,3 | 0,080 |
Humor | 2,6 | 1,6 | 2,6 | 1,3 | 2,5 | 1,3 | 2,3 | 1,4 | 0,2 | 0,870 |
Nota. M = média; DP = desvio-padrão; F = One Way ANOVA; p = p-value.
Relativamente à relação entre as alterações do rendimento e o bem-estar psicológico e o coping (Tabela 2), podemos verificar que os estudantes que reportam diminuição do rendimento apresentam médias mais baixas de Sociabilidade (p = 0,008), Controlo de si e dos outros (p = 0,003), Autoestima (p = 0,042), e também no score médio global (0,024). Não se observam diferenças estatisticamente significativas na utilização das estratégias de coping entre os estudantes que reportam ou não diminuição dos rendimentos.
Sem diminuição do rendimento (n = 56) | Com diminuição do rendimento (n = 64) | |||||
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M | DP | M | DP | t | p | |
Bem-estar psicológico | ||||||
Felicidade | 3,2 | 0,7 | 3,0 | 0,8 | -1,6 | 0,114 |
Sociabilidade | 3,6 | 0,7 | 3,3 | 0,8 | -2,7 | 0,008 |
Controlo de si e dos outros | 3,4 | 0,7 | 3,0 | 0,7 | -3,0 | 0,003 |
Envolvimento social | 3,0 | 0,6 | 2,9 | ,96 | -0,6 | 0,523 |
Autoestima | 3,3 | 0,7 | 3,1 | 0,6 | -2,1 | 0,042 |
Equilíbrio | 3,4 | 0,8 | 3,2 | 0,8 | -1,4 | 0,181 |
Total (score médio) | 3,3 | 0,6 | 3,1 | 0,6 | -2,3 | 0,024 |
Coping | ||||||
Coping ativo | 3,5 | 1,2 | 3,3 | 1,2 | -1,0 | 0,320 |
Planear | 3,9 | 1,2 | 3,1 | 1,7 | -0,8 | 0,418 |
Suporte instrumental | 2,6 | 1,7 | 3,1 | 1,7 | 1,7 | 0,099 |
Suporte emocional | 3,2 | 1,6 | 3,4 | 1,8 | 0,8 | 0,429 |
Religião | 1,6 | 1,9 | 2,0 | 2,0 | 0,9 | 0,366 |
Reinterpretação positiva | 3,3 | 1,5 | 3,2 | 1,4 | -0,5 | 0,642 |
Aceitação | 4,0 | 1,1 | 4,0 | 1,2 | -0,2 | 0,826 |
Expressão de sentimentos | 3,1 | 1,6 | 3,4 | 1,6 | 1,2 | 0,238 |
Negação | 0,7 | 1,2 | 1,1 | 1,4 | 1,5 | 0,132 |
Autodistração | 3,6 | 1,6 | 3,7 | 1,6 | 0,4 | 0,702 |
Desinvestimento | 0,89 | 1,4 | 1,1 | 1,3 | 0,8 | 0,458 |
Uso de substâncias | 0,3 | 1,0 | 1,7 | 0,8 | -0,9 | 0,349 |
Humor | 2,5 | 1,4 | 2,6 | 1,4 | 0,5 | 0,655 |
Nota. M = média; DP = desvio-padrão; teste t de Student para duas amostras independentes
Encontrou-se uma correlação estatisticamente significativa entre o Bem-estar psicológico com quase todas as estratégias de coping adotadas pelos estudantes, com exceção da Expressão de sentimentos (Tabela 3). A felicidade correlaciona-se de forma moderada, positiva e estatisticamente significativa com o Coping ativo (r = 0,46; p < 0,01) e de forma inversa com o Desinvestimento (r = -0,42; p < 0,01). A Sociabilidade está fortemente correlacionada com o humor (r = 0,72; p < 0,01). O Controlo de si e dos outros está moderadamente relacionado com o Coping ativo (r = 0,46; p < 0,01) e o Coping planear (r = 0,40; p < 0,01).
A subescala de Bem-estar Psicológico do Envolvimento social está moderadamente associado ao Coping ativo (r = 0,50; p < 0,01), ao Coping planear (r = 0,42; p < 0,01) e Religião (r = 0,50; p < 0,01). O Humor é a estratégia de coping mais relacionada com a Autoestima (r = 0,56; p < 0,01), seguido do Coping ativo (r = 0,43; p < 0,01), ao Coping planear (r = 0,40; p < 0,01).
Discussão
A pandemia por COVID-19 surgiu inesperadamente na vida dos estudantes, privando-os de forma abrupta do contacto com os pares, da livre expressão de afetos, dos seus hobbies, das rotinas escolares e por vezes com grandes alterações nos rendimentos financeiros da família. Esta nova realidade, aliada à perceção de falta de segurança e ao medo, pode desencadear nos sujeitos comportamentos desajustados (Afonso & Figueira, 2020). Os resultados do presente estudo revelam que os estudantes dos últimos anos de curso utilizam com maior frequência a estratégia de coping suporte instrumental do que os seus colegas do 1º e 2º anos. Ou seja, têm maior facilidade em procurar ajuda, informações, acerca do que fazer. Outro aspeto que distingue os estudantes mais experientes é a utilização mais frequente do suporte emocional, ou seja, conseguir empatia ou suporte emocional de alguém. A compreensão destes resultados permitirá investir na aquisição gradual de competências, nomeadamente na área relacional, decorrentes do curso de enfermagem. Por outro lado, tendo em conta as mudanças inerentes ao ingresso no ensino superior, é natural que os jovens que estão no início do curso se sintam mais ansiosos e com mais sintomas de stress (Luz et al., 2009). Na opinião destes autores, as instituições de ensino deveriam promover iniciativas no sentido de ensinar estratégias de coping adequadas, que terão como possíveis efeitos uma melhoria na saúde mental dos estudantes e no seu rendimento académico. Na atual situação pandémica, os estudantes de enfermagem sofrem um elevado stress psicológico relacionado com a mudança para o ensino online, com o medo de ficar infetado (Nurunnabi et al., 2020) e pela incerteza em relação à sua vida profissional futura (Huang et al., 2020). Os resultados indicam-nos que os estudantes do 2º ano do curso revelam níveis mais baixos de bem-estar psicológico, o que pode ser justificado de diversas formas. Uma investigação realizada em estudantes de enfermagem portugueses obteve resultados similares relacionando-os com a satisfação académica (Nogueira & Sequeira, 2020). Um recente estudo, concluiu que durante a pandemia por COVID-19, os estudantes do 2º ano do curso de enfermagem adotavam menos estratégias de coping do que os seus colegas dos restantes anos (Sheroun et al., 2020). Uma das consequências da pandemia tem sido a diminuição das fontes de rendimento das famílias, decorrentes da crise económica e do aumento do desemprego. A quebra dos rendimentos familiares afetou grande parte dos estudantes inquiridos neste estudo (46,4%), estando significativamente associada a um menor bem-estar psicológico. Tem sido descrito o impacto negativo das dificuldades económicas sobre a saúde mental dos estudantes do ensino superior (Luz et al., 2009). A situação económica favorável foi considerada como um fator protetor da saúde mental durante o contexto da atual pandemia por COVID-19 (Salameh et al., 2020). Na atual investigação tornou-se evidente que, durante a quarentena, a diminuição dos rendimentos teve particular impacto na socialização, na sensação de controlo de si e dos acontecimentos e na autoestima dos estudantes. Verificou-se que quase todas as estratégias de coping (com exceção da expressão dos sentimentos) estavam relacionadas com o bem-estar psicológico, o que parece sugerir que os estudantes de enfermagem conseguiram mobilizar uma enorme variedade de recursos para fazer face à situação de stress que estavam a vivenciar. Estes resultados estão em consonância com uma investigação realizada na China e que concluiu que os estudantes de enfermagem tinham uma boa condição mental (good psychological condition) e detinham habilidades para trabalhar em situações pressão, o que lhes permitia um adequado ajustamento à situação pandémica (Zhi et al., 2020).
Quando analisamos em pormenor a relação entre as diferentes estratégias de coping e o bem-estar psicológico, percebemos que os estudantes que facilmente desistem ou que deixam de se esforçar para alcançar os objetivos (desinvestimento comportamental) têm maior dificuldade em ser felizes. O fazer piadas (humor) acerca do stressor, neste caso a pandemia, foi uma estratégia utilizada para estabelecer relação com os outros (sociabilidade) e fortalecer a autoestima, tendo portanto promovido o bem-estar psicológico. Planear e esforçar-se para ultrapassar as dificuldades (coping ativo) foram estratégias de coping que se revelaram fundamentais para aumentar a perceção de controlo dos estudantes e consequentemente o bem-estar psicológico dos estudantes. O aumento da participação em atividades religiosas (religião) parece ter contribuído para a motivação dos estudantes, a criação de objetivos e ambições. Este resultado está em consonância com a vasta evidência científica que documenta a relevância da espiritualidade e da fé, especialmente em situações limite. Apesar do contributo aqui apresentado, podemos apontar algumas limitações que se prendem com a impossibilidade de generalização dos resultados para a população geral e pela necessidade de se desenvolverem estudos longitudinais que permitam aferir as consequências associadas à COVID-19 ao longo do tempo.
Conclusão
As restrições de segurança que envolveram o distanciamento social durante a pandemia por COVID-19 promoveram o aparecimento de diferentes níveis de ansiedade e uma maior vulnerabilidade psicológica dos indivíduos. No entanto, é difícil prever o surgimento de doenças psiquiátricas pois existem grandes diferenças na capacidade de resiliência perante situações adversas dos indivíduos.
O presente estudo evidencia que as estratégias de coping utilizadas pelos estudantes influenciaram o seu bem-estar psicológico. Por outro lado, as dificuldades económicas, decorrentes por exemplo do aumento do desemprego, podem agravar o impacto negativo do confinamento sobre a saúde mental.
Os resultados deste estudo são um importante contributo para a prática clínica e para a academia, pela necessidade de compreender este fenómeno de saúde pública. É crucial que sejam delineadas estratégias de promoção de saúde mental adequadas aos estudantes do ensino superior, que irão contribuir para o desenvolvimento de competências que favoreçam adaptação dos estudantes ao ensino superior neste novo contexto em que vivemos. Criar condições para o desenvolvimento de estratégias de coping por parte dos estudantes, em especial os do 1º e 2º ano, que se encontram no seu processo de adaptação ao ensino superior, é contribuir para o seu bem-estar psicológico em diferentes situações adversas.