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Psicologia, Saúde & Doenças
versão impressa ISSN 1645-0086
Psic., Saúde & Doenças vol.15 no.2 Lisboa jun. 2014
Adaptação à lesão vertebro-medular
Adjustment to spinal cord injury
Mariana Ferreira & Marina Prista Guerra
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal
Endereço para Correspondência
RESUMO
O aparecimento de lesões vertebro-medulares gera alterações não só físicas, mas também psicológicas, podendo afetar a qualidade de vida. Este estudo visa explorar a presença de algumas variáveis psicológicas, nomeadamente a felicidade, sentido de vida, suporte social e depressão, bem como a sua influência na qualidade de vida dos participantes e a sua distribuição consoante os dados sociodemográficos e clínicos. A amostra foi recolhida num hospital do grande Porto e contempla 33 participantes diagnosticados com Lesão Vertebro-Medular. Foram administrados a Escala sobre a Felicidade, a subescala do Sentido de Vida da Escala de Auto-actualização, a Escala de Avaliação do Suporte Social, a Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar, como medida de qualidade de vida o Questionário de Saúde Reduzido SF-36 (componentes físico e mental) e um questionário sociodemográfico e clínico. As análises demonstram valores satisfatórios nas variáveis estudadas, comparativamente a outras amostras clínicas e saudáveis. Observaram-se correlações moderadas positivas da felicidade e suporte social com a qualidade de vida e negativa entre a depressão e a qualidade de vida. O sentido de vida, apesar de não se correlacionar diretamente com a qualidade de vida, correlaciona-se positiva e moderadamente com o suporte social, fortemente com a felicidade e negativa e fortemente com a depressão. De acordo com os modelos preditores realizados para o componente físico e mental da qualidade de vida, verificou-se que a felicidade e o suporte social são as variáveis que melhor predizem o componente físico e mental da qualidade de vida.
Palavras-chave - lesão vertebro-medular, felicidade, sentido de vida, suporte social, depressão, qualitativa de vida.
ABSTRACT
Patients with spinal cord injuries face not only physical but also psychological changes that can have an impact on quality of life. This study aims to analyze some psychological variables such as happiness, meaning of life, social support and depression as well as to explore their impact on quality of life of patients following spinal cord injury and their distribution according to sociodemographic and clinical data. The study sample was collected in an hospital in the Porto region and it is comprised by 33 patients diagnosed with a spinal cord injury. The evaluation instruments that were used were the Happiness Scale, the Meaning of Life subscale of the Self-Actualization Scale, The Social Support Evaluation Scale, The Hospital Anxiety and Depression Scale, the Short Health Questionnaire SF36 (physical and mental components) and a sociodemographic and clinical questionnaire. The analysis revealed satisfactory results in the variables evaluated when compared to other clinical samples. Also, moderate positive correlations were found between happiness and social support with quality of life and moderate negative correlations were found between depression and quality of life. Despite no direct correlation was observed between meaning of life and quality of life, there was a moderate positive correlation with social support, strong positive correlation with happiness and strong negative correlation with depression. According to the predictive models applied for the factors of the quality of life scale, the stronger predictors of the physical and mental components of quality of life are, respectively, happiness and social support.
Key-Words - spinal cord injury, happiness, meaning of life, social support, depression, quality of life.
A lesão vertebro-medular (LVM) é uma condição com várias manifestações clínicas incapacitantes e permanentes, causadas pela insuficiência parcial ou total do funcionamento da medula espinal (Fechio, Pacheco, Kaihami & Alves, 2009), decorrente de uma lesão que afeta as informações motoras e sensitivas que ocorrem entre o cérebro e o corpo. Para além das consequências físicas e neurológicas da LVM, estas lesões podem gerar também consequências psicológicas e sociais que afetam a participação do lesionado na comunidade (Gill, 1999).
A nível cultural existe uma crença de que a LVM é um acontecimento devastador e que o retorno à vida normal é improvável, havendo uma insistência na não adaptação das pessoas à lesão, bem como um enfoque nos fatores de risco e vulnerabilidades (Quale & Schanke, 2010). No entanto, estudos recentes demonstram que os próprios indivíduos ficam surpreendidos com a sua capacidade de se adaptarem às mudanças físicas e que é possível ter uma vida normal e feliz (Dunn, Uswatte & Elliott, 2009 como citado em Quale & Schanke, 2010), salientando-se os aspetos positivos ou forças humanas para enfrentarem os desafios da vida. Não obstante, não podemos generalizar, pois se há indivíduos que conseguem uma boa adaptação e um crescimento pessoal, há outros que desenvolvem altos níveis de stress pós-traumático, ansiedade e depressão. Numa visão mais relativista, alguns autores defendem que este tipo de acontecimentos traumáticos traz aos indivíduos tanto resultados negativos como positivos (McMillen & Cook, 2003), num continuum para a adaptação à nova condição ao longo de toda a vida (Ruiz & Díaz, 2003).
A adaptação psicológica é concebida atualmente como um processo individual, sendo vários os fatores que facilitam ou dificultam este processo. Segundo FazioRashiid e Hayward (2008), os eventos negativos da vida podem incitar mudanças positivas, sendo a perceção acerca do evento, a personalidade do indivíduo e a existência de recursos pessoais e sociais fortes preditores de crescimento positivo. Quale e Schanke (2010) referem que a trajetória no sentido de um ajustamento psicológico a uma grave lesão física caracteriza-se pela resiliência (54%), recuperação (25%) e distress ou angústia (21%).
Com o desenvolvimento da Psicologia Positiva nos últimos anos, começa-se a salientar os aspetos positivos de experienciarem novos desafios das suas vidas. Até então, dava-se mais importância às reações negativas, considerando-se mesmo os estados psicopatológicos como norma. Neste sentido, pretende-se que este estudo contribua para a compreensão da visão e do comportamento dos indivíduos que sofrem acontecimentos traumáticos, nomeadamente se daí advêm apenas consequências negativas ou se há evidências de algum crescimento pessoal. Pretende-se também averiguar a importância das variáveis em estudo na adaptação à LVM. As variáveis escolhidas para integrarem o estudo são a felicidade, sentido de vida, suporte social, depressão e qualidade de vida (QV).
A felicidade parece-nos importante ser abordada enquanto constructo que parece estar mais dentro de nós do que ligado aos acontecimentos de vida. Assim pretendemos avaliar se face a um acontecimento de vida adverso que acarreta grandes limitações, as pessoas conseguem ser felizes. Silver (1982 como citado em Fazio et al., 2008) encontrou que indivíduos com LVM mostraram baixos valores de felicidade logo após a sua lesão, mas 58% dos participantes consideraram a felicidade como a emoção mais forte que sentiam nas três semanas seguintes. Salienta-se também a escassez de estudos relacionando a felicidade com as LVM, apesar de se constatar os seus efeitos terapêuticos e que é um fator preditivo da QV (Martins, 2008).
Saber também se pessoas com LMV, de forma geral, conseguem ter um propósito, objetivos ou missão nas suas vidas (sentido de vida) dá-nos pistas acerca do potencial e motivação para lidarem com as contingências que aparecem. Além disso, o sentido de vida é ainda uma variável pouco versada na literatura (Guerra, 2010). Segundo deRoon-Cassini et al. (2009) mais do que dar significado ao porquê de a lesão ter ocorrido, é importante estar a viver com um propósito, em harmonia com as suas próprias crenças e valores individuais. Thompson et al. (2003) concluíram que ter um sentido de vida é essencial na adaptação à LVM. Também afirmaram que o coping e o suporte social podem promover a adaptação, no entanto existem fatores importantes que não são passíveis ou são difíceis de modificar, tais como o tipo de lesão, personalidade ou locus de controlo, pelo que o sentido de vida poderá ser o fator que influencia e medeia a adaptação. É de notar que se desconhece estudos em que se mensure o sentido de vida em pessoas com LVM, no entanto, o encontro de um novo sentido de vida foi o tema central no discurso dos lesionados, sendo um aspeto fulcral para a elaboração de objetivos na vida e para agirem no futuro (Amaral, 2009).
A perceção do suporte social é essencial na reabilitação e adaptação à LVM (OHare et al., 2011), no sentido que afeta todo o comportamento humano (Guerra, 1995) e é um forte preditor da manutenção da saúde mental (Raichle, Hanley, Jensen & Cardenas, 2007), QV (Dijkers, 1997) e crescimento positivo (Linley & Joseph, 2004). No que concerne aos indivíduos com LVM, pensa-se que o impacto do suporte social seja significativo, uma vez que os indivíduos com muitos contactos sociais sentem maior controlo na sua lesão e reportam níveis mais altos de bem-estar (Schulz & Decker, 1985). Num artigo de revisão, Murta e Guimarães (2007) referiram o suporte social como um dos preditores de adaptação bem-sucedida à LVM.). De acordo com Pennebaker, o suporte social pode ainda ser útil para partilhar traumas, tanto com pessoas próximas como com profissionais e grupos de apoio, ajudando na não inibição de pensamentos, emoções e comportamentos que poderiam conduzir à exacerbação de stress e outros problemas de saúde (Fazio et al., 2008).
Avaliar a depressão é importante pois ajuda-nos na reflexão das consequências que um acontecimento deste cariz pode acarretar, como afetar o bem-estar das pessoas. Tem sido demonstrado que a depressão não é inevitável nos indivíduos que sofrem LVM (Scivoletto et al., 1997), no entanto há evidências de que as reações emocionais mais comuns são caracterizadas pelo aumento dos níveis de depressão (Saunders, Krause & Focht, 2012). As abordagens defensoras de adaptação sequencial concebiam a depressão como reação óbvia e inevitável à LVM (Dunn, 1975), havendo terapeutas que a encorajavam por considerarem uma estratégia de adaptação bem-sucedida. Em contraste com estas asserções, a depressão tem sido atualmente concebida como não adaptativa, uma vez que diminui o funcionamento do indivíduo, a QV e talvez por isso, seja a perturbação dos indivíduos com LVM que mais atenção recebe por parte dos investigadores (Ruiz & Díaz, 2003). Woolrich, Kennedy e Tasiemski (2006) encontraram que 21% dos participantes com LVM experimentaram qualquer tipo de perturbação depressiva ao longo do tempo. Recentemente, Saunders et al. (2012), verificaram uma taxa de 22,1% de depressão e uma taxa de 20,2% passados 5 anos (sendo que desses, 55.7% tinham sintomatologia significativa), demonstrando que a depressão se mantém consistente ao longo do tempo em pessoas com LVM (tal como havia constatado Scivoletto et al., (1997). Já Woolrich et al. (2006) mostraram que o tempo de lesão tinha uma fraca mas significante correlação, reduzindo a depressão ao longo do tempo. De modo geral, tem sido mencionada por inúmeros estudos uma taxa de depressão rondando os 20-40% na população com LVM (Scivoletto et al., 1997). Salienta-se o estudo de Kennedy, Lude e Taylor (2006) que utilizaram como medida de adaptação a HADS (Hospital Anxiety and Depression Scale) numa amostra de 350 participantes de vários países, tendo concluído que mais de dois terços da amostra apresentaram valores normais (sem indicação de depressão).
Por último, a QV enquanto variável resultado que traduz a adaptação à LVM é imprescindível como critério mais universal e objetivo. Para além disso, são ainda poucas as investigações que relacionam este constructo com a LVM, sendo necessário o desenvolvimento de mais estudos (Bruzoni, Silva, Gonçalves & Veronezi, 2011). Os primeiros trabalhos de investigação de QV em doentes com LVM pertencem a Crew (1980 como citado em Dijkers, 1997), tendo este constatado que os participantes percecionavam uma satisfação inferior à da população geral, principalmente nas áreas da saúde, sexualidade e relações sociais. Outras investigações mais recentes demonstram a consensualidade da diminuição da QV nesta população apear de apontar índices de bem-estar subjetivo satisfatórios. Albrecht e Devlieger (1999) falam de um paradoxo (paradoxo da inabilidade) que pode ser entendido de duas formas: primeiro, as pessoas com lesões graves e persistentes (nomeadamente pessoas com LVM) relatam várias limitações nas atividades quotidianas e na vida social, mas ao mesmo tempo têm uma boa QV e segundo, o público em geral percebe estas pessoas com uma QV insatisfatória, apesar de se constatar que mais de 50% delas reportam boa e até excelente QV. Mesmo indivíduos com altos níveis de prejuízo, requerendo assistência de ventilação relataram excelentes níveis de bem-estar. Os resultados de um estudo de Whiteneck et al. (1992) com 834 pessoas com LVM demonstraram também que 75% relataram uma QV boa ou excelente. Num estudo português, Martins e Ribeiro (2010) encontraram relativa satisfação com a vida em pessoas com LVM.
Numa investigação meta-analítica encontrou-se vários fatores importantes com efeitos negativos na QV como a ausência de um papel familiar, inexistência de uma ocupação profissional ou educacional, dificuldades de mobilidade, fraca integração social e suporte social deficitário (Dijkers, 1997). Também Albrecht e Devlieger (1999) referem que pessoas que não tenham um sentido de vida forte, valores claros e algum sentido de espiritualidade têm baixos índices de QV. Isto sugere que apesar de a LVM ser irreversível e ter implicações na QV, existem vários fatores pessoais e sociais que influenciam a vida destes indivíduos.
Este estudo tem como objetivos caracterizar as variáveis psicológicas (felicidade, sentido de vida, suporte social, depressão e QV) nos participantes com LVM e relacionar dados sociodemográficos (idade, grau de escolaridade, estado civil) e clínicos (tipo, extensão, etiologia e tempo da lesão) com as variáveis em estudo. Também analisar relações entre as diferentes variáveis psicológicas, evidenciando as que devem ser escolhidas para melhor predizerem a adaptação, bem como estabelecer os melhores modelos preditores de qualidade vida.
MÉTODO
Participantes
A amostra foi selecionada num contexto de saúde (serviço de Medicina Física e Reabilitação de um hospital do grande Porto), segundo um processo não probabilístico de amostragem por conveniência. Este estudo teve a participação de 33 pessoas com LVM com mais de 9 meses. Foram incluídos na amostra pessoas de ambos os géneros com idade superior a 18 anos. Estabeleceu-se também o critério de não incluir pessoas com lesões cerebrais que pudessem comprometer a compreensão e resposta dos itens dos instrumentos de avaliação.
A idade dos participantes está compreendida ente os 18 e os 67 anos, com uma média de idade de 45,24 (DP = 12,77), sendo que 81,8% são do sexo masculino. O grau de escolaridade dos participantes varia entre 2 e 17 anos, com uma média de 8,21 (DP= 4,13) e 45,5% da amostra não está numa relação (estado civil de solteiro, divorciado ou viúvo) e 54,5% estão casados/vivem em união de facto. No que concerne às variáveis clínicas, a média do tempo de lesão dos participantes é cerca de 121 meses (DP= 103,15), tendo o participante com menos e mais tempo de lesão 9 e 448 meses, respetivamente. Dos 33 participantes, 24 indivíduos têm paraplegia (51,5% incompleta e 21,2% completa) e 9 tetraplegia (24,2% incompleta e 3% completa), sendo que em 75,8% dos casos, a etiologia é traumática e 24,2% é não traumática.
Material
A Escala sobre a Felicidade de Oliveira (2001) é uma escala unidimensional e tem o objetivo de avaliar a felicidade enquanto dimensão da personalidade. A consistência interna da escala é de 0,85 e é constituída por 18 itens com respostas numa escala de 1 a 5 (totalmente em desacordo a totalmente de acordo). A cotação baseia-se na soma dos itens (variando de 18 a 90), em que quanto maior for o valor, maior é a felicidade.
Para avaliar o sentido de vida recorreu-se a uma subescala da Escala de Auto-actualização (Guerra, 1992). A consistência interna da subescala sentido de vida é bastante satisfatória (alfa de Cronbach de 0,76), bem como da escala em geral (0,84). Este instrumento é constituído por 33 itens, dos quais 8 referem-se à subescala do SV. As respostas variam de 1 (concordo muito) a 5 (discordo muito) e a cotação é feita através da soma dos itens, apesar de haver especial cuidado com os itens de cotação invertida. A pontuação total varia entre 8 e 40 e quanto maior for o valor, maior o sentido de vida (interesse/propósito pela vida).
A Escala de Avaliação do Suporte Social foi baseada na Instrumental-Expressive Social-Support Scale elaborada por Lin, Dean e Ensel (1981 como citado em Guerra, 1995) e adaptada para a população portuguesa por Guerra (1995). Esta escala é um instrumento de autorresposta com o objetivo de avaliar o suporte social que as pessoas têm tido nos últimos 6 meses. Tem uma consistência interna bastante satisfatória (.83), bem como validade de item e fatorial. As respostas são dadas numa escala de 1 (sempre ou quase sempre) a 5 (nunca). A cotação obtém-se com a soma dos valores das respostas (variando de 20 a 100 pontos) e quanto mais alta for a pontuação mais adequado é o SS.
A Escala de Ansiedade e Depressão Hospitalar (HADS) é uma adaptação de Ribeiro et al. (2007) com base na versão original desenvolvida por Zigmond e Snaith (1983 como citado em Ribeiro et al., 2007). Este instrumento tem o objetivo identificar e reconhecer os componentes emocionais associados à doença física, apesar de não ser utilizada para efeitos de diagnóstico. É um instrumento válido e a consistência interna é boa (.81). Utilizou-se apenas uma das subescalas da HADS referente à depressão, sendo esta composta por 7 itens com variação de respostas de 0 a 3 que corresponde à melhor ou pior forma de como se têm sentido nos últimos dias, respetivamente. A cotação é feita somando os itens, podendo o total variar entre 0 e 21. Considera-se que não é indicador de depressão se o valor total for igual ou inferior a 7. De 8 a 10 já há alguma depressão, de 11 a 14 há uma presença moderada e de 15 a 21, considera-se que há um estado depressivo grave. Na adaptação portuguesa, o resultado igual ou superior a 11 é o ponto de corte para a presença de um estado depressivo (Ribeiro et al., 2007).
O Questionário de Saúde Reduzido SF-36(SF-36) é uma adaptação portuguesa de Ribeiro (2005) da versão original de Ware, Snow, Kosinsky e Gandek (1993). Este instrumento tem o objetivo de avaliar a perceção de saúde tal como é definida pela Organização Mundial de Saúde em jovens e adultos (Ribeiro, 2005). Este questionário é composto por 36 itens, 35 dos quais formam duas componentes: componente física (CF) com quatro dimensões (dor corporal, saúde geral, funcionamento físico e desempenho físico) e componente mental (CM) com outras quatro dimensões (funcionamento social, vitalidade, desempenho emocional e saúde mental). O item restante (transição de saúde) concerne à perceção do sujeito sobre o seu estado de saúde desde há um ano). A versão portuguesa do SF-36 possui elevada consistência interna e boa validade. A cotação efetua-se somando as notas brutas de cada dimensão e convertendo-as numa escala de 0 a 100, sendo os valores mais elevados os que correspondem a melhor perceção da QV.
Para além destes instrumentos, inquere-se também sobre dados sociodemográficos e clínicos e ainda pede-se aos indivíduos que refiram três aspetos negativos e positivos que advieram com a LVM, no sentido de destacarem aspetos diferentes dos abrangidos pelos questionários e que possam ser importantes para compreender a adaptação.
Procedimento
Em setembro de 2011 foi solicitada autorização à Comissão de Ética do Hospital da Prelada para a realização do estudo expondo a sua pertinência, descrevendo objetivos e anexando a declaração do consentimento informado, bem como os instrumentos a aplicar. O projeto foi aprovado pela respetiva Comissão no início de janeiro. A recolha de dados foi efetuada entre janeiro e abril de 2012 pela responsável do estudo. Explicou-se previamente a cada participante o tema e objetivos do estudo, pedindo-se para que assinassem uma declaração de consentimento de participação na investigação (em alternativa recorreu-se a impressão digital ou assinatura de um testemunho). Nesta declaração estava detalhado o tempo estimado para preencher o questionário (15 a 20 minutos), garantia de anonimato e confidencialidade dos dados, bem como o carácter voluntário da sua participação. A nível do tratamento de dados recorreu-se ao programa informático SPSS 19 (Statistical Package for the Social Sciences, versão 19).
RESULTADOS
De acordo com o quadro 1, podemos observar as médias e respetivos desvios padrões para as variáveis psicológicas analisadas bem como os seus valores mínimos e máximos. Constatamos que Felicidade, SV e SS apresentam valores médios relativamente elevados. No que concerne ao grau de depressão desta amostra, este situa-se nos 5,16 (DP= 4,09) numa escala de 0 a 21 pontos. De acordo com o ponto de corte definido por Ribeiro et al. (2007), 15,6% dos participantes encontram-se num estado depressivo, sendo que 12,5% é considerada depressão moderada e 3,1% (apenas 1 participante) evidencia depressão grave. Assim, verifica-se que 81,3% dos participantes não têm indicadores de depressão e 3,1% têm depressão ainda que ligeira. No que respeita à QV, numa escala de 0 a 100, a média do CF foi de 50,99 (DP = 19,27) e do CM 70,39 (DP=21,42).
Relação de dados sociodemográficos e clínicos com as variáveis em estudo
Evidencia-se diferenças significativas no estado civil em relação ao CF da QV, sendo os solteiros/divorciados/viúvos mais adaptados fisicamente (M = 58,32; DP = 18.25) do que os casados/vivem em união de facto (M = 44,89; DP = 18,38; t(31) = 2,09, p = 0,04). Isto pode ter alguma influência da diferença significativa de idades entre as pessoas que estão numa relação (M = 51,9; DP = 9,83) e as pessoas que não estão numa relação (M = 38,47; DP = 12,86; t(31) = -3,15, p = 0,004).
Evidencia-se também diferenças significativas entre o nível da LVM e o grau de depressão, sendo superior nos tetraplégicos (M = 7,67; DP = 7,67)em comparação com os paraplégicos (M = 4,17; DP = 73,49; t(30) = -2,32; p = 0,02). O sentido de vida nos paraplégicos (M = 31,17; DP = 5,46) é também maior do que nos tetraplégicos (M = 26,44; DP = 4,45; t(31) = 2,32; p = 0,02), bem como o CM da QV que é superior nos indivíduos com paraplegia (M = 75,18; DP = 20,44) do que nos com tetraplegia (M = 58,14; DP = 19,85; t(30) =2,14; p = 0,041).
O CF da QV é significativamente superior nos indivíduos com LVM traumática (M = 55,87; DP = 19,24), em comparação com LVM não traumáticas (M = 35,75; DP = 8,83; t(31) = 2,84; p = 0,008). Também o CM é superior nas lesões traumáticas (M = 74,84; DP = 20,08) do que nas não traumáticas (M = 57,04; DP = 20,86; t(30) = 2,15; p = 0,04).
Relações entre as variáveis em estudo
Encontraram-se várias correlações entre as variáveis em estudo, podendo ser observadas no quadro 2.
A felicidade apresenta uma correlação positiva forte com o sentido de vida e uma correlação positiva moderada com o CF e CM da QV. Também se encontra uma correlação negativa forte com a depressão. Ou seja, quanto maior a felicidade, menor o grau de depressão e maior o sentido de vida e a adaptação.
O sentido de vida apresenta uma correlação positiva moderada com o CF da QV e com o SS, bem como negativa forte com a depressão.
No que concerne ao SS, encontra-se uma correlação positiva moderada com o CF e CM da QV e também uma correlação negativa moderada com a depressão. Isto significa que quanto maior o SS, maior é a adaptação e menor o grau de depressão.
A depressão evidencia uma correlação negativa moderada com o CM da QV, sendo que quanto maior o grau de depressão, menor é a adaptação mental.
Variáveis preditivas da Qualidade de Vida
As associações encontradas acima sugerem que algumas variáveis psicológicas podem constituir determinantes significativos da QV nos indivíduos com LVM. Para ambos os componentes da QV, testou-se a felicidade e o SS, verificando-se que o modelo era válido e o melhor preditor.
Assim, de acordo com o quadro 3, a felicidade e suporte social explicam 21% da variância do CF e 28% do CM. Para o CF, apenas a felicidade apresenta uma contribuição única significativa. Já para o CM, é o suporte social que tem uma maior contribuição única, embora a felicidade também tenha um contributo significativo.
DISCUSSÃO
Desconhece-se estudos sobre a felicidade em pessoas com LVM em Portugal, no entanto, comparando o valor aqui obtido com outros estudos em que utilizam o mesmo instrumento de avaliação, verifica-se que estes participantes são mais felizes que uma amostra de idosos (M = 67,1; t(32) = 2,80; p = 0,009), mas não diferem de modo estatisticamente significativo de estudantes universitários (Pinto & Oliveira, 2006) e estudantes do ensino secundário (Oliveira, 2003). Isto demonstra que apesar de esta amostra ter passado por uma situação adversa como a LVM, é possível serem tão ou mais felizes como as outras pessoas.
No que concerne à subescala do sentido de vida, o valor encontrado nesta amostra não difere significativamente de várias populações clínicas, apesar de ser ligeiramente inferior a uma amostra com cancro de colo rectal (Silva 2010) e de cancro da mama (Fonseca, 2011) e superior a uma população vítima de acidente vascular cerebral (Moreira, 2011). No que concerne a outras populações, verifica-se que o sentido de vida nesta amostra é significativamente inferior em comparação com enfermeiros psiquiátricos (M = 32,63; t(32) = -2,84; p = 0,008) (Forte, 2009), mas superior a uma amostra de toxicodependentes (M = 27,73; t(32) = 2,23; p = 0,03) (Manita, Negreiros, Agra & Guerra, 1997). Apesar de não existirem muitos dados, nomeadamente os obtidos pela população em geral no estudo de validação da escala, esta amostra apresenta valores semelhantes aos encontrados noutras amostras clínicas.
O valor do suporte social encontrado neste estudo é significativamente superior à encontrada numa população seropositiva (M = 62,5; t(32) = 7,43; p< 0,001) e numa população saudável (M = 69,4; t(32) = 4,54; p< 0,001) (p< 0,001) (Guerra, 1995). Em geral, os participantes demonstram ter apoio social, superior à média obtida no estudo de validação da escala (Guerra, 1995).
Atendendo ao grau de depressão e a outros estudos em que foi utilizado a HADS, o grau de depressão encontrado neste estudo é significativamente superior comparando com amostras saudáveis (M = 3,22; t(31) = 2,68; p< 0,01) (Ribeiro et al., 2007) E, em comparação com outras populações clínicas, a existência de estado depressivo situa-se nos 12,6% numa população com cancro da mama (Fonseca, 2011), 20% em indivíduos vítimas de AVC (Moreira, 2011), 7,1% em epiléticos, 6,2% em obesos, 6,6% em indivíduos com doença coronária (Ribeiro et al., 2007), entre outros, comparativamente com os 15,6% desta amostra. Assim, verifica-se que a taxa de indivíduos com estado depressivo é superior às taxas que têm sido encontradas na maioria dos estudos com outras amostras portuguesas. Não obstante, o grau de depressão encontrado não difere muito dos valores de Woolrich et al. (2006) em pessoas com LVM, apesar da percentagem de indivíduos com estado depressivo ser inferior (15,6% vs 21%). Em geral, a taxa de indivíduos com LVM que apresentam depressão tem variado entre os 20 a 40% (Scivoletto et al., 1997), valores superiores aos encontrados. Contudo, deve salientar-se que esta amostra não é representativa para generalização de resultados e que os últimos valores descritos não se referem a amostras portuguesas. Para além disso, existe uma grande variedade de critérios diagnósticos que podem ser utilizados nos diferentes estudos (Ruiz & Díaz, 2003).
Incidindo nos resultados da QV, evidencia-se que as dimensões com uma melhor adaptação são o Funcionamento Social, Saúde Mental e Desempenho Emocional e as que evidenciam pior adaptação são o Funcionamento e Desempenho Físico e Dor Corporal, constatando-se que o CM é significativamente superior ao CF. Estes resultados são expectáveis, dada a própria natureza da LVM que referindo-se a uma condição física e não psicológica, leva em princípio a maiores comprometimentos físicos. Comparando com os resultados obtidos na validação desta escala, verifica-se que o valor do CF não difere significativamente de uma população doente mas como seria de esperar é significativamente inferior a uma população saudável (M = 73,08; t(32) = -6,59; p< 0,001) (Ribeiro, 2005). Já o CM é significativamente superior a uma população doente (M = 57,15; t(31) = 3,50; p = 0,001) e, apesar de não significativo, é também superior a uma população saudável (Ribeiro, 2005). Isto significa que os indivíduos com LVM têm uma boa perceção da QV, podendo ser igual ou superior à maioria das pessoas. Isto vai contra as primeiras investigações sobre a QV em que pessoas com LVM percecionavam uma satisfação inferior de QV em comparação com a população geral (Crew, 1980 como citado em Dijkers, 1997). Não obstante, investigações posteriores demonstraram já que a maioria dos indivíduos relata uma QV boa ou excelente (Albrecht & Devlieger, 1999; Whiteneck et al., 1992). Numa amostra portuguesa de indivíduos com LVM, Martins e Ribeiro (2010) encontraram igualmente relativa satisfação com a vida em pessoas com LVM. Apesar dos instrumentos utilizados nalgumas destas investigações serem diferentes do utilizado neste estudo, conclui-se que é possível estarem bem adaptados a nível mental, vivendo com uma lesão deste tipo. No que concerne ao CF, este está no limiar de um nível de adaptação positiva (50,99/100), mas a avaliação com o SF-36 pode enviesar os resultados em relação a outros instrumentos, uma vez que avalia itens como o andar, subir escadas, entre outros em que a cotação será mínima face à condição de saúde. Reconhece-se assim que são necessários estudos mais detalhados para determinação da QV na LVM, devendo ser construídos e validados instrumentos específicos para este fim (Bruzoni et al., 2011).
No que concerne à relação dos dados obtidos com os dados sociodemográficos e clínicos dos participantes, verifica-se que o facto de haver diferenças na CF da QV entre os que tem ou não companheiro, a favor dos últimos parece coincidir também com a população mais jovem o que indicia que os mais jovens e sem relação apresentam melhor componente física da qualidade de vida. Uma outra hipótese explicativa adicional pode dever-se ao facto das pessoas que não têm um companheiro (normalmente figura de maior auxílio) que as apoiem de modo mais constante nas suas dificuldades, tenham tido maiores exigências e também por isso maior necessidade de se adaptarem de forma mais autónoma. Ou seja, poderão estar agora menos dependentes de outros na realização de certas tarefas (e.g., tomar banho ou vestir-se sozinho), pelo que as limitações em realizá-las sozinhas são menores.
No que respeita o grau de depressão, este é superior nos tetraplégicos em comparação com os paraplégicos, o que não se constata noutros estudos (Buunk, Zurriaga & González, 2006; Scivoletto et al., 1997; Woolrich et al., 2006). No entanto, estando mais comprometidos a nível físico, os tetraplégicos são menos ativos e independentes, pelo que podem estar mais propensos a estados depressivos. Não obstante, existe um grande número de participantes com paraplegia incompleta nesta amostra e que mantêm, em princípio, um nível de atividade superior aos indivíduos com paraplegias completas e tetraplegias. Se a amostra fosse constituída por mais pessoas com paraplegia completa, possivelmente esta diferença seria atenuada.
Do mesmo modo é expectável que o quadro motor de paraplegia proporcione maior interesse e objetivos nas vidas dos participantes, bem como um menor sentido de que a vida é vivida em vão, quando comparado com quadros de tetraplegia em que há menor capacidade para a concretização de alguns objetivos e desenvolvimento de potencialidades (sentido de vida). Também, no mesmo sentido é também expetável maior QV mental nos paraplégicos. O nível da lesão demonstrou ser assim um fator que está associado à adaptação, ao contrário do que demonstra Dijkers (1997). Por último, as diferenças obtidas no CF e CM da QV em relação à origem da LVM podem ser atribuídas à aceitação, conformismo e serenidade mais presente nas lesões traumáticas como defendem Ruiz e Díaz (2003).
Verifica-se a existência de várias correlações entre as varáveis em estudo. Importa salientar que o SV é a única variável que não está associada ao CM da QV, apesar de apresentar uma correlação positiva com o CF da QV. No entanto, o SV está associado a outras variáveis consideradas indicadores de adaptação psicológica, como a felicidade e a depressão. Não obstante, Albrecht e Devlieger (1999) referem que pessoas que não tenham um sentido de vida forte têm baixos índices de QV e Thompson et al. (2003) salientam que o sentido de vida é um forte preditor da adaptação à LVM, o que não se evidencia neste estudo.
No que concerne às restantes variáveis, o nosso estudo converge com a literatura estando o suporte social correlacionada com a depressão (Buunk et al., 2006), saúde mental (Raichle et al., 2007) e QV em várias populações (Guerra, 2010).
Por fim, concluiu-se que o suporte social e a felicidade são as variáveis que melhor predizem a adaptação, tanto física como mental, explicando 21 e 28% do CF e CM da QV, respetivamente. Dijkers (1997) apontou o suporte social como o fator com maior influência na QV e Murta e Guimarães (2007) salientam esta variável como um dos preditores de adaptação bem-sucedida à LVM. Segundo Gill (1999), o suporte social seja por parte de familiares, amigos e profissionais facilita o processo de adaptação. Em relação à felicidade, Martins (2008) assinala esta variável como um fator preditivo da QV num estudo de pessoas com cadeiras de rodas. Neste sentido, os nossos resultados vão no mesmo sentido de estudos anteriores, mostrando o impacto do suporte social e da felicidade na adaptação das pessoas à LVM.
Este estudo pretendeu essencialmente caracterizar psicologicamente as pessoas com LVM, salientando a influência das variáveis psicológicas na adaptação à LVM. Em geral, os participantes apresentam valores satisfatórios de felicidade e suporte social e o sentido de vida converge com os valores que têm sido encontrados noutras populações clínicas. A depressão, tal como vários estudos têm sugerido, não é uma reação inevitável, sendo que mais de 80% da amostra não apresenta depressão. O CM da QV revela-se bom, não diferindo muito de uma população saudável. Já o CF está comprometido, apresentando valores reduzidos de adaptação, o que tem muito que ver com a patologia em questão, condicionando a mobilidade e saúde dos participantes. No que concerne às diferenças das variáveis estudadas consoante os dados sociodemográficos e clínicos, são poucas as diferenças que se destacam. O suporte social e a felicidade são as variáveis que melhor predizem a adaptação, tanto física como mental, mas todas as variáveis em estudo estão associadas à QV (com exceção do SV que apenas está correlacionado com o CF).
De forma global, este estudo é mais um contributo para rasgar com os modelos estanques de psicopatologia após uma situação de crise e considerar o ser humano como um todo, capaz de crescer e viver de forma adaptativa após LVM. Assim, este estudo insere-se assim no âmbito da Psicologia Positiva, área ainda em crescente desenvolvimento e de grande interesse na atualidade.
Não menosprezando os resultados encontrados, considera-se que a grande limitação prende-se com o tamanho da amostra e o método de amostragem e, por isso a não representatividade da mesma. Também é importante enfatizar as características da amostra, uma vez que os participantes têm na sua maioria paraplegia incompleta (nível e extensão mais favorável fisicamente dos indivíduos que sofrem LVM), pelo que se poderá ter obtido valores mais satisfatórios das variáveis estudadas do que se se tivesse controlado a homogeneidade no nível e extensão da LVM. Outra limitação tem que ver com a desejabilidade social e a dificuldade de comparação dos resultados obtidos uma vez que não se utilizam os mesmos instrumentos nos estudos, aliado à escassez de dados nacionais relativamente a amostras de LVM. Para além disso, não existem instrumentos validados para a população de indivíduos com LVM, nomeadamente para a avaliação da QV, ao contrário do que acontece com outras populações clínicas, como o cancro, esclerose múltipla e obesidade. Apesar das crescentes evidências empíricas que têm surgido acerca dos efeitos psicológicos das LVM há ainda um longo caminho a ser percorrido, principalmente tendo em conta o panorama nacional.
Face ao mencionado acima, urge salientar algumas recomendações para os próximos estudos. Seria assim fulcral a inclusão de amostras maiores, de forma a se poder retirar conclusões mais fidedignas acerca das variáveis aqui estudadas. Não obstante, numa problemática tão pouco versada pela literatura portuguesa, existe um vasto leque de aspetos a abordar. Um tópico que se poderia abranger é a ocupação profissional ou atividades que as pessoas realizam no dia-a-dia, uma vez que um nível de atividade significativo ou o facto de terem objetivos/um propósito no seu dia-a-dia pode dar-nos indicações sobre a adaptação. Para além disso, as lesões atingem normalmente indivíduos jovens numa fase ativa da vida e as dificuldades a nível profissional (nomeadamente, a falta de emprego) foi evidenciada como um dos aspetos piores que advieram com a LVM, pelo que poderá afetar psicologicamente esta população. Seria também interessante explorar algumas características da personalidade que podem estar ligadas a melhor ou pior adaptação, como por exemplo a resiliência. Na perspetiva da Psicologia Positiva, será necessário explorar as forças e virtudes humanas da pessoa que podem levar à felicidade e QV. Para além destas indicações, seria útil desenvolver, traduzir, validar e aplicar instrumentos para a população com LVM. Poderia ainda desenvolver-se estudos com cuidadores ou familiares de pessoas com LVM. Em suma, o estudo efetuado limita-se à abordagem de algumas variáveis psicológicas, havendo muitas outras que poderão explicar também a adaptação. Assim, espera-se que este trabalho desperte, de alguma forma, o interesse e motivação para futuras investigações com esta população.
De forma a concluir esta reflexão, considera-se importante salientar algumas pistas para a prática psicológica junto desta população, consoante os resultados e perceções que se foram desenvolvendo ao longo da investigação, aliado ao que é evidenciado pela literatura. Neste sentido, deviam ser tomados em consideração programas de intervenção psicoeducativos para a felicidade e grupos de apoio, uma vez que a felicidade e suporte social são preditivos de boa QV. No que concerne ao sentido de vida, e tendo-se constatado uma correlação negativa forte com a depressão e positiva com a felicidade, salienta-se a necessidade de desenvolver objetivos e motivação na vida dos indivíduos com LVM. É necessário encontrarem um meio adequado para que individualmente consigam encontrar um sentido de vida e para isso, é preciso explorar-se as preferências e atividades de cada um, procurando algo que vá ao encontro das suas necessidades, habilidades e aspirações (Manita et al., 1997). Para além disso, desenvolver novas atividades, pode ser importante pois quanto mais a pessoa se tornar um membro ativo na comunidade, melhor será a sua adaptação à LVM (Gill, 1999). Entrar num trabalho, fazer voluntariado e dar palestras inspiradoras são alguns exemplos que poderão melhorar o autoconceito e a perceberem que têm lugar e valor na sociedade (Gill, 1999). Por último, a educação e aconselhamento podem ajudar a pessoa com LVM, assim como a família e amigos a trabalharem conjuntamente no processo de adaptação (Gill, 1999). Em suma, é fulcral promover a reelaboração de um projeto de vida e as variáveis psicológicas positivas, bem como maximizar os ganhos dos pacientes através dos aspetos positivos que mencionam para que possam crescer com a LVM.
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Recebido em 29 de Novembro de 2013/ Aceite em 20 de Maio de 2014