A depressão, caracterizada como um transtorno mental multifatorial, é considerada um dos principais problemas de saúde pública da atualidade (American Psychiatric Association (APA), 2014; Bresolin et al., 2020; World Health Organization [WHO], 1992). Ela é definida como um dos “Transtornos Afetivos do Humor” pelo ICD-10 (WHO, 1992) ou como “Transtorno Depressivo Maior” segundo a American Pshychiatric Association (2014). O transtorno depressivo maior representa a condição mais frequente do grupo de transtornos depressivos e é caracterizado por episódios de, pelo menos, duas semanas de duração, com possíveis alterações no afeto e no humor, na cognição e em funções neurovegetativas (APA, 2014). De modo geral, os transtornos depressivos estão relacionados aos sentimentos de tristeza, perda de interesse ou de prazer e baixa autoestima (APA, 2014; WHO, 2017). Tais sintomas tendem a comprometer de forma significativa as atividades cotidianas dos indivíduos (APA, 2014; WHO, 2017).
Em termos globais, aproximadamente, 322 milhões de pessoas vivem com depressão no mundo, sendo as mulheres mais acometidas (5,1%) do que homens (3,6%) (WHO, 2017). O número global estimado aumentou em 18,5% entre os anos de 2005 e 2015 (WHO, 2017). A depressão é responsável pela mortalidade de cerca de 800 mil pessoas anualmente e o suicídio é a segunda principal causa de morte entre indivíduos jovens na faixa etária de 15 a 29 anos (APA, 2014; WHO, 2017). O transtorno depressivo maior pode ocorrer pela primeira vez em qualquer idade, entretanto, essa probabilidade aumenta consideravelmente com o início da puberdade (APA, 2014), podendo coincidir, também, com o período em que muitos jovens ingressam no ensino superior (Bresolin et al., 2020).
O Brasil, no ano de 2015, liderava o ranking dos países das Américas, com a maior prevalência dos casos de transtornos depressivos, apresentando cerca de 11,5 milhões de pessoas acometidas, o equivalente à 5,8% de sua população, atrás somente dos Estados Unidos com 17,5 milhões (5,9%) de sua população adoecida (WHO, 2017). No Brasil, o Ministério da Saúde (2019) divulgou um aumento de 52% de registros no Sistema Único de Saúde (SUS), entre os anos de 2015 e 2018, do número de atendimentos e internações associados à depressão. Esse aumento foi expressivo na faixa etária de 15 a 29 anos, com crescimento de 115% (Ministério da Saúde, 2019).
Os estudos conduzidos com a população universitária apontam que a média de idade dos estudantes investigados está inserida (ou, é bastante próxima) na faixa etária na qual houve aumento expressivo dos casos de depressão (Arino & Bargagui, 2018; Bresolin et al., 2020; Fernandes et al., 2018; Leão et al., 2018; Maltoni et al., 2019). Algumas transformações podem ocorrer na vida de um estudante ao ingressar no ensino superior, as quais, muitas vezes são marcadas por desafios que podem interferir em sua saúde mental (Arino & Bargagui, 2018; Bresolin et al., 2020). Somados a uma elevada carga horária de estudos e ao alto nível de exigência dos cursos de graduação, estes são fatores presentes no cotidiano dos estudantes de ensino superior, que contribuem para o surgimento de transtornos de ansiedade e depressão (Acharya et al., 2018; Bresolin et al., 2020; Leão, et al., 2018). Ainda sobre o contexto acadêmico, a percepção negativa da experiência de cursar o ensino superior (baixa percepção de bem-estar físico/psicológico e de otimismo; afetividade e autoconceitos negativos; percepção negativa relacionada a escolha do curso e de sua competência pessoal para a carreira escolhida), vivenciada por alguns acadêmicos, é um dos aspectos que se mostra associado ao aumento dos índices de sintomas depressivos nos estudantes universitários (Arino & Bargagui, 2018).
Nos Estados Unidos (Acharya et al., 2018) e no México (Lazarevich et al., 2018) foi verificado, respectivamente, que 34,5% e 23,8% dos estudantes universitários apresentaram sintomas depressivos. Resultados semelhantes foram observados em estudos brasileiros, como observado no Ceará (28,6%) (Leão et al., 2018), Piauí (30,2%) (Fernandes et al., 2018) e Rio Grande do Sul (23,6%) (Bresolin et al., 2020). Por outro lado, prevalência inferior foi observada em São Paulo (5,4%) (Maltoni et al., 2019). Atrelados a esse contexto, foi verificado em São Paulo (Maltoni et al., 2019) e no Ceará (Leão et al., 2018), respectivamente, que 10,8% e 36,1% dos estudantes apresentavam sintomas de ansiedade. Ainda, em São Paulo, Maltoni et al. (2019) identificaram que 5,7% dos acadêmicos já tiveram ideação suicida.
Dentre os fatores associados aos sintomas depressivos em estudantes universitários estão os níveis insuficientes de atividade física global e no lazer (Bresolin et al., 2020; Leão et al., 2018), o relacionamento familiar insatisfatório (Leão et al., 2018), a quantidade insuficiente (Fernandes et al., 2018; Leão et al., 2018) ou alterações nos hábitos de sono (Acharya et al., 2018), o mau relacionamento com os amigos (Leão et al., 2018), mudanças nas atividades sociais, aumento da carga horária de aulas e variações nos hábitos alimentares (Acharya et al., 2018). Em uma revisão sistemática com meta-análise foi constatado que o sexo, a depressão em estágios iniciais, a instabilidade emocional, o abuso na infância e os episódios estressantes são fatores associados ao desenvolvimento de depressão (Liu et al., 2018).
Frente às evidências e ao número crescente de estudantes universitários que se encontram com a saúde mental vulnerável, existe a necessidade de identificar as diversas dimensões que afetam e colocam em risco essa população específica. Tal ação, possibilitará a adoção de estratégias de enfretamento, que viabilizará a identificação de estudantes em risco, capacitando assim, as Instituições de Ensino Superior, públicas ou privadas, a promoverem uma experiência positiva no âmbito acadêmico, minimizando possíveis consequências psicológicas que tal contexto possa ocasionar aos seus alunos. Diante do exposto, o presente estudo tem como objetivo verificar a prevalência e os fatores associados aos sintomas depressivos em estudantes universitários.
Método
O presente estudo, do tipo transversal, com abordagem quantitativa, está vinculado ao projeto “Adaptação Transcultural para o Português Brasileiro de Três Medidas Cognitivas de Imagem Corporal”, o qual foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos, da Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), sob o parecer 3.012.574.
Participantes
A população do estudo foi composta por estudantes de graduação de uma universidade pública da Grande Florianópolis, Santa Catarina Brasil. Foram considerados elegíveis os acadêmicos matriculados a partir da segunda fase. Para o cálculo amostral foram seguidas as recomendações sugeridas por Luiz e Magnanini (2000). O nível de confiança utilizado foi de 1,96, efeito de delineamento de 1,5, erro tolerável de quatro pontos percentuais e estimação de prevalência de 50% (desfecho não reconhecido), com acréscimo de 10% para possíveis perdas por recusa, desistência ou preenchimento incorreto do questionário. Considerando a população alvo de 2.823 acadêmicos matriculados (dados das Secretarias Acadêmicas dos Centros de Ensino) estimou-se uma amostra mínima de 817 indivíduos.
Participaram 1.134 estudantes universitários, de ambos os sexos, com idade igual ou superior a 18 anos, regularmente matriculados em nove cursos presenciais (Administração - Empresarial e Pública, Biblioteconomia, Design Industrial, Economia, Educação Física - Bacharelado e Licenciatura, Fisioterapia, Geografia, História e Moda), os quais estão vinculados à quatro centros de ensinos distintos (Artes; Ciências da Saúde e do Esporte; Ciências da Administração e Socioeconômicas; Ciências Humanas e da Educação). A amostra foi selecionada de forma estratificada, proporcional para cada centro de ensino, sendo os cursos e semestres selecionados de maneira probabilística, conforme a representatividade do centro de ensino, para a composição da amostra.
Material
Os sintomas depressivos foram avaliados por meio do Beck Depression Inventory (BDI) (Beck et al., 1961). Foi utilizada no presente estudo a versão em português brasileiro (Gorenstein & Andrade, 1998), a qual corresponde à versão revisada do instrumento original, publicada por Beck et al. (1979), contendo 21 itens. Cada item contém quatro afirmações sobre diferentes sintomas de depressão, que tem escores variados de zero a três, em ordem crescente de intensidade dos sintomas (Gorenstein & Andrade, 1998).
Os participantes foram instruídos a assinalar, em cada item, todas as afirmações que melhor descreviam como estavam se sentindo naquela semana, incluindo no dia da aplicação do inventário. Para obter o escore total do inventário, foram somados os valores das afirmações de maior intensidade assinalados, de todos os itens. O escore total varia de zero a 63 pontos sendo que quanto maior o escore, maior a intensidade dos sintomas da depressão. Os escores totais do BDI foram categorizados seguindo os pontos de corte: sem depressão: de zero a 13 pontos; depressão leve: de 14 a 19 pontos; depressão moderada: de 20 a 28 pontos; e depressão grave: de 29 a 63 pontos. Para fins de análise, os sintomas depressivos foram agrupados em dois níveis de intensidade: mínimo/leve (0-19 pontos) e moderado/grave (20-63 pontos) (Beck et al., 1996).
Foram coletadas informações sobre sexo (masculino e feminino), cor da pele (branca, preta, parda, amarela e indígena), situação conjugal (com companheiro/a e sem companheiro/a), orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual e outro) e nível econômico. O nível econômico foi verificado por meio do questionário “Critério de Classificação Econômica Brasil” (Associação Brasileira de Empresas e Pesquisa [ABEP], 2016), que permite classificar as pessoas e famílias em classes econômicas de acordo com seu poder de compra. O nível econômico foi categorizado em alto (A1+A2), médio (B1+B2) e baixo (C1+C2+D=E).
A versão em português brasileiro (Bighetti et al., 2004) do Eating Attitudes Test (EAT-26), contendo 26 itens, foi utilizada no presente estudo para avaliar a presença de padrões alimentares - atitudes e comportamentos - considerados sintomas comuns de transtornos alimentares. Para obter o escore total da escala foram atribuídos, para cada um de seus itens, 3 pontos para a resposta “sempre”, 2 pontos para “muitas vezes”, 1 ponto para “às vezes” e 0 pontos para “poucas vezes”, “quase nunca” e “nunca” (apenas um dos itens da escala recebeu pontuação reversa) e, então, calculou-se a soma dos pontos de todos os itens. O escore total varia de zero a 78 pontos. Escores mais elevados indicam maior presença de sintomas de transtornos alimentares. Para o presente estudo utilizou-se o ponto de corte <21 pontos para categorizar a amostra em “sem sintomas de transtornos alimentares” e ≥21 pontos em “com sintomas de transtornos alimentares” (Nunes et al., 2005).
A Rosenberg Self-Esteem Scale (RSES) (Rosenberg, 1965) avalia a autoestima global. A versão em português brasileiro da escala (Hutz & Zanon, 2011), utilizada no presente estudo, possui os mesmos dez itens do instrumento original para os quais são apresentadas opções de resposta em uma escala de quatro pontos. Para obtenção do escore total da escala a pontuação reversa foi atribuída aos itens com direção negativa e, então, calculou-se a soma dos pontos de todos os itens. Dessa forma, o escore total varia de dez a 40 pontos. Escores mais elevados indicam maior autoestima global. Para a categorização da amostra utilizou-se a distribuição tercílica, sendo classificado em baixa (masculino: <30,5; feminino: <28,0), média (masculino: entre 30,5 e 35,0; feminino: entre 28,0 e 34,0) e alta (masculino: ≥35; feminino≥34,0).
A massa corporal e a estatura foram autorreferidas pelos estudantes para o cálculo do índice de massa corporal - IMC (kg/m²). Os participantes com valores menores ou iguais a 24,99 kg/m² foram considerados com “peso normal” e aqueles com valores iguais ou superiores a 25 kg/m² foram considerados com “sobrepeso/obesidade” (WHO, 1998).
O nível de atividade física foi avaliado por meio das atividades físicas de recreação, esporte, exercício físico e lazer do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) em sua versão longa, o qual teve sua validade e reprodutibilidade testadas por Matsudo et al. (2001). Os estudantes que praticavam 150 minutos semanais ou mais de atividade física moderada e vigorosa foram classificados como “ativos fisicamente”, enquanto os estudantes com valores iguais ou menores a 149,99 minutos semanais de prática de atividade física moderada e vigorosa formaram o grupo de “insuficientemente ativos” (WHO, 2018).
Procedimentos
Após o contato inicial com os diretores gerais de cada centro de ensino e com os chefes de departamento dos cursos, para a apresentação do projeto de pesquisa e a solicitação de autorização para sua realização, a coleta de dados ocorreu na própria universidade, em sala de aula, em dia e hora agendados após a devida autorização pelos professores que ministravam as aulas no dia da coleta de dados. Com a devida autorização dos docentes, a coleta foi realizada no período de setembro a novembro de 2018, sempre com a presença de um pesquisador responsável. A coleta de dados consistiu no preenchimento, por parte dos estudantes, de um questionário, no formato papel e caneta, autoadministrado. Todos os estudantes que estavam presentes em sala de aula, nas turmas em que se obteve a autorização prévia dos docentes para a realização da coleta de dados, foram convidados a participar, sendo informados sobre os objetivos e a relevância da pesquisa. Ainda, foram informados sobre a participação de forma voluntária, sem recebimento de recompensas, sobre o anonimato e o sigilo total dos dados fornecidos, sobre a possibilidade da desistência a qualquer momento e a não obrigatoriedade em responder a todos os itens que compunham o questionário. Todos os estudantes participantes assinaram ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Análise estatística
As variáveis qualitativas foram apresentadas por meio de frequências relativas e absolutas, enquanto as variáveis quantitativas foram descritas a partir de medidas de posição (média) e dispersão (desvio padrão). O teste Kolmogorov Smirnov foi utilizado para verificar a normalidade da distribuição dos dados. Foram aplicados os testes U de Mann-Whitney, para verificar as diferenças entre os sexos nas variáveis quantitativas, e o qui quadrado ou o Exato de Fisher para testar a associação do sexo com as variáveis qualitativas. Para a análise multivariada empregou-se a regressão logística, estimando-se as razões de Odds bruta e ajustada por sexo, idade, nível econômico e situação conjugal, com os respectivos intervalos de confiança (IC 95%). Todas as análises foram realizadas no software IBM SPSS Statistics 20.
Resultados
Dos 1.134 estudantes universitários participantes, 314 foram excluídos das análises do presente estudo por apresentarem dados ausentes nas variáveis de interesse. No total, 820 estudantes com idades de 18 a 59 anos (média de 22,53 e dp=5,43) foram considerados elegíveis para o presente estudo.
Em relação às características gerais dos estudantes universitários observadas no quadro 1, a seguir, a maioria era de cor da pele branca, de nível econômico médio/alto, não tinham um(a) companheiro(a), eram heterossexuais, estudavam no centro de ensino das Ciências da Administração e Socioeconômicas, no período noturno, tinham peso normal, eram insuficientemente ativos, não tinham sintomas de transtornos alimentares e tinham autoestima alta. Os homens apresentaram valores médios superiores (p< 0,01) em todas as variáveis quando comparados às mulheres. Houve associação do sexo com as variáveis orientação sexual, centro de ensino, turno de estudo, status do peso, nível de atividade física e sintomas de transtornos alimentares.
A prevalência de sintomas depressivos foi de 12,8%, sendo superior nas mulheres (16,6%) em relação aos homens (8,0%) (p< 0,001) (Figura 1).
Variáveis | Amostra geral (n= 820) | Masculino (n= 361) | Feminino (n= 459) | p-valor |
---|---|---|---|---|
x(dp) | x(dp) | x(dp) | ||
Idade (anos) | 22,53 (5,43) | 23,36(6,35) | 21,87(4,48) | <0,01 |
Massa corporal (kg) | 68,30(23,03) | 77,56(30,26) | 61,02(10,41) | <0,01 |
Estatura (m) | 1,70(0,09) | 1,77(0,07) | 1,64(0,06) | <0,01 |
IMC (kg/m²) | 23,52(6,73) | 24,67(9,20) | 22,61(3,55) | <0,01 |
AF (min/sem) | 242,95(319,25) | 323,70(391,41) | 179,43(229,46) | <0,01 |
n(%) | n(%) | n(%) | ||
Cor da pele | 0,18* | |||
Branca | 683(83,3) | 288(79,8) | 395(86,1) | |
Parda | 82(10,0) | 45(12,5) | 37(8,1) | |
Preta | 45(5,5) | 23(6,4) | 22(4,8) | |
Amarela | 6(0,7) | 3(0,8) | 3(0,7) | |
Indígena | 4(0,5) | 2(0,6) | 2(0,4) | |
Nível econômico | ||||
Alto | 312(38,0 | 151(41,8) | 161(35,1) | 0,15 |
Médio | 368(44,9) | 152(42,1) | 216(47,1) | |
Baixo | 140(17,1) | 58(16,1) | 82(17,9) | |
Situação conjugal | 0,31 | |||
Com companheiro | 307(37,4) | 128(35,5) | 179(39,0) | |
Sem companheiro | 513(62,6) | 233(64,5) | 280(61,0) | |
Orientação sexual | <0,01* | |||
Heterossexual | 683(83,3) | 324(89,8) | 359(78,2) | |
Homossexual | 42(5,1) | 25(6,9) | 17(3,7) | |
Bissexual | 85(10,4) | 10(2,8) | 75(16,3) | |
Outro | 10(1,2) | 2(0,6) | 8(1,7) | |
Centro de ensino | <0,01 | |||
Artes | 125(15,2) | 25(6,9) | 100(21,8) | |
Administração e Socioeconômicas | 321(39,1) | 157(43,5) | 164(35,7) | |
Humanas e Educação | 116(14,1) | 59(16,3) | 57(12,4) | |
Saúde e Esporte | 258(31,5) | 120(33,2) | 138(30,1) | |
Turno de estudo | <0,01 | |||
Matutino | 240(29,3) | 129(35,7) | 111(24,2) | |
Vespertino | 115(14,0) | 58(16,1) | 57(12,4) | |
Noturno | 268(32,7) | 140(38,8) | 128(27,9) | |
Integral | 197(24,0) | 34(9,4) | 163(35,5) | |
Status do peso | <0,01 | |||
Normal | 607(73,7) | 236(65,4) | 368(80,2) | |
Sobrepeso/obesidade | 216(26,3) | 125(34,6) | 91(19,8) | |
NAF | <0,01 | |||
Ativo | 413(50,4) | 212(58,7) | 201(43,8) | |
Insuficientemente ativo | 407(49,6) | 149(41,3) | 258(56,2) | |
STA | 0,01 | |||
Sem | 609(74,3) | 286(79,2) | 323(70,4) | |
Com | 211(25,7) | 75(20,8) | 136(29,6) | |
Autoestima | 0,71 | |||
Baixa | 268(32,7) | 120(33,2) | 148(32,2) | |
Média | 230(28,0) | 96(26,6) | 134(29,2) | |
Alta | 322(39,3) | 145(40,2) | 177(38,6) |
Nota. IMC: índice de massa corporal; AF: atividade física; NAF: nível de atividade física; STA: sintomas de transtornos alimentares; *Exato de Fisher
Na análise bruta, notou-se associação dos sintomas depressivos com centro de ensino, status do peso, nível de atividade física, sintomas de transtornos alimentares e autoestima, as quais permaneceram no modelo ajustado. Tais achados apontam que os acadêmicos de Artes e das Ciências Humanas e de Educação apresentaram, em torno de, três vezes mais chances de ter sintomas depressivos em relação àqueles estudantes da área da saúde. Ademais, os estudantes com sobrepeso/obesidade, com níveis insuficientes de atividade física e com presença de sintomas de transtornos alimentares apresentaram, respectivamente, 2,70, 2,35 e 2,92 vezes mais chances de ter sintomas depressivos. Além disso, observa-se que, os estudantes com autoestima baixa e média apresentaram, respectivamente, 59,02 e 7,45 vezes mais chances de ter o desfecho em relação aos com autoestima alta, conforme valores apresentados a seguir, no Quadro 2.
Discussão
A prevalência de sintomas depressivos foi de 12,8%. Esse achado é superior às médias globais apresentadas pela WHO (2017), mas semelhante às prevalências encontradas na literatura nacional (Bresolin et al., 2020; Leão et al., 2018; Maltoni et al., 2019). É importante destacar que o instrumento utilizado no presente estudo para avaliar os sintomas depressivos, isoladamente, não é capaz de diagnosticar o transtorno depressivo maior, contudo, escores em níveis moderados e graves podem indicar a sua manifestação (Maltoni et al., 2019). Ademais, além do próprio adoecimento dos estudantes, surgem como possíveis consequências desta condição outras demandas de saúde, como comportamentos de risco e consumo de álcool e drogas (Arino & Bordagi, 2018).
A prevalência dos sintomas depressivos foi superior nas mulheres (16,6%) em relação aos homens (8,0%), corroborando os resultados encontrados em estudantes universitários brasileiros (Bresolin et al., 2020; Fernandes et al., 2018; Leão et al., 2018; Maltoni et al., 2019). Resultados semelhantes também foram apontados em universitários nos Estados Unidos (Acharya et al., 2018) e na Cidade do México (Lazarevich et al., 2018). Na meta-análise realizada por Liu et al. (2018), na qual foram incluídos estudos longitudinais que contemplaram mais de 25 mil estudantes universitários de diferentes países (China, Estados Unidos, Japão, Espanha, Suíça e Alemanha), foi verificado que as estudantes mulheres eram mais propensas a sofrer de sintomas depressivos quando comparadas aos estudantes homens.
Variáveis | OR(IC95%) | OR(IC95%)* |
---|---|---|
Orientação sexual | ||
Heterossexual | 0,28(0,07-1,09) | 0,37(0,09-1,52) |
Homossexual | 0,55(0,12-2,60) | 0,79(0,16-3,94) |
Bissexual | 0,82(0,19-3,43) | 0,84(0,19-3,62) |
Outro | 1 | 1 |
Centro de ensino | ||
Artes | 3,80(2,03-7,10) | 3,15(1,67-5,94) |
Administração e Socioeconômicas | 1,35(0,74-2,44) | 1,39(0,76-2,55) |
Humanas e Educação | 3,63(1,92-6,89) | 3,63(1,87-8,03) |
Saúde e Esporte | 1 | 1 |
Turno de estudo | ||
Matutino | 0,75(0,39-1,46) | 0,78(0,40-1,52) |
Noturno | 0,75(0,39-1,44) | 0,78(0,40-1,51) |
Integral | 1,29(0,68-2,46) | 1,03(0,53-2,01) |
Vespertino | 1 | 1 |
Status do peso | ||
Sobrepeso/obesidade | 2,07(1,35-3,17) | 2,70(1,72-4,25) |
Normal | 1 | 1 |
NAF | ||
Não atende | 2,60(1,68-4,04) | 2,35(1,50-3,67) |
Atende | 1 | 1 |
STA | ||
Com | 3,13(2,05-4,77) | 2,92(1,91-4,49) |
Sem | 1 | 1 |
Autoestima | ||
Baixa | 51,11(15,94-163,90) | 59,02(18,01-193,43) |
Média | 7,42(2,12-25,94) | 7,45(2,10-26,46) |
Alta | 1 | 1 |
Nota. CEART: Centro de Artes; NAF: nível de atividade física; STA: sintomas de transtornos alimentares. *Ajustado por sexo, idade, nível econômico e situação conjugal.
Apesar da diferença significativa entre os sexos, apontada por um grande número de estudos (Acharya et al., 2018; Bresolin et al., 2020; Fernandes et al., 2018; Lazarevich et al., 2018, Leão et al., 2018, Liu et al., 2018, Maltoni et al., 2019), ainda não se sabe ao certo do porquê há maior número de mulheres com sintomas depressivos. Uma possível explicação para os achados do presente estudo pode estar relacionada a quantidade de atividade física praticada pelas mulheres ser inferior (179,4 min/sem) quando comparadas aos homens (323,7 min/sem), além de que 56,2% delas não atendiam as recomendações de prática suficiente de atividade física da WHO (2018). Ainda, 63,4% dessas universitárias estudavam em período integral (35,5%) ou noturno (27,9%), enquanto somente 9,4% dos homens estudavam em período integral, tornando possível deduzir uma maior sobrecarga acadêmica e/ou dupla jornada nas estudantes do sexo feminino o que pode, em partes, explicar a maior prevalência de sintomas depressivos nesse grupo.
Embora os dados apresentados sugiram possíveis conexões com os índices elevados de sintomas depressivos nas estudantes mulheres, algumas questões inerentes ao sexo são citadas por alguns autores. Os fatores socioambientais como, por exemplo, a maior ocorrência de episódios negativos ao longo da vida, abusos físicos e sexuais, a discriminação de gênero, a autocriticidade elevada, a maior responsabilidade frente aos desafios e também, fatores físicos, como a maturação física e emocional à frente dos homens, surgem como aspectos que possivelmente estão relacionados à prevalência superior de sintomas depressivos no sexo feminino (Bresolin et al., 2020; Keita, 2007; Maltoni et al., 2019). Em contextos globais, que extrapolam o ambiente acadêmico, a WHO (2017) também aponta maiores prevalências de depressão nas mulheres quando comparadas aos homens, demonstrando então, a importância de investigar com maior acuidade essa população, sendo relevante a condução de novos estudos que busquem apontar com clareza os fatores de risco relacionados à saúde mental das mulheres em contextos gerais.
As pesquisas atuais têm investigado qual a relação entre os transtornos psiquiátricos e o momento da vida acadêmica. Alguns fatores não modificáveis, como a idade e o sexo, e modificáveis como condições sociodemográficas, eventos de vida desfavoráveis e relacionamentos insatisfatórios podem estar relacionados ao surgimento dos sintomas depressivos (Bresolin et al., 2020; Acharya et al., 2018; Leão et al., 2018). Ainda, estudos recentes relataram que os níveis insuficientes de atividade física estão entre os fatores de risco associados ao surgimento de sintomas depressivos, passíveis de modificação (Bresolin et al., 2020; Kim et al., 2019; Leão et al., 2018).
No presente estudo, a prevalência de estudantes que não atenderam as recomendações mínimas semanais de 150 minutos de atividade física moderada a vigorosa (WHO, 2018) foi de 49,6% (mulheres: 56,2%; homens: 41,3%), e a atividade física insuficiente esteve associada aos sintomas depressivos nos estudantes investigados. Tais achados corroboram outros estudos realizados no Rio Grande do Sul e no Ceará (Bresolin et al. 2020; Leão et al. 2018).
Com o objetivo de investigar a quantidade de atividade física necessária para reduzir os sintomas depressivos, Kim et al. (2019), em estudo de coorte (2012-2015) com homens e mulheres coreanos, maiores de 18 anos de idade, observaram que, quando comparados ao grupo sedentário, que alcançaram até 600 METs-min/sem (até 150 min/sem), os indivíduos que atingiram entre 1.200-3.000 METs-min/sem (300-750 min/sem), apresentaram menor risco de incidência de sintomas depressivos. Aqueles que executaram entre 1.200-3.000 METs-min/sem apresentaram risco 10% menor, e essa tendência da associação inversa atingiu 14% naqueles que alcançaram valores entre 1.800-3.000 METs-min/sem (450-750 min/sem) (Kim et al., 2019).
Em homens saudáveis, caminhar em ritmo médio de 9 a 15 horas por semana demonstrou ser a quantidade necessária para a redução da incidência da depressão, já para as mulheres, caminhar de 6 a 9 horas por semana apresentou eficácia significativa (Kim et al., 2019). Esses valores em horas, reduzem consideravelmente quando são realizadas atividades de carga moderada, como andar de bicicleta em ritmo regular ou jogar tênis (Kim et al. 2019). Com base nessa relação inversa entre níveis de atividade física e incidência de sintomas depressivos, reforça-se a importância da modificação de hábitos de vida não saudáveis, que incluem o comportamento sedentário e a atividade física insuficiente, para a promoção da saúde física e mental e a melhora do perfil psicológico em jovens no contexto acadêmico.
Além da atividade física insuficiente, o sobrepeso/obesidade se associou aos sintomas depressivos. Apesar de os participantes do sexo masculino terem apresentado quantidade de atividade física semanal superior comparados ao sexo feminino, eles apresentaram maior prevalência de sobrepeso/obesidade, (34,6%), em relação a elas (19,8%). Tendência semelhante foi observada em estudo realizado em São Paulo, em que a média do IMC dos homens (38,2 kg/m²) foi mais alta do que a média das mulheres (32,5kg/m²) (Scotton et al., 2019). Ainda que os sintomas depressivos nos universitários homens sejam menores, Bresolin et al. (2020) evidenciaram que a intensidade dos sintomas depressivos foi mais significativa nos estudantes com sobrepeso ou obesidade, quando comparados àqueles estudantes com massa corporal adequada (WHO, 1998). Scotton et al. (2019) observaram a prevalência dos sintomas depressivos em 18,9% dos indivíduos com sobrepeso e obesidade. Em vista disso, é importante considerar a adoção de estratégias multidisciplinares no manejo adequado das variáveis envolvidas no desenvolvimento de quadros depressivos em indivíduos que apresentam sobrepeso e obesidade. A WHO (2018), aponta que a atividade física insuficiente é um dos principais fatores de risco de morte em todo o mundo ao passo que, os níveis adequados acarretam benefícios múltiplos para a saúde, contribuindo para a prevenção de doenças crônico-degenerativas não transmissíveis (DCNTs), reduzindo dessa forma, o risco potencial da depressão além de mostrar-se fundamental para o controle e manutenção do peso corporal (WHO, 2018).
Os sintomas de transtornos alimentares estiveram associados aos sintomas depressivos nos estudantes universitários desse estudo. Ao investigarem a relação entre a prevalência de sintomas depressivos e os hábitos de consumo alimentar em estudantes universitários de uma instituição pública do México, Lazarevich et al. (2018), identificaram relação significativa entre a alta prevalência de depressão nas mulheres (27,5%) e maus hábitos alimentares como o consumo de frituras, de alimentos açucarados e comidas rápidas. Nos homens não se verificou tal associação apesar de apontarem maior consumo de bebidas adoçadas (55,3%) e comidas açucaradas (53,2%), quando comparados às estudantes do sexo feminino (44,7 e 50,9% respectivamente). A ingestão descontrolada de alimentos é uma forma equivocada de combater o estresse, e o gerenciamento de emoções negativas pode estar relacionado aos maus hábitos alimentares podendo se associar ao desenvolvimento do sobrepeso ou obesidade (Lazarevich et al., 2018).
A baixa e média autoestima foram identificadas em 60,7% dos estudantes (32,7% baixa e 28% média). Em valores absolutos, as mulheres revelaram maior prevalência de autoestima baixa/média (61,4%), quando comparadas aos homens (59,8%), contudo, os níveis de autoestima baixa foram mais prevalentes nos estudantes do sexo masculino (33,2%). Os estudantes com autoestima baixa e média tiveram maior chance de apresentar sintomas depressivos em relação aos com autoestima alta. Este achado aponta um importante fator associado à saúde mental na população investigada, reforçando a necessidade de se investigar distintas variáveis que possam interferir nos fatores psicológicos dos estudantes no contexto acadêmico. Visto a necessidade de aprofundamento acerca das relações entre os níveis de autoestima e o desenvolvimento de depressão em jovens adultos, Choi et al. (2019) encontraram que a autoestima esteve fortemente associada ao desenvolvimento de depressão. Ademais, os autores identificaram que o grupo com sintomas leves de depressão tinha níveis mais baixos de suporte social, sugerindo relacionamentos de baixa qualidade (Choi et al., 2019). Os achados deste estudo corroboram os resultados de Choi et al. (2019), e reforçam a necessidade de novas investigações que relacionem os níveis de autoestima com os sintomas depressivos em estudantes universitários devido as fortes evidências apontadas até aqui.
Os acadêmicos pertencentes aos cursos de graduação das Artes e das Ciências Humanas e da Educação estiveram mais expostos a ter sintomas depressivos em relação aos acadêmicos da área da saúde. Esse resultado difere do encontrado por Maltoni et al. (2019), que não verificaram diferenças entre os estudantes de Ciências Sociais Aplicadas, Saúde, Humanas e Ciências Biológicas. Ademais, muitos estudos demonstraram maior interesse em investigar estudantes universitários da área da saúde, apontando que estudantes da área da saúde apresentam maiores chances de desenvolverem sintomas depressivos (Bresolin et al., 2020; Fernandes et al., 2018; Leão et al., 2018), gerando assim, uma lacuna nas demais áreas acadêmicas. Esta carência foi identificada na meta-análise de Trindade et al. (2019), a qual teve como objetivo verificar as associações entre transtornos alimentares e sintomas depressivos em estudantes universitários brasileiros. Os resultados desse estudo indicaram a inexistência de estudos focados nos cursos de ciências sociais, enquanto 75% dos estudos selecionados concentravam-se exclusivamente nos cursos da área da saúde (Trindade et al., 2019). Assim, recomenda-se que pesquisas futuras investiguem as demais áreas de ensino e busquem verificar as relações causais da prevalência de sintomas depressivos nos diferentes cursos de graduação.
Os resultados do presente estudo devem ser interpretados levando-se em consideração algumas limitações como o viés de memória dos participantes, inerente aos instrumentos utilizados e a falta de abordagem de outras variáveis que pudessem, de algum modo, influenciar no desfecho de sintomas depressivos, como o uso de medicamentos, o consumo de álcool e outras substâncias, a qualidade de sono e o relacionamento familiar. Apesar disso, os achados aqui descritos podem nortear profissionais da área da saúde, docentes e instituições de ensino superior para uma melhor compreensão das variáveis envolvidas na saúde mental dos alunos de graduação do ensino superior e para o desenvolvimento de estratégias de enfrentamento dos sintomas depressivos.
Considerando a importância da experiência no ensino superior, na vida pessoal e profissional dos indivíduos, salienta-se a necessidade de intervenção precoce junto aos estudantes universitários, promovendo um ambiente saudável e adequado para o desenvolvimento cognitivo e individual dos estudantes. Para isso, sugere-se que novas pesquisas busquem relacionar demais variáveis envolvidas no processo acadêmico, como carga horária dos cursos, demandas curriculares, estágios obrigatórios, satisfação com o curso, jornada de trabalho, relacionamento com docentes, percepção das vivências acadêmicas, possibilitando a redução dos danos psicológicos enfrentados por muitos estudantes universitários, prevenindo o seu adoecimento e colaborando para um desenvolvimento mais humanizado.
A prevalência de sintomas depressivos foi evidenciada em 12,8% dos estudantes universitários, sendo superior nas mulheres em relação aos homens. Os fatores associados aos sintomas depressivos nos estudantes universitários foram a autoestima baixa e média, a área das Ciências Humanas e Educação e Arte, o sobrepeso e a obesidade, os níveis insuficientes de atividade física e a presença de sintomas de transtornos alimentares.
Contribuição dos autores
Giovana Hexsel: Concetualização, Análise dos dados, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Karoline Scarabelot: Concetualização, Análise dos dados.
Gaia Claumann: Concetualização, Análise dos dados, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.
Andreia Pelegrini: Concetualização, Análise dos dados, Redação do rascunho original, Redação - revisão e edição.