Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Motricidade
versão impressa ISSN 1646-107X
Motri. vol.10 no.4 Ribeira de Pena dez. 2014
https://doi.org/10.6063/motricidade.10(4).3341
ARTIGO DE REVISÃO
Os efeitos da realidade virtual na reabilitação do acidente vascular encefálico: Uma revisão sistemática
The effects of virtual reality on stroke rehabilitation: A systematic review
José Eduardo Pompeu1,*; Thais Helena Alonso2; Igor Bordello Masson2; Sandra Maria Alvarenga Anti Pompeu2; Camila Torriani-Pasin3
1Departamento de Fisioterapia, Fonoaudiologia e Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
2Departamento de Ciências da Saúde, Universidade Paulista, São Paulo, Brasil
3Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo, São Paulo, Brasil
RESUMO
Este estudo propôs-se a realizar uma revisão sistemática da literatura a fim de verificar os efeitos da realidade virtual (RV) sobre a reabilitação de pacientes que sofreram acidente vascular encefálico (AVE). Foi realizada uma busca nas bases de dados eletrónicas Medline, Lilacs, Scielo e Pubmed, no período de 2004 a 2012. As palavras-chave utilizadas foram: realidade virtual, vídeo game, AVC, fisioterapia, reabilitação, virtual reality, stroke, rehabilitation e physiotherapy. Foram localizados 893 artigos e, ao final da seleção foram analisados nove estudos. Os resultados obtidos mostraram que o treino com RV pode contribuir para a reabilitação de pacientes que sofreram AVE. Os estudos selecionados utilizaram sete sistemas de RV para o treino das seguintes funções: marcha, equilíbrio, membro superior, cognição e perceção. Além disso, dependendo da função treinada, os autores utilizaram diferentes métodos de avaliação. Entretanto, mesmo os estudos que avaliaram funções similares utilizaram instrumentos de avaliação diferentes o que dificulta a comparação dos resultados. Conclui-se que a RV pode promover efeitos positivos na reabilitação de pacientes pós-AVE. Apesar dos resultados promissores, ainda são necessários novos estudos com maior número de sujeitos e melhor qualidade metodológica.
Palavras-chave: acidente vascular cerebral, reabilitação, tecnologia
ABSTRACT
This study aimed to perform a systematic review to verify the effects of virtual reality (VR) on the rehabilitation of stroke patients. The search was conducted in the electronic databases Medline, Lilacs, Scielo and PubMed, from 2004 to 2012. The keywords selected for the search were: virtual reality, video game, stroke, physiotherapy, rehabilitation. It was found 893 articles, and at the end of selection, nine studies were included. The results showed that training with VR may contribute to the rehabilitation of stroke patients. The selected studies involved the use of seven different VR systems for training of functions: gait, balance, upper limb function, cognition and perception. Furthermore, depending on the function trained, the authors selected different assessment methods. However, even in the studies with similar functions assessed it was found different measurement techniques. The conclusion was that VR can promote positive effects on rehabilitation of post stroke patients. Despite promising results, further studies are needed with larger numbers of subjects and better methodological quality.
Keywords: stroke; rehabilitation; technology
INTRODUÇÃO
O acidente vascular encefálico (AVE) ocorre devido a uma alteração na circulação encefálica que pode causar alterações definitivas ou transitórias na função de uma ou mais áreas do encéfalo devido a isquemias decorrentes de fenómenos trombo-embólicos ou mesmo devido a hemorragias em função da rutura de aneurismas ou más formações arteriovenosas (Hanchate, Schwamm, Huang, & Hylek, 2013; Planas, 2013; Savitz & Mattle, 2013; Tennant, 2013). As disfunções sensoriomotoras, de linguagem e cognitivas consequentes do AVE podem causar limitações no desempenho funcional com consequências negativas na estrutura e função do corpo, atividades e participação (Faria, Silva, Corrêa, Laurentino, & Teixeira-Salmela, 2012; Fong, Chan, & Au, 2001). Diversas estratégias de tratamento utilizadas pela fisioterapia, tais como terapia por contensão induzida e terapia orientada à tarefa podem auxiliar na restauração das funções afetadas, com o principal objetivo de promover melhora das atividades funcionais visando a maior independência possível do paciente (Brainin & Zorowitz, 2013). No entanto, tais recursos podem tornar-se desmotivadores e monótonos ao paciente em função da repetição intensiva. Nesse contexto, recentemente, a realidade virtual (RV) tem sido proposta como um novo recurso que pode contribuir para a reabilitação de pacientes neurológicos, pois pode proporcionar interação, motivação e prazer na prática de exercícios específicos para as mais diversas finalidades (Deutsch, 2011; Eng et al., 2007; Laver, George, Thomas, Deutsch, & Crotty, 2011; Levin, 2011; Penasco-Martin et al., 2010; Saposnik et al., 2009, 2010).
Deutsch et al. (2011) definiram a RV como uma experiência virtual imersiva, interativa, tridimensional, que ocorre em tempo real, que estimula a participação ativa do paciente mesmo com incapacidade física e cognitiva. Ao interagir com o mundo virtual, o paciente obtém informações online sobre o seu desempenho, bem como as consequências de sua prática, ou seja, o conhecimento dos resultados da atividade motora, o que pode contribuir para a aprendizagem (Cameirao, Badia, Zimmerli, Oller, & Verschure, 2007; Laver et al., 2011; Mirelman, Patritti, Bonato, & Deutsch, 2010). Considerando-se que o AVE é uma doença que tem um grande impacto na saúde pública mundial (Tennant, 2013), com taxa de mortalidade elevada (Hanchate et al., 2013; Huang et al., 2013) e que gera prejuízos funcionais e psicológicos para a população acometida (Fong et al., 2001), novos métodos de intervenção têm sido propostos com o objetivo de potencializar a reabilitação e minimizar as deficiências funcionais de pacientes pós-AVE, tais como o uso da RV.
Nesse cenário, nos últimos dez anos, um crescente número de estudos piloto, caso-controle e ensaios clínicos randomizados têm sido conduzidos com o intuito de verificar os efeitos do uso da RV na recuperação funcional de indivíduos após um AVE (Cameirão et al., 2007; Laver et al., 2011; Mirelman, Patritti, Bonato, & Deutsch, 2010; Saposnik et al., 2009, 2010). Entretanto, seus efeitos ainda são pouco robustos e, em função da diversidade metodológica dos estudos (Saposnik et al., 2009, 2010), faz-se necessária uma análise crítica do conjunto de estudos produzidos até o presente momento, a fim de reunir os principais achados sobre seus efeitos em cada uma das funções comprometidas após um AVE.
Deste modo, este trabalho teve como objetivo realizar um levantamento e análise crítica da literatura sobre os efeitos da RV na recuperação do equilíbrio, membro superior e perceção/cognição de pacientes pós-AVE.
MÉTODO Trata-se de uma revisão sistemática da literatura, realizada por meio de pesquisa nas bases de dados eletrónicas Medline, Lilacs, Scielo e Pubmed, no período de busca de 2004 a 2012. A pesquisa dos artigos foi realizada entre os meses de janeiro e julho de 2012. As palavras-chave utilizadas foram: realidade virtual, vídeo game, AVC, fisioterapia, reabilitação, virtual reality, stroke, rehabilitation e physiotherapy. Foram utilizadas as seguintes combinações: vídeo game AND fisioterapia, vídeo game AND reabilitação, vídeo game AND AVC, realidade virtual AND fisioterapia, realidade virtual AND reabilitação, virtual reality AND stroke, virtual reality AND physiotherapy e virtual reality AND rehabilitation. O conteúdo dos artigos selecionados foi avaliado e validado na medida em que se tratavam de estudos experimentais, de intervenção, tais como estudos descritivos de séries de caso, caso-controle e ensaios clínicos aleatórios. Dado o número crescente de estudos de RV nessa população, foram definidos como critérios para seleção apenas os estudos que investigaram os efeitos da aplicação de um programa de intervenção baseado em RV para indivíduos com AVE cujos desfechos primários ou secundários fossem a avaliação dos efeitos na marcha, equilíbrio, recuperação do membro superior e cognição/perceção. Não foram considerados elegíveis relatos de caso, revisões de literatura e cartas ao editor. Quando se tratavam de estudos experimentais foram considerados estudos inaceitáveis quando havia somente análise estatística descritiva e não inferencial, quando havia heterogeneidade na amostra, tais como lesões cerebelares associadas às lesões encefálicas, assim como a mensuração dos efeitos da intervenção apenas pelo desempenho obtido pelos sujeitos por meio da pontuação nos jogos realizados em ambiente virtual. Foi desenvolvida uma matriz única para que o preenchimento da mesma, após as leituras e análises de cada artigo, fosse igual para os examinadores. Desse modo, os estudos foram selecionados por dois examinadores independentes e, na existência de incongruência na seleção dos estudos, um terceiro examinador foi recrutado para solucionar a não-concordância. Essa matriz continha as seguintes informações: autor, ano, objetivo, número de sujeitos, detalhamento da intervenção e resultados. A partir desse procedimento, cada examinador leu o artigo, realizou a análise do mesmo e preencheu a matriz com as informações solicitadas. Caso houvesse incongruência nas informações extraídas, um terceiro examinador era solicitado a decidir por quais informações iriam compor a matriz de resultados.
RESULTADOS No total, a busca resultou em 893 estudos, dentre os quais 712 foram excluídos após a leitura do título, 163 por tratar-se de revisões de literatura, e três por serem cartas ao editor. Foram selecionados 15 estudos para a leitura completa do texto e seis foram excluídos após a mesma: quatro por avaliarem a eficácia de um sistema e não os efeitos sobre a reabilitação pós-AVE, um por falar sobre ataxia cerebelar sem relação com o AVE, e um por analisar um sistema de reabilitação com acompanhamento virtual. Sendo assim, nove estudos foram selecionados para esta revisão sistemática (ver figura 1). Dos nove estudos selecionados, quatro avaliaram os efeitos da RV na reabilitação da marcha e do equilíbrio, três sobre a recuperação da função do membro superior, um sobre a cognição e um sobre a negligência unilateral. A tabela 1 apresenta os objetivos, o número de pacientes, a casuística, a intervenção e os resultados encontrados em cada estudo.
DISCUSSÃO
Efeitos da RV na marcha e equilíbrio
Yang, Tsai, Chuang, Sung e Wang (2008) examinaram o efeito de um treino em esteira associado à RV. Participaram do estudo pacientes com AVE que foram randomizados entre os grupos controle (GC) com nove indivíduos e experimental (GE) com 11. Todos os indivíduos foram avaliados antes e após a intervenção por um avaliador que não tinha conhecimento sobre qual grupo o paciente pertencia. Entretanto, os pacientes tinham conhecimento sobre o tipo de intervenção que estavam recebendo em cada grupo. Deste modo, o estudo foi considerado como cego e não duplo-cego. O GC recebeu um treino de marcha em esteira executando diferentes tarefas como a transposição de obstáculos e o GE recebeu treino de marcha em esteira associado à RV que simulava o passeio em uma cidade apresentando pistas, cruzamentos e passeios no parque virtual. As medidas do estudo foram: (1) a velocidade da marcha; (2) o Community Walking Time; (3) o Walking Ability Questionnaire e (4) a Activities-Specific Balance Confidence Scale. O estudo mostrou que ambos os grupos apresentaram melhoras significativas nas medidas do estudo após a intervenção, porém o GE apresentou melhora superior na velocidade da marcha, no Community Walking Time (p< 0.05).
Walker et al. (2010) examinaram o efeito do treino de marcha e equilíbrio em esteira com suspensão de peso associada à RV em seis indivíduos pós-AVE. O treino foi realizado com uma televisão colocada na frente da esteira que simulava uma rua com pedestres, edifícios e tráfegos de carros. Os participantes eram acompanhados por um avatar que se comunicava com eles por meio de mensagens de incentivo. Informações auditivas para melhorar a postura também foram apresentadas. Os pacientes apresentaram melhora significativa na velocidade e duração da marcha e no equilíbrio (p< 0.05).
Os estudos de Yang et al. (2008) e de Walker et al. (2010) avaliaram os efeitos da RV associada ao treino de marcha em esteira. Ambos os estudos mostraram que a RV pode promover melhora na marcha. Além disso, Yang et al. (2008) mostraram que o treino de marcha em esteira associado à RV obteve melhoras superiores ao treino de marcha na esteira não associado à RV na velocidade da marcha e no teste que denominaram de marcha comunitária, no qual o indivíduo era instruído a andar na sua velocidade máxima por um percurso de 400 metros que continha obstáculos, subidas e descidas. No estudo de Walker et al. (2010) somente seis pacientes finalizaram a intervenção e não houve grupo controle, o que impossibilitou a comparação dos efeitos da associação do treino de marcha em esteira e a RV com o treino de marcha sem a utilização da RV. Além disso, Walker et al. (2010) utilizaram a suspensão de peso durante o treino de marcha em esteira, o que dificulta a comparação dos seus resultados com os do estudo de Yang et al. (2008), que não utilizaram suspensão de peso. De qualquer modo, ambos os estudos observaram melhora na velocidade da marcha e em escalas funcionas da marcha com a associação da RV com treino de marcha em esteira. Yang et al. (2008) atribuem a melhora observada após a intervenção à reorganização das redes neurais associadas à locomoção. Além disso, estes autores sugerem que a neuroplasticidade dependente da prática teve um papel importante na melhora, já que a prática repetitiva dos movimentos do membro afetado pode gerar uma potencialização sináptica. Já Walker et al. (2010) afirmam que os estímulos para a aprendizagem de novas habilidades motoras e subsequente recuperação após uma lesão no sistema nervoso são específicos para a tarefa e dependentes da prática repetitiva. Deste modo, os autores defendem que o uso da RV transforma a marcha numa tarefa direcionada para uma meta e a associa a uma demanda cognitiva associada aos movimentos repetitivos dos membros inferiores. Além disso, Walker et al. (2010) consideram que a RV pode contribuir de modo positivo para a motivação e empenho no tratamento, fatores que favorecem a aprendizagem motora.
Mirelman et al. (2010) realizaram um ensaio clínico randomizado e cego para examinar o efeito da RV na biomecânica da marcha de pacientes com hemiparesia. Os pacientes foram avaliados uma semana antes e depois de quatro semanas de um programa de treino. Após 3 meses do final da intervenção os pacientes foram reavaliados. A avaliação cinemática da marcha foi realizada por meio de oito câmaras de captação de movimento (Sistema Vicon®). Os dados derivados da análise incluíram parâmetros têmporo-espaciais, cinemática e cinética do tornozelo, joelho e quadril durante as fases de apoio e balanço da marcha. Os participantes foram randomizados entre GC e GC com nove indivíduos cada. Os participantes do GE receberam um treino baseado no sistema Rutgers de reabilitação do tornozelo (RARS) (Tabela 1), baseado numa plataforma de força com um sistema de feedback e seis graus de liberdade de movimento. Os sujeitos permaneciam sentados em frente à tela do computador com o pé afetado fixo, confortavelmente sobre a plataforma de força, e realizavam movimentos de dorsiflexão, flexão plantar, inversão e eversão do tornozelo para controlar um avião e um barco virtuais projetados na tela de um computador. O GC recebeu exercícios semelhantes ao GE, porém sem RV. O estudo mostrou que o GE apresentou aumento significativamente maior na geração de força no tornozelo na fase de pré-balanço, além de melhora nas amplitudes de movimento do tornozelo e joelho do lado afetado durante as fases de apoio e balanço da marcha (p< 0.05). Os autores acreditam que o treino específico direcionado para a cinética e cinemática do tornozelo realizado em cadeia cinética fechada contribuiu para a melhora na marcha por meio do aumento da força de flexão plantar durante a fase de pré-balanço.
Barcala et al. (2011) examinaram os efeitos do treino motor por meio do Nintendo Wii Fit (Tabela 1) no equilíbrio de pacientes hemiparéticos. Doze indivíduos foram randomizados entre GC e GE e avaliados antes e após o treino por meio da Escala de Equilíbrio de Berg e pela estabilometria, que mensura a oscilação do centro de pressão, nos eixos ântero-posterior e médio-lateral, por uma plataforma de pressão com os pacientes de olhos abertos e fechados. O GC realizou fisioterapia convencional e o GE exercícios de equilíbrio com o Wii Fit utilizando três tipos de jogos: Table Tilt, Penguin Slide e o Tightrope Walk. Ambos os grupos apresentaram melhora no equilíbrio estático e dinâmico e diminuição das oscilações posturais (p< 0.05).
Portanto, dos três estudos analisados e descritos sob a perspetiva da marcha, todos evidenciaram que o uso de RV promove melhora mais significativa do que a intervenção controle na recuperação da velocidade de marcha de indivíduos pós-AVE. Esse achado é bastante significativo, dado que os ensaios clínicos apresentados possuem cuidados metodológicos e rigor adequados, tais como o tamanho amostral, cegamento do examinador e instrumentos de avaliação adequados, reprodutíveis e similares nos três estudos descritos. Porém, ressalta-se que o sistema de RV era diferente nos três estudos, o que levanta a hipótese de que o ambiente de RV promove efeitos superiores na recuperação da marcha, independentemente do tipo, marca ou modelo do sistema utilizado.
Já o único estudo incluído na revisão que avaliou os efeitos na recuperação do equilíbrio não evidenciou diferença entre o treino com e sem RV para os indivíduos pós-AVE. Como se trata apenas de um estudo, mais estudos necessitam ser delineados a fim de permitir inferir sobre os efeitos do uso de RV na recuperação do equilíbrio após um AVE.
Efeitos da RV na função do membro superior
Stewart et al. (2007) examinaram o efeito da RV na recuperação do membro superior de pacientes pós-AVE. Dois indivíduos realizaram o treino em RV por meio de um computador pessoal e óculos que forneciam uma visão tridimensional dos estímulos. Foram utilizados quatro jogos adaptados para as alterações motoras dos pacientes como o “Pinch”, no qual o indivíduo deveria pegar um cubo e colocá-lo numa janela no fundo de um quarto fechado; o “Reaching”, no qual o paciente tinha que alcançar blocos projetados por meio de movimentos de seus membros superiores; o “Ball Shooting”, no qual o paciente deveria alcançar uma bola que era disparada e o “Rotation”, que estimula os movimentos de pronação e supinação do antebraço. Os resultados demonstraram que ambos os participantes apresentaram melhora funcional do membro superior.
Mouawad, Doust, Max, e McNulty (2011) examinaram a eficácia da terapia baseada nos jogos do Nintendo Wii Sports na reabilitação pós-AVE. Os participantes foram randomizados entre GC com cinco indivíduos e GE com sete. O GC realizou o treino utilizando o controle remoto do Nintendo Wii com seu membro não afetado para jogar ténis, golfe, boxe, bowling e basebol. O GE realizava os mesmos jogos, porém com seu membro afetado. O estudo mostrou aumento significativo na função do membro superior afetado (p< 0.05) para o grupo que fez uso de RV.
No estudo dos autores Cameirão, Bermúdez I Badia, Duarte, e Verschure (2011) os efeitos do RGS no membro superior de pacientes pós-AVE foi comparado com a terapia convencional associada a jogos interativos. Fizeram parte do estudo 19 indivíduos que foram randomizados entre três grupos: grupo terapia ocupacional (GTO), grupo sistema de jogos (GSJ) e GE. O GTO realizava terapia ocupacional com movimentos semelhantes ao RGS, ou seja, deslocamentos, apreensão e liberação de objetos. O GSJ realizou o treino com os jogos do Nintendo Wii usando o membro superior afetado. O GE realizou as tarefas esferoides do RGS (bater, agarrar e colocar). O estudo mostrou que o GE apresentou melhora nas atividades funcionais realizadas pelo membro superior (p< 0.05).
Portanto, dos três estudos inseridos na revisão, os dois com maior tamanho amostral e rigor metodológico, evidenciaram efeitos superiores do uso de RV na recuperação do membro superior. Tal recuperação foi mensurada, tanto do ponto de vista de desempenho motor, quanto na realização de tarefas funcionais em ambiente real, o que levanta a possibilidade de observar os efeitos do uso da RV em relação à transferência funcional da realização de tarefas em mundo virtual para o desempenho em mundo real. Porém, não é possível fazer tal afirmativa a partir dos três estudos analisados, pois não há similaridade nas tarefas virtuais praticadas em relação às tarefas funcionais avaliadas no ambiente real. Esse fato necessita ser melhor avaliado em futuros estudos.
Efeitos da RV na perceção Kim, Chun, Yun, Song, e Young (2011b) examinaram o efeito do treino em RV por meio do sistema IREX na negligência espacial unilateral de pacientes que sofreram AVE. Os participantes foram randomizados entre os grupos GC e o GE, ambos com 12 indivíduos. O GC recebeu tratamento convencional, tais como acompanhamento visual, leitura e escrita, desenho, cópia e "quebra-cabeças". O GE recebeu tratamento baseado em RV, composto por três programas: “Bird and Ball” em que o paciente deve tocar numa bola que está voando para ela se transformar num pássaro; “Coconut”, no qual o paciente deve se movimentar para pegar os cocos que estão caindo de uma árvore e “Container”, no qual o paciente move uma caixa para o lado oposto. O estudo mostrou que ambos os grupos apresentaram melhoras significativas na negligência espacial unilateral e na realização de suas atividades de vida diária (p< 0.05); porém, o GE apresentou melhora superior nos testes clínicos de heminegligência (p< 0.05).
Efeitos da RV na cognição Kim, Chun, Kim, e Park (2011a) avaliaram o efeito da RV por meio do sistema IREX na cognição de pacientes pós-AVE. Os participantes foram randomizados entre GC com 13 indivíduos e GE com 15. O GE realizou treino em ambiente de RV e reabilitação cognitiva por meio de um computador. Os programas utilizados foram “Bird and Ball”, “Coconut” e “Container”, os mesmos jogos utilizados no estudo anterior. Além destes, utilizaram os programas “Juggler” em que uma ou mais bolas surgiam na tela ao mesmo tempo, e o paciente deveria movê-las para cima sem deixá-las cair no chão e o “Soccer”, em que o paciente fazia papel de guarda-redes. A reabilitação cognitiva assistida por computador foi composta de programas destinados a estimular a atenção e memória. O GC recebeu apenas reabilitação cognitiva assistida por computador. O GE apresentou melhora significativa na cognição, na atenção, no planeamento, na função executiva, nas atividades de vida diária (AVD) e na eficiência motora (p< 0.05). A partir dos dois estudos que avaliaram os efeitos do uso de RV na cognição e perceção de indivíduos pós-AVE não é possível afirmar que os efeitos encontrados são superiores ao não uso do mesmo, na medida em que o estudo de perceção não encontrou diferença na melhora da negligência unilateral entre os grupos e o estudo de cognição encontrou superioridade do GE na melhora de funções cognitivas e desempenho de AVD's, mas tal se trata de apenas um estudo. Os estudos analisados utilizaram diferentes métodos de avaliação para a investigação dos efeitos do uso da RV após uma AVE, o que dificultou a comparação dos resultados dos mesmos, conforme pode-se observar na tabela 2, que apresenta os métodos de avaliação utilizados pelos estudos selecionados.
Limitações dos estudos De modo geral, o número de pacientes utilizados pelos estudos foi pequeno (2 a 28 participantes), o que dificulta a validade externa dos dados e a respetiva generalização dos resultados. A casuística utilizada pela maioria dos autores foi composta por pacientes com AVE na fase crónica, o que mostra a necessidade de estudos relacionados à fase aguda e subaguda, as quais o potencial de recuperação e plasticidade é maior. O número de sessões de treino (9 a 15) foi pequeno, o que justifica a realização de novos estudos com maior número de sessões e avaliação dos efeitos em longo prazo. Além dessas limitações, destacamos: o pequeno número de ensaios clínicos aleatórios disponíveis dentro dos critérios selecionados; a baixa qualidade da análise estatística dos estudos, evidenciando-se a ausência de teste para tamanho do efeito ou a utilização de testes inadequados para a análise proposta; e a heterogeneidade dos instrumentos de avaliação utilizados em cada estudo, o que dificulta a comparação entre eles. Não foi possível obter a magnitude do efeito comum, calculado a partir dos resultados e tamanho do efeito de cada manuscrito selecionado, pois nenhum dos estudos selecionados apresentou cálculo do tamanho do efeito. Esta foi uma limitação dos estudos, que repercute de forma negativa na qualidade do grau de recomendação produzido pela presente revisão sistemática. Devido a este fato, sugerimos que os próximos ensaios clínicos aleatórios com essa temática façam análise do tamanho do efeito e cálculo amostral, a fim de dar maior confiabilidade aos dados obtidos.
CONCLUSÕES Os resultados obtidos mostraram que o treino em ambiente virtual pode contribuir para a reabilitação de pacientes pós-AVE. Os estudos analisados utilizaram sete sistemas de RV com efeitos positivos na reabilitação de cinco funções diferentes: marcha, equilíbrio, controle do membro superior afetado, cognição e perceção. Para o treino de marcha e equilíbrio, foram usados sistemas de projeção de ambiente virtual em frente a uma esteira associada ou não a um sistema de suspensão de peso ou mesmo jogos do Nintendo Wii Fit. Outro sistema utilizado foi uma plataforma de força acoplada a um programa de projeção de um ambiente virtual controlado pelos movimentos do tornozelo dos participantes. Os sistemas usados para o treino de funções de membro superior incluíram desde jogos do Nintendo Wii Sports até sistemas mais sofisticados envolvendo a projeção de cenários virtuais interativos e sistemas de captação de movimento por meio de sensores ou câmaras. Os sistemas de RV utilizados para o treino de equilíbrio e marcha promoveram efeitos positivos nos desfechos analisados pelos diferentes estudos. Foi verificada melhoria na Escala de Equilíbrio de Berg, na estabilometria e na velocidade da marcha, entre outras medidas. A utilização destes sistemas para o treino de funções de membro superior demonstrou efeitos positivos nos testes funcionais utilizados nos estudos, promovendo melhora também no desempenho de atividades de vida diária. Efeitos positivos da RV também foram evidenciados na perceção do hemicorpo acometido em pacientes com heminegligência. Finalmente, foi observado que a RV pode contribuir para a melhora da cognição de pacientes após AVE. Apesar dos resultados positivos, ainda são necessários novos estudos com maior número de sujeitos e com métodos mais padronizados para facilitar a comparação entre os estudos.
REFERÊNCIAS
Barcala, L., Colella, F., Araujo, M., Salgado, A., & Oliveira, C. (2011). Análise do equilíbrio em pacientes hemiparéticos após o treino com o programa wii fit. Fisioterapia em Movimento, 24(2), 337-343. [ Links ]
Brainin, M., & Zorowitz, R. D. (2013). Advances in stroke: Recovery and rehabilitation. Stroke, 44(2), 311-313. doi: 10.1161/STROKEAHA.111.000342 [ Links ]
Cameirão, M. S., Badia, S. B. I., Zimmerli, L., Oller, E. D., & Verschure, P. (2007). A virtual reality system for motor and cognitive neurorehabilitation. Comunicação apresentada na 9th European Conference for Advancement of Assistive Technology in Europe, San Sebastian, Spain. [ Links ]
Cameirão, M. S., Bermúdez I Badia, S., Duarte, E., & Verschure, P. F. (2011). Virtual reality based rehabilitation speeds up functional recovery of the upper extremities after stroke: A randomized controlled pilot study in the acute phase of stroke using the rehabilitation gaming system. Restorative Neurology and Neuroscience, 29(5), 287-298. doi: 10.3233/RNN-2011-0599 [ Links ]
Deutsch, J. E. (2011). Using virtual reality to improve walking post-stroke: Translation to individuals with diabetes. Journal of Diabetes Science and Technology, 5(2), 309-314. [ Links ]
Eng, K., Siekierka, E., Pyk, P., Chevrier, E., Hauser, Y., Cameirao, M., ... Kiper, D. (2007). Interactive visuo-motor therapy system for stroke rehabilitation. Medical & Biological Engineering & Computing, 45(9), 901-907. doi: 10.1007/s11517-007-0239-1 [ Links ]
Faria, C. D., Silva, S. M., Corrêa, J. C., Laurentino, G. E., & Teixeira-Salmela, L. F. (2012). Identification of ICF participation categories in quality-of-life instruments utilized in cerebrovascular accident victims. Revista Panamericana de Salud Pública, 31(4), 338-344. [ Links ]
Fong, K. N., Chan, C. C., & Au, D. K. (2001). Relationship of motor and cognitive abilities to functional performance in stroke rehabilitation. Brain Injury, 15(5), 443-453. doi: 10.1080/02699050010005940 [ Links ]
Hanchate, A. D., Schwamm, L. H., Huang, W., & Hylek, E. M. (2013). Comparison of ischemic stroke outcomes and patient and hospital characteristics by race/ethnicity and socioeconomic status. Stroke, 44(2), 469-476. doi: 10.1161/STROKEAHA.112.669341 [ Links ]
Huang, K., Khan, N., Kwan, A., Fang, J., Yun, L., & Kapral, M. (2013). Socioeconomic status and care after stroke: Results from the Registry of the Canadian Stroke Network. Stroke, 44, 477-482. doi: 10.1161/STROKEAHA.112.672121 [ Links ]
Kim, B. R., Chun, M. H., Kim, L., & Park, J. (2011a). Effect of virtual reality on cognition in stroke patients. Annals of Rehabilitation Medicine, 35(4), 450-459. doi: 10.5535/arm.2011.35.4.450 [ Links ]
Kim, Y. M., Chun, M., Yun, G., Song, Y., & Young, H. (2011b). The effect of virtual reality training on unilateral spatial neglect in stroke patients. Annals of Rehabilitation Medicine, 35(3), 309-315. doi: 10.5535/arm.2011.35.3.309 [ Links ]
Laver, K. E., George, S., Thomas, S., Deutsch, J. E., & Crotty, M. (2011). Virtual reality for stroke rehabilitation. Cochrane Database of Systematic Reviews, 9, CD008349. doi: 10.1002/14651858.CD008349.pub2 [ Links ]
Levin, M. (2011). Can virtual reality offer enriched environments for rehabilitation Expert Review of Neurotherapeutics, 11(2), 153-155. doi: 10.1586/ERN.10.201 [ Links ]
Mirelman, A., Patritti, B. L., Bonato, P., & Deutsch, J. E. (2010). Effects of virtual reality training on gait biomechanics of individuals post-stroke. Gait & Posture, 31(4), 433-437. doi: 10.1016/j.gaitpost.2010.01.016 [ Links ]
Mouawad, M. R., Doust, C. G., Max, M. D., & McNulty, P. A. (2011). Wii-based movement therapy to promote improved upper extremity function post-stroke: A pilot study. Journal of Rehabilitation Medicine, 43(6), 527-533. doi: 10.2340/16501977-0816 [ Links ]
Penasco-Martin, B., de los Reyes-Guzman, A., Gil-Agudo, A., Bernal-Sahun, A., Perez-Aguilar, B., & de la Pena-Gonzalez, A. I. (2010). Application of virtual reality in the motor aspects of neurorehabilitation. Revista de Neurologia, 51(8), 481-488. [ Links ]
Planas, A. M. (2013). Advances in stroke: Translational medicine 2012. Stroke, 44(2), 318-319. doi: 10.1161/STROKEAHA.111.000495 [ Links ]
Saposnik, G., Bayley, M., Cheung, D., Willems, J., Mamdani, M., Cohen, L., ... Teasell, R. (2009). Virtual reality technology in stroke rehabilitation: A pilot randomized trial using Wii gaming system. Journal of the Neurological Sciences, 285(S1), S76. [ Links ]
Saposnik, G., Mamdani, M., Bayley, M., Thorpe, K., Hall, J., Cohen, L., ... Working, S. O. (2010). Effectiveness of Virtual Reality Exercises in STroke Rehabilitation (EVREST): Rationale, design, and protocol of a pilot randomized clinical trial assessing the Wii Gaming System. International Journal of Stroke, 5(1), 47-51. doi: doi: 10.1111/j.1747-4949.2009.00404.x [ Links ]
Savitz, S. I., & Mattle, H. P. (2013). Advances in stroke: Emerging therapies. Stroke, 44(2), 314-315. doi: 10.1161/STROKEAHA.111.000353 [ Links ]
Stewart, J. C., Yeh, S. C., Jung, Y., Yoon, H., Whitford, M., Chen, S. Y., ... Winstein, C. J. (2007). Intervention to enhance skilled arm and hand movements after stroke: A feasibility study using a new virtual reality system. Journal of NeuroEngineering and Rehabilitation, 4, 21. doi: 10.1186/1743-0003-4-21 [ Links ]
Tennant, A. (2013). Epidemiology of neurologically disabling disorders. Handbook of Clinical Neurology, 110, 77-92. doi: 10.1016/B978-0-444-52901-5.00007-1 [ Links ]
Walker, M., Ringleb, S., Maihafer, G., Walker, R., Crouch, J., Van Lunen, B., & Morrison, S. (2010). Virtual reality-enhanced partial body weight-supported treadmill training poststroke: Feasibility and effectiveness in 6 subjects. Archives of Physical Medicine and Rehabilitation, 91, 115-122. doi: 10.1016/j.apmr.2009.09.009 [ Links ]
Yang, Y. R., Tsai, M. P., Chuang, T. Y., Sung, W. H., & Wang, R. (2008). Virtual reality-based training improves community ambulation in individuals with stroke: A randomized controlled trial. Gait & Posture, 28(2), 201-206. doi: 10.1016/j.gaitpost.2007.11.007 [ Links ]
Agradecimentos:
Nada a declarar.
Conflito de Interesses:
Nada a declarar.
Financiamento:
Nada a declarar.
Artigo recebido a 13.01.2014; 1ª Revisão 20.03.2014; Aceite 07.05.2014
*Autor correspondente: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Rua Cipotânea, 51, Cidade Universitária, CEP 05360-000 São Paulo, Brasil; E-mail: j.e.pompeu@usp.br