INTRODUÇÃO
O perfil de pacing, ou seja, da distribuição do esforço momento a momento durante o exercício, tem sido considerado um fator decisivo para o sucesso em provas de resistência, como, por exemplo, as provas de 5.000 m e 10.000 m rasos do atletismo (Abbiss & Laursen, 2008; Do Carmo, Barroso, Renfre, Gil, & Tricoli, 2016; Manoel, Figueiredo, & Machado, 2018; Tucker, Lambert, & Noakes, 2006). Nessas provas, o desafio imposto aos atletas é gerenciar a utilização da energia, evitando, tanto a depleção prematura de seus estoques de energia e, consequentemente, a fadiga, quanto o término da prova com excesso de substratos energéticos (Vernilo et al., 2011; Tucker & Noakes, 2009; Pryor, Johnson, Yoder, & Looney, 2020).
Nas corridas de fundo do Atletismo, vários perfis de pacing têm sido utilizados: constante, positivo, negativo, variável (ondulatório) e parabólicos (Casado, Hanley, Jiménez-Reyes, & Renfree, 2020). Apesar da duração da prova, influenciar o perfil de pacing adotado pelo atleta, não existe um perfil ótimo para todos os corredores e provas, tendo em vista os inúmeros fatores intervenientes, tais como: as regras, o clima e principalmente o objetivo, que pode ser melhorar marcas ou apenas vencer a prova (Pryor et al., 2020; Casado et al., 2020).
Em competições em que o objetivo é a obtenção de melhores marcas, o perfil constante tem sido adotado (Thiel, Foster, Banzer, & De Koning, 2012). Por outro lado, nas provas em que a meta é obter a melhor colocação, o comportamento dos adversários (pelotão principal) também pode influenciar a decisão tática (Hettinga, Konings, & Pepping, 2017; Render, Crivoi do Carmo, Martin, & Peters, 2015; Hanley, 2018). Vale destacar ainda que, nessas provas, diferenças entre os sexos também têm sido observadas. Por exemplo Hettinga, Edwards, e Hanley (2019) e Thiel et al. (2017) observaram que os homens permanecem quase toda a prova em pelotão, enquanto as mulheres se mantêm em pelotão apenas nas partes iniciais. Mas, independentemente do perfil de pacing adotado, nesses estudos, as primeiras colocações só foram definidas no sprint final.
Em Campeonatos Mundiais, Fillipas, La Torre, e Hanley (2018), observaram perfil de pacing constante com aceleração nos últimos 1.000 m em provas de 5.000 m e 10.000 m, masculinas e femininas. Já em Jogos Olímpicos, foram observados perfis negativos em provas de 5.000 m masculino e feminino (Hettinga, Edwards & Hanley, 2019; Aragon, Lapresa, Arana, Anguera, & Garzón, 2016) e constante em provas de 10.000 m masculino e feminino (Hettinga et al., 2019; Thiel, Foster, Banzer, & De Koning, 2012). Assim, as estratégias utilizadas nos 5.000 m e 10.000 m podem diferir quando o objetivo é concluí-la na melhor posição possível.
Não foram encontrados estudos que investigaram os perfis de pacing utilizados por atletas brasileiros de alto nível em provas nacionais, nas quais o objetivo é a obtenção da melhor classificação. Dada a importância desse conhecimento para o direcionamento da preparação dos atletas para o êxito em competições com as referidas características, este estudo teve como objetivo analisar os perfis de pacing das provas de 5.000 m e dos 10.000 m, de ambos os sexos, participantes do Troféu Brasil de Atletismo de 2018. Esse é o principal campeonato da América Latina que envolve disputa entre os clubes de atletismo brasileiros.
MÉTODO
O estudo possui dispensa do termo de consentimento livre e esclarecido, pois não houve intervenção direta aos atletas e treinadores. A Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), órgão máximo da modalidade e promotora do evento, foi esclarecida do objetivo da pesquisa e os pesquisadores foram autorizados a filmarem as quatro provas (5.000 e 10.000 masculino e feminino). Vale destacar que a utilização das imagens capturadas é resguardada pelo direito de imagem que a que a CBAt obtém dos atletas participantes da competição, eles assinaram o termo de cessão de imagens.
Os voluntários, não foram identificados, e os dados organizados e analisados por meio do número de peito atribuído aos atletas na prova, impossibilitando qualquer identificação. No site da CBAt, foram coletadas as seguintes informações: idade do atleta, melhor marca no ano de 2018, marca oficial na prova, temperatura e umidade relativa do ar durante as provas, esses dados são de domínio público. Todos esses procedimentos de manutenção do sigilo e autorização da CBAt estão de acordo com a resolução do conselho nacional de saúde nº510 de 2016.
Amostra
A amostra foi composta por 36 corredores de fundo de alto nível, que participaram das provas de 5.000 m e 10.000 m do Troféu Brasil de Atletismo. Sendo, nos 5.000 m, seis mulheres (25.50 ± 3.93 anos) e 12 homens (30.33 ± 3.49 anos), e nos 10.000 m, cinco homens (34.0 ± 4.18 anos) e 13 mulheres (26.85 ± 5.78 anos). O evento foi realizado nos dias 14, 15 e 16 de setembro de 2018 na cidade de Bragança Paulista/SP. Todas as provas foram realizadas em uma pista oficial de Atletismo (400 m), certificada pela World Athletics.
Instrumentos
Para a filmagem das provas e posterior análise das distribuições da velocidade dos atletas, foi utilizado um aparelho celular marca iPhone modelo 8 Plus. O dispositivo foi posicionado em um tripé na linha de chegada na borda externa da pista alinhado com um cone na borda interna. Esse procedimento permitiu a aquisição dos tempos parciais a cada 400 m, para posterior cálculo de suas variações ao longo da prova de cada atleta.
Procedimentos
Os dados de filmagem foram analisados apenas pelo pesquisador responsável pela transcrição do tempo dos atletas em cada parcial de 400 m. Os tempos das parciais foram obtidos com o programa Windows Movie Maker, que possibilita a visualização quadro-a-quadro a cada três centésimos de segundo.
Primeiramente, foram calculadas as médias de velocidade (em m/s) de cada parcial de 400 m. Para tal, a distância percorrida (400 m) foi dividida pelo tempo em segundos de cada volta. Para analisar a estratégia de pacing de toda a amostra, a velocidade média das parciais de 400 m de cada participante foi normalizada em relação à velocidade média de prova do atleta. Para isso, a velocidade média de cada parcial foi dividida pela velocidade média da prova e multiplicada por 100 para a obtenção dos valores percentuais.
Análise estatística
Os valores dos tempos finais das provas de 5.000 m e 10.000 m foram reportados em média e desvio padrão. Para analisar a normalidade foi utilizado o teste de Kolmogorov-Smirnov. Para investigar as diferenças de velocidade a cada volta (400 m) foi utilizada a ANOVA de medidas repetidas com post-hoc de Bonferroni, esse procedimento possibilitou a análise do perfil de pacing. Foi realizado o cálculo do tamanho do efeito, por meio da fórmula do “d” de Cohen a verificação da magnitude do efeito da diferença entre as parciais. Como classificação foram adotados os valores: 0.20 ≤ d < 0.50 = pequeno; 0.50 ≤ d < 0.80 = médio; d ≥ 0.80 = grande (Cohen, 1988). As análises descritas foram realizadas utilizando o pacote estatístico SPSS (23.0, IBM®, Nova York, EUA) e a significância estatística adotada foi p<0.05.
RESULTADOS
A competição aconteceu durante três dias (sexta-feira, sábado e domingo). As provas 10.000 m rasos masculino e feminina, foram realizadas sob temperatura amena (largada feminina às 17h14min, e masculina às 18h, temperatura de 17 ºC e umidade: 97-99%), porém a umidade do ar estava elevada, inclusive chovendo durante ambas as provas, o que pode ter influenciado a performance dos atletas. Já as provas 5.000 m, apesar de terem sido realizadas em horários diferentes (feminina às 10h; masculina às 15:55h), apresentaram o perfil climático similares (temperatura entre 24 e 26°C e umidade relativa do ar entre 51 e 52%). Para participarem do Troféu Brasil os atletas obrigatoriamente precisam de determinado rendimento realizado na temporada. A tabela 1 apresenta o índice exigido, a média da melhor marca dos participantes na temporada e no Troféu Brasil. A tabela 2 apresenta os tempos individuais dos atletas nas provas de 5.000 m e 10.000 m.
Masculino | Feminino | |||||
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Índice | MM 2018 | Marca no TB | Índice | MM 2018 | Marca no TB | |
5.000 m | 14:46.59 |
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17:51.80 |
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10.000 m | 30:55.89 |
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38:04.38 |
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Nota: MM: melhor marca obtida no ano de 2018; TB: Troféu Brasil de Atletismo.
Feminino | Masculino | ||||
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COL | 5.000 m | 10.000 m | COL | 5.000 m | 10.000 m |
1º | 16:47.88 | 34:27.04 | 1º | 14:19.90 | 29:09.02 |
2º | 16:49.88 | 34:27.98 | 2º | 14:22.75 | 29:13.50 |
3º | 16:51.01 | 34:36.37 | 3º | 14:24.34 | 30:13.68 |
4º | 17:03.53 | 35:15.45 | 4º | 14:29.40 | 30:15.30 |
5º | 17:29.77 | 35:23.85 | 5º | 14:36.05 | 31:00.25 |
6º | 17:50.55 | 35:30.77 | 6º | 14:40.31 | |
7º | 35:48.62 | 7º | 14:41.59 | ||
8º | 37:34.94 | 8º | 14:45.20 | ||
9º | 37:46.39 | 9º | 14:47.26 | ||
10º | 38:12.58 | 10º | 14:48.39 | ||
11º | 38:18.72 | 11º | 14:50.27 | ||
12º | 38:35.67 | 12º | 14:51.47 | ||
13 | 39:25.43 |
Nota: COL: colocação final da prova; V: velocidade
A figura 1 apresenta os valores individuais e médios do perfil de pacing adotado pelas atletas dos 5.000 m rasos. As atletas fizeram os primeiros 400 m mais velozes que a parte intermediária da prova (1.200 m ao 4.000 m) (p=0.003-0.045; d=1.42-2.54). As duas últimas parciais (últimos 600 m) apresentaram velocidade média maior, porém não significativa (4.400 m para 4.800 m- p= 0.98, d= 0.21 e 4.800 m para 5.000 m p= 0.17, d= 0.69), pois ela foi influenciada pelas três primeiras atletas que estavam na disputa. A prova foi definida na última volta e apenas 2 s separaram a primeira da segunda colocada e 4 s da terceira (tabela 2). A primeira colocada correu os últimos 200 m a 32% acima da velocidade média na prova e a segunda e terceira colocadas 24% acima.
A figura 2 apresenta o perfil de pacing adotado nos 5.000 m rasos masculino, os atletas realizaram a primeira volta lenta, aumentaram na segunda volta mantendo-se constante dos 800m ao 1.600m (p=0.001-0.019; d= 1.43 - 2.05), depois o ritmo reduziu até os 3.200m (p=0.00 - 0.02; d= 0,93 - 1,43). A parcial dos 3.600m foi mais rápida que a anterior (p=0.007; d= 0.52), com subsequente queda do ritmo nos 4.000m (p=0.001; d= 1.00). Os últimos 200m foram mais velozes que as parciais do 4.000m (p= 0.027; d= 0.43) e 4.400 m (p= 0.011; d= 0.59). Nos últimos 200m apenas o segundo e primeiro colocado realizaram um sprint (respectivamente 29% e 19% acima da velocidade média na prova), pois disputavam a primeira colocação, a diferença entre eles foi de 2.85s.
A figura 3 apresenta o perfil de pacing adotado pelas atletas nos 10.000 m rasos, elas começaram os primeiros 1.200 m mais velozes e reduziram o ritmo se mantendo constantes desde os 2.400 m até o 8.400 m (p= 0.01-0.04; d= 0.42-0.73). A partir dos 8.800 m as parciais da velocidade não foram diferentes da parte inicial, e nem superiores a parte intermediária. No entanto, o pódio foi definido nas últimas quatro voltas, na disputa entre as duas primeiras atletas. A primeira e segunda colocada correram a última volta a respectivamente 20% e 18% acima da velocidade média na prova.
A figura 4 apresenta o perfil de pacing dos 10.000 m rasos masculino, a parcial dos 6.800m foi maior que anterior (p=0.047; d= 1.07), devido alguma tentativa de escapada do pelotão de algum atleta. E a parcial dos 9.600 m foi superior à do 8.800m (p=0.001; d=0.39). O sprint final nos últimos não foi diferente significativamente, no entanto apresentou um tamanho de efeito moderado (p= 0.98; d=0.66). O primeiro e o segundo colocado correram a última volta a respectivamente 17% e 10% acima da velocidade média na prova.
DISCUSSÃO
Este estudo analisou os perfis de pacing adotados pelos participantes das provas de 5.000 e 10.000 m rasos masculino e feminino do Troféu Brasil 2018. Em ambas as provas femininas, as atletas empregaram perfil positivo de pacing. Já nas provas masculinas, o perfil variado foi adotado na prova de 5.000 m e o constante na prova de 10.000 m rasos. Podemos destacar que o mais importante para os atletas em competições como o Troféu Brasil é a conquista de uma melhor colocação e não o menor tempo. Portanto, para atingir esse objetivo, o atleta que almejava ser campeão da prova deveria ficar no pelotão dos líderes desde a largada (Hanley, 2013).
Nos 5.000 m feminino, o perfil de pacing positivo foi adotado, sendo a velocidade inicial da prova superior à velocidade intermediária (dos 800 aos 4.400 m). Como o sprint final foi realizado apenas pelas três primeiras colocadas, houve um aumento, não significativo (tamanho do efeito médio), da velocidade no trecho final em relação à parte intermediária (1.200 aos 4.000 m). De modo semelhante aos achados deste estudo, Hettinga et al. (2019), observaram que as atletas que não possuíam chance de vitória adotaram estratégia positiva, enquanto aquelas com chance de pódio realizaram sprint na parte final.
Já no estudo conduzido por Fillipas et al. (2018), que analisou o perfil de de pacing adotado nas finais de Campeonatos Mundiais e Jogos Olímpicos, foi observado perfil constante nos 5.000 m rasos feminino. Nesse estudo, as três primeiras colocadas fizeram os últimos 1.000 m mais velozes do que os demais trechos da prova. Os autores observaram que as atletas se mantiveram juntas até os primeiros 2.000 m, a partir desse momento elas se distanciaram e, no máximo, duas atletas lideraram essas provas nos últimos 2.000 m. Esse padrão de comportamento em pelotão também foi encontrado em outros estudos (Hettinga et al., 2019; Thiel et al., 2012) que analisaram provas de 5.000 m feminino de outras edições de Jogos Olímpicos e Mundiais, sugerindo que a prova é decidida nos metros iniciais, no entanto eles encontraram um perfil pacing negativo, com a parte intermediária constante.
Nesses estudos (Fillipas et al., 2018; Hettinga et al., 2019; Thiel et al., 2012), a parte intermediária foi constante e próxima da velocidade média da prova, ou seja, as variações do perfil de pacing ocorreram nas partes iniciais e finais da prova. Isso demonstra que as provas de 5.000 m feminino, em que a classificação é mais importante que o tempo de conclusão, possuem seu início realizado em pelotão (Hettinga et al., 2019), momento em que as atletas estão estudando a tática das adversárias (Thiel et al., 2012). Já o trecho intermediário é realizado de forma constante, e com algumas definições e formações de pelotões de atletas mais lentas e mais rápidas. No entanto, a definição dessa prova acontece apenas nas últimas voltas, isso parece ser possível devido ao ritmo adotado nos trechos anteriores, principalmente da fase intermediária (Swart et al. 2009).
Os Campeonatos Mundiais e dos Jogos Olímpicos, reúnem as melhores atletas do mundo, no entanto as africanas apresentam nível superior às demais atletas. O Troféu Brasil, apresenta essa característica, no entanto a distinção técnica entre as primeiras colocadas para as demais é maior do que a observada nos jogos supracitados. Deste modo, o nível técnico da prova pode explicar os resultados encontrados neste estudo, no qual foi observada a formação de um pelotão de atletas na parte inicial e, após os 2.000 m, a formação de dois pelotões. A prova foi decidida nos últimos 200 m e a diferença entre a primeira e a segunda colocadas foi de apenas 2 s. Vale destacar que as três primeiras atletas, na parte inicial da prova, se mantiveram no ritmo do pelotão e, possivelmente, de forma confortável, deixando para defini-la na parte final, já sabendo de suas superioridades físicas sobre as demais atletas.
Por outro lado, quando inadequado, o ritmo adotado pode levar ao fracasso nos 5.000 m feminino. Neste estudo, as últimas colocadas completaram a primeira volta acima de 104% da velocidade média, enquanto as medalhistas completaram abaixo de 103%, sendo que a campeã alcançou 101% na primeira parcial. Do mesmo modo, estudo conduzido por Thiel et al. (2012), demonstrou que atletas altamente treinadas conseguem correr a parte inicial mais velozes, sem prejudicar o restante da prova, as menos condicionadas não. Esses resultados corroboram os pressupostos, de que provas em que a colocação final é mais importante que o tempo, o perfil de pacing individual pode sofrer variação, em função das estratégias adotadas pelos adversários (Hettinga et. al, 2017; Renfree et al., 2015; Hanley, 2018).
Diferente da maioria das estratégias encontradas na literatura, o perfil de pacing adotado nos 5.000 m rasos masculino apresentou um formato variável (ondulatório). Isso provavelmente aconteceu pelas ações táticas adotadas pelos atletas durante a prova. Os atletas permaneceram em um pelotão único durante os primeiros 4.000 m, no qual os competidores de melhor nível técnico tiveram seus ritmos ditados pelos de nível técnico inferior, fazendo com que todos se poupassem no início da prova (93% da velocidade média normalizada nos primeiros 400 m). Esse perfil em que o pelotão influencia as estratégias individuais também já foi encontrado em outros estudos (Hettinga, et. al, 2017; Renfree et al., 2015; Hanley, 2018).
No presente estudo, os atletas realizaram sprint final nos últimos 1.000 m, quando os três medalhistas alcançaram as maiores velocidades. De modo similar, mesmo não sendo muito comum, no Campeonato Mundial de Atletismo em 2017, o perfil de pacing também foi ondulatório, e os atletas também permaneceram em pelotão durante toda a prova, e as três primeiras colocações só foram definidas na última volta (IAAF, 2017; Aragon et al., 2016). Compreende-se melhor esse resultado a partir de outros estudos que apontaram que atletas elite adotaram diferentes estratégias de pacing em cada prova, e que o comportamento do adversário afeta a tática dos demais atletas (Bossi, O’Grady, Ebreo, Passfield, & Hopker, 2018; Koning & Hettinga 2018, Tomazini et al., 2015), principalmente quando esse oponente é um dos favoritos para vencer a prova.
As provas de 5.000 m estão sujeitas, mesmo não sendo tão comum, a esse tipo de estratégia variável, pois necessitam de menor rigor do gerenciamento dos esforços quando comparada com as provas de 10.000 m, sendo realizada em maior percentual da capacidade aeróbia máxima, com maior solicitação do metabolismo anaeróbio, devido a menor duração (Fillipas et al., 2018). Nos 5.000 m masculino deste estudo, ficou nítido o componente tático, em que os atletas analisaram os adversários para as tomadas de decisão. O pelotão passou a primeira volta bem abaixo da velocidade média da prova, subsequentemente, os atletas aumentaram a velocidade e em seguida diminuíram, sugerindo que o pelotão estava analisando as possibilidades de possíveis escapadas. A fuga dos líderes do pelotão só aconteceu faltando 1.000 m para o final, momento em que a aceleração final definiu o campeão da prova. O êxito nesse momento de decisão só é possível se o atleta estiver bem preparado e tiver gerenciado de forma correta a utilização de energia até então (Fillipas et al., 2018).
Em relação aos diferentes perfis de pacing adotadas por homens e mulheres nas provas de 5.000 m, Fillipas et al. (2018), encontraram distribuição constante até os 4.000 m para ambos os grupos, no entanto, os homens fizeram os últimos 1.000 m mais rápidos, proporcionalmente, quando comparados às mulheres. Isso pode ser explicado pelo nível técnico das provas. No masculino, havia um pelotão com vários atletas na disputa das primeiras colocações. Já no feminino, a primeira e a segunda atletas estavam muito distantes das demais. O nível técnico inferior e, consequentemente, menor disputa no feminino, também foram evidenciados neste estudo na prova 5.000 m. No masculino, os atletas correram em pelotão até os 4.000 m e 32 s separaram o primeiro do último colocado. No feminino, na segunda metade da prova, apenas três atletas possuíam chances de vitória e a diferença entre a primeira e a quinta colocada foi de 63 s.
Assim como nos 5.000 m feminino o perfil de pacing positivo também foi adotado nos 10.000 m feminino, as atletas permaneceram acima dos 103% da velocidade média durante os primeiros 1.200 m e, após esse trecho, a velocidade da prova foi constante, somente na última volta a velocidade teve tendência a ser maior que a dos trechos anteriores, por conta do sprint das primeiras colocadas. Esteve-Lanao, Larumbe-Zabala, Dabab, Alcocer-Gamboa, e Ahumada (2014) investigaram o perfil de pacing em Campeonatos Mundiais de Cross-Country entre os anos de 2007 e 2013 e observaram que todos os atletas, exceto os 10 primeiros colocados, adotaram o perfil positivo, de forma semelhante ao perfil de pacing identificado nos 10.000 m feminino do presente estudo.
Em outra pesquisa, Hanley (2014) analisou os perfis de pacing utilizados por 1273 atletas de elite no Campeonato Mundial de Cross-Country entre os anos de 2002 e de 2013, compreendendo 10 competições, e encontrou que as medalhistas usaram a estratégia de correrem próximas ao primeiro pelotão na fase inicial da corrida, mas se afastaram desse pelotão após a metade da prova. Além disso, as posições do pódio foram decididas apenas quando as atletas estavam na última volta, a medalhista de ouro foi mais rápida do que as outras medalhistas apenas na última volta.
Observou-se neste estudo que as atletas melhores preparadas estudaram a tática das adversárias durante a prova e gerenciaram seus esforços para que conseguissem definir a prova na última volta conforme apontado por Fillipas et al. (2018), evitando uma possível catástrofe fisiológica (Thiel et al., 2012). Ainda, foi observado que as três primeiras colocadas conseguiram realizar sprint final, possivelmente, pelo gerenciamento adequado de energia no período intermediário (Hanley, 2014). Por outro lado, as atletas de menor nível técnico, podem não ter obtido êxito pelo fato de não terem chances de pódio, diminuíram ou mantiveram a velocidade ao longo da prova, aceitando a derrota (Hettinga et al., 2019).
Os 10.000 m feminino do presente estudo apresentou elevada distinção técnica entre as três primeiras colocadas com as demais. As duas primeiras colocadas correram a prova inteira praticamente juntas, e somente na última volta a prova foi decidida, por 0,94 s de diferença entre elas. Estudo conduzido por Hettinga et al. (2019) também evidenciou comportamento similar, em que as atletas campeãs se mantiveram bem posicionadas ao longo de toda a prova para a possibilidade de decisão no sprint final. As demais atletas, possivelmente, adotaram técnicas individuais de gerenciamento da energia, pois correram em pelotão somente nos primeiros 800 m, conforme já apontado por Hettinga et al. (2019).
Nos 10.000 m masculino o perfil constante foi adotado, perfil também observado em outros trabalhos (Esteve-Lanao et al., 2014; Fillipas et al., 2018; Thiel et al., 2012; Hettinga et al., 2019). Não foi encontrada diferença significativa na maioria das parciais, exceto na parcial dos 6.800 m e na parcial dos 9.600 m, quando aconteceu o sprint final. Por outro lado, Hanley (2018) também avaliou as estratégias de pacing 10 km masculino Campeonato Mundial de Cross-Country do ano de 2017 e observou perfil negativo, ou seja, os atletas foram aumentando gradativamente a velocidade durante a prova, alcançando a maior velocidade na última volta. Apesar disso, nesse estudo, medalhista de ouro no masculino utilizou um perfil constante (Hanley, 2018).
Nos 10.000 m masculino do Troféu Brasil, os dois primeiros colocados na prova possuíam melhor tempo de entrada (melhor marca do ano) quando comparados aos demais, isso demonstra que o perfil adotado pelos demais atletas não sofreu influência dos líderes, que desde o início da prova assumiam a liderança. Os líderes conheciam sua superioridade técnica e impuseram ritmo alto e constante, gerenciaram os esforços na parte intermediária, e apenas nos últimos metros definiram a prova. A diferença estabelecida na última volta foi o que determinou a vitória. Esse comportamento também foi observado em outras pesquisas com atletas de alto nível em Jogos Olímpicos e Campeonatos Mundiais (Hettinga et al., 2019, Fillipas et al., 2018) e em estudo que analisou o perfil de pacing em recordes mundiais dos 10.000 m masculino (Tucker et al., 2006). Já os atletas de menor nível técnico, conforme presenciado nos 10.000 m feminino, possivelmente, não realizaram aumento da velocidade na parte final da prova, pelo fato de não terem chances de pódio (Hettinga et al., 2019).
O comportamento de finalização mais rápida dos medalhistas, foi observado nas quatro provas analisadas no presente estudo. Destaca-se os medalhistas dos 5.000 m, que no feminino alcançaram entre 124 e 132% de velocidade média nos últimos 200 m e no masculino, o campeão alcançou 127% e o vice-campeão 119%, ambos sendo os mais rápidos nos últimos 200 m. No que diz respeito ao pacing adotado pelos atletas na competição, também encontramos diferentes perfis tanto em relação às distâncias e entre os sexos. Em relação à diferença entre sexos, segundo Deaner, Addona, Carter, Joyner, e Hunter (2016), o perfil de pacing reflete parcialmente a diferença na tomada de decisão dos homens, que podem ser baseadas no excesso de confiança, percepção de risco ou tolerância ao esforço. Portanto, é importante que os treinamentos e o perfil de de pacing sejam planejadas de acordo com a individualidade psicofisiológica do atleta.
Este estudo traz informação que podem ter aplicações práticas. É importante que cada atleta tenha conhecimento dos seus adversários, pois a tática individual do oponente pode influenciar a tática do atleta, principalmente, nas provas em que a colocação é mais importante que o tempo final. Sugere-se que nos treinamento sejam incluídas atividades para desenvolver a capacidade de realização de pequenas variações da velocidade na intensidade em que as provas são realizadas, a saber, entre 85 e 95% da velocidade aeróbia máxima. Os pódios nas provas analisadas neste estudo foram decididos no sprint final, assim treinar a capacidade de desenvolver altas velocidades nos últimos 400 a 1.000 m nas provas de 5.000 m e 10.000 m pode ser decisiva.
Neste estudo foi analisada apenas uma competição. Sugere-se que futuras pesquisas investiguem diversas provas nacionais e abordem os atletas para investigarem os perfis de pacing planejados e os motivos para tal escolha e, ainda, que comparem o perfil planejado com o adotado na competição para melhor compreensão da influência da tática do adversário no resultado de cada atleta.
CONCLUSÕES
Este estudo encontrou diferentes perfis de pacing, as provas de 5.000 m e 10.000 m rasos feminino apresentaram perfil positivo, os 5.000 m masculino o perfil variado e os 10.000 m o perfil o constante. No entanto, todas com sprint final dos líderes. Destacamos a importância da capacidade de realizar sprint na parte final das provas, pois todas foram decididas nesse momento.