INTRODUÇÃO
A execução de saltos verticais pode ser definida como a capacidade de elevar o centro de massa do corpo a partir de uma aceleração vigorosa produzida pelos músculos dos membros inferiores (Ugrinowitsch et al., 2007). Klavora (2000) sugere que testes de saltos verticais fornecem uma medida eficaz de potência e uma medida indireta de desempenho físico. Para tanto, vários tipos de testes de saltos verticais são realizados, tais como os unipodais, drop, squat e o com contramovimento (Pauli et al., 2016; Souza et al., 2020). Especificamente o salto vertical com contramovimento tem sido utilizado para testar o desempenho físico de atletas, avaliar a função e fadiga neuromuscular, monitorar a carga de treino e verificar alterações oriundas de programas de treinamento (Cormie et al., 2010; Gathercole et al., 2015; Moreira et al., 2006; Singh et al., 2014). Nesta perspectiva, o salto vertical é uma valiosa ferramenta de teste e monitoramento de treinamento, convencionalmente, utilizada por pesquisadores, treinadores e atletas em diferentes cenários (Watkins et al., 2017, 2020).
Uma variável avaliada frequentemente em saltos verticais com contramovimento é a altura do salto vertical (Souza et al., 2020). A avaliação da altura do salto vertical usando uma plataforma de força pode ser considerada o padrão-ouro (Garcia-Lopez et al., 2013; Requena et al., 2012). Todavia, apesar deste equipamento registrar maiores níveis de precisão e exatidão em testes de salto vertical, é importante analisar a reprodutibilidade e sensabilidade das medidas [ex.: coeficiente de correlação intraclasse (ICC), coeficiente de variação (CV), erro típico da medida (ETM) e mínima mudança detectável (MMD)]. Souza et al. (2020), por exemplo, observaram valores aceitáveis na reprodutibilidade na altura do salto vertical com contramovimento em homens fisicamente ativos avaliados em uma plataforma de força (ICC= 0,94; CV= 5.8%; ETM= 1,74). Embora esses achados tragam informações valiosas em relação a reprodutibilidade do salto vertical com contramovimento na plataforma de força, os valores das medidas da familiarização (i.é.: realização prévia de procedimentos do teste com o objetivo de reduzir a variação intra-sujeito) realizada na primeira sessão neste estudo não foram reportados.
Os estudos que investigaram os efeitos da familiarização nos valores da altura do salto vertical têm apresentado resultados contraditórios (Claudino et al., 2013; Moir et al., 2004; Nibali et al., 2015; Szmuchrowski et al., 2012). Moir et al. (2004), por exemplo, não verificaram nenhuma diferença significativa nos valores da altura do salto com contramovimento, determinados em cinco sessões de teste composta de três tentativas, em um tapete de salto. Por outro lado, Claudino et al. (2013) demonstraram que o processo de familiarização, composto por no mínimo 16 saltos com contramovimento por sessão, produziu uma redução do CV e no erro padrão da medida (EPM) nos valores da altura do salto avaliados em uma plataforma de contato. É importante ressaltar que, uma quantidade variada e elevada de saltos verticais utilizada neste estudo também pode ocasionar uma redução significativa no desempenho muscular e dificultar um padrão de avaliação. Assim, torna-se importante analisar os efeitos dos procedimentos de familiarização utilizando uma menor e padronizada quantidade de saltos verticais com contramovimento, na plataforma de força, no intuito de verificar a reprodutibilidade e sensibilidade das medidas para detectar pequenas alterações do desempenho muscular.
Nesta perspectiva, o objetivo do presente estudo foi analisar o efeito da familiarização, reprodutibilidade e análise de concordância dos valores da altura do salto vertical obtidos na plataforma de força em homens adultos jovens. A hipótese do presente estudo é que: a) ocorram diferenças nos valores a altura do salto vertical entre a familiarização, medida 1 e medida 2 e, b) os valores de reprodutibilidade e análise de concordância da altura do salto vertical melhorem posteriormente a familiarização.
MÉTODO
Um delineamento transversal foi utilizado para verificar o efeito da familiarização na reprodutibilidade e sensibilidade dos valores da altura do salto vertical com contramovimento obtidos na plataforma de força.
Participantes
Participaram do estudo 23 homens adultos jovens (24,0± 4,8 anos). Os participantes eram fisicamente ativos e não possuíam contraindicações ósseas, articulares e musculares dos membros inferiores. Os participantes que não completaram todas as sessões de teste foram excluídos do estudo. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética do Centro Universitário local (CAAE: 18356619.0.0000.5430). Todos os participantes foram informados em relação aos procedimentos e riscos do estudo e assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Instrumentos
O salto vertical com contramovimento foi realizado em uma plataforma de força (Plataforma de Força SV, Cefise biotecnologia esportiva), com capacidade vertical total de 800 kgf ou 8.000 N. Os dados foram analisados no software do próprio fabricante (Software Vertical Jump Power), com frequência de amostragem de 600 hz. Inicialmente, os participantes permaneceram sentados durante um período de 15 minutos. O salto com contramovimento consistiu de uma ação excêntrica com a maior velocidade possível, com flexão da articulação dos joelhos em aproximadamente a 90°, seguida por uma ação concêntrica máxima. Os participantes foram instruídos a manter as mãos na cintura durante todo o salto e os joelhos estendidos e os tornozelos em flexão plantar na fase do voo. Os saltos foram realizados com o máximo de esforço e, na aterrissagem, os pés deveriam tocar simultaneamente o solo. Um pesquisador analisou visualmente todos os saltos, fornecendo feedback os participantes em relação à cada tentativa. O maior valor das três tentativas da familiarização, medida 1 e medida 2 foi adotado nas análises.
Procedimentos
Todos os participantes visitaram o laboratório dois dias, com intervalos de 24 a 48 horas entre as sessões. Na primeira sessão, os participantes responderam um questionário com os critérios de inclusão e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Na sequência, os participantes realizaram três saltos de familiarização e mais três saltos de teste (medida 1). Na sessão subsequente, foram realizados somente três saltos de teste (medida 2). Em ambas as sessões, um intervalo de recuperação de um minuto foi adotado entre as tentativas. Todos os participantes realizaram as sessões na mesma hora do dia para evitar possíveis variações circadianas da força muscular. Os participantes também foram orientados a não realizar exercícios físicos envolvendo os membros inferiores nas 24 horas precedentes as sessões de teste.
Análise estatística
A homogeneidade dos dados foi testada utilizando o teste de Levene e a distribuição de normalidade dos dados por meio do teste de Shapiro-Wilk. Os dados foram apresentados com média e desvio-padrão. A análise de variância (ANOVA) one-way foi empregada para a comparação dos valores do salto vertical entre as medidas da familiarização, medida 1 e medida 2. O teste post hoc de Scheffé, para comparações múltiplas, foi empregado quando necessário. A reprodutibilidade do salto vertical entre as medidas da familiarização, medida 1 e medida 2 foram calculadas por meio do erro típico (ET= desvio-padrão das diferenças entre as medidas 1 e 2/√2), coeficiente de variação (CV= ET/média das medias 1 e 2*100) e mínima mudança detectável (MMD= √2*1,96*ET). A plotagem de Bland e Altman (1986) foi empregada para verificar as análises de concordância dos valores do salto vertical entre as medidas da familiarização, medida 1 e medida 2. O nível de significância adotado nas análises foi de P< 0,05. Os procedimentos estatísticos foram realizados no programa StatisticaTM, versão 7.0.
RESULTADOS
Na Figura 1 são apresentados à altura do salto vertical com contramovimento da familiarização, medida 1 e medida 2. Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nos valores do salto vertical entre a familiarização, medida 1 e medida 2 (F= 0,28; P> 0,05; ES= 0,0).
O coeficiente de variação, erro típico da medida e mínima mudança detectável são apresentados na Tabela 1. O salto vertical apresentou uma melhor reprodutibilidade e sensibilidade entre os valores da medida 1 e medida 2 do que entre os valores da familiarização e medida 1.
Familiarização – Medida 1 | Medida 1 – Medida 2 | |||||
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CV (%) | ET (cm) | MMD | CV (%) | ET (cm) | MMD | |
Altura do salto | 5,83 | 1,63 | 4,53 | 5,01 | 1,41 | 3,91 |
ET: erro típico da medida (desvio-padrão das diferenças entre as medidas 1 e 2/√2); CV: coeficiente de variação (ET/média das medias 1 e 2*100); MMD: mínima mudança detectável (√2*1,96*ET).
A plotagem de Bland e Altman (1986) demonstrou viés de 0,91± 2,3 cm com limites de concordância de −5,45−3,62 cm entre a familiarização e a medida 1 (Figura 2A) e viés de 0,11± 1,91 com limites de concordância de −3,64−3,87 cm entre as medidas 1 e 2 (Figura 2B).
DISCUSSÃO
O objetivo do presente estudo foi examinar o efeito da familiarização, reprodutibilidade e análise de concordância dos valores da altura do salto vertical obtidos na plataforma de força em homens adultos jovens. Os presentes achados não apresentaram diferenças nos valores do salto vertical entre as medidas da familiarização, medida 1 e medida 2. A reprodutibilidade e sensibilidade do salto vertical observada entre a familiarização e a medida 1 (CV= 5,83%; ETM= 1,63 cm; MMD= 4,53 cm) apresentou maiores valores do que entre a medida 1 e medida 2 (CV= 5,01%; ETM= 1,41 cm; MMD= 3,91 cm). Uma melhor análise de concordância também foi observada entra as medidas 1 e 2 (viés de 0,11± 1,91 com limites de concordância de −3,64−3,87 cm; Figura 2B) do que entre a familiarização e a medida 1 (viés de 0,91± 2,3 cm com limites de concordância de −5,45−3,62 cm; Figura 2A). Similarmente aos nossos achados, Souza et al. (2020) observaram valores aceitáveis na reprodutibilidade na altura do salto vertical com contramovimento em homens fisicamente ativos (ICC= 0,94; CV= 5.8%; ETM= 1,74). A análise de concordância verificada neste estudo (viés de 0,7 cm com limites de concordância de −4,1−5,5 cm) foi maior do que a observada no presente estudo entre as medidas 1 e 2. Knihs et al. (2021) também verificaram que os valores da altura do salto apresentam excelente confiabilidade e boa sensibilidade (ICC= 0,98; ETM= 1,39). Em conjunto, estes achados indicam que a avaliação da altura do salto vertical é uma interessante estratégia para analisar o desempenho muscular por apresentar uma boa reprodubibilidade, sensibilidade e análise de concordância.
Inúmeros estudos têm investigado os efeitos de procedimentos da familiarização nas avaliações da altura do salto vertical com contramovimento (Claudino et al., 2013; Moir et al., 2004; Nibali et al., 2015; Szmuchrowski et al., 2012). Moir et al. (2004) analisaram os efeitos da familiarização e a reprodutibilidade da altura do salto vertical em homens fisicamente ativos. Foram realizadas cinco sessões de teste compostas de três saltos de com contramovimento, sem carga e com carga de 10 quilos, em um tapete de salto. O maior valor da altura do salto vertical de cada sessão foi utilizado nas análises. Uma alta reprodutibilidade foi observada nos valores da altura dos saltos verticais com contramovimento sem carga (ICC= 0,93; CV= 2,4%) e com carga de 10 kg (ICC= 0,95; CV= 2,1%), sem diferenças significativas entre as sessões de teste para nenhuma das medidas analisadas. Esses achados indicam que altos níveis de confiabilidade podem ser alcançados sem a necessidade de sessões de familiarização ao usar saltos com contramovimento com e sem carga.
Por outro lado, Claudino et al. (2013) demonstraram que o processo de familiarização avaliado em uma plataforma de contato, composto por no mínimo 16 saltos com contramovimento por sessão, produziu uma redução do CV de 4,5% para 2,6% e no erro padrão da medida (EPM) de 1,35 cm para 0,83 cm para os valores da altura do salto. Szmuchrowski et al. (2012) analisaram o número mínimo de saltos verticais realizados para monitorar as respostas ao treinamento pliométrico, por meio da comparação dos valores do terceiro, quarto, quinto, sexto e sétimo saltos com os valores do oitavo salto. Os valores do oitavo salto apresentaram diferenças significativas comparado aos valores dos três primeiros saltos, indicando a necessidade de quatro saltos com contramovimentos para monitorar as respostas ao treinamento pliométrico em um tapete de contato. Em conjunto, os resultados destes estudos demonstraram que o processo de familiarização e a realização de várias tentativas pode melhorar a reprodutibilidade e sensibilidade da medida. Embora os achados da presente investigação não observaram diferenças significativas nos valores da altura do salto vertical entre as medidas da familiarização, medida 1 e medida 2, é importante observar que a reprodutibilidade e a análise de concordância diminuíram quando analisadas entre a medida 1 e medida 2, indicando a necessidade de várias tentativas para obter uma melhor sensibilidade da medida.
A presente investigação apresenta algumas limitações. As tentativas de familiarização (três tentativas) foram realizadas no mesmo dia das três tentativas da medida 1. Embora inúmeros estudos têm adotado esse procedimento (Claudino et al., 2013; Szmuchrowski et al., 2012), seria interessante analisar esses procedimentos em dias distintos e, se possível, com um maior número de tentativas e dias de testes. Além disso, no presente estudo não foram avaliadas outras variáveis dependentes fornecidas pela plataforma de força (Ex.: força e potência pico). A avaliação dos procedimentos de familiarização em outras variáveis fornecidas pela plataforma de força poderia, de fato, poderia apresentar importantes implicações para pesquisadores, treinadores e atletas quanto a sensibilidade dessas medidas para o uso científico e clínico.
Os achados da presente investigação apresentam importantes aplicações práticas, demonstrando que a altura dos três primeiros saltos verticais com contramovimento na plataforma de força não apresentam diferenças comparados com os valores dos saltos subsequentes (quarto ao nono salto). Esses achados indicam que é extremamente prático e rápido para determinar os valores da altura do salto vertical na plataforma de forma. Todavia, é importante observar que uma melhor reprodutibilidade, sensibilidade e análise de concordância das medidas são observadas ao realizar uma maior quantidade de tentativas. Assim, para detectar menores alterações no desempenho muscular utilizando este equipamento, um número maior de tentativas deve ser realizado.
CONCLUSÕES
Os achados do presente estudo indicam que os valores do salto vertical com contramovimento na plataforma de força não recebem influência de procedimentos de familiarização. Todavia, é importante ressaltar que a reprodutibilidade e a análise de concordância das medidas diminuíram quando várias tentativas foram realizadas, indicando que realizar procedimentos de familiarização pode melhorar a sensibilidade da medida. Sugerem-se que futuros estudos investiguem uma maior quantidade de dias e tentativas por sessões de teste e em outros tipos de saltos (e.g., sem contramovimento e drop jump) nos valores da altura do salto vertical. Futuros estudos também devem investigar os efeitos de procedimentos de familiarização em outras variáveis dependentes fornecidas pela plataforma de força (Ex.: força e potência pico).