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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.21 no.4 Lisboa dez. 2013
CASO CLÍNICO
Ressecção artroscópica de osteoma osteóide intra-articular na transição cabeça-colo femoral
Thiago AguiarI; Jorge PonI; Sérgio GonçalvesI; Francisco PintoI; Pedro DantasI; Luis AmaralI
I. Hospital Curry Cabral. Centro Hospitalar Lisboa Central, EPE. Portugal.
RESUMO
O osteoma osteóide é um tumor benigno, geralmente solitário e de pequenas dimensões, apresentando-se muitas vezes associado a queixas álgicas intensas. A localização intra ou peri-articular é rara (5-13%) e nestas situações poderá estar associado a derrame articular, sinovite, alterações degenerativas, limitação da mobilidade ou contracturas musculares.
A tomografia computorizada é ainda considerada o exame de eleição para o diagnóstico desta entidade clínica, apesar da existência de outros exames complementares de diagnóstico como a radiografia simples, cintigrafia óssea ou a ressonância magnética.
No passado a excisão cirúrgica foi o tratamento preconizado para esta lesão. Hoje os tratamentos mais utilizados consistem em técnicas percutâneas, nomeadamente a ablação por radiofrequência.
Com o recente advento da artroscopia da anca, alguns autores já descreveram bons resultados utilizando esta técnica para a ressecção destas lesões.
Os autores descrevem um caso raro de um osteoma osteóide localizado na transição cabeça-colo femoral submetido a ressecção artroscópica com utilização de uma fresa. A recuperação clínica e funcional do doente foi completa.
A ressecção utilizando a fresa parece mais vantajosa do que a ressecção em bloco da lesão.
Apesar do número crescente de relatos de ressecções artroscópicas de osteomas osteóides, ainda faltam estudos comparativos entre as diferentes técnicas.
Palavras chave: Osteoma osteóide, artroscopia, anca, transição cabeça-colo femoral.
ABSTRACT
Osteoid osteoma is a small benign tumor, usually solitary and very painful. Infrequently has intraarticular or periarticular localization (5-13%), that may be associated with joint effusion, synovitis, degenerative changes, limitation of movement and muscle contractures.
Despite the existence of plain radiography, scintigraphy or MRI, CT scan is still considered to be the imaging method of choice for the diagnosis of this entity.
In the past surgery was the gold standard treatment. Nowadays minimally invasive percutaneous techniques are the cornerstone treatment, specifically radiofrequency ablation.
With the recent enthusiasm around hip arthroscopy, the resection of osteoid osteomas has been described in a few case reports with good results.
We report an unusual case of a femoral head-neck junction osteoid osteoma treated by arthroscopic burr resection, with the patient´s full recovery.
Burr resection seems to have some advantages over en bloc resection.
Although the reports of hip arthroscopic resection of osteoid osteoma are increasing, there is still lack comparative studies between the different techniques.
Key words: Osteoid osteoma, arthroscopy, hip, femoral head-neck junction.
INTRODUÇÃO
A entidade clínica designada osteoma osteoide foi descrita pela primeira vez por Jaffe[1-3] em 1935. É considerado um tumor ósseo benigno de pequenas dimensões que cursa frequentemente com dor intensa[2-7]. Esta lesão apresenta uma área central, o nidus, constituído essencialmente por tecido ósseo e osteoide circunscrito por um halo de tecido esclerótico[2-5].
Ocorre sobretudo como uma lesão solitária, apesar de estarem descritos casos de osteoma osteoides com mais de que um nidus circunscrito pelo mesmo halo de tecido esclerótico[2,6].
O tamanho diferencia-o do osteoblastoma, que apresenta sempre uma dimensão superior a 2 cm[2,3].
O osteoma osteoide não manifesta localmente um comportamento agressivo e não apresenta potencial para malignização[2,7].
É relativamente frequente em pacientes jovens, com idades compreendidas entre os 5 e os 25 anos, com uma relação sexo masculino:feminino de 2:1[2,4,5,7]. Constitui 10-12% de todos os tumores ósseos benignos e 3% de todos os tumores ósseos primários[2,3].
Quanto à sua localização, em mais de 50% dos casos ocorre na região metafisária e diafisária dos ossos longos, sobretudo no fémur e tíbia proximal2,3,7, e em 5-13% dos casos tem uma localização intra ou periarticular[8,9,10].
O sintoma mais frequente é a presença de dor, cursando tipicamente com aumento da sua intensidade durante a noite e aquando do repouso, não apresentando qualquer relação com a atividade física[2,3,4]. O seu alívio ocorre com a toma de antiflamatórios não esteroides[2,3,4]. Quando a localização da lesão é intra ou periarticular poderá observar-se: derrame articular, sinovite, alterações degenerativas, limitação da mobilidade ou contracturas musculares[2,3]. Alguns autores demonstraram a existência de inúmeras fibras nervosas localizadas no nidus e próximas a áreas ricas em arteríolas, onde precisamente ocorre uma elevada síntese de protaglandinas[2,11]. Estas moléculas tem um papel fundamental como mediadores da dor e da vasodilatação, levando à estimulação dos terminais nervosos[2,11].
Na maioria dos casos o exame de escolha numa fase inicial é a radiografia[1-5]. As lesões localizadas na cortical podem apresentar uma área arredondada de osteólise envolvida por um halo de tecido esclerótico[1,2,5]. Apesar da cintigrafia óssea apresentar elevada sensibilidade, não é considerada um método específico para determinar as características distintas destas lesões[2]. O papel da ressonância magnética (RM) é controverso, a literatura considera que a acuidade diagnóstica é inferior a tomografia computorizada (TC) na deteção do nidus e que a presença de edema ósseo associado a alterações das partes moles pode confundir o diagnóstico[2,3,12]. A TC é considerada o exame complementar de diagnóstico de eleição, sendo fundamental para caracterizar a correta posição anatómica do nidus e para ajudar no diagnóstico diferencial com outras entidades[2,3,12].
No passado a abordagem cirúrgica era o “gold standard”, a opção pela ressecção do tumor resultava frequentemente na cura do paciente, existindo apenas um baixo risco de recidiva aquando da remoção incompleta da lesão[2-5]. Até 1990 a excisão cirúrgica aberta era a única opção de tratamento[2,4,7]. Hoje as técnicas percutâneas minimamente invasivas são a opção de eleição para o tratamento do osteoma osteoide[2,3]. Os avanços tecnológicos observados nas últimas décadas permitiram a utilização da TC para localizar e orientar o tratamento percutâneo desta entidade, nomeadamente a excisão percutânea, a ablação por radiofrequência, a fotocoagulação por laser, etc[2-5].
Recentemente a cirurgia artroscópica ganhou popularidade no tratamento de osteomas osteoides de localização intra e periarticular. Na última década, as indicações para a artroscopia da anca têm aumentado e alguns autores descrevem bons resultados associados a ressecção artroscópica de osteoma osteoides[2,13,14].
CASO CLÍNICO
Paciente de 39 anos de idade, sexo masculino, raça caucasiana, que recorreu à consulta de Ortopedia por queixas de dor na anca direita com um ano de evolução. Não apresentava história de traumatismo prévio. A dor localizava-se na região inguinal com irradiação ao joelho homolateral. O paciente referia agravamento da sintomatologia com o exercício, contudo as queixas eram sobretudo mais intensas à noite aquando do repouso. Como fator de alívio mencionou a toma de antiflamatórios não esteroides, especificamente de ácido acetilsalicílico.
No exame objetivo observou-se sobretudo uma limitação da rotação interna provocada pela dor, um FADIR positivo e um FABER negativo, colocando-se a possibilidade de patologia intra-articular. O “Nonarthritic hip score” (NAHS) pré-operatório era de 58,75.
As radiografias não apresentavam qualquer alteração. A cintigrafia, a RM e sobretudo a TC revelaram uma lesão na porção anterior da transição cabeça-colo femoral compatível com osteoma osteoíde (Figura 1).
O paciente foi submetido a biópsia e ressecção artroscópica com fresa (Figura 2). O exame histológico confirmou o diagnóstico.
Após a cirurgia o paciente referiu alívio completo da dor prévia, e 13 meses após o procedimento não apresentava qualquer sinal de recorrência (Figura 3).
O “Non-arthritic hip score” (NAHS) pós-operatório da última reavaliação era de 100.
DISCUSSÃO
Na grande maioria dos casos, o diagnóstico do osteoma osteoíde é considerado relativamente fácil, contudo quando a lesão apresenta uma localização intra ou periarticular, o seu diagnóstico pode ser desafiante[3,4,9]. Desta forma, e nestas situações, não é incomum o atraso no diagnóstico e no tratamento subsequente3,4,9.
Várias opções para o tratamento deste tumor foram descritas na literatura ao longo dos anos[2-5,8-10,13,14]. O tratamento médico está apenas reservado para pacientes que apresentam uma lesão inacessível cirurgicamente ou quando a sua remoção acarreta uma morbilidade inaceitável[15].
O tratamento destes tumores consiste na excisão/ablação cirúrgica intralesional[2,3,4].
Até à última década as técnicas percutâneas minimamente invasivas guiadas por TC foram consideradas o método de eleição para o tratamento do osteoma osteoide[2,3,4]. A ablação por radiofrequência é um dos métodos mais utilizados, apresentando taxas de sucesso entre os 88-100%[2,3,8,10]. A literatura é escassa na aplicação desta técnica quando a lesão é intra ou justa-articular[3]. Adicionalmente, a escolha deste procedimento geralmente não permite a recolha de material para estudo anatomo-patológico e quando a lesão apresenta uma localização articular não é infrequente algum grau de destruição iatrogénica da cartilagem aquando do tratamento[3].
Nos últimos anos, as indicações para artroscopia da anca tem aumentado, nomeadamente no tratamento dos osteomas osteoides[2,3,13,14]. Esta técnica permite a biópsia da lesão e de imediato a sua ressecção com utilização de uma fresa ou a sua ressecção em bloco[3,14,15]. Outras vantagens são a possibilidade de diagnóstico e tratamento de eventuais lesões associadas[3,14,15]. Não obstante, nesta técnica é mais difícil localizar a lesão, mesmo com a utilização do intensificador de imagem. Este facto é facilmente justificável, porque quando se explora o compartimento central, a área de superfície acessível média é limitada a 68-75% da articulação e além disso o osteoma pode apresentar uma localização subcondral[16].
A ressecção artroscópica em bloco pode apresentar duas desvantagens quando comparada com a ressecção com fresa: a primeira porque aumenta potencialmente o risco de fratura, apesar de Mardones et al terem mostrado que a ressecção de até 30% do quadrante antero-lateral da transição cabeça-colo não altera de forma estatisticamente significativa a capacidade de carga do fémur proximal[17], a segunda poderá ser uma maior e não tão precisa ressecção condral, dependendo da localização da lesão. A vantagem é que a biópsia poderá ser menos difícil de executar[3].
Os casos de ressecção artroscópica de osteoma osteoides na anca têm vindo a aumentar, contudo ainda faltam estudos comparativos com as técnicas até então mais utilizadas. Provavelmente apenas no futuro poderemos tirar conclusões sobre qual o método que mais beneficiará os nossos pacientes. De momento a artroscopia da anca é mais uma opção no tratamento destas lesões, sendo considerado um método exigente, com uma longa curva de aprendizagem e minimamente invasivo, que apresenta excelentes resultados funcionais aliados a uma elevada satisfação dos pacientes.
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Conflito de interesse:
Nada a declarar.
Thiago Aguiar
Rua Prof. Fernando da Fonseca nº23 2ºesq.
1600-617 Telheiras - Lisboa
Portugal
thiagofma@hotmail.com
Data de Submissão: 2013-08-05
Data de Revisão: 2013-11-26
Data de Aceitação: 2013-11-26