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Revista Portuguesa de Ortopedia e Traumatologia
versão impressa ISSN 1646-2122
Rev. Port. Ortop. Traum. vol.22 no.1 Lisboa mar. 2014
ARTIGO ORIGINAL
Correlação funcional e ecográfica no tratamento cirúrgico da coifa dos rotadores com seguimento superior a 5 anos
Vânia OliveiraI, II; Luís SilvaI, II; Pedro BarreiraI, II; Luís CostaI, II; João AraújoI, III; Joaquim RamosI, II; José Carlos VasconcelosI, III; José Manuel LourençoI, II
I. I.C.B.A.S. Universidade do Porto. Porto. Portugal.
II. Serviço de Radiologia. Centro Hospitalar do Porto. Hospital de Stº António. Portugal.
III. Serviço de Ortopedia e Traumatologia. Centro Hospitalar do Porto. Hospital de Stº António. Portugal.
RESUMO
Objectivo: a reparação cirúrgica da coifa dos rotadores visa eliminar a dor e restaurar a função, com sucesso entre 5-90%. A dimensão da ruptura condiciona o resultado.
Este estudo visa a eficácia do tratamento cirúrgico com o mínimo de 5 anos de seguimento e correlaciona resultado funcional com achados ecográficos.
Material e Métodos: entre 2002 e 2007 o mesmo cirurgião realizou 166 suturas da coifa dos rotadores em 156 doentes. As ecografias pré e pós-operatórias foram sempre realizadas pelo mesmo radiologista. Retrospectivamente avaliou-se tipo de ruptura, cirurgia, sutura e material, complicações, dor (VAS), retorno laboral/atividades e inquirido o grau de satisfação.
Completaram follow-up (FU) com avaliação funcional (Constant-Murley Score e UCLA Shoulder Score) e ecográfica 77 doentes, correspondendo a 87 rupturas.
Resultados: A idade média foi 55,6 anos (22-77) com FU de 7,4 anos (5-11). Verificaram-se 145 (87,3%) rupturas completas sendo 14 (9,7%) maciças e 61 (42,1%) grandes.
Realizaram-se 122 (73,5%) suturas artroscópicas, sendo 44 (26,5%) por mini-open.
A avaliação funcional foi 72 (31-100) Constant Score e 29 (19-35) UCLA Score. O VAS foi 2,89 (0-8) com 29 (43,3%) doentes assintomáticos. Ocorreram 4 complicações (2,4%).
Ecograficamente, verificou-se 29/87 (33,3%) re-rupturas, 32,3% artroscópicas e 40,1% abertas, lembrando que a sutura aberta foi usada em rupturas maiores.
Retomaram atividades 95,5% dos doentes. Registou-se 100% de satisfação relativamente ao pré-operatório.
Conclusão: este estudo reforça o impacto do tratamento cirúrgico na dor e verifica eficácia consistente se houver seleção criteriosa. A re-ruptura avaliada ecograficamente nem sempre se correlaciona com função, intervindo outros factores.
Palavras chave: Coifa dos rotadores, ruptura, sutura artroscópica, cirurgia, função, ecografia, dor.
ABSTRACT
Aim: surgical repair of the rotator cuff aims to eliminate pain and restore function with a success rate between 5-90%. The size of the tear has impact on outcome.
This study aims to evaluate effectiveness of the surgical repair with up to 5 years of follow-up and correlates functional outcome and ultrasound findings.
Patients and Methods: from 2002 to 2007 the same surgeon performed 166 rotator cuff repairs in 156 patients. The same radiologist always performed pre- and postoperative ultrasound.
Retrospectively were evaluated tear type, repair technique, suture material, complications, pain (VAS), return to work/activities and asked satisfaction.
Seventy-seven patients completed follow-up (FU) with functional assessment (Constant-Murley score and UCLA Shoulder Score) and ultrasound, corresponding to 87 tears.
Results: the mean age was 55.6 years (22-77) with FU 7.4 years (5-11). There were 145 (87.3%) complete tears, 14 (9.7%) massive and 61 (42.1%) large.
The repair was arthroscopic in 122 (73.5%) cases and mini-open in 44 (26.5%).
Functional assessment was 72 (31-100) Constant Score and 29 (19-35) UCLA Score. The VAS was 2.89 (0-8) with 29 (43.3%) asymptomatic patients. There were 4 complications (2.4%).
Ultrasound identified 29/87 (33.3%) re-tears, 32.3% arthroscopic and 40.1% opened, noting that the open suture was used in larger tears.
A total of 95.5% of patients resumed activities. When compared to preoperative, there was 100% satisfaction.
Conclusion: this study strengthens the impact of surgical treatment on pain relief and its consistent effectiveness if careful selection. An ultrasound retear and function does not always correlate, other factors intervene.
Key words: Rotator cuff, tear, arthroscopic repair, surgery, function, ultrasound, pain.
INTRODUÇÃO
A patologia da coifa dos rotadores é frequente, aumenta com a idade, e pode condicionar dor e limitação funcional com consequências económicas e psicossociais.
A rupturas podem ser completas ou parciais, articulares ou bursais, variando de maciças (>2 tendões; >5cm) a grandes (3-5cm), médias (1-3cm) ou pequenas (<1cm)1.
Quando sintomática, o tratamento visa eliminar a dor e restaurar a função e, quando cirúrgico, o sucesso varia entre 5-90%. A dimensão da ruptura inicial condiciona a eficácia (Quadro 1) sendo que rupturas maciças associam-se a 60% de re-ruptura comparativamente com 36% em rupturas pequenas/médias. A re-ruptura varia amplamente entre 15-90%2-13 e cirurgia prévia constitui factor de risco acrescido.
Na literatura, o tratamento artroscópico é efetivo e apresenta vantagens relativamente à cirurgia clássica aberta mas a influência técnica e qualidade da sutura são controversas. Não é linear a relação entre integridade da sutura e dor e função e é controverso o papel de diversos factores como uso de double row, integridade do deltoide e qualidade tendinosa, integridade da sutura aos 6 meses, revisão cirúrgica ou correlação entre rupturas maiores e impingment com hipovascularização14-22. Para Iagulli et al. 201123, quando grande retração e fraca qualidade tendinosa, os resultados da sutura parcial são comparáveis a sutura completa.
Além disso, interfere no sucesso cirúrgico a mecanoadaptação do troquiter, fixação sutura-osso, interface sutura-tendão, resistência e força da sutura, segurança dos nós e loop e restauração do footprint anatómico24.
Este estudo avalia a eficácia do tratamento cirúrgico na ruptura da coifa dos rotadores, com o mínimo de 5 anos de seguimento. Aprecia-se a relação entre resultado funcional e achados ecográficos tentando contribuir para optimização do tratamento destes doentes.
MATERIAL E MÉTODOS
Entre 2002 e 2007 foram realizadas 166 suturas da coifa dos rotadores em 156 doentes, pelo mesmo cirurgião. As ecografias pré e pós-operatórias foram sempre realizadas pelo mesmo radiologista.
Retrospectivamente, foram adicionalmente avaliados os seguintes parâmetros: tipo de ruptura, cirurgia, sutura e material usado, complicações, dor (VAS), retorno laboral/atividades prévias e inquirido o grau de satisfação dos doentes (muito bom/bom).
Completaram follow-up (FU) 77 doentes, com avaliação funcional (Constant-Murley Score e UCLA Shoulder Score) e ecográfica, correspondendo a 87 rupturas.
A análise estatística foi realizada com o SPSS 20.0 (IBM SPSS Statistics, Chicago, Illinois).
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta os resultados descritivos. A idade média foi 55,6 anos (22-77) com FU de 7,4 anos (5-11) sendo a maioria 113 (72,4%) do sexo feminino. Em 14 casos tratou-se ruptura aguda traumática, sendo a esmagadora maioria crónica, secundária em 2 casos a artrite reumatoide e 150 degenerativas. No total verificaram-se 145 (87,3%) rupturas completas sendo cerca de metade maciças (9,7%) e grandes (42,1%) (Figura 1). Quando rupturas parciais o predomínio foi articular (61,9%).
A maioria 122 (73,5%) das suturas foram artroscópicas sendo 44 (26,5%) abertas por mini-open (Tabela 2). Note-se que a cirurgia mini-open realizou-se predominantemente nos anos iniciais do estudo em rupturas maciças ou associadas ao tendão subescapular. Nos anos abrangidos pelo estudo foram usadas diferentes âncoras e os pontos transósseos com Ethibond Excel®, Ethicon.
Duas suturas foram apenas parciais (1.2%), uma artroscópica e uma mini-open, em rupturas maciças. Em 22 casos foi associado o gesto de tenotomia da longa porção do bicípite (LPB) e 8 tenodeses da LPB.
Verificaram-se 4 complicações (2,4%): 2 capsulites retrácteis submetidas a capsulotomia inferior artroscópica e 2 re-rupturas (uma aos 6 meses e outra pós-traumática aos 4 meses) submetidas ambas a nova sutura artroscópica. Não se registaram infecções.
A avaliação funcional foi em média 72 (31-100: fraco-excelente) com o Constant Score e 29 (19-35: fraco-excelente) com o UCLA Shoulder Score. O VAS médio foi 2,89 (0-8) e 29 (43,3%) doentes encontram-se assintomáticos.
No total das 87 rupturas reavaliadas ecograficamente, verificou-se re-ruptura em 29/87 (33,3%) casos, 32,3% na sutura artroscópica (Figura 2) e 40,1% aberta (Figura 3), sendo a esmagadora maioria (96,6%) em rupturas completas (Tabela 3). Ocorreu involução adiposa do tendão supra-espinhoso em 20 casos e do supra e infra-espinhoso em 14, num total de 39,1%.
Retomaram atividades prévias 96% dos doentes, sendo que 3 não retomaram e em 1 caso houve necessidade de adaptação profissional. Registou-se 100% de satisfação relativamente ao pré-operatório.
DISCUSSÃO
Apesar do impacto da integridade da sutura na função, estas nem sempre se relacionam.
O resultado funcional dos doentes sem recidiva não foi significativamente diferente dos doentes com re-ruptura (Figuras 4 e 5).
As suturas são biomecanicamente estáveis dependendo da fixação óssea, interface sutura-tendão, resistência, segurança dos nós e restauração do footprint anatómico. Além da optimização técnica, a qualidade tendinosa, vascularização e cirurgias prévias condicionam o resultado da sutura. Também factores extrínsecos como idade, género, obesidade, co-morbilidades, imunossupressão e tabaco interferem com a qualidade e integridade da sutura e influenciam a função10,15.
Estudos prévios revelam que o envolvimento isolado do supra-espinhoso tem resultados superiores, com 75% de integridade aos 5 anos, comparativamente com o envolvimento conjunto do infra-espinhoso, com recidiva superior a 50%2,3,10,15.
Este estudo reforça o impacto do tratamento cirúrgico na dor, encontrando-se todos os doentes satisfeitos em relação ao pré-operatório e repetiriam o tratamento cirúrgico.
Verifica-se ampla variabilidade funcional e foram identificados diversos viés na avaliação: 1 trauma recente condicionando dor de novo e re-ruptura na ecografia; 1 esvaziamento ganglionar axilar por neoplasia; 1 status pós-AVC com sequelas motoras homolateral; 1 lesão do plexo braquial pós-acidente de viação; 1 doença neuromuscular (mobilidades passivas completas); 1 sequelas de poliomielite contralateral; 1 artrodese do ombro contralateral; 1 ruptura completa e 2 maciças contralaterais sintomáticas. Estes factores condicionam por si só menor função e não concordância entre as 2 escalas funcionais usadas. Salienta-se também a variabilidade no grau de exigência funcional de cada doente.
Além disso, este estudo é limitado pelo número da amostra e carácter retrospectivo com consequente ausência de avaliação funcional pré-operatória.
O FU superior a 5 anos é vantajoso comparativamente com estudos prévios assim como os factores constantes: mesmo cirurgião e mesmo radiologista.
Verifica-se que a involução adiposa é frequente mas sem correlação estatística com função ou recidiva.
Valoriza-se esta avaliação ecográfica dada a experiência do radiologista, apesar de não se poder aplicar a classificação de Goutallier25,26. Além disso, Khoury et al. 27 demonstraram boa correlação entre ressonância magnética e ecografia na avaliação da atrofia muscular e involução adiposa.
Os resultados deste estudo estão de acordo com a literatura, confirmando a influência de factores intrínsecos e extrínsecos na eficácia da reparação da coifa dos rotadores. Kim et al4 verificam também ampla variabilidade funcional, entre os extremos de cada escala, com média de 30,9 no UCLA Score e 74,7 no Constant Score com 30,6 meses de FU e, apesar de não ter correlação com a integridade da sutura, constataram que os doentes melhoraram funcionalmente no pós-operatório. O elevado retorno a atividades prévias e grau de satisfação dos doentes também foi constatado em estudos prévios como o de Fealy et al28 que constataram satisfação dos doentes em 92.6%, em que 93% repetiriam o tratamento cirúrgico, e 83% retomaram atividades prévias.
Os autores entendem que perante uma ruptura sintomática se deve individualizar tendo em consideração mobilidades pré-operatórias e o impacto da dor, idade e grau de exigência funcional de cada doente, na decisão cirúrgica. Mais tardiamente terá pior qualidade tendinosa, com involução adiposa, retração e hipovascularização.
A sutura artroscópica é eficaz e em casos de ruptura maciça, cirurgia prévia, com co-morbilidades, tabagismo e, na dependência da experiência do cirurgião, poderá optar-se por sutura aberta.
CONCLUSÃO
Este estudo verifica que o tratamento cirúrgico é consistentemente eficaz se houver seleção criteriosa dos doentes. A re-ruptura da coifa dos rotadores avaliada ecograficamente nem sempre se correlaciona com a função, intervindo no resultado final outros factores associados.
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Conflito de interesse:
Nada a declarar.
Vânia Oliveira
Centro Hospitalar do Porto
Hospital Santo António
Largo Prof. Abel Salazar
4099-001 Porto
Portugal
vaniacoliveira@gmail.com
Data de Submissão: 2013-11-16
Data de Revisão: 2014-03-03
Data de Aceitação: 2014-03-03