Introdução
O parto pré-termo (PPT) é causa importante de morbilidade e mortalidade perinatal. Estima-se que entre 5 a 18% dos partos a nível mundial ocorrem antes das 37 semanas; em Portugal, no ano de 2019, 7,3% dos partos foram pré-termo. (1
O encurtamento cervical parece ser uma etapa importante no processo que desencadeia o PPT, podendo preceder o parto em várias semanas. Encontra-se bem estabelecido na literatura que a diminuição do comprimento cervical (CC) é um fator preditivo de PPT, cujo risco é inversamente proporcional ao CC, independentemente da história reprodutiva prévia da mulher2. Assim, a correta avaliação do colo uterino poderá identificar mulheres em risco de PPT e, em algumas circunstâncias, levar a intervenções que possam reduzir a sua incidência3.
Na população obstétrica geral, o CC tem uma distribuição normal e mantem-se constante até ao 3º trimestre. Diversos valores limite têm sido apontados como critério para a definição de colo curto, variando na literatura entre os 15 e os 30mm, dependendo da população estudada e da idade gestacional. O percentil 10 do CC na população grávida está estabelecido em 25 mm4, sendo este também o valor consensual aceite pela maioria das sociedades internacionais, entre as 18-24 semanas5. Apesar de tudo, a maioria das mulheres com colo curto entre as 18-24 semanas acaba por ter um parto a termo. A partir das 30 semanas, o CC não se relaciona com risco de PPT6.
Sendo assim, a definição de colo curto de acordo com a idade gestacional e a história clínica das pacientes torna-se essencial para conseguir efetuar uma correta avaliação do risco e utilizar as estratégias terapêuticas mais indicadas a cada caso.
Quem e quando rastrear
1 - Antecedentes de PPT: grávidas com história de trabalho de parto pré-termo ou rotura prematura de membranas pré-termo; grávidas com história sugestiva de insuficiência cervical - aborto tardio ou PPT assintomático antes das 28 semanas com protusão de membranas.
A existência de PPT anterior aumenta o risco entre 4 a 7 vezes de PPT na gestação subsequente, mesmo que o PPT anterior tenha sido no contexto de uma gestação gemelar7.
2 - Mulheres com fatores de risco de PPT: gestação gemelar; cirurgia cervical prévia (conização, traquelectomia); malformações uterinas; leiomiomas uterinos: único(ou múltiplos) com mais de 5 cm8.
Nas gestações múltiplas, dado que estão associadas a risco aumentado de prematuridade, a avaliação sistemática do CC parece ter impacto na previsão do risco do PPT. Esse risco parece ser dependente da idade gestacional em que ocorre o rastreio9. Apesar da avaliação do CC antes das 18 semanas permitir uma melhor predição de PPT ≤ 28 semanas (P < 0.001), a avaliação do colo depois das 18 semanas apresenta melhores resultados para a predição de PPT entre as 28-32 semanas.
Mulheres submetidas a cirurgia excisional do colo do útero, têm um risco aumentado de PPT (cerca de duas vezes superior) (10, pelo que devem efetuar a medição do CC pelas 18-24 semanas (não há evidência na literatura que suporte a avaliação do CC antes ou avaliações seriadas).
A presença de malformações uterinas está associada a um risco de PPT que varia de acordo com o tipo de malformação (podendo variar entre 12-33% no útero septado, 21% para os casos de útero bicórneo ou 28% no útero didelfos); contudo as taxas de PPT são muito variáveis na literatura. Dado o elevado risco de PPT este grupo deve ser submetido a avaliação do CC entre as 18-24 semanas11), (12.
A presença de leiomiomas, principalmente com dimensões superiores a 5 cm e múltiplos, está associada a um risco aumentado de PPT (16,7% PPT; 14,3% RPM PT; 14,3% colo curto < 32sem). Apesar desta associação não ser consistente ao longo da literatura, a mais recente apoia esta associação, por isso pode ser considerada a avaliação do CC entre as 18-24 semanas13), (14.
3 - Em mulheres sem fatores de risco conhecido para PPT e com gestação unifetal, alguns autores recomendam a implementação de rastreio universal do colo curto através da medição do CC e consequente tratamento com progesterona vaginal, dado que constitui um modelo custo-efetivo na prevenção do PPT15), (16. São várias as organizações e sociedades internacionais que consideram o procedimento fácil, de baixo custo e eficaz na diminuição da taxa de PPT17), (18), (19, contudo não é uma abordagem consensual20. Apesar de ser necessário rastrear um elevado número de mulheres para prevenir 1 PPT (≈913) (5, o rastreio universal do colo curto poderá ser utilizado no nosso país, se e quando o serviço tiver capacidade para o fazer, de acordo com as sugestões desta norma.
Assim, a medição do colo por ecografia transvaginal deve ser idealmente realizada em todas a grávidas com15), (16:
Antecedentes de PPT- às 16 semanas, seguida de avaliações seriadas a cada 2 semanas e, se não houver encurtamento do colo, até às 24+6 semanas.
Gravidez multifetal - às 18 e novamente às 22 semanas.
Presença de fatores de risco - uma avaliação entre as 18 e as 24 semanas.
Em idades gestacionais abaixo das 16 semanas, pelo subdesenvolvimento do segmento inferior uterino, torna-se difícil a distinção entre este e o canal endocervical, diminuindo a reprodutibilidade da avaliação21. A medição por rotina, em mulheres assintomáticas, após as 24 +6 semanas não se encontra recomendada, pois os estudos de intervenção colocam essa idade gestacional como limite para avaliação e implementação de medidas terapêuticas21), (22.
Avaliação do colo
De acordo com os critérios da Fetal Medicine Foundation 23, a avaliação ecográfica do colo deve ser realizada com sonda transvaginal. A grávida deve ser colocada em posição de litotomia, após ter esvaziado a bexiga. A sonda deve ser introduzida na vagina até ao fundo de saco anterior, permitindo a visualização completa do canal endocervical. A pressão exercida com a sonda deve ser mínima por forma a não alongar o colo. Deve obter-se um plano sagital e o colo do útero deve ocupar cerca de 50-75% da imagem. Os “calipers” devem ser colocados em cada extremidade, ao nível do orifício interno e do orifício externo do colo uterino, obtendo assim a medição do comprimento do colo uterino em linha reta24. Quando o canal endocervical é curvo, a medição em linha reta subestima o seu comprimento real. No entanto, esta situação acontece quando o colo é longo, pelo que não tem significado clínico23. Em regra, quando o colo é curto, o canal endocervical encontra-se retificado. Várias medições devem ser obtidas (pelo menos três) e a menor deve ser utilizada24.
Durante a avaliação ecográfica pode constatar-se um afunilamento do colo (“funneling”), que se define como a protrusão das membranas amnióticas para o interior do canal cervical; nestes casos deve ser apenas medida a porção competente do colo. Em regra, o afunilamento coincide com o encurtamento do colo, mas não foi comprovado ser um fator de risco independente para parto pré-termo (18). A presença de agregados de partículas ecogénicas no líquido amniótico (sedimento amniótico ou “sludge”), no contexto de afunilamento, parece estar associada a invasão microbiana da cavidade amniótica, sendo um fator de risco independente para PPT25), (26.
Atuação
Perante o diagnóstico de colo curto é necessário excluir sintomatologia de ameaça ou trabalho de parto pré-termo. Recomenda-se também a exclusão de infeção ginecológica e urinária. É fundamental a observação ginecológica a fim de aferir a existência ou não de dilatação cervical.
Com o objetivo de diminuir o risco de PPT, diversas intervenções têm sido avaliadas -suplementação com progesterona, ciclorrafia e pessário cervical.
O tratamento escolhido depende dos antecedentes obstétricos e deve ter em conta a preferência da grávida27. A todas as grávidas com o diagnóstico de colo curto recomenda-se a redução da atividade física e abstinência sexual, apesar de não haver evidência robusta que suporte estas medidas gerais28. O repouso absoluto no leito não se encontra preconizado devido ao elevado risco tromboembólico5.
Não há consenso internacional sobre quais as estratégias terapêuticas a utilizar em cada caso e quais as idades gestacionais limite a serem utilizadas. Desta forma, o esquema que a seguir se apresenta resume não só as recomendações das várias sociedades científicas, mas também a realidade nacional.
Por último, dada a especificidade de determinados procedimentos, deverá ser equacionada a possibilidade de orientação destas pacientes para centros de referência nesta área.
A. Gravidez feto único
1 - Colo curto em grávidas sem parto pré-termo anterior
Progesterona micronizada intra-vaginal 200 mg/dia, desde o diagnóstico até às 37+0 semanas (reduz o risco de PPT antes das 33 semanas em 35%)4), (29), (30.
Deve manter-se vigilância em ambulatório com ecografia a cada 2 semanas até às 24+6 semanas.
Em grávidas com CC < 10mm poderá ser considerada a ciclorrafia até às 24+6 semanas (reduz o risco de PPT antes das 35 semanas em 32%)22), (30), (31. Após a ciclorrafia deverá ser mantida/associada a progesterona micronizada intra-vaginal 200 mg/dia até às 37+0 semanas.
2 - Colo curto em grávidas com parto pré-termo anterior
Progesterona micronizada intra-vaginal 200 mg/dia, após a ecografia das 11-13 semanas até às 37+0 semanas (reduz o risco de PPT antes das 33 semanas em 41%)30), (32.
Deve manter-se vigilância em ambulatório com ecografia a cada 2 semanas a partir das 16 semanas até às 24+6 semanas. Se ocorrer um encurtamento progressivo do colo em avaliações subsequentes, equacionar a realização de ciclorrafia até às 24+6 semanas.
Após a ciclorrafia deverá ser mantida a progesterona micronizada intra-vaginal 200 mg/dia até às 37+0 semanas22), (29.
3 - Mulheres com dilatação cervical ao exame objetivo
Ciclorrafia até às 24+6 semanas (reduz o risco de PPT antes das 34 semanas em 45%).
Após a ciclorrafia deverá ser associada a progesterona micronizada intra-vaginal 200 mg/dia até às 37+0 semanas22), (29.
Se houver protusão das membranas ou presença de sludge, deve-se excluir infeção intra-amniótica através de amniocentese e realizar apenas ciclorrafia nos casos sem evidência de processo infecioso.
• Nas mulheres em que foi realizada ciclorrafia está desaconselhada a realização seriada de ecografias e a sua remoção deve ser realizada às 37+0 semanas.
• Pessário
A eficácia do uso de pessário em vez de progesterona em mulheres com colo curto não é suportada por meta-analises recentes, apesar de alguns estudos individuais reportarem uma redução de partos pré-termo abaixo das 34 semanas33.
Gravidez múltipla
1 - Gravidez Gemelar
• Progesterona micronizada intra-vaginal 200 mg/dia até às 37+0 semanas ou até à programação do parto
Alguns estudos demonstraram benefício na utilização de 400 mg /dia nas gestações gemelares, mas não sendo consensual esta dosagem.
A progesterona vaginal diminui o PPT na gravidez gemelar com colo curto e a sua utilização está recomendada (reduz o risco de PPT antes das 33 semanas em 31%)18), (29.
• Ciclorrafia
Não existe evidência científica a recomendar o uso da ciclorrafia na gravidez gemelar com colo curto34. Apenas uma meta-análise de 2019 descreveu que a ciclorrafia prolongou a gravidez e reduziu o PPT na gravidez gemelar com colo ≤ 15 mm35.
Em casos individualizados, pode ser considerada a ciclorrafia até às 24+6 semanas, quando o colo apresentar > 1 cm de dilatação34), (36.
• Pessário
O uso do pessário na gravidez gemelar com colo curto não é aconselhado pelas várias sociedades internacionais. São necessários mais estudos prospetivos para avaliar a redução do parto prematuro com a sua utilização37.
(Apenas um estudo multicêntrico descreveu uma redução de parto pré-termo antes das 34 semanas, mas sem redução da morbilidade neonatal38).
2 . Gravidez Tripla
Não está recomendada a progesterona vaginal, a ciclorrafia ou o uso do pessário na redução do parto prematuro nas grávidas com colo curto e gravidez tripla.