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Acta Obstétrica e Ginecológica Portuguesa

versão impressa ISSN 1646-5830

Acta Obstet Ginecol Port vol.15 no.4 Algés dez. 2021  Epub 31-Dez-2021

 

Estudo original/ Original study

Internamento em Cuidados Intensivos Polivalente por Obstetrícia num Hospital Central

Obstetric Admissions to intensive care unit in a tertiary referral Hospital

Margarida Pires Cordoeiro1  , Interna de Especialidade Obstetrícia e Ginecologia

Márcia Vieira-Coimbra1  , Interna de Especialidade Obstetrícia e Ginecologia

Joana Santos2  , Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia

Marta Fernandes2  , Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia

Nuno Nogueira Martins3  , Coordenador setor formação Obstetrícia/Ginecologia

Francisco Nogueira Martins4  , Diretor de Serviço de Obstetrícia e Ginecologia

1. Interna de Especialidade Obstetrícia e Ginecologia, Centro Hospitalar Tondela Viseu EPE. Portugal.

2. Assistente Hospitalar de Obstetrícia e Ginecologia, Centro Hospitalar Tondela Viseu EPE. Portugal.

3. Coordenador setor formação Obstetrícia/Ginecologia, Centro Hospitalar Tondela Viseu EPE. Portugal.

4. Diretor de Serviço de Obstetrícia e Ginecologia, Centro Hospitalar Tondela Viseu EPE. Portugal.


Abstract

Overview and Aims:

The incidence of women in their antenatal and postpartum period who require hospitalization in the Intensive Care Unit (ICU), has been repeatedly used as a marker of quality for health services. In Portugal there are currently few studies that report on obstetric complications and the need for a more multidisciplinary approach after admission to an ICU. The main objective of this study is to determine the probability for intensive care admission need of this Centre’s obstetric population. The secondary objectives are to characterize the obstetric population, it’s risk factors and outcomes.

Study design:

Descriptive and retrospective study

Population:

All women hospitalized at an ICU in our Centre, during pregnancy or in the 42 days postpartum, in 2013 and 2020.

Methods:

We assessed the electronic and physical records of our eligible population and analyzed relevant variables such as maternal age, body mass index, gestational age at admission, and delivery route. Neonatal variables, such as weight at delivery, apgar scores and adverse neonatal outcomes were also evaluated.

Results:

During the study period, 41 women required hospitalization in ICU, out of a total of 14 688 births. The most frequent diagnosis at admission were hypertensive disorders and postpartum hemorrhage. Mean age was 30.4 years. Most admissions were in the postpartum period (97,6%). We observed two maternal deaths and one fetal death.

Conclusions:

The admission rate to the ICU was 2.8 per 1000 births. Most admissions occurred in the postpartum period (97.6%), with the most common reasons being hypertensive disorders (56.1%) and postpartum hemorrhage (31.7%). The maternal mortality rate was 0.14 per 1000 births. These results were similar to those found in other international and national studies.

Keywords: Intensive care unit; Pregnancy; Pregnancy complications; Hypertensive disorders; Postpartum hemorrhage.

Introdução

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define mortalidade materna como a morte que ocorre durante a gravidez ou no prazo de 42 dias após o parto, devido ao agravamento da gravidez ou da sua gestão (excluindo causas acidentais ou incidentais), independentemente da duração e localização da gravidez1.

Em Portugal, a taxa de mortalidade materna tem vindo a aumentar nos últimos anos e em 2019 foi atingido um valor de 12,7 por cada 100 000 nascimentos2. Apesar de vários autores sugerirem o uso da taxa de mortalidade como um indicador qualitativo dos cuidados de saúde3), (4), (5, existem outros fatores independentes que influenciam este aumento, como a idade materna avançada (superior a 35 anos) e doenças graves subjacentes, cada vez mais prevalentes em mulheres que engravidam6), (7.

No mesmo sentido, a taxa de admissão de parturientes nos cuidados intensivos também é um indicador comummente usado para avaliar tanto a qualidade de um serviço multidisciplinar, como para identificar e quantificar as causas mais prevalentes de mortalidade materna e os fatores de risco associados8.

Assim, propõe-se investigar a probabilidade de internamento nos Cuidados intensivos na população obstétrica admitida deste Centro Hospitalar de apoio universitário, através da identificação e caracterização dos casos admitidos no período compreendido entre 2013 e 2020. Para além disso, propõe-se documentar quais os motivos mais frequentes de admissão e identificar eventuais fatores de risco. Por fim, através da comparação dos resultados obtidos com os descritos na literatura, pretende-se perceber qual o paradigma em que nos encontramos.

Material e métodos

Estudo descritivo e retrospetivo da população obstétrica e respetivos motivos de admissão na Unidade de Cuidados Intensivos (UCI) no hospital dos autores, entre os anos de 2013 e 2020.

Este projeto foi aprovado pela comissão de ética do hospital (número: 02/23/11/2020).

O SPSS v26.0 foi o software utilizado para análise estatística.

A população estudada incluiu mulheres grávidas e puérperas cuja transferência para a UCI se deveu a qualquer causa relacionada ou agravada pela gravidez ou por medidas tomadas em relação à mesma.

O processo clínico foi consultado para cada transferência.

Foram estudadas as seguintes variáveis: características maternas (idade, peso prévio à gravidez, aumento ponderal durante a gravidez, antecedentes pessoais e obstétricos), idade gestacional, tipo de parto e aspetos relacionados com o recém-nascido (índice de apgar, peso ao nascimento e maus desfechos neonatais).

Resultados

No período de estudo foram registadas 41 admissões na UCI, com proveniência do Serviço de Obstetrícia. Durante o mesmo período houve um total de 14688 partos, o que corresponde a uma incidência de admissões na UCI pela população obstétrica de 2,8 por 1000 partos.

Das características maternas analisadas a idade média foi de 30,4 anos e o índice de massa corporal de 26,0 kg/m2, valor que se enquadra no excesso ponderal. A idade gestacional média foi de 36,3 semanas, sendo que as idades mínima e máxima foram 21 e 41 semanas, respetivamente. No Quadro I, encontram-se descritas as características demográficas, obstétricas e perinatais.

Quadro I Características demográficas, obstétricas e perinatais dos casos admitidos na UCI 

Foram realizadas 31 cesarianas, 6 partos eutócicos e 4 partos instrumentados (3 com ventosa e um com fórceps). O peso médio ao nascimento foi de 2433,5 gramas, com pesos mínimo e máximo de 1015 e 4150g, respetivamente. O índice de Apgar ao 5.o minuto foi <7 em 5 recém-nascidos, dos quais em quatro o parto foi por cesariana e um por via vaginal.

Quanto aos antecedentes pessoais (Figura 1), 17 não tinham quaisquer antecedentes de relevo, 11 apresentavam distúrbios hipertensivos (8 com hipertensão gestacional e 3 com hipertensão crónica, duas das quais associadas a diabetes gestacional); 4 diabetes gestacional; duas com patologia cardíaca (prolapso da válvula mitral; Síndrome de Wolff-Parkinson-White); duas coagulopatias (trombofilia; purpura trombocitopénica trombótica adquirida); duas apresentavam obesidade mórbida; duas hipotiroidismo e uma paraganglioma da glândula supra-renal. Quanto aos antecedentes obstétricos, 30 eram nulíparas e apenas 5 tinham antecedentes de cesariana anterior.

Figura 1 Antecedentes pessoais da população em estudo. 

Das 41 admissões na UCI (Quadro II), 40 decorreram no período pós-parto e apenas uma durante a gravidez, sendo esta última devido a cetoacidose diabética numa grávida com 6 semanas de gestação.

Quadro II Motivos de internamento na UCI 

Quanto aos diagnósticos que motivaram internamento no pós-parto, 23 foram admitidas por distúrbios hipertensivos (13 com Síndrome HELLP, 7 com pré-eclâmpsia com critérios de gravidade e 3 com eclâmpsia); 14 por hemorragia peri e pós-parto (1 descolamento prematuro da placenta normalmente inserida e 13 casos de hemorragia pós-parto) incluindo dois casos de síndrome HELLP sobreposto; duas por distúrbios respiratórios (uma com Acute respiratory distress syndrome e outra com pneumonia) e uma por hipertermia maligna após administração de misoprostol.

O risco de morbilidade à admissão foi avaliado pelo índice SOFA (Sequential Organ Failure Assessment), cuja pontuação mínima é 1 e a máxima 13, com pontuação média de 3,9. Quanto aos desfechos adversos, houve uma morte perinatal e duas mortes maternas, o que corresponde a uma incidência de mortalidade materna de 0.14 por 1000 partos. Em ambos os casos, a causa de morte foi falência multiorgânica desencadeada por hemólise maciça em contexto de coagulopatia intravascular disseminada, uma devido a síndrome de politransfusão, após hemorragia pós-parto e outra devido a patologia pré-existente, purpura trombocitopénica trombótica adquirida.

Afere-se assim que a incidência de admissões na UCI da população obstétrica foi de 2,8 por 1000 partos e que a mortalidade materna foi de 0,14 por 1000 partos.

Discussão

A taxa de admissão na UCI foi de 2,8 por 1000 partos. Estes valores encontram-se dentro do intervalo referido noutros artigos realizados em países desenvolvidos8). (9), (10. De facto, é de salientar que a taxa de admissão global da população obstétrica na UCI não tem variado, apresentando taxas constantes de 1-10 por 1000 partos. (8

A maioria das admissões ocorreram no período pós-parto (97,6%), sendo os motivos mais comuns os distúrbios hipertensivos (56,1%) e a hemorragia pós-parto (31,7%). Estes resultados corroboram as taxas apresentadas por outros artigos3), (5), (8), (10), (11.

A taxa de mortalidade materna foi de 0,14 por 1000 partos, com uma incidência de 4,9% nas grávidas/puérperas admitidas na UCI. Resultados semelhantes foram obtidos em estudos realizados noutros países desenvolvidos, que apresentam uma incidência a rondar os 4%3), (8), (12.

A prevalência de mulheres nulíparas (73,2%) foi superior à de multíparas, tal como noutros artigos3), (8. Contudo, não existem ainda estudos que avaliem de forma consistente a relação entre paridade e o risco de admissão em UCI5.

As alterações fisiológicas que decorrem ao longo da gravidez (cardíacas, respiratórias e urinárias) podem resultar em complicações graves com desfechos adversos5, nomeadamente na presença de comorbilidades pré-existentes. No entanto, 41,5% das grávidas/puérperas admitidas não apresentavam quaisquer antecedentes de relevo, tendo os eventos catastróficos ocorrido de forma inesperada.

A idade materna média foi de 30,4 anos, valor que se enquadra na média de idade materna em Portugal13. A idade mínima e máxima foram 20 e 42 anos, respetivamente. Estes resultados corroboram com o paragrafo anterior, uma vez que não obtivemos uma média de idades mais avançada, nem picos extremos de idade materna.

Obteve-se uma média de índice de massa corporal de 26,0 kg/m2 (excesso de peso), para o cálculo da qual foi considerado o peso anterior à gravidez e uma média de aumento ponderal durante a gravidez de 11,6 kg. De facto, é referida em inúmeras publicações a associação entre o excesso de peso e maior risco de diabetes gestacional, pré-eclâmpsia e morbilidade perinatal14), (15), (16.

A escala de morbilidade na Unidade dos Cuidados Intensivos escolhida foi o SOFA (Sequential Organ Failure Assessment), visto que é aquela que melhor prediz os desfechos adversos e a mortalidade materna4), (8), (17. A pontuação média obtida foi de 3,9, valor preditor de uma taxa de mortalidade baixa (<1%)4.

Quanto às limitações deste estudo, há a referir que os dados foram apenas obtidos retrospetivamente através da consulta de processos eletrónicos ou físicos, estando por isso limitado à informação registada e a duração do período de estudo, de 7 anos, que poderia eventualmente ser alargado.

Conclusões

Este estudo cumpriu o seu objetivo, identificou as grávidas/puérperas que necessitaram de internamento na UCI, comparou os seus resultados com outros estudos, e concluiu que estes não foram dispares dos previamente documentados.

Os motivos mais frequentes de admissão na UCI foram os distúrbios hipertensivos e a hemorragia pós-parto. A prevalência, da população estudada, sem antecedentes pessoais foi de 41,5%, o que representa a imprevisibilidade dos eventos catastróficos na Sala de Partos.

A mortalidade materna nas mulheres admitidas na UCI foi de 4,9%, taxa que não difere significativamente da descrita na literatura.

Para futura investigação, propõe-se prolongar o período de estudo e fazer um acompanhamento a longo prazo, da população, nomeadamente em gestações futuras, e perceber se houve recorrência dos eventos ou outras complicações associadas.

Conflito de interesses

Os autores não têm conflito de interesses a declarar.

Contribuição individual de cada autor

Margarida Cordoeiro: contribuição intelectual substancial e direta, no desenho e elaboração do artigo.

Márcia Vieira-Coimbra: participação na análise e interpretação dos dados.

Joana Santos: revisão crítica do conteúdo.

Marta Fernandes: revisão de versões e revisão crítica da versão final.

Nuno Nogueira Martins: responsável pela exatidão e integridade de todo o trabalho.

F. Nogueira Martins: Idealização do tema e aprovação da versão final.

Refêrências bibliográficas

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Recebido: 09 de Fevereiro de 2021; Aceito: 20 de Junho de 2021

Endereço para correspondência Margarida Pires Cordoeiro E-mail: margarida.cordoeiro@gmail.com

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