Introdução
A administração de corticoterapia pré-natal a grávidas em risco de parto pré-termo (PPT) espontâneo ou induzido não só diminui o risco de morte neonatal (31%), de síndrome de dificuldade respiratória (SDR; 44%) e de hemorragia intraventricular (HIV; 46%), como diminui a incidência de enterocolite necrotizante (ECN), de necessidade de suporte ventilatório, de admissão em Unidade de Cuidados Intensivos Neonatais e de infeções sistémicas neonatais nas primeiras 48 horas pós-parto1. O seu maior benefício é atingido quando o intervalo de tempo entre o início da terapêutica e o nascimento é superior a 24 horas e até 7 dias depois1-15.
Contudo, a corticoterapia não é isenta de riscos2. Vários estudos sugerem que os corticosteróides administrados antes do nascimento podem atrasar a formação da mielina e reduzir o crescimento do cérebro3. Foi também demonstrada uma associação entre a utilização de corticosteróides e uma pressão diastólica mais elevada na adolescência, bem como déficits de desenvolvimento neurológico e perturbações mentais e comportamentais3. É necessária mais investigação para estabelecer os efeitos a longo prazo dos corticosteróides e o seu possível impacto nas síndromes cardiometabólicas, uma vez que foram encontradas ligações moderadas com doença coronária, acidente vascular cerebral, hipertensão e diabetes tipo 2 na idade adulta3.
Por todas estas razões, a utilização de corticosteróides na gravidez deve ser ponderada3. A seleção ótima dos casos que beneficiam da sua utilização, a dose e o momento da sua administração, são fundamentais para proporcionar o máximo valor e reduzir a utilização desnecessária3.
Dois tipos de corticosteróides pré-natais foram amplamente testados e utilizados na prática clínica: a betametasona e a dexametasona. Trata-se de corticosteróides sintéticos fluorados, com atividades semelhantes, mas a betametasona, em comparação com a dexametasona, parece ter menor risco de paralisia cerebral6.
O acetato/fosfato de betametasona (mistura 50:50) é a formulação de betametasona mais testada e a que deve ser idealmente utilizada nas grávidas em risco de parto pré-termo6.
Indicações
A corticoterapia para maturação pulmonar fetal está recomendada entre as 24 e as 33 semanas e 6 dias, independentemente da integridade das membranas amnióticas ou do número de fetos, em todas as situações em que existe risco de PPT nos 7 dias seguintes. Os benefícios ótimos são encontrados em bebés nascidos até 7 dias após a administração de corticóides; mesmo a administração de uma dose única deve ser dada em mulheres com parto pré-termo iminente, uma vez que é provável que melhore o desenvolvimento neurológico3.
Dose e via de administração de ciclos de corticosteróides
Considera-se um ciclo completo de corticoterapia quando foram cumpridas 48 horas de tratamento utilizando um dos seguintes esquemas:
Ciclo de resgate
- Se passaram no mínimo 14 dias após o ciclo inicial, repetição de um ciclo completo nas gestações que mantém o risco de PPT nos 14 dias subsequentes e que não completaram as 34 semanas.
Nota: No caso de a grávida ter iniciado o ciclo de maturação pulmonar com uma das formulações e não existir essa formulação no hospital atual, no dia seguinte deverá efetuar a outra formulação, com o intuito de serem administradas somente 48 h de corticoterapia (se iniciou com Betametasona, no dia seguinte fará 2 doses de Dexametasona; se fez 2 doses de dexametasona, fará no dia seguinte 1 dose de Betametasona).
Orientação de acordo com a idade gestacional (IG)
• 22 - 23 +6 semanas
Decisão individualizada após diálogo entre equipa assistente (Obstetrícia e Neonatologia) e o casal.
Considerar quando se prevê um parto pré-termo nos próximos sete dias e está previsto o suporte ativo da vida do recém-nascido pela Neonatologia, tendo em conta os desejos dos pais de investir na gravidez, após informação cuidadosa e detalhada (incluindo a elevada morbi-mortalidade associada a esta IG, com eventual apresentação da realidade de cada centro). Nestes casos, observou-se um claro benefício em termos de sobrevivência, mas o impacto na função neurológica e respiratória a curto prazo, bem como nos resultados do desenvolvimento neurológico a longo prazo, ainda não é claro3.
• 24 - 33 +6 semanas
Sempre que exista risco de PPT nos 7 dias subsequentes, em gravidezes unifetais ou múltiplas, incluindo situações de rotura de membranas pré-termo (RMP-PT)7,8.
• 34 - 36+6 semanas (pré-termo tardios)
Um só curso completo de corticoterapia para maturação pulmonar poderá ser considerado em casos selecionados de mulheres com risco de PPT tardio, se não tiver sido realizado um ciclo prévio4,9, em contexto de ensaios clínicos3. Nesta idade gestacional não deve ser efetuada tocólise nem adiada a terminação da gravidez (quando indicada) para realizar o ciclo de maturação pulmonar entre as 34+0 e 34+6 semanas3. Os dados atuais sugerem que, nesta idade gestacional, embora os corticoides reduzam a incidência de taquipneia transitória do recém-nascido, não afetam a incidência de síndrome de dificuldade respiratória e aumentam a hipoglicemia neonatal. Mais, não existem dados de segurança a longo prazo3.
• ≥ 37 semanas
Tendo em conta a ausência de evidência científica robusta (as meta-análises existentes incluíram estudos com critérios de inclusão muito díspares5) e o impacto desfavorável nos desfechos cognitivos e comportamentais, a longo prazo, da administração antenatal de corticoides em RN de termo, não está recomendada a sua administração para maturação pulmonar fetal nesta fase da gestação3,12,15, independentemente da via do parto.
Repetição de ciclos
A realização de um ciclo de resgate de corticosteróides diminui o risco de SDR (número necessário a tratar - NNT - 17) e de maus desfechos neonatais combinados (NNT 30) mas não diminui a mortalidade, a incidência de doença respiratória grave/crónica ou de HIV. O benefício do ciclo de resgate parece perder-se nos RN nascidos após as 34 semanas.
O ciclo de resgate pode ser considerado em gravidezes com menos de 34 semanas de gestação, se o tratamento anterior tiver sido administrado mais de 14 dias antes e se houver um risco elevado e renovado de parto iminente1. A realização de mais do que um ciclo de resgate está contraindicada pela associação a alterações de crescimento (peso e perímetro cefálico ao nascimento), de complicações cerebrais (paralisia) e de alterações comportamentais (défices de atenção) aos 2-3 anos13.
Assim, um ciclo de corticosteróides não deve ser repetido por rotina, mas pode ser considerado em3,8:
Precauções/advertências
Os corticosteróides têm um potente efeito anti-inflamatório e imunossupressor, pelo que em casos de infeção grave (nomeadamente tuberculose) e de imunossupressão materna deve ser discutido com um especialista da área o potencial risco para a grávida da realização de um ciclo de corticosteróides. De referir ainda que existindo uma suspeita de corioamnionite não está recomendado protelar o parto por forma a completar o ciclo de corticosteróides.
Rotura prematura de membranas pré-termo (RPM-PT) - O uso de corticosteróides após RPM-PT demonstrou reduzir a mortalidade e a morbilidade neonatal, sem associação com o aumento do risco infecioso materno ou neonatal. A administração de um ciclo de resgate nestas situações é controverso e não existe evidência suficiente para o recomendar ou contraindicar.
Restrição de crescimento fetal - Os benefícios parecem compensar os riscos e a administração de corticosteróides está recomendada se existir clinicamente um risco de PPT nos 7 dias subsequentes. Estão descritos efeitos transitórios (≈72 horas) dos corticosteróides na fluxometria umbilical e cerebral, bem como na diminuição dos movimentos corporais e da variabilidade da frequência cardíaca fetal.
Grávidas com diabetes prévia ou gestacional - A diabetes mellitus materna não é uma contraindicação para o uso de corticosteroides pré-natais. Está recomendado utilizar o mesmo esquema e nas mesmas IG. Os corticosteróides associam-se a um agravamento do perfil glicémico, com risco de hiperglicemia, pelo que devem ser monitorizadas as glicemias e ajustada a terapêutica hipoglicemiante.
Gravidez Multifetal - A administração deve ser feita com as mesmas indicações e doses nas gestações múltiplas e nas de feto único.
Medicação crónica com corticosteróides - Nas grávidas medicadas com corticosteróides de forma crónica a utilização de corticoterapia com o objetivo de diminuir a morbilidade/mortalidade neonatal tem as mesmas indicações que as restantes grávidas, utilizando o mesmo esquema e nas mesmas IG.
Nota: No caso de a grávida ter iniciado o ciclo de maturação pulmonar com uma das formulações e não existir essa formulação no hospital atual, no dia seguinte deverá efetuar a outra formulação, com o intuito de serem administradas somente 48 h de corticoterapia (se iniciou com Betametasona, no dia seguinte fará 2 doses de Dexametasona; se fez 2 doses de dexametasona, fará no dia seguinte 1 dose de Betametasona).
Resumo
IG de Administração
• 22 - 23+6 semanas
Decisão, caso a caso, por equipa multidisciplinar, tendo em conta o mau desfecho neonatal associado a esta IG. Considerar quando se prevê um parto pré-termo nos próximos sete dias e está previsto o suporte ativo da vida do recém-nascido pela Neonatologia, tendo em conta os desejos dos pais de investir na gravidez
• 24 - 33+6 semanas
Recomendada corticoterapia, se risco de PPT nos 7 dias seguintes, em gravidezes unifetais ou múltiplas, incluindo se RPM-PT.
• 34 - 36+6 semanas
Só deve ser proposta em contexto de ensaios clínicos3. Assim, um só curso de corticoterapia para maturação pulmonar poderá ser considerado em mulheres com risco de PPT tardio, se não tiver sido realizado um ciclo prévio4,9.
• ≥ 37 semanas
Sem indicação, dada ausência de benefício comprovado na literatura existente.
Repetição de ciclos
Não existe indicação formal, uma vez que não há consenso na literatura atual. A repetição de um curso de corticosteróides deverá ser considerada apenas se grávida com <34 semanas de IG e novo episódio que faça prever que o parto ocorra nos 7 dias subsequentes, sendo o intervalo entre os ciclos de pelo menos 14 dias.