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Angiologia e Cirurgia Vascular
versão impressa ISSN 1646-706X
Angiol Cir Vasc vol.8 no.4 Lisboa dez. 2012
Reconhecer os limites da revascularização: reflexão sobre 3 anos de experiência em amputações de um centro cirúrgico
Amputation and the limits of lower limb revascularization: analyses of 3 years in a surgical center
Ricardo Gouveia, Alexandra Canedo, Paulo Barreto, Joana Ferreira, Sandrina Braga, Joana Vasconcelos, António Guedes Vaz
Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia/Espinho, Departamento de Angiologia e Cirurgia Vascular
|RESUMO|
Introdução: A isquemia crítica tem como tratamento de eleição a revascularização, cirúrgica ou endovascular. Estão a ser continuamente desenvolvidas novas ferramentas que permitem, por um lado, garantir um sucesso terapêutico mais prolongado e, por outro, o tratamento de estruturas vasculares que antes se pensavam inacessíveis. Tratamentos bem sucedidos nem sempre cursam com melhoria imediata da autonomia e capacidade de deambulação, podendo verificar-se a perpetuação de um estado de convalescência e um maior compromisso da reabilitação. A amputação, nomeadamente major, é frequentemente vista como um insucesso. Pode, no entanto, representar um tratamento definitivo para uma patologia crónica causadora de sofrimento prolongado, por vezes ele próprio mais incapacitante.
Face a um panorama futuro de possibilidades quase ilimitadas para revascularização, quando deveremos nós, cirurgiões vasculares, desistir desta forma de tratamento e optar por uma amputação?
Métodos e discussão: Foi efectuada uma apreciação retrospectiva dos últimos 3 anos de experiência de amputações realizadas no serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do nosso centro hospitalar, assim como uma análise comparativa dos doentes previamente revascularizados e não revascularizados. Foi aplicado um questionário sobre qualidade de vida ao grupo que foi submetido a amputações major, com o intuito de averiguar se a revascularização prévia representou um acréscimo da mesma. Este trabalho permite-nos reflectir sobre situações em que a revascularização foi incessantemente perseguida e a amputação major continuamente rejeitada. Cabe a nós, cirurgiões vasculares, conhecendo a nossa população alvo, fazer essa reflexão e tentar coordenar de forma multidisciplinar o tratamento dos doentes amputados, de modo a que estes possam usufruir da melhor reabilitação possível.
Palavras-chave: amputação, revascularização, qualidade de vida
|ABSTRACT|
Introduction: Revascularization, both endovascular or open surgery, is the treatment of choice in critical limb ischemia. New tools are being developed that allow us, on one hand, to ensure a more prolonged therapeutic success and, on the other hand, to treat vascular sectors that were previously though inaccessible. Successful treatments do not always occur with immediate improvement of autonomy and ability to walk and there may be a perpetuation of a convalescence state and a loss in the rehabilitation. Amputation, including major, is often seen as a failure. It may, however, represent a definitive treatment for a chronic state causing prolonged suffering, sometimes more disabling itself. Faced with a future outlook of almost limitless possibilities for revascularization, when shall we, vascular surgeons, give up this form of treatment and amputate?
Methods and Discussion: We performed a retrospective assessment of the last 3 years of experience in amputations performed in the department of Angiology and Vascular Surgery of our hospital, as well as a comparative analysis of patients previously revascularized and non-revascularized. We applied a questionnaire of quality of life to the group that underwent major amputations, in order to determine whether the previous revascularization represented an increase in the quality of life. This work allows us to reflect on situations in which revascularization was unceasingly pursued and major amputation continually rejected. It behooves us, vascular surgeons, knowing our target population, making this reflection and trying to coordinate a multidisciplinary treatment of amputees so that they can benefit of the best possible rehabilitation.
Key words: amputation, revascularization, quality of life
INTRODUÇÃO
A revascularização é o tratamento de eleição para a isquemia crítica dos membros inferiores. Os parâmetros que habitualmente avaliamos quando intervimos nesse sentido são: o tempo de permeabilidade do bypass ou tratamento endovascular, as taxas de limb salvage, o tempo de sobrevida dos doentes. No entanto, estes parâmetros mais técnicos têm pouco significado para um indivíduo quando este desconhece se poderá conseguir readquirir a sua capacidade de deambulação ou mesmo de retornar à sua profissão.[1]
Estão a ser continuamente desenvolvidas novas ferramentas que permitem, por um lado, garantir um sucesso terapêutico mais prolongado e, por outro, o tratamento de estruturas vasculares que antes se pensavam inacessíveis.
Tratamentos bem sucedidos nem sempre cursam com melhoria imediata da autonomia e capacidade de deambulação, podendo verificar-se a perpetuação de um estado de convalescência e um maior compromisso da reabilitação.
A amputação, nomeadamente major, é frequentemente vista como um insucesso. Pode, no entanto, representar um tratamento definitivo para uma patologia crónica causadora de sofrimento prolongado, por vezes ele próprio mais incapacitante.[2,3,4,5]
O grupo TASC faz a recomendação para que questionários de quality of life (QOL) façam parte do processo de avaliação dos nossos doentes no sentido de apreciar o impacto, tanto da doença arterial periférica como dos tratamentos efectuados, na vida do doente.[6]
Após o estudo de múltiplos factores intervenientes, os parâmetros que parecem determinar a qualidade de vida dos doentes incluem: comorbilidades; dor fantasma[7]; factores relacionados com a capacidade de deambulação[8,9].
São múltiplos os questionários utilizados na comunidade científica para descrever e estudar parâmetros de QoL. Alguns dos mais validados incluem: PGI (Patient Generated Index); GQPLA (The Groningen Questionnaire Problems after Leg Amputation); RAND-DLV ou SF-36 (Short form Health Survey).
Embora a amputação major possa ser benéfica como tratamento definitivo para um indivíduo com um processo isquémico avançado e irreversível, a perda de um membro faz-se sempre acompanhar de uma perda de independência, o que poderá ter um impacto severo na qualidade de vida do doente. Existem muitos estudos que avaliam parâmetros de QOL, sendo que a maioria compara amputação com limb salvage. Alguns com resultados que favorecem a amputação major[10], outros que favorecem a revascularização.[11,7] Outros não verificaram diferença[12,2,3,4]
Face a um panorama futuro de possibilidades quase ilimitadas para revascularização, quando deveremos nós, cirurgiões vasculares, desistir de tentar revascularizar e optar por uma amputação major? Será possível devolver qualidade de vida com esta atitude terapêutica?
MÉTODOS E RESULTADOS
Foi feita uma pesquisa bibliográfica sobre a temática da qualidade de vida em doentes amputados, utilizando bases de dados informáticas disponíveis online através do uso de palavras chave e procura de referências nos artigos obtidos.
Foi efectuada uma apreciação retrospectiva dos últimos 3 anos (Janeiro de 2009 a Janeiro de 2012) de experiência de amputações realizadas no serviço de Angiologia e Cirurgia Vascular do Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia, assim como uma análise comparativa dos doentes previamente revascularizados e não revascularizados.
Foi possível a caracterização da população estudada no referido período, com avaliação da sua morbimortalidade.
Foi aplicado um questionário sobre qualidade de vida ao grupo que foi submetido a amputações major, com o intuito de averiguar se a revascularização prévia representou um acréscimo da mesma. São exploradas questões como a capacidade física, autonomia, dor, a vitalidade, a socialização, o estado emocional e a auto-percepção do doente em relação ao seu estado de saúde.
No questionário foram aplicados conceitos adaptados à realidade da patologia vascular a partir de diversos questionários existentes, sendo que o SF-36 pareceu-nos ser o mais completo. Foram elaboradas questões mais direcionadas para a patologia vascular e com menos hipóteses de resposta (múltipla), assim como foram adicionadas questões específicas do âmbito da especialidade. Neste trabalho os parâmetros foram analisados como variáveis independents e não para obtenção de um score. O questionário foi aplicado por contacto telefónico e inclui as seguintes questões apresentadas:
> Percepção do doente em relação à sua saúde:
1. De um modo geral, diria que a sua saúde é…
2. Comparativamente há um ano atrás a sua saúde agora é…
3. Acha que adoece mais facilmente do que os outros?
4. Acha que é tão saudável como os outros?
5. A sua saúde é excelente?
6. Dentro de 1 ano espera que a sua saúde…
> Capacidade funcional:
7. Carregar e levar objectos com as 2 mãos
8. Subir vários lanços de escadas
9. Subir um lanço de escadas
10. Agachamento
11. Caminhar 1 Km
12. Caminhar centenas de metros
13. Caminhar 100 m
14. Tomar banho e vestir-se sozinho
15. Outras actividades de vida diária (buscar um copo de água, alimentar-se, …)
> Âmbito das actividades diárias de trabalho ou lazer:
• Devido à limitação física,
16. Faz menos do que gostaria?
17. Faz pior ou com mais dificuldade?
• Devido à limitação emocional,
18. Faz menos do que gostaria?
19. Faz pior ou com mais dificuldade?
> Âmbito da socialização:
20. Após a amputação de que modo o seu estado de saúde, a sua capacidade física ou o seu estado emocional afectaram o contacto com amigos e familiares?
COMPONENTE EMOCIONAL
> Com que frequência costuma sentir-se:
21. Nervoso
22. Triste
23. Deprimido, de forma que nada o alegrava
24. Calmo
25. Cheio de energia
26. Desgastado física e psicologicamente
27. Cansado
28. Feliz
29. Compromisso na deambulação pré-operatoriamente
30. Compromisso na deambulação pós-operato-riamente
> Dor
31. Presença de dor fantasma
32. Intensidade da dor pós amputação
33. Interferência na actividade diária pela dor
34. Protetização
Dada a elevada quantidade de resultados obtidos neste trabalho são apresentados apenas aqueles cuja análise estatística teve significância estatística (p<0,05). Como excepção são também apresentados alguns resultados relevantes que se aproximam desta significância, sendo estes assinalados de acordo.
Durante 3 anos 212 indivíduos foram amputados (92 de tipo minor, 120 major). A média de idades é de 70,83 anos. A distribuição de idades por estrato etário é apresentada no GRÁFICO 1.
| GRÁFICO 1 | Distribuição de idades (por estratos)
Cerca de dois terços (66%) são do sexo masculino.
Relativamente ao contexto de amputação inicial, a isquemia grau IV, de acordo com a classificação de Leriche-Fontaine, verificou-se na maioria dos indivíduos (86,8%). Em 6,6% o contexto de amputação foi a isquemia aguda em estadio irreversível ou sem indicação para revascularização (na maioria dos casos por estados avançados de dependência). Sintomas em repouso motivaram amputação em 5,7% e estes incluiram maioritariamente quadros isquémicos sem alternativas de revascularização. Traumatismo verificado apenas em 2 casos.
Não se verificou predomínio de lateralidade (Direito=45,8%; Esquerdo=53,3%; Bilateral no internamento inicial=0,9%)
Existiu um ligeiro predomínio da amputação em ambiente electivo, 59,4%, tendo sido as restantes 40,6% das amputações realizadas em âmbito de urgência. Pouco menos de metade dos doentes (46,2%) apresentavam descrita infecção associada no momento do procedimento.
As amputações primárias incluiram 47,6% da nossa população. Dos que foram previamente revascularizados (52,4%), 41,2% foram submetidos a cirurgia aberta, 50,9% submetidos a tratamento endovascular, 7,9% foram submetidos a uma combinação destes tratamentos.
Verificou-se um ligeiro predomínio de amputações major (56,6%).
A média de número de internamentos relacionados com o membro inicialmente afectado é de 1,96.
Optou-se por apenas contabilizar o número de internamentos relativos a tratamentos unicamente do membro inicialmente amputado no sentido de diminuir os vieses obtidos para individuos com amputações bilaterais.
A amputação mais vezes realizada foi de tipo major, acima do joelho, seguida da amputação de dedos. Os resultados relativos ao nível de amputação estão apresentados no GRÁFICO 2.
| GRÁFICO 2 | Tipos de amputação
A prevalência dos factores de risco cardio-vascular são apresentados na TABELA 1. Verificou-se um predomínio da Diabetes Mellitus (63,7%) e Hipertensão Arterial (64,6%).
| TABELA 1 | Prevalência dos factores de risco em percentagem
De referir que no parâmetro “Sim” para tabagismo consideraram-se não só os indivíduos fumadores como também ex-fumadores.
Foi efectuada uma análise das complicações pós amputação assim como a necessidade de novos internamentos ou novos tratamentos. Dadas as limitações inerentes a um estudo retrospectivo e para fins de padronização não foi efectuada uma divisão relativamente ao tipo de complicação, embora estas contenham na sua maioria infecção do coto de amputação e/ou não cicatrização do mesmo. Foram consideradas complicações do procedimento mortes precoces. Os resultados relativos a estas frequências estão apresentados GRÁFICO 3.
| GRÁFICO 3 | Complicações
Considerou-se morte precoce ou peri-operatória aquela que ocorresse até 30 dias após o procedimento cirúrgico. Neste trabalho verificou-se que a mortalidade precoce foi de 11,3%.
A maioria dos indivíduos não teve qualquer complicação (68,4%) pós-operatoriamente.
Relativamente à necessidade de re-amputação, esta verificou-se em apenas 12,7% dos casos. Esta, por sua vez, foi na sua maioria do tipo major, acima ou abaixo do joelho (40,7 e 29,6% respectivamente). As restantes frequências são apresentadas na TABELA 2.
| TABELA 2 | Tipo de reamputação
A TABELA 3 refere-se à necessidade de amputação do membro contra-lateral, tendo em conta o intervalo considerado neste trabalho. A maioria dos indivíduos não tem ou teve necessidade desta amputação. No entanto 7,6% tiveram de ser posteriormente amputados no membro contra-lateral (relativamente ao membro que foi inicialmente amputado no intervalo considerado).
| TABELA 3 | Amputação do membro contra-lateral
A necessidade de nova revascularização verificou-se em 11,3%. Foi efectuada uma análise descriminativa do sector ou sectores intervencionados. Estes foram divididos em sector proximal, femoro-poplíteo e distal. Constatou-se que, no que se refere ao primeiro episódio de amputação, neste caso amputações do tipo secundário, o sector mais revascularizado foi o sector femoro-poplíteo havendo ainda uma percentam considerável relativas ao sector ou sectores mais proximais , na fase pós amputação, neste caso relativa aos casos de má evolução cicatricial, o sector mais revascularizado foi, predominantemente, o distal ou os 2 sectores mais distais (41,7 e 37,5% respectivamente). Estes resultados estarão intimamente relacionados com o uso de técnicas de angioplastia/stenting. Os dados relativos aos sectores revascularizados encontram-se apresentados nos GRÁFICOS 4 e 5.
| GRÁFICO 4 | Sector Revascularizado Inicialmente
| GRÁFICO 5 | Sector Revascularizado Posteriormente
No grupo das amputações secundárias, tendo em conta o tipo de revascularização, constata-se que existe uma associação estatística entre amputações minor e revascularização do tipo endovascular; assim como existe uma maior percentagem de amputações major no grupo revascularizado por via cirúrgica. No entanto, esta maior taxa de limb salvage e também sobrevida, acarreta uma maior taxa de complicações e maior necessidade de re-internamentos e re-intervenções, tanto no sentido da revascularização como no da amputação. Estes dados são apresentados nos GRÁFICOS 6, 7 e 8 e TABELA 4.
| GRÁFICO 6 | Necessidade de reamputação por tipo de revascularização inicial
| GRÁFICO 7 | Necessidade de revascularização pós amputação
| GRÁFICO 8 | Amputação com ou sem revascularização prévia
| TABELA 4 | Mortes por tipo de revascularização
Por sua vez, as amputações em âmbito de urgência são frequentemente primárias e do tipo major e a este tipo está associada uma maior taxa de mortalidade (o que parece estar associado com uma maior taxa de co-morbilidades e atingimento de outros sectores vasculares, nomeadamente cerebral e cardíaco) | ver GRÁFICOS 9 e 10 |.
| GRÁFICO 9 | Âmbito de amputação
| GRÁFICO 10 | Âmbito de amputação
Quando avaliamos os dados obtidos por ano de trabalho vemos que em número absoluto de amputações se mantiveram estáveis nos 3 anos analisados. No entanto, e pensa-se que isto estará relacionado com o desenvolvimento de técnicas de revascularização endovascular e o tratamento de sectores cada vez mais distais, vemos que existe uma inversão da tendência no sentido das amputações de tipo minor | ver GRÁFICO 11 | obtendo-se portanto, maiores taxas de limb salvage.
| GRÁFICO 11 | Tipo de amputação por ano de trabalho
Neste estudo a taxa de mortalidade peri-operatória foi de 11,8/100/mês. De um modo grosseiro a percentagem de falecidos após os 30 dias é de cerca de 20%. É possível uma análise no decorrer do tempo de evolução pós operatório, através do recurso a uma curva de sobrevida de acordo com o modelo de Kapplen-Meyer | GRÁFICOS 12 e 13 |.
| GRÁFICO 12 | Outcomes sobrevida/mortalidade
| GRÁFICO 13 | Curva de Sobrevida
Relativamente à mortalidade, de acordo com o tipo de amputação considerada, é fundamental ter em conta que os doentes foram seguidos por períodos de tempo diferentes de modo que os dados relativos devem ser analisados cautelosamente, sendo por este motivo mais fiável a mortalidade peri-operatória. A mortalidade precoce das amputações acima do joelho foi de 18,1% portanto, de acordo com a literatura[13]. Nenhum dos doentes submetidos a amputação abaixo do joelho (7 doentes) faleceu peri-operatoriamente e, mesmo no fim do tempo de seguimento, a maioria se mantinha viva (5 doentes). Estes resultados estarão certamente relacionados com o número reduzido de doentes neste grupo. A mortalidade associada a amputações major bilaterais, foi cerca de 54%, sendo que neste grupo tanto a mortalidade peri-operatória como a posterior são difíceis de criticar uma vez que se tratam de doentes com pelo menos 2 episódios de amputação em membros diferentes.
Tendencialmente os indivíduos submetidos a amputações minor apresentam taxas de mortalidade inferior, tal como é largamente descrita na literatura[14] O número de doentes submetidos a amputações de um único tipo (minor) foi reduzido, pelo que a análise destes resultados fica comprometida.
Quando dividimos a nossa população por género verificamos que percentualmente as mulheres têm um maior número de amputações major | GRÁFICO 14 |.
| GRÁFICO 14 | Tipo de amputação por género
Constatou-se que existem alguns factores determinantes/relacionados com um maior número de internamentos, podendo então estes relacionar-se com o prolongamento de um periodo de convalescência, assim como maior investimento de recursos. São estes as amputações programadas em detrimento das urgentes; as amputações minor, nomeadamente as mais distais, de dedos; a revascularização por via endovascular; doença do sector distal; maior número de complicações; a ins. renal crónica; a necessidade de re-amputações.
Existe uma maior morbi-mortalidade e insucesso no limb-salvage expectáveis associada a factores de risco vascular, sendo os de maior impacto a diabetes mellitus, dislipidemia e ins. renal crónica, tal como foi já largamente estudado.
Neste trabalho não foi encontrada uma relação estatística directa entre grau de isquemia/contexto inicial de amputação e mortalidade, não tendo sido identificada a razão para tal facto.
Relativamente aos dados obtidos para a aplicação dos questionários de qualidade de vida são apresentados os dados relevantes e as respectivas questões.
Relativamente aos parâmetros de QoL, considerando um dos principais outcomes avaliados neste trabalho, não se constataram diferenças estatisticamente significativas quando comparámos directamente indivíduos com amputações primárias ou secundárias. No entanto obtiveram-se piores resultados na capacidade/limitação de deambulação em indivíduos submetidos a revascularização por via endovascular (em relação à cirurgia convencional aberta).
Dos 144 indivíduos que foram submetidos a amputações major no decorrer do tempo considerado no estudo, foram 39 aqueles a que foi possível aplicar o questionários deste trabalho. Sessenta e oito indivíduos haviam já falecido, 22 encontravam-se inacessíveis, 15 encontravam-se não colaborantes.
Apresentam-se de seguida os resultados obtidos às questões aplicadas assim como as questões a que se referem:
> Indivíduos na década de 60/70/80
• Devido à limitação física fazem menos do que gostariam (16)
• Pior compromisso físico após amputação (30)
> Mulheres
• Sem capacidade para deambulação de 1 Km (11 quase com significância estatística)
• Percentagem inferior de protetização (34), mesmo quando ajustado para o tipo de amputação
• Tendência para se sentirem mais deprimidas (23 quase com significância estatística)
> Dor fantasma foi descrita em 64,1% dos doentes (tal como descrita na literatura 49-78%).[7]
> Existe uma aparente relação estatística entre hipertensão arterial e dor de tipo fantasma (ainda não descrita na literatura).
> Lateralidade não afecta qualquer parâmetro da qualidade de vida
> Indivíduos com amputação electiva (directamente relacionado com maior número de amputações minor, revascularização do tipo endovascular, maior número de internamentos e re-intervenções…)
• referem pior qualidade de vida (1)
• referem agravamento da mesma em relação há um ano (2)
• maior percentagem de indivíduos sem capacidade para realização de muitas actividades da vida diária (14/15)
• maior percentagem de indivíduos sem capacidade para subir vários ou mesmo um lanço de escadas (8/9)
• maior percentagem de indivíduos que não conseguem fazer agachamento (10)
• tendência para maior incapacidade para deambulação para distância de 1 Km, várias centenas de metros ou mesmo 100 metros (aproxima-se da significância estatística 11/12/13)
• maior percentagem de indivíduos julga que adoece mais facilmente do que as outras pessoas (3) e que julga ter pior saúde do que os outros (quase com significância estatística
Quando procuramos avaliar o impacto da Diabetes Mellitus na qualidade de vida verificou-se:
> Referem igual ou pior qualidade de vida (2)
> Menor capacidade de andar centenas de metros (12)
> Menor capacidade de realizar as actividades do dia a dia (15)
> Maior percentagem de indivíduos referem conseguir fazer menos do que gostariam, por limitação física (16)
> Maior percentagem sente-se mais desgastado física e psicologicamente (26)
> Maior limitação na deambulação pós-operatoriamente (30 quase significância estatística)
Indivíduos bi-amputados (major) tem parâmetros de qualidade de vida semelhantes aos mono-amputados (major)
> Mas apresentam maior limitação na generalidade das actividades de vida diária (15)
> Maior afectação da socialização como consequência de problemas físicos e emocionais (20)
> Maior percentagem julga que a sua qualidade de vida irá agravar dentro de 1 ano (6)
Por fim a taxa de protetização para amputações acima do joelho a 1 ano pós operatório foi de 31%, sendo que 6,9% dos indivíduos se encontra a aguardar colocação de prótese proximamente. Os dados para amputação abaixo do joelho são os expectáveis (75% protetizados ao fim de 1 ano pós amputação). Estes dados estão de acordo com os dados obtidos na literatura.[6]
DISCUSSÃO E CONCLUSÕES
Os nossos resultados de capacidade de protetização, de capacidade de deambulação e deste modo, dos parâmetros obtidos para a QoL estão relacionados com a capacidade do SNS e serviços de Medicina Física e Reabilitação de proceder à rápida fisioterapia e reforço muscular, assim como fornecer o material protésico mais adequado para cada doente.[7] Embora as taxas de protetização verificadas neste trabalho estejam de acordo com as descritas na literatura foi possível constatar que existe um atraso importante na resposta dos serviços de reabilitação e no intervalo até protetização (muitos doentes informam que fizeram fisioterapia para serem protetizados e depois não foram pois teriam perdido indicação.)
Do ponto de vista economicista é fácil contextualizar a necessidade de perseguir a revascularização em detrimento da amputação major. No entanto, embora não existam resultados estatísticos neste estudo ou prévios que possam corroborar, será seguro dizer que a nossa populacão de amputados major não retorna à sua actividade profissional frequentemente (muitos encontram-se no desemprego ou estão reformados).
Um dos factores de risco conhecidos como mais determinantes de uma rápida progressão da doença arterial periférica é o tabagismo. É muito difícil avaliar com fiabilidade este parâmetro no que respeita ao actual consumo de tabaco, sendo que neste trabalho não foi verificada esta relação. Um trabalho prospectivo seria o mais indicado para avaliar as verdadeiras implicações da cessação tabágica nos outcomes avaliados.
A análise por género revela que as mulheres da população estudada apresentam, percentualmente, doença isquémica mais avançada do que os homens, o que poderá estar relacionada com o diagnóstico tardio desta sub-população. Tal se poderá justificar com o facto das queixas das mulheres serem frequentemente mais desvalorizadas por si e pelos medicos assistentes. O estado debilitado e dependente das mulheres na altura da amputação poderá justificar porque estas apresentam uma percentagem inferior de protetização, mesmo quando ajustado para o tipo de amputação (relembra-se que as mulheres tiveram uma maior percentagem de amputações major).
Relativamente ao ambiente inicial da amputação, urgente ou electivo, parece-nos que a percentagem de indivíduos amputados em urgência fora elevado, o que poderá estar relacionado com a recorrente indisponibilidade do bloco operatório electivo e a necessidade de remeter estes doentes para o bloco operatório de urgência sem que estes reunam de facto critérios de amputação urgente.
Arena e Magni[7] associam stress e problemas emocionais com dor fantasma (stress pode anteceder episódios de dor fantasma), o que nos remete para a necessidade de um acompanhamento psicológico na reabilitação emocional (“depression may promote chronic pain and chronic pain may promote depression”).
O componente emocional, nomeadamente negativo, é também um factor com grande influência a nível da capacidade de deambulação e auto-percepção em relação ao seu estado de saúde, logo estará intimamente relacionado com alguns dos parâmetros de qualidade de vida.
É portanto fundamental reconhecer que a abordagem ideal destes doentes é a holística/multidisciplinar para o correcto controlo da dor, a reabilitação em tempo útil e o acompanhamento pela psiquiatria de ligação, no sentido de levar os doentes a olhar para a amputação major, não como o fim das suas vidas mas, como início de uma nova etapa.
Este trabalho permitiu inferir acerca da qualidade de vida dos nossos doentes amputados através da análise independente das questões formuladas e não pela quantificação de um score, uma vez não se tratar de um questionário padronizado.
Embora não se tivesse obtido resultados estatisticamente significativos quando comparamos directamente os parâmetros de QoL das amputações primárias e secundárias, alguns dos dados remetem para uma reflexão igualmente importante.
Verificou-se uma maior limitação da deambulação em indivíduos submetidos a revascularização por via endovascular, como já vimos, habitualmente associadas a indivíduos submetidos a mais procedimentos de revascularização, mais internamentos e sujeitos a maior número de complicações e necessidade de re-tratamentos. Obviamente que é necessário ter em conta que estes indivíduos serão também aqueles com lesões mais extensas, lesões mais distais, e mais co-morbilidades, nomeadamente estados diabéticos mal controlados. Também os dados relativos à QoL em indivíduos submetidos a amputações electivas corroboram esta linha de raciocínio uma vez que nestes se verificou um maior impacto negativo no âmbito dos parâmetros para qualidade de vida, da autonomia e capacidade de execução de tarefas.
Portanto, este trabalho permite-nos reflectir sobre situações em que a revascularização foi incessantemente perseguida e a amputação major continuamente rejeitada. É fulcral relembrar que tentativas infrutíferas de revascularização e a procura incessante de preservar o membro, embora cursem com uma maior percentagem de limb salvage e diminuição de mortalidade, podem não condicionar melhor deambulação e podem mesmo aumentar o número de internamentos/tratamentos/complicações e, consequentemente, o custo relacionado.
São necessários mais trabalhos para confirmar os resultados obtidos e para melhor caracterização dos parâmetros de QoL nos nossos doente.
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