1. Josep Montoya: nota de solidariedade e pesar
A 16 de abril de 2020 Josep Montoya, membro da Comissão Científica do Congresso CSO: Criadores Sobre outras Obras, e par académico da Revista Estúdio, não resistiu à COVID-19, de modo tão breve e inesperado.
Josep Montoya (Figura 1) foi presença habitual nos Congressos CSO, em Lisboa, logo desde o seu primeiro, em 2010.
Foi homem inteiro, para além de artista: generoso, positivo, empático, amigo dos seus pares, dos seus alunos, dos seus antigos professores. Recordava-se com calor e amizade dos seus companheiros artistas, tanto os mais velhos, como Joan Pijuan (Montoya Hortelano, 2012), Joaquim Chancho, Joan Furriols (Montoya Hortelano, 2013), como os mais novos, como Oriol Vilapuig, Jaime Gili (Montoya Hortelano, 2014).
A todos estes dedicou artigos e comunicações no Congresso CSO e nas Revistas Estúdio, Gama e Croma.
Promoveu ligações entre a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa e a Faculdade de Belas Artes da universidade de Barcelona, de que resultaram em iniciativas que perduraram, envolvendo professores e sobretudo alunos. Era também um apaixonado por Lisboa e pelo seu meio cultural, sendo presença regular junto da nossa Faculdade, acompanhado por Susana, sua mulher. Pep Montoya tinha 68 anos, formado na Facultad de Bellas Artes, Universidad de Barcelona, sendo Licenciado em Bellas Artes y Artes Escénica (1995), Master en Política Docente Universitária (2007). Era Doutor em Belas Artes pela mesma Universidade.
O seu trabalho artístico está presente na Colección Testimoni La Caixa (Barcelona), Colección Ayuntamiento de Barcelona C.S.A., Colección L’Oreal de Pintura (Madrid), Colección BBV Barcelona, Colección Todisa (posterior Premio Ángel de Pintura) del grupo Bertelsmann, Colección Patrimonio de la Universidad de Barcelona, Colección Fundación Amigò Cuyás, Barcelona, entre outras (Madrid, Barcelona, Londres, Manheim).
No Congresso CSO de 2019, um companheiro mais jovem, Oscar Padilla, escolheu a obra de Pep Montoya para o seu artigo, também publicado na Revista Estúdio nº 27: “Expandirse y replegarse: estructuras contingentes en la obra de Pep Montoya,” (p. 116 e ss. Em http://estudio.belasartes.ulisboa.pt/arquivo.htm)
Obrigado, e até sempre, Pep.
2. Os artigos reunidos nesta edição
O artigo “Quatro jovens desenhistas: Bruno Tamboreno, Kaue Nery, Luciano Teston e Paulo H. Lange,” de Alfredo Nicolaiewsky (Brasil), apresenta a exposição organizada pelo auto “Quatro Ases e um Curinga” de quatro jovens: Bruno Tamboreno (1989, Bagé/RS), Kaue Nery (1995, São Leopoldo/RS), Luciano Teston (1971, Iraí/RS) e Paulo H. Lange (1992, Torres/RS). Em comum a referencialidade, a potência analítica, e o desenho sobre papel.
Amaya González Reyes (Espanha), no artigo “Cuidar el material: el proceso de trabajo en las obras de José Manuel Vidal,” que salienta a materialidade da água e da areia, e as suas temporalidades impressas pelo fluxo e pelo confronto, na obra deste autor nascido em 1969 (Espanha).
O artigo “Quando o ferro contorna a pedra-sabão na obra de Jorge dos Anjos, é a África dando estrutura ao corpo brasileiro nas artes plásticas,” de Carolina Coppoli (Brasil), apresenta as esculturas em pedra-sabão expostas nas ruas da cidade de Ouro Preto por Jorge dos Anjos (n. 1957, Ouro Preto, Brasil), em 2014, que estabelecem diálogo com a materialidade das obras barrocas de Aleijadinho.
Diana Costa (Portugal), no artigo “O têxtil como veículo de navegação entre o Desenho e a Instalação na obra de Rosa Godinho,” introduz a obra têxtil de Rosa Godinho, nascida em 1955, em Sta. Maria da Feira, Portugal, e licenciada em Pintura pela Escola de Belas Artes do Porto. Os fios dos seus trabalhos salientam-se, destacam-se, e convidam a paralelos temporais e mnésicos.
O artigo “Elementos psicodelizantes en la obra de Vicente Ameztoy,” de Edurne Mendia Rezola (Espanha), aborda a obra de Vicente Ameztoy (19432001) e especificamente os seus últimos
quadros do ciclo de pinturas que realizou entre 1994 e 2001, na ermida de Nossa Senhora de Remelluri, em Labastida, Álaba, na la Rioja Alavesa. O autor passou noites em grutas, em Toloño, com
queijo, pão, vinho e nozes, quase como um eremita, e assim pinta como que visões, detalhadas, do Paraíso, de Adão e Eva, do mártir St. Estevão, e outros santos.
Inês Andrade Marques (Portugal), no artigo “Viagens, imaginários e mapas narrativos: o mapa da Fajã da Caldeira de Santo Cristo, Rita Carvalho (n. 1982),” introduz Rita Carvalho (n. 1978, Porto, Portugal) e os seus três projetos, “Goliardos” (2002); “Alentejo” (2008), Vumbi (2013)e sobretudo “Cartografias” desenvolvido nos Açores, em particular o “mapa da Fajã da Caldeira de Santo Cristo” (2009), resultante de uma viagem à ilha de S. Jorge. Mostra-se a sua expressividade referencial ao contexto social e cultural e o seu recurso a suportes relacionais e não convencionais, assim como a figurações simbólicas e em busca de uma relação antiga com a natureza.
O artigo “O pensamento sem imagem: o paradigma da indeterminação dos fins na obra de Domingos Loureiro,” de Ivan Postiga & Maria Regina Ramos (Portugal), apresenta as obras Da série “Paisagem-Corpo-Paisagem” (2016) do artista português Domingos Loureiro (n. Valongo, 1977). A sua relação com os referentes é interrompida de modo recursivo pelos processos auto-organizativos do acaso ou do acidente, mas ao mesmo tempo, substancia-se em território vincado, desdobrado e rasgada para devolver, por fim, a imagem ao pensamento (Loureiro, 2016).
Joana Tomé (Portugal), no artigo “Memograma, Insert de Filipa César: a margem enquanto cartografia da resistência, transgressão e memória lésbicas,” parte das noções de margem (Derrida), genealogia (Nietzsche; Foucault) e rizoma (Deleuze & Guattari), para abordar os três elementos expositivos dos filmes “Memograma” e “Insert” (2010) de Filipa César (n. 1975, Porto, Portugal) para propor uma “cartografia de significação” que estabeleça uma leitura destas instalações vídeo (2010). Elas incidem sobre o degredo feminino nas marinhas de Sal de Castro Marim, para onde as mulheres acusadas de homossexualidade eram exiladas, para trabalho forçado, na época do Estado Novo. Primeiro a indicialidade factual, em “memograma” depois a interpretação ficcional, em “Insert” para um atravessamento da história e das suas narrativas normativas sobre o género e a vertente colonizadora perante o diferente.
O artigo “Formas olfativas em Oswaldo Maciá,” de Luisa Paraguai Donati (Brasil), aborda a obra escultórica e instalativa “Sob o horizonte” (2011-2019), de Oswaldo Maciá (n. 1960, Cartagena de las Índias, Colômbia). Uma banheira transborda o excesso de um líquido escuro, acompanhada de sons e de cheiros. O excesso, o esgotamento, o desastre, o descontrolo, o consumo, todos podem ser convocados para impedir o alastrar permanente.
María Covadonga Barreiro Rodríguez-Moldes & Sonia Tourón Estévez (Espanha), no artigo “Redefinir la identidad: cuerpo y territorio en la obra de Basilisa Fiestras,” debruça-se sobre a obra escultórica de Basilisa Fiestras Cachafeiro (n. Forcarei, Galiza, Espanha, 1985), doctora en Bellas Artes pela Universidad de Vigo, e Master en Arte, Museología y Crítica Contemporánea pela Universidad de Santiago de Compostela. As “parcelas interiores” aparentam pedaços de pequenos terrenos galegos interligados com pedaços de corpos em gesso, em escala miniatural, e mostram a identificação social com as culturas minifundiárias.
O artigo “Arte contemporânea e o retorno da história na obra de Francisco Tropa,” de Neide Marcondes & Nara M. Martins (Brasil), apresenta as instalações com objetos encontrados nas Termas Medicinais Romanas de Chaves, Portugal, propostas por Francisco Tropa (n. 1968, Lisboa, Portugal). Trata-se da instalação “O Pirgo de Chaves.” O “pirgo” é uma pequena peça em forma de torre concebida para lançar dados e permitir o resultado mais aleatório: explora-se o jogo, o tempo, e a morte.
Paulo César Ribeiro Gomes (Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil), no artigo “O princípio da arte de Marinês Busetti,” aborda a obra de xilogravura abstrata de Marinês Busetti (n. 1958, Farroupilha, Rio Grande do Sul, Brasil). São extensas provas abstractas de composição geométrica e fractal, explorando a monotipia e absorvendo a materialidade dos instrumentos e suportes numa poética das substâncias.
O artigo “Constelacional, Portátil y Componible: el proceso creativo de Juan Fernando de Laiglesia, de la teoría a la praxis, y viceversa,” de Sara Fuentes Cid & Olalla Cortizas Varela (Espanha), introduz as intervenções plásticas de Juan Fernando de Laiglesia (n. Madrid, 1946) artista, Licenciado en Bellas Artes y Doctor en Filosofía pela Universidad Complutense de Madrid e autor de livros tão importantes como Teoría bruta de la forma frágil (1998), Máquina para dibujar metáforas (2003) y La desaparición del fetiche entre otras cosas (2008). Explora-se a obra de Laiglesia segundo os três eixos em que se desenvolve: o constelacional, o portátil e o componível, e compreende-se a sua essência demonstrativa, um gerúndio auto demonstrativo no seu fazer-se, sendo o seu processo aquilo que conduz o visível.
Jon Martín Colorado (Espanha), no artigo “Movimiento quieto: la pintura de Joseba Eskubi,” apresenta as pinturas efusivas de Joseba Eskubi (n. 1967, Bilbao, Espanha), autor que provoca uma nova relação com um problema referencial: o tema. De modo táctil, intuitivo, textural e substantivo, as matérias são apresentadas de modo untuoso e definido numa abstração surpreendente: pura tinta presente que se representa a si mesma numa ilusão continuada e infinita, acompanhada de uma amnésia figurativa que devora a sua convenção genérica.
3. Convocatória para novos conhecimentos
Destes contributos poderei assinalar a atenção prestada ao outro, um artista companheiro de profissão, que constitui o cerne do desafio da revista Estúdio: despoletar a vontade de conhecer e partilhar, no círculo desenhado pela experiência relacional, por vezes próxima, por vezes apenas intelectual, mas decerto uma escolha reveladora de um descentramento, que neste projeto de afinidades é central: um discurso que convoca discursos, numa lógica totalizante de resistências, para promover novos conhecimentos.