Introdução
Este estudo aborda a aprendizagem da docência em uma realidade específica: a formação inicial de discentes de Pedagogia que participaram no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência - PIBID, em uma universidade pública estadual, situada no Nordeste brasileiro, no período de 2014 a 2016. A aprendizagem da docência é compreendida neste texto como conceito que faz referência a processos de apropriação e transformação de conhecimentos profissionais, fomentando novas possibilidades de pensar e de agir no contexto de atuação como professor.
O PIBID é uma ação nacional federal, lançada em 2007, e apresenta, dentre seus objetivos, articular a teoria e a prática nos cursos de formação de professor, inserindo os licenciandos, bolsistas de iniciação à docência, no ambiente escolar, para que possam vivenciar, em sua formação inicial, as experiências da carreira docente, bem como conhecer os saberes necessários a esta profissão.
Essa iniciativa apresenta forte repercussão no debate sobre a relação universidade e escola no campo da formação de professores (GATTI et al., 2014; NÓVOA, 2015; FARIAS; JARDILINO; SILVESTRE, 2015), configurando-se como relevante espaço de articulação da teoria e prática na aprendizagem da profissão docente ao assumir como finalidade “fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de docentes em nível superior e para a melhoria de qualidade da educação básica pública brasileira.” (BRASIL, Decreto nº 7.219/10).
O processo desenvolvido no âmbito da formação inicial, precisamente das licenciaturas, é o período reconhecido como basilar para a aquisição de conhecimentos específicos da docência, bem como para a promoção de partilhas entre aprendizes e pares mais experientes na profissão (COSTA, 2017). O que se percebe, no entanto, é que os cursos de licenciatura, em geral, ainda enfrentam bastantes dificuldades em romper com a visão mecanicista de ensino, concorrendo para uma futura prática docente pobre de postura reflexiva e de criticidade.
Dos professores em início de carreira, o que se espera é que “[...] tenham uma boa formação teórico-prática, de modo a que se sintam preparados e seguros para assumir a carreira do magistério” (CARVALHO; GONÇALVES, 2020, p. 180). Contudo, uma das críticas persistentes à formação docente se reporta à necessidade de uma relação mais estreita entre universidade (lócus da formação inicial) e escola (futuro lócus de trabalho docente), objetivando a superação do ‘choque de realidade’ que muitos professores enfrentam no início da carreira.
Este distanciamento responde por um dos problemas históricos na formação inicial de professores e, igualmente, por uma discussão recorrente na pesquisa educacional: aliar teoria e prática. Aliás, este é um problema crônico e que se encontra anotado em um dos marcos desse debate no Brasil, o Seminário “A Didática em Questão” (1982), cujo documento final, com base em um amplo e abrangente balanço da Didática na formação de professores, problematizava os desdobramentos da abordagem da teoria e prática como “momentos justapostos” (CANDAU, 1997, p. 111).
É fundamental que o professor compreenda que o modelo técnico de ensino, sob o qual se sustenta essa justaposição, não implica aprendizagem significativa, uma vez que a prática docente, segundo Farias et al. (2014, p. 89), é uma “prática que reclama reflexão crítica constante sobre seu significado e implicações no conjunto de valores necessários ao convívio em sociedade”.
É com esteio, sobretudo, nessas críticas que o PIBID, lançado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES, fortalece o reconhecimento da escola como contexto oportuno de formação profissional. Sua proposta de iniciação profissional extracurricular valoriza a relação universidade e escola, estimulando assim a articulação entre o binômio teoria e prática, tendo em vista a aprendizagem dos saberes docentes. Nos dispositivos legais atinentes ao PIBID, essa relação tem a seguinte formulação, em seus objetivos fundamentais:
IV - inserir os licenciandos no cotidiano de escolas da rede pública de educação, proporcionando-lhes oportunidades de criação e participação em experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes de caráter inovador e interdisciplinar que busquem a superação de problemas identificados no processo de ensino-aprendizagem (BRASIL, Decreto nº 7.219/10).
Com base nessa direção, podemos depreender que esse Programa se apresenta como uma ação que oferece pistas para uma melhor articulação entre universidade e escola e entre teoria e prática, uma vez que se propõe a fortalecer a aprendizagem da docência por meio da inserção de futuros professores em contexto reais de trabalho, no caso, em escolas públicas. Oferece pistas porque, como pondera Nóvoa (2015, p. 12), a experiência do PIBID “tem vindo a construir dinâmicas de formação de professores que incorporam” muitas críticas e indicativos das pesquisas no campo.
Nesse sentido, investigar continuamente a formação do professor se torna cada vez mais necessário, sobretudo, no cenário educacional em que vivemos, na atualidade, tão instável e marcado por contingenciamentos e pauperização das condições objetivas de trabalho de professores e professoras, independente da esfera e do nível de ensino em que atuem. Essa necessidade visa fomentar debates sobre a formação docente e alertar para a indispensabilidade do surgimento de novas políticas públicas que contemplem o processo formativo de modo mais ampliado, contextualizado e inclusivo.
É nessa perspectiva que as reflexões deste escrito se inscrevem, tendo como objetivo analisar as contribuições do PIBID para a aprendizagem da docência de licenciandos de Pedagogia participantes nesse Programa, em uma universidade pública estadual do Nordeste do país. A análise focaliza aportes da experiência formativa vivenciada no âmbito do PIBID no fortalecimento dos saberes docentes, fomentados durante a formação inicial, portanto, na aprendizagem da profissão docente.
Para dar conta da discussão a que nos propomos, trazemos, além dessa seção introdutória, a metodologia adotada, que elucida sobre a produção e análise dos dados utilizados. Na sequência, tecemos considerações sobre os saberes da docência e realçamos o ‘reclame’ em torno da articulação entre teoria e prática como via importante para a promoção e o fortalecimento da aprendizagem da profissão, em contexto de formação inicial. Posteriormente, discutimos o PIBID como política pública voltada para a iniciação à docência, realizando, ainda, um breve resgate histórico de seu surgimento, bem como elucidamos sobre a proposta institucional do Programa no contexto universitário pesquisado. A seção seguinte se dedica à discussão dos achados da pesquisa, ocasião na qual trazemos as contribuições do PIBID na perspetiva dos licenciandos de Pedagogia que participaram do estudo. Como fecho da análise, destacamos reflexões sobre o potencial dessa iniciativa para um aprendizado contextualizado e robusto da profissão docente.
Percurso metodológico
Conforme já elucidado, esta investigação se configura como um estudo de caso qualitativo do tipo instrumental, método que busca compreender, em sua singularidade e profundidade, o caso investigado. A propósito de tal abordagem metodológica, André (2013, p. 98) argumenta que “o Estudo de Caso do tipo Instrumental é aquele em que o caso não é uma situação concreta, mas uma questão mais ampla, como, por exemplo, a incorporação de uma política no cotidiano escolar”.
Assim sendo, adotamos como caso a aprendizagem da docência no subprojeto de Pedagogia do PIBID, desenvolvido pela Universidade Estadual do Ceará - UECE, buscando compreender como ocorre a aprendizagem dos saberes docentes entre duas licenciandas que participaram do PIBID, no período entre 2014 e 2016.
Pelo fato de que no “estudo de caso qualitativo, que objetiva revelar os significados atribuídos pelos participantes ao caso investigado, a entrevista se impõe como uma das vias principais” (ANDRÉ, 2013, p.100), nos valemos dessa técnica, em sua forma semiestruturada, tendo como fim identificar os variados modos de perceber um mesmo fenômeno, ou seja, a aprendizagem da docência. Para tanto, entrevistamos duas discentes do curso de Pedagogia da UECE, ambas participantes no Programa, no período de 2014 - 2016. Com o intuito de preservar a identificação das entrevistadas, fizemos uso do código ‘ID’ referindo-se à expressão ‘Iniciação à Docência’, seguido dos números 1 e 2, para cognominá-las.
A análise dos dados obtidos por meio da entrevista foi realizada com apoio da análise temática, uma das técnicas mais utilizadas da análise de conteúdo (BARDIN, 2016) e que “[...] consiste em descobrir os núcleos de sentido que compõe uma comunicação, cuja presença ou freqüência signifiquem alguma coisa para o objeto analítico visado” (MINAYO, 2010, p. 316, grifo da autora). Assim, a ‘aprendizagem da docência’ foi eleita a priori como a categoria central para a análise.
Recorremos ainda ao procedimento de análise documental, com vistas a um maior conhecimento sobre a proposta de desenvolvimento do PIBID na UECE. Para tanto, realizamos leituras aprofundadas do Edital do PIBID, da Proposta Institucional da UECE e do Subprojeto de Pedagogia do PIBID da mesma instituição de ensino, denominado “Processos de ensino-aprendizagem dos conteúdos escolares, a partir da leitura de mundo” (Edital PIBID n° 061/2013 - CAPES), este concretizado em quatro escolas públicas do município de Fortaleza, Ceará, situadas em contextos educacionais distintos quanto à comunidade escolar, à infraestrutura e ao bairro em que estão localizadas. Esse procedimento nos possibilitou cruzar as fontes, relacionar texto e contexto (BACELLAR, 2008), isto é, os relatos das bolsistas com os objetivos do referido Programa no desencadeamento da aprendizagem da docência.
A investigação teve como aporte teórico os estudos de Pimenta (1997), Placco e Souza (2006), Farias et al. (2014), Farias, Jardilino e Silvestre (2015), entre outros, que discutem as temáticas formação de professores, saberes docentes e a aprendizagem da docência. A próxima seção aborda o processo de aprendizagem docente, a partir das proposições desses autores.
Aprendendo a ser professor: a centralidade dos saberes profissionais
A educação escolar se desenvolve nas instituições de ensino, articulada com o mundo do trabalho e as práticas sociais, devendo fornecer, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN, o “acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um” (BRASIL, 1996, Art. 4º Inc. V).
O trabalho docente, por sua vez, ao ser uma atividade complexa, reconhece o professor como o elemento mediador para que o processo educativo seja efetivado de maneira real, reflexiva e significativa. Diante disso, Farias et al. (2014, p. 90) afirmam que o “professor, embora não seja seu único praticante, é aquele socialmente reconhecido como responsável pela concretização do ato de ensinar no ambiente escolar”.
Paradoxalmente, no decurso da história da educação brasileira e da formação docente, a profissão de professor foi e continua sendo marcada por inúmeras dificuldades, como baixos salários, desvalorização profissional, precariedade nas condições de trabalho e desarticulação entre a teoria e a prática nos processos formativos que, em última instância, recaem sobre o distanciamento “entre a formação inicial e as culturas profissionais docentes” (NÓVOA, 2015, p. 12). Este último aspeto, um dos problemas nodais do campo, se reporta ao fato de que, nem sempre, a formação inicial assegura aos licenciandos efetiva aproximação à práxis do professor, isto é, aos aspetos teóricos e práticos em uma proposta de unidade, uma vez que toda atividade teórica é prática, e vice versa, havendo uma relação de dependência entre ambos os componentes (VÁZQUEZ, 1977).
Nesse sentido, mudanças na política educacional brasileira têm reconhecido o professor como alguém que possui não somente o gosto pelo ato de ensinar, mas, também, alguém que precisa de formação peculiar e em nível superior, espaço/tempo no qual deve aprender conhecimentos específicos necessários a sua atuação profissional.
Esse entendimento, entre outros aspetos, colocou em evidência preocupações em torno da aprendizagem do professor, sobre como ele aprende, considerando que se trata de um adulto (GARCIA, 1999; MIZUKAMI et al., 2002; NOFFS; RODRIGUES, 2011; PLACCO; SOUZA, 2006). Grosso modo, esse debate delineou o conceito de aprender considerando dois vieses:
[...] de um lado, supõe aceitar que não se sabe de tudo, ou que se sabe de modo incompleto ou impreciso ou mesmo errado, o que é doloroso; de outro, relaciona-se ao prazer de descobrir, de criar, de inventar e encontrar respostas para o que se está procurando, para a conquista de novos saberes (PLACCO; SOUZA, 2006, p. 20).
No excerto é realçado o movimento de tensionamento que caracteriza a aprendizagem da docência, marcada pela tomada de consciência da complexidade do trabalho de ensinar e da condição humana de incompletude, mas também de sua capacidade de se reinventar e gerar novas possibilidades. Este tensionamento move a contínua necessidade de aprimoramento ao longo da carreira de professor, envolvendo processos vários, desde a aquisição, renovação e ampliação dos saberes teóricos e práticos característicos à profissão até a compreensão e integração mais densa dos códigos e normas que lhe são peculiares, de modo que possa fazer frente aos seus desafios.
O professor aprende por meio de processos de socialização diversos, nos quais ensinar se apresenta como situação problema a ser enfrentada (ARAÚJO, 2003). É a contínua elaboração e reelaboração das compreensões que detém sobre o trabalho de ensinar e sua complexidade que possibilita a movimentação da aprendizagem profissional. É assim para um licenciando que está procurando conhecer e acessar os conhecimentos próprios a esse exercício profissional, bem como para um docente iniciante ou mesmo experiente.
Ainda sobre o conceito de aprendizagem adulta, Placco e Souza (2006, p. 86) o definem como “processo de apropriação de conhecimentos como fatos, eventos, relações, valores, gestos, atitudes, modos de ser e de agir, que promovem no sujeito novas possibilidades de pensar e de se inserir em seu meio”. Na perspetiva das autoras brasileiras, o aprender adulto abrange “atribuir significações”, gera “relações únicas com o saber”, movimenta experiências acumuladas no decorrer da vida do sujeito, sendo atravessada por uma multiplicidade de sentimentos. É um processo complexo, intenso e que tende a ser fortalecido quando vivido em situações de coletividade.
Nesses termos, e sendo o professor um adulto, consideramos que o conceito de aprendizagem da docência faz referência a processos de apropriação e transformação dos conhecimentos necessários a esse exercício profissional, propiciando possibilidades de pensar e de agir a partir do contexto de atuação do professor. Esta aceção encontra esteio no argumento de Cunha (2004, p. 37), para quem “assumir a perspectiva de que a docência se estrutura sobre saberes próprios, intrínsecos à sua natureza e objetivos, é reconhecer uma condição profissional para a atividade do professor”.
Pimenta (1997), por sua vez, ressalta que os saberes da docência contribuem para o processo de construção da identidade do professor, elegendo, assim, três importantes saberes profissionais, os quais são (ou deveriam ser) adquiridos durante a formação inicial, favorecendo a constituição da identidade do professor; são eles: saberes da experiência, saberes do conhecimento e saberes pedagógicos.
O primeiro saber, relativo à experiência, é a perspectiva que os aspirantes à docência, ao ingressarem no curso de formação inicial, possuem sobre o que é ser professor, devido à suas vivências enquanto alunos. Diz respeito também aos saberes produzidos no cotidiano docente, em um processo permanente de reflexão sobre a prática. Em se tratando do saber que envolve a esfera do conhecimento, devido à sua especificidade e cientificidade, este diz respeito aos conhecimentos científicos e tecnológicos específicos de sua formação, os quais precisam ser analisados e reconstruídos de modo contextual. Por fim, os saberes pedagógicos e didáticos são compostos pelos saberes da experiência e do conhecimento, de modo relacional, e são construídos, pelo professor, em sua prática docente.
A formação inicial apresenta-se como contexto de socialização estruturante do embasamento teórico e prático que move o desenvolvimento docente (COSTA, 2017). Nesse sentido, compreendemos que a aprendizagem da docência tem na formação inicial um contexto de socialização profissional estruturante, que obviamente não dá conta sozinha dos imperativos da profissão, razão pela qual o desenvolvimento de um docente prossegue durante toda sua carreira profissional, reclamando atenção sistemática por parte das políticas públicas.
Como contexto de socialização profissional estruturante, a formação inicial assume tarefa fundamental na identificação com a profissão e na aprendizagem do trabalho de ensinar. É, portanto, na formação profissional, desencadeada pela universidade, que o licenciando se apropria dos saberes basilares ao desenvolvimento de sua profissão, constituindo paulatinamente, por meio das situações e experiências que vivencia nesse contexto, sua identidade como docente (CARVALHO; GONÇALVES, 2020).
Entre ações governamentais que visam o fortalecimento da aprendizagem da docência no contexto da formação inicial, “o PIBID tem aberto caminhos muito importantes, procurando uma coerência na formação dos professores, nomeadamente na relação entre os estudantes das licenciaturas e a sua futura profissão” (NÓVOA, 2015, p. 12). Esta iniciativa tem a intencionalidade de promover aos licenciandos maior contato com a práxis docente desde o início da formação, contribuindo assim para a aprendizagem dos saberes e fazeres peculiares ao trabalho do professor. É sobre esta ação que o próximo tópico se dedica, anotando desde já, a existência, no decorrer de seus 13 anos de implementação, de defensores e críticos do PIBID.
O PIBID e a relação universidade - escola
O Brasil, em meados da década de 1990, vivia um movimento intenso de mudanças no âmbito educacional, no qual políticas de valorização do magistério emergiam, a exemplo da Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica. Instituída pelo Decreto nº 6755/2009, essa política “[...] inaugura na história brasileira a possibilidade de se organizar, sob regime de colaboração entre os entes federados, a formação inicial e continuada de profissionais do magistério da Educação Básica para as redes públicas de ensino” (CARVALHO et al., 2015, p.15). Entre as ações já existentes naquele momento, no campo da formação de professores, sobressai o PIBID/CAPES.
Muito embora diversos estudos evidenciem a relevância do PIBID e seu caráter inovador (FARIAS; ROCHA, 2012; GATTI et al., 2014; FARIAS; JARDILINO; SILVESTRE, 2015; MENEZES, 2017, entre outros), as limitações de seu alcance, restrito a uma pequena parcela dos estudantes das licenciaturas, também são trazidas à tona nas referidas investigações e, de forma contundente, em análise mais recente, assinada por Pimenta e Lima (2019). Nela, apesar de tecerem austeras críticas ao PIBID, nomeadamente ao seu caráter de “política focal de curto alcance” (p. 6), as autoras, a partir de levantamento feito nos anais do evento brasileiro Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino - ENDIPE, reconhecem que:
O registro da intencionalidade do PIBID, [...] é louvável, no sentido de pretender incentivar, valorizar e elevar a qualidade da formação dos alunos de licenciaturas que participam do programa. Positiva também é a proposta de integração com a escola no intuito de inserir o bolsista no cotidiano das instituições. Como programa que se propõe inovador, tem potencial de mobilizar os docentes comprometidos e os estudantes envolvidos na busca de melhorias nos espaços onde se localizam, para o que concorre como fator estimulante a oferta de bolsas (PIMENTA; LIMA, 2019, p.7).
Nessa direção, é inquestionável que o PIBID acarreta inegáveis incrementos na indução e valorização da carreira docente em território nacional, como revelaram os resultados de um estudo em rede sobre desenvolvimento profissional docente no qual os autores sublinham as contribuições desse Programa com respaldo nas considerações de 90 professores da Educação Básica, entre egressos e ativos nessa ação, sujeitos esses procedentes de três estados brasileiros: Ceará, Minas Gerais e São Paulo (FARIAS et al., 2018).
Feitas essas ponderações, lembramos que o PIBID teve sua primeira chamada pública lançada através do Edital nº 6.316/2007, e institucionalizado pelo Decreto nº 7.219/10, destinando-se, naquele momento, apenas a instituições e centros federais de educação tecnológica com avaliação satisfatória no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior - SINAES. Desde o primeiro edital o Programa assumiu como finalidade promover melhorias na formação inicial dos docentes para a na Educação Básica. A partir do edital de 2009 o Programa passou a receber propostas de projetos institucionais de iniciação à docência também de instituições da esfera estadual (EDITAL CAPES/DEB Nº 02/2009 - PIBID). No ano seguinte, o edital de 2010 ampliou o recebimento de projetos institucionais para instituições municipais e universidades comunitárias, filantrópicas e confessionais. Já em 2013, a CAPES abriu a participação de projetos de instituições de Ensino Superior privadas, sem fins lucrativos, concedendo bolsas de iniciação à docência somente para os licenciandos matriculados no Programa Universidade para Todos - ProUni.
Foi a partir do Edital nº 02/2009 que a UECE se inseriu na oferta do PIBID, com o Projeto Institucional ‘A vida docente na escola: aprender e ensinar pela pesquisa’, texto que traz os fundamentos teóricos e orientações metodológicas da proposta de iniciação à docência a ser desenvolvida no contexto da formação inicial. Este primeiro projeto teve como foco a atuação no Ensino Médio, contemplando seis cursos de licenciatura, entre eles o de Pedagogia. Em 2011, através do Edital nº 01/2011, houve ampliação da abrangência dessa proposta, incluindo tanto estudantes que viriam a atuar nos níveis da Educação Infantil e do Ensino Fundamental como outros campi da universidade (ROCHA; FALCÃO; FARIAS, 2015).
Em linhas gerais, a proposta institucional do PIBID UECE visa proporcionar aos licenciandos uma rica aprendizagem da docência durante a formação inicial, acentuando o contato direto desses estudantes com o chão da escola pública, de modo a que essa articulação propiciasse uma compreensão e incorporação mais larga das culturas da escola e dos professores. São objetivos gerais da proposta do PIBID UECE, sobretudo, de sua ampliação:
a) Estender para novos cursos e campi da UECE o desenvolvimento de processo colaborativo de iniciação à docência entre universidade e escola, com base nas situações de trabalho e dilemas práticos característicos do efetivo exercício docente; b) Contribuir para a melhoria da qualidade do ensino na escola pública e das ações acadêmicas de formação docente empreendidas pela UECE, por meio da parceria e do reconhecimento dos professores experientes das redes estadual e municipal como coformadores (UECE, 2011, p. 14).
Imbuído desses propósitos, o projeto institucional aqui analisado define três círculos, que configuram o processo de iniciação à docência e se articulam em movimentos interdependentes no esforço de provocar nos licenciandos o conhecimento, a reflexão e a reelaboração da prática pedagógica como estratégias sob a qual se edifica a aprendizagem dos saberes necessários ao exercício da profissão. No primeiro momento, no círculo ‘conhecer a prática docente’, o licenciando terá um contato direto com as ações e os dilemas cotidianos do trabalho de um professor. O círculo ‘pensar a prática docente e seus dilemas’ busca fomentar no estudante o interesse por analisar a realidade docente, além de refletir sobre esta, tanto à luz da teoria quanto ao contemplar a prática concreta. Por sua vez, o círculo ‘renovar a prática docente’ é considerado como um momento de síntese, em que os estudantes podem desenvolver estratégias de enfrentamento dos dilemas escolares (UECE, 2009).
Neste estudo, a análise debruçou-se sobre o subprojeto de Pedagogia ‘Processos de ensino-aprendizagem dos conteúdos escolares, a partir da leitura de mundo’ (Edital 061/2013), que objetivava “fomentar a iniciação à docência, contribuindo para o aperfeiçoamento da formação de professores em nível superior e para a melhoria da qualidade da Educação Básica pública de Fortaleza” (BRASIL/MEC/CAPES/UECE. SUBPROJETO DE PEDAGOGIA, 2013, p. 2).
O subprojeto de Pedagogia iniciou suas ações em 2014, com duração de dois anos, sendo finalizado no ano de 2016, e foi composto por 4 coordenadores de área, 16 professores supervisores, 100 bolsistas de iniciação à docência, contemplando quatro escolas da rede pública do município de Fortaleza - Ceará, situadas em contextos educacionais distintos.
O intento da proposta desse subprojeto era estimular a inserção do estudante, desde sua formação inicial, no cotidiano de uma escola pública. Assim, a referida proposta previa o desenvolvimento de uma constante reflexão sobre a prática pedagógica, estratégia percebida como potente para qualificar essa formação. O que as duas licenciandas, bolsistas de iniciação à docência do PIBID, revelam sobre essas experiências é o foco do próximo tópico.
Aprendizagem da docência aportada no PIBID na perspetiva das licenciandas
Ao perseguir o objetivo deste estudo não perdemos de vista que a aprendizagem da docência é um processo permanente, que requer tempo, desenvolvimento de reflexões e criticidade, experiências significativas, descobertas e investimento para que o licenciando, ainda aspirante a ser professor, adquira autonomia e domínio suficiente dos saberes necessários à profissão. Com arrimo em Placco e Souza (2006, p. 20), compreendemos que o sujeito que aprende, ou, o adulto professor, é
Aquele que esteja inserido em processo de formação para a docência, inicial ou contínua, em qualquer fase da carreira e dentro de ampla faixa etária, tendo como característica a exploração proposital da docência e/ou potencial. Explícita no momento em que é manifestação de motivos internos e potencial porque se trata de processo permanente, que pode ser desencadeado sempre, por meio da memória, da metacognição ou exploração e apropriação de saberes (PLACCO; SOUZA, 2006, p. 20).
Nesse sentido, aqueles que estão no seu processo de formação inicial e têm a oportunidade de participar de um Programa, como o PIBID, conseguem ter uma aprendizagem da docência robusta e significativa. Vejamos os depoimentos das licenciandas a respeito dos saberes ensejados durante a participação no Programa:
Eu acho que o mais importante é ir pra escola e perceber o local que a gente vai atuar, certo? É planejar de acordo com o contexto do aluno, com o contexto do educando, das crianças, de acordo com a realidade em que eles vivem, qual contexto eles estão inseridos; é tornar uma aula mais diversificada e que respeite as diferenças. Então, aulas que discutam assuntos relacionados, voltados pra realidade, pra atualidade. [...] Trazer sempre metodologias inovadoras pra não ficar uma aula mecânica, algo mecanizado (ID 1) (Grifamos).
É, eu acho que foi muito o saber da experiência. E o saber também, não deixa de ser também um saber vinculado a..., não sei, ao saber da Ciências da Educação, se eu não me engano. Porque assim, não deixa de ter uma articulação com a teoria, porque tanto esses professores, eles tinham suas formações também, né? Então assim, não é que as práticas deles eram totalmente só prática; não era uma coisa (sic) sem embasamento teórico, algumas atividades deles tinham sim embasamento teórico [...]. Tudo isso vai enriquecer esse processo formativo da docência, enriquece mais ainda, mas ainda tem muito o que aprender (ID 2) (Grifamos).
Os depoimentos evidenciam que a imersão no mundo da escola e do trabalho do professor foi profícua para as duas licenciandas, pois permitiu estabelecer conexões com a concretude do fazer docente, com a mobilização de saberes nas interações que cercam a tarefa de ensinar, desvelando ainda o intenso e rico processo de transformação dessas vivências em saberes experienciais e pedagógicos. Evidenciam, ainda, a interdependência e a indissociabilidade dos círculos formativos que delineiam a proposta de iniciação à docência do PIBID UECE, expressa na afirmação de que “o mais importante é ir pra escola e perceber o local que a gente vai atuar” (Círculo Conhecer a Prática Docente); na compreensão de que “as práticas deles eram totalmente só prática; não era uma coisa sem embasamento teórico” (Círculo Pensar a Prática Docente); e na tomada de posição diante das situações conhecidas e pensadas, a exemplo do reconhecimento que é preciso “tornar uma aula mais diversificada e que respeite as diferenças” (Círculo Renovação da Prática Docente).
Especificamente sobre o saber da experiência, a ID 2 destaca “[...] a experiência do planejamento, realmente de fazer planejamento, de pensar no objetivo, de pensar em uma metodologia, e tudo mais, [...] (ID 2)” como vivência significativa para a aprendizagem docente. Essas sinalizações, no nosso entendimento, são reveladoras da consolidação de saberes profissionais, até então acessados no plano teórico e que com a imersão na escola e na sala de aula tornam-se visíveis e operacionalizáveis nas perspetivas dos aprendizes, no caso, das licenciandas.
Sendo assim, a partir dos relatos transcritos, consideramos que a participação das licenciandas no Programa não apenas fomentou a aquisição dos saberes profissionais, mas, principalmente, diminuiu o ‘choque de realidade’ que poderiam vivenciar ao ingressar na escola básica, após a formação inicial, aspeto que favorece a continuidade na profissão e o reconhecimento no potencial da formação docente na qualidade de sua atuação. Sobre essa questão, os depoimentos que seguem são categóricos:
[...] eu vejo o PIBID como um dos melhores Programas de formação de professores que existem, né, porque, nós, graduandas, nós, graduandos, chegamos na universidade (sic), vamos pra sala de aula, vemos várias teorias, e muitas vezes não temos a oportunidade de, principalmente, ter o contato com a escola pública. Então, assim, o PIBID, ele veio como um desvelador da realidade da escola pública [...] (ID 1) (Grifamos).
[...] significou assim, um desafio, mas um desafio que foi muito positivo. Primeiro ponto: porque me instigou a ver que eu conseguia. Tava na sala de aula (sic), mas tinha essa articulação com a prática, não era uma coisa solta [...]. Então assim, primeiro significou esse desafio. Segundo, significou um aprendizado mesmo da realidade escolar, eu pude vê os desafios, eu pude vê como os professores trabalhavam em sala de aula. Então, significou um aprendizado mesmo da prática e nessa realidade também da escola pública [...] (ID 2) (Grifamos).
Os excertos reforçam a redução do ‘choque de realidade’ bem como desvelam a dimensão do fazer como a que mais preocupa o licenciando, traço já destacado por Garcia (1999) ao discorrer sobre as angústias dos professores que estão iniciando na docência. Sob esse prisma, o contexto de socialização profissional propiciado pelo PIBID se apresenta como ímpar na consolidação dos saberes docentes incorporados durante a formação inicial, entendimento manifesto na sua identificação como ‘desvelador da realidade’ (ID 1). Esse indicativo firma a dimensão da experiência como elemento importante da aprendizagem adulta.
A participação no Programa e as reflexões, que foram realizadas sobre a prática docente, também suscitaram o desejo da ID 2, em específico, de ingressar no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC após findar o seu vínculo com o PIBID.
[...] a gente já se preparava um pouco fazendo essa articulação entre pesquisa. É interessante o PIBID, porque ele não só te instiga pra prática, mas ele também te instiga pra ser um professor pesquisador. Então assim, a partir daí que eu tive um interesse na iniciação científica (ID 2) (Grifamos).
Pelo exposto, percebemos que o PIBID UECE promoveu não somente vivências no contexto escolar, mas também contribuiu para uma formação pautada nos pilares do ensino e da pesquisa, buscando subsidiar a constituição de professores mais reflexivos e investigativos de sua própria prática.
Os elementos destacados reafirmam o PIBID como uma proposta inovadora no campo educacional brasileiro (ROCHA; FARIAS, 2012), iniciativa que, em mais de uma década de existência, tem aberto novas frentes para se pensar a melhoria da formação inicial do professor e, por conseguinte, para promover o aprendizado da profissão.
Considerações finais
As análises registradas nesse escrito focalizam as contribuições do Programa PIBID para a aprendizagem da docência, tendo como referência a perspetiva de egressas dessa iniciativa no âmbito da licenciatura em Pedagogia da UECE.
Evidenciou-se, com base no exame dos dados oriundos das entrevistas, que o Programa é identificado como contexto ímpar de adensamento da formação, sobretudo no que concerne a consolidação da aprendizagem dos saberes docentes constituídos durante a formação inicial. Isso porque as experiências e práticas pedagógicas vivenciadas nesse contexto permitiram, paulatinamente, a reelaboração da perceção das licenciandas sobre seu futuro trabalho, na medida em que puderam colocar em ação os conhecimentos aprendidos durante as disciplinas, na universidade.
Essa mobilização foi destacada como fundamental na consolidação da aprendizagem dos saberes necessária à profissão. As práticas de formação vivenciadas foram reconhecidas pelas licenciandas participantes desse estudo como organicamente associadas aos saberes da experiência, do conhecimento e do campo pedagógico. A elaboração e execução de planejamento educacional foram destacadas pelas bolsistas como contribuições inegáveis do Programa para a constituição dos saberes docentes. Esse indicativo revela ainda que os círculos de formação que delineiam a proposta de iniciação à docência no âmbito da UECE têm favorecido a promoção de aprendizado significativo do que é ser um professor e de como ensinar.
Ademais, para além do ambiente escolar, o PIBID UECE Pedagogia instigou o desejo pela pesquisa. De um modo geral, observamos que os relatos das bolsistas convergem na direção de evidenciar as contribuições do Porgrama para a aprendizagem da docência na formação inicial. Sob essa ótica, tal programa desponta como ação inovadora no campo da formação de professores por seu potencial para materializar o caráter socioprático da profissão (ROLDÃO, 2007), uma vez que promove a práxis pedagógica ao proporcionar às licenciandas múltiplas peculiaridades do trabalho de um professor, desde sua formação inicial, diminuindo assim o ‘choque de realidade’.
Por mais que as licenciandas não tenham evidenciado aspetos negativos do PIBID, reconhecemos que o programa, por si só, não é capaz de promover as melhorias necessárias na qualidade da formação docente, apresentando-se apenas como uma possibilidade para essa concretização. Portanto, não deixamos de destacar as limitações do programa, que o levam a circunscrever, para um grupo minoritário de estudantes de licenciaturas, essa experiência formativa singular, uma vez que as bolsas de iniciação à docência são poucas e não abrangem todos os licenciandos.
Acreditamos que o PIBID, enquanto política nacional, deveria contemplar a participação de todos os licenciandos, para que estes sujeitos pudessem vivenciar os desafios e as particularidades da docência, ainda em sua formação inicial, porém, concluímos que as contribuições para aqueles que participam desse Programa são diversas e significativas, pois proporcionam um aprendizado robusto por dentro da profissão, a partir do fortalecimento dos saberes docentes.