O que este estudo adiciona
Estudo português sobre o tempo de sobrevivência do metotrexato e as principais razões da sua descontinuação na psoríase. Adiciona evidência da “vida real” sobre o tratamento desta doença. Numa época em que as novas opções terapêuticas são vastas, reforça a importância e utilidade de um dos tratamentos sistémicos clássicos da psoríase, enaltece a importância da seleção apropriada dos doentes e identifica factores prediti-vos de falência do fármaco (uso prévio de ciclosporina e psoríase artropática).
INTRODUÇÃO
A psoríase moderada a grave tem um impacto significativo na qualidade de vida dos doentes e associa-se frequentemente a importantes comorbilidades e mortalidade precoce. O tratamento da psoríase pode incluir fototerapia e/ou fármacos tópicos, orais e/ou biotecnológicos, dependendo do tipo e extensão da doença, impacto na vida do doente e dos resultados de tratamentos prévios.1
O metotrexato (MTX) é usado no tratamento da psoríase desde 1950 e é atualmente o fármaco oral mais comumente prescrito. Trata-se de um antagonista do ácido fólico com efeitos antiproliferativos e imunomoduladores. É geralmente bem tolerado, mas reações adversas minor como náuseas, anorexia e fadiga são comuns. As toxicidades major incluem mielosupressão, hepatotoxicidade e fibrose pulmonar.2,3
É importante avaliar os fatores que influenciam a descontinuação dos fármacos usados no tratamento de uma doença crónica, com impacto na qualidade de vida e com múltiplas comorbilidades associadas, como é o caso da psoríase. O objetivo primário dos autores foi identificar determinantes do tempo de sobrevivência (drug survival) do MTX em doentes com psoríase. O tempo de sobrevivência reflete a eficácia, segurança e satisfação com o tratamento, sendo um indicador do sucesso terapêutico e um dado útil na abordagem dos doentes.1
Os objetivos secundários foram os seguintes: caraterizar os perfis demográfico e clínico dos doentes com psoríase antes e após a instituição do MTX, determinar os principais motivos para desconti-nuação do tratamento com MTX, descrever os efeitos adversos que levaram à sua descontinuação e identificar as opções terapêuticas alternativas ao MTX que levam à troca (switch) deste fármaco.
MATERIAL E MÉTODOS
Foi realizada uma análise retrospetiva longitudinal não-intervencional dos doentes adultos, incluídos no registo nacional DERMA.PT pelo Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ), que iniciaram tratamento para a psoríase com MTX oral ou subcutâneo entre janeiro de 2010 e janeiro de 2020. Foram aplicados os seguintes critérios de exclusão: idade inferior a 18 anos aquando do início do fármaco (t0), uso de outro tratamento sistémico para a psoríase (exclui foto-terapia) em associação ao MTX e ausência de registos clínicos que permitissem a inclusão do doente. Foram recolhidas variáveis demográficas (sexo, idade), variáveis relacionadas com a psoríase (tipo clinico predominante, presença de artrite psoriática, comorbilidades, duração, tratamentos anteriores) e variáveis relacionadas com o MTX (score PASI em t0, dose, via de administração, razão de descontinuação, duração do curso terapêutico, troca para que fármaco). A descontinuação do MTX foi definida como a cessação do tratamento por mais de 90 dias ou o momento em que o MTX foi combinado com outro tratamento sistémico para a psoríase. De facto, a partir do momento em que um tratamento sistémico como, por exemplo, fármaco biotecnológico anti-TNFα, se associava ao MTX, o doente era considerado como tendo descontinuado o MTX, mesmo que na realidade tivesse mantido tratamento com este fármaco.
A análise descritiva considerou a apresentação de frequências absolutas e relativas em percentagem para as variáveis de natureza categórica, e a média, mediana, desvio padrão, valor máximo e mínimo para as variáveis de natureza contínua. A significância estatística para as análises comparativas entre variáveis foi testada através do teste do Qui-quadrado de independência ou o teste exacto de Fisher em variáveis de natureza categórica, e teste-t para amostras independentes em variáveis de natureza contínua. O tempo desde o início do tratamento até à descontinuação foi avaliado utilizando a análise de so-brevida com o estimador de Kaplan-Meier e o teste de LogRank para a comparação de grupos. Para os doentes que não descontinuaram, a data utilizada como último contacto foi de 31 de janeiro de 2020. Em todos os testes de hipóteses foi considerado um nível de significância de α=5%. A análise estatística foi realizada com recurso ao software SPSS®, versão 27.0 (Statistical Package for the Social Sciences).
RESULTADOS
Foram identificados 146 doentes com psoríase tratados com MTX em monoterapia ou em associação com fototerapia. A maioria era do sexo masculino (55%), a idade média era 51±13 anos. Noventa e quatro (65%) doentes tinham psoríase há pelo menos 10 anos e 91 (62%) tinham comorbilidades, sendo as mais frequentes a hipertensão arterial (37%), a dislipidemia (26%) e a obesidade (15%). As formas mais comuns de psoríase foram a vulgar (49%) e a artropática (47%). Quatro doentes apresentavam psoríase palmoplantar e um doente apresentava psoríase guttata (Tabela 1).
Em relação ao curso terapêutico com MTX, a maioria (88%) dos doentes era naïve, 139 (95%) foram tratados com MTX oral e os res-tantes com MTX subcutâneo. Entre os tratamentos sistémicos anteriores ao MTX, o mais frequente foi a acitretina (49%). Ainda, 12% dos doentes tinha sido previamente tratado com fármaco biotecnológico e/ou fototerapia com broad-band UVB e PUVA, respectivamente em 65% e 39%. O PASI inicial médio dos doentes que iniciaram MTX foi de 10,7±5,6 (3,0-29,6). A maioria dos doentes fez tratamento apenas com MTX (73%) numa dose inicial média de 11,0 ± 2,7 (5-25) mg/semana, mas em 23% foi realizada fototerapia concomitante (Tabela 1).
No total, 66 (45%) doentes descontinuaram o tratamento, com um tempo médio de sobrevivência do fármaco de 18,0 ± 15,5 meses. As razões mais comuns de descontinuação entre os 66 doentes foram ineficácia (32%), má adesão à terapêutica (18%) e intolerância gastrointestinal (11%). A descontinuação por hepatoxicidade, mielossupressão e fibrose pulmonar afetou 12, 3 e 2 doentes respetivamente. Na maioria destes casos, foi realizada troca para anticorpo monoclonal anti-TNFα (35 [53%] doentes). Em 14 (21%) doentes foi efetuada a troca de MTX oral para MTX subcutâneo (Tabela 1).
O tempo até à descontinuação do fármaco, ou em caso de não descontinuação até a data de fim de follow-up (Fig. 1), não se mostrou relacionado com a presença de comorbilidades (Fig. 2), Apenas foram observadas diferenças estatisticamente significativas relativamente ao uso prévio de ciclosporina e em relação ao tipo de psoríase, para a sua forma artropátia (Tabelas 1 e 2). Os doentes tratados previamente com ciclosporina descontinuaram mais frequentemente e precocemente o MTX em relação aos que não foram tratados previamente com ciclosporina [α=0,027] (Fig. 3). As curvas de sobrevivência do fármaco, representando o tempo desde o início do tratamento até à descontinuação consoante o tipo de psoríase, revelaram que os doentes com psoríase artropática descontinuaram mais rapidamente o MTX em relação aos outros tipos de psoríase (Fig.s 4 e 5).
DISCUSSÃO
O MTX é o fármaco usado há mais tempo no tratamento da psoríase e mantém-se atualmente como o fármaco oral mais comu-mente prescrito.2,3Ao longo dos anos, a alta eficácia do MTX, baixo custo, facilidade de administração e utilidade na psoríase artropática concomitante contribuíram para que permanecesse um fármaco tão utilizado.4-6Para além da sua importância no tratamento desta doença, é usado também em múltiplas outras doenças, tais como a artrite reumatóide, a psoríase artropática ou as neoplasias hematológicas. No tratamento da psoríase, a sua associação a agentes biotecnológicos pode inclusivamente aumentar a sobrevivência dos últimos e diminuir a sua imunogenicidade.7,8
A sobrevivência de um fármaco é a duração de um tratamento específico e um marcador da sua eficácia global, pois resulta da sua eficácia, efeitos laterais e satisfação do doente e do médico prescritor.1 O tempo de sobrevivência do MTX e os fatores que influenciam a continuidade do tratamento são aspetos importantes no tratamento de doentes com psoríase. Deste modo, os dermatologistas podem prestar melhores informações aos doentes medicados com este fármaco e, se possível, intervir em fatores que influenciam o seu tempo de sobrevivência.9 No geral, no tratamento da psoríase, as principais razões para interromper o tratamento com fármacos sistémicos orais (MTX, ciclosporina, acitretina) são os efeitos adversos associados e a ineficácia, enquanto a principal razão para interromper fármacos biotecnológicos é a perda de eficácia.1,10
Nos últimos anos, foram publicados estudos com enfoque no tempo de sobrevivência do MTX na psoríase, com um tempo médio até à descontinuação de 12 a 21 meses. As principais razões de descontinuação foram a ineficácia e os efeitos adversos, nomeadamente gastrointestinais. Três estudos focaram-se no tempo de sobrevivência do MTX na prática clínica em doentes adultos com psoríase.9,11,12O mais recente foi publicado em 2017 por Otero et al9e foi o único que teve como objetivo principal identificar as razões de descontinuação do fármaco, ao longo de 5 anos de follow-up.
Um dos critérios de exclusão foi a presença de artrite psoriática, ao contrário do nosso estudo. Com uma amostra de 85 doentes, a sobrevivência mediana do MTX foi de 21 meses, com taxas globais de sobrevivência de 62,7%, 30,1% e 15,1% ao fim de 1, 3 e 5 anos, respetivamente. No total, 64,7% dos doentes descontinuaram o fármaco, a maioria dos quais por efeitos adversos. A maioria dos efeitos adversos correspondeu a sintomas gastrointestinais, apesar da administração de ácido fólico a 99% dos doentes. Os autores concluíram, ainda, que um PASI alto no baseline era um possível determinante para uma curta sobrevivência do MTX.9
Em relação aos estudos de Dávila-Seijo et al11 e Shalom et al,12 a comparação direta com o nosso estudo é mais difícil por vários motivos. Não é descrito pelos autores se o MTX foi administrado em combinação com outros tratamentos antipsoriáticos, se houve administração concomitante de ácido fólico e as suas análises de dados focaram-se não só no MTX mas também em vários fármacos biotecnológicos. O estudo espanhol multicêntrico de Dávila-Seijo et al. reuniu uma amostra de 638 doentes sob MTX e encontrou uma sobrevivência mediana de 12 meses, sendo a maioria das descontinuações devida à ineficácia do fármaco, tal como no nosso estudo.11
Por outro lado, o estudo israelita de Shalom et al reuniu 2632 doentes sob MTX e encontrou uma sobrevivência mediana de 18 meses. Os autores encontraram associações estatisticamente significativas entre a descontinuação do MTX e a síndrome metabólica, administração intramuscular e ausência de suplementação com ácido fólico.12Uma revisão recente concluiu que a persistência e a eficácia do MTX, acitretina, ciclosporina e ésteres de ácido fumarínico na prática clínica da vida real não podem ser comparados dada a inconsistência dos métodos usados.10
O nosso estudo está em linha com o descrito, mas destaca-se pela percentagem alta de doentes que não descontinuaram tratamento. O facto de a grande maioria dos doentes tratados com MTX oral terem recebido suplementação de ácido fólico pode ter influenciado o facto de apenas 11% dos doentes terem descontinuado o tratamento por intolerância gastrointestinal. A suplementação com ácido fólico está recomendada e diminui a gravidade dos efeitos adversos do MTX.13,14Os doentes que descontinuaram o MTX por ineficácia poderiam ter obtido melhores resultados com o aumento de dose, uma vez que a dose média semanal destes doentes foi inferior à dose máxima recomendada. Por outro lado, o facto de doentes previamente tratados com ciclosporina descontinuarem mais rapidamente o MTX, implicam que a nossa amostra fosse composta por doentes com psoríase grave com maior probabilidade de descontinuar o MTX por ineficácia terapêutica. Não foi realizada análise de determinados fatores confundidores, como por exemplo o facto de doentes com obesidade terem mais probabilidade de ter esteatohepatite não alcoólica e citólise hepática nesse contexto, ou avaliação de tratamentos concomitantes capazes de causar sintomas gastrointestinais.
No nosso estudo, apenas foram observadas diferenças estatis-ticamente significativas na duração do tratamento com o fármaco relativamente ao tipo de psoríase (doentes com psoríase artropática descontinuaram mais rapidamente o MTX) e o tratamento prévio com ciclosporina (doentes tratados previamente com ciclosporina descontinuaram mais precocemente o MTX). Em relação ao primeiro facto, pode explicar-se pelo facto de doentes com psoríase artropática terem de associar mais frequentemente outras armas terapêuticas, nomeadamente fármacos biotecnológicos anti-TNFα, para o controlo da doença articular. Recorde-se que, a partir do momento em que um fármaco sistémico se associou ao MTX para controlo da doença, o doente era considerado como tendo descontinuado o tratamento. Em relação à segunda variável, pode resultar do facto de doentes tratados previamente com ciclosporina apresentarem comumente psoríase mais grave, com PASI mais alto, pelo que a administração de outro tratamento sistémico clássico se pode revelar também menos eficaz para o controlo apropriado da doença. Surpreendentemente, determinadas variáveis não se correlacionaram significativamente com a descontinuação mais precoce do MTX, nomeadamente a presença de comorbilidades, o valor mais alto de PASI inicial na inclusão ou a maior cronicidade da própria psoríase. Tal facto pode dever-se à reduzida dimensão da amostra.
A sobrevivência mediana do MTX no nosso estudo e nos 3 estudos citados9,11,12foi relativamente curta quando comparada com a evidência para a maioria dos fármacos biotecnológicos.11 Quando se opta pelo tratamento combinado com um fármaco oral “clássico” e um biotecnológico, o MTX é o mais frequentemente associado.15-17Ademais, há mais experiência com a associação de fármacos biotec-nológicos com MTX em relação a outros tratamentos clássicos pelo uso do MTX em outras doenças inflamatórias como artrite reumatóide e doença intestinal inflamatória.
O uso combinado de MTX com fármacos biotecnológicos pode aumentar a eficácia do tratamento da doença, acelerar o início da remissão da doença e permitir a diminuição de dose que culmine em redução de custos e toxicidade. Para além disso, a associação específica de anti-TNFα com MTX demonstrou reduzir a imunogenicidade do tratamento biotecnológico.4,7,18Em idade pediátrica, os fármacos biotecnológicos são mais eficazes e têm tempos de sobrevivência em monoterapia superiores aos do MTX, mas o seu uso em associação continua a ser frequente.19
Um aspeto relevante desta discussão é a diferença importante entre as linhas de orientação para o tratamento da psoríase e da artrite psoriática, em que os dermatologistas requerem maior número de testes laboratoriais quando comparado com os reumatologistas. Tal facto pode justificar que, na psoríase, o MTX é descontinuado mais frequentemente por ineficácia e por efeitos adversos, do que na artrite psoriática. Porém, a monitorização menos “apertada” na doença reumática não se associa a mais efeitos adversos graves, mesmo que estes usem o fármaco em doses superiores, o que nos pode levar a questionar se os dermatologistas descontinuam mais o MTX do que seria verdadeiramente necessário.20
A marcada evolução no tratamento da psoríase ao longo dos 10 anos do estudo influenciou grandemente os resultados deste trabalho. De facto, a década ao longo da qual se baseia este estu-do retrospetivo, trouxe consigo mudanças dramáticas e inovadoras no tratamento da psoríase. O advento de novos fármacos biotecnológicos anti-TNFα, a par das novas classes de fármacos anti-IL17, anti-IL12/23 e anti-IL23, mudaram o paradigma do tratamento da doença e elevaram os objetivos terapêuticos para a maioria dos doentes.21,22Assim sendo, os novos tratamentos certamente diminuíram o limiar a partir do qual tratamentos sistémicos clássicos, como o MTX, são descontinuados no tratamento da psoríase.
A principal limitação desta análise resulta do facto de ser um estudo retrospetivo e contar com uma amostra relativamente reduzida de doentes. Para além disso, o facto de ser um retrato de apenas um centro hospitalar universitário implica um viés de seleção dos doentes, bem como o cenário mutável de tratamento da psoríase ao longo dos 10 anos do estudo tem o potencial de influenciar as suas conclusões.
CONCLUSÃO
A sobrevivência média do MTX foi de 18 meses e a principal razão de descontinuação foi a ineficácia do fármaco. Neste estudo identificaram-se o uso prévio de ciclosporina e a presença de artrite psoriática como fatores preditores de descontinuação mais frequentedo MTX. Os resultados estão de acordo com as caraterísticas de sobrevivência do MTX publicadas e reforçam a sua importância no tratamento desta doença. Há uma necessidade premente de bons estudos observacionais com métodos de análise uniformes que permita a publicação de meta-análises sobre a sobrevivência dos fármacos comvencionais usados no tratamento da psoríase.