Apresentamos o caso de um homem de 63 anos de idade, com antecedentes de diabetes mellitus com retinopatia e nefropatia, hipertensão arterial e dislipidemia. Foi observado por uma lesão torácica com um mês de evolução, sem trauma ou sintomas associados. Negava introdução recente de fármacos ou viagens. Ao exame objetivo, observava-se uma úlcera de 8 cm de diâmetro, de bordos escavados eritemato-violáceos e com ligeiros sinais inflamatórios circundantes (Fig. 1A). Analiticamente, não apresentava alterações de relevo e as hemoculturas de sangue periférico foram negativas. A radiografia do tórax era normal e o rastreio de VHB, VHC e VIH1/2 foi negativo. O anticorpo IgM para CMV, EBV e VHS1/2 foi negativo, bem como o TPPA, IGRA e TASO. Foi iniciado tratamento com ciprofloxacina e ceftriaxone durante 15 dias, sem qualquer melhoria (Fig. 1B). Foi realizada biópsia cutânea, cujo exame bacteriológico, micobacteriológico e micológico foi negativo. O exame histopatológico mostrou abundante infiltrado inflamatório neutrofílico na derme papilar e reticular sem lesões de vasculite, confirmando o diagnóstico de pioderma gangrenoso (PG) idiopático.
Figure 1 - Úlcera com cerca de 8 cm de maior diâmetro na linha média do tórax anterior, com bordos descolados, tensos e violáceos, sugestivos de progressão ativa (A) com agravamento após antibioterapia em monoterapia (B).
Iniciou tratamento com prednisolona 1 mg/kg/dia com desmame lento nos dois meses seguintes. Dada a refratoriedade da lesão e contraindicação para tratamento com ciclosporina, foi iniciado adalimumab 40 mg 2/2 semanas, associado a prednisolona 30 mg/dia com redução progressiva durante um mês. O doente apresentou uma evolução muito favorável, com resolução total após dois meses de tratamento, sem qualquer efeito adverso associado à medicação. Dada a excelente resposta clínica, foi suspenso o tratamento com adalimumab após seis meses. Um ano após sus-pensão, não teve recidiva da lesão nem evidência de qualquer patologia associada ao PG. A extensão da úlcera inicial, os antecedentes pessoais e a refratoriedade da lesão são aspetos de relevo neste caso.
O PG é uma dermatose neutrofílica que se apresenta classica-mente com uma ou várias úlceras cutâneas de bordos escavados eritemato-violáceos.1 Em metade dos casos, associa-se a doença intestinal inflamatória, doença articular inflamatória/autoimune ou neoplasias hematológicas/sólidas.2 O seu tratamento tem evo-luído significativamente nos últimos anos, com crescente foco nos anticorpos monoclonais anti-tumor necrosis factor α (anti-TNFα).3
O PG clássico apresenta-se com uma ou múltiplas úlceras cutâneas de bordos descolados eritemato-violáceos.1,2Maverakis E et al propuseram recentemente um conjunto de critérios diagnósticos de PG com elevadas sensibilidade e especificidade: a biópsia demonstrativa de infiltrado neutrofílico (critério major) associada à Nuno Gomes, Patrícia Amoedo, Ana Luísa Cunha, Filomena Azevedo, Sofia Magina (1) exclusão de infeção, (2) história de patergia, (3) úlceras com eritema periférico e bordos descolados, e/ou (4) presença de cicatrizes cribiformes nos locais das úlceras prévias (critérios minor), é suficiente para estabelecer o diagnóstico.4
O diagnóstico precoce de PG é essencial para evitar tratamentos e intervenções cirúrgicas possivelmente patérgicas.5 A abordagem do PG depende sobretudo da gravidade e progressão da doença. O tratamento de primeira linha corresponde a corticoesteróides sistémicos, associados ou não a imunossupressores clássicos, nomeadamente a ciclosporina. Quando o PG se apresenta com uma doença subjacente, o tratamento desta pode levar à evolução favorável do próprio PG; como tal, as inovações terapêuticas são frequentemente impulsionadas pelo tratamento da doença associada.5
A eficácia dos anti-TNFα em doentes adultos com PG foi alvo de várias publicações na última vintena de anos,6-8tendo sido revista recentemente: em 356 doentes com PG, a taxa de resposta aos anti-TNFα foi de 87% (completa em 67%). Esta resposta não foi diferente quando os vários fármacos anti-TNFα foram comparados.3 Dos doentes tratados com adalimumab, a maioria apresentava múltiplas lesões presentes há mais de 12 semanas e apenas 14% apresentava PG idiopático.3
Apesar de serem crescentes os casos que evidenciam a eficácia dos anti-TNFα no tratamento do PG, são necessários estudos robustos prospetivos controlados por placebo para confirmar esta hipótese, apesar da sua difícil concretização.
Apresentações / Presentations
Trabalho apresentado como comunicação oral na Reunião da Primavera 2021 no dia 10/07/2021.