Entrevista com Tó Trips para Sons Pe(r)didos e Achados1. Realizada por Paula Guerra2.
Tó Trips nasceu em Lisboa, na freguesia do Castelo, em 1966, estando registado em Benfica, onde morou durante a sua infância e juventude, numa rua entre a Praça de Espanha e Sete Rios. Tó tem o rock’n’roll incorporado desde muito cedo, muito por causa do Rock Rendez Vous e do Johnny Guitar. Tó Trips é, manifestamente, um dos músicos portugueses mais interessantes das últimas décadas. Começou nos anos 1980 com os Amen Sacristi e participou nos Santa Maria Gasolina em Teu Ventre!3; nos anos 1990, viveu intensamente os Lulu Blind; nos anos 2000, do encontro feliz com Pedro Gonçalves criou os Dead Combo, participou nos Ladrões do Tempo e tem feito constantes incursões a solo. Conversar com o Tó Trips é fazer uma viagem ao Portugal contemporâneo com paragens no punk/hardcore, na no-wave, no jazz, na guitarra de Carlos Paredes, no noise, na world music. É também fazer uma viagem pelo mundo (do rock), não só pelos seus sons, mas pelas suas imagens, artefactos, cenários. Nesta conversa, que integra o podcast Sons Pe(r)didos e Achados, coordenado por Paula Guerra e realizado pela Casa Comum da Reitoria da Universidade do Porto4, ficamos a conhecer um pouco mais da sua história de vida.
Preâmbulo
Tó Trips é, sem sombra de dúvida, um dos músicos portugueses mais interessantes das últimas décadas situados na esfera da produção alternativa independente. Da altura do punk agressivo dos Amen Sacristi5, ainda formados na catequese, ainda, também, no liceu D. Pedro V, das memórias memoráveis dos Lulu Blind6 aos Dead Combo7, que partilha com Pedro Gonçalves, aos Ladrões do Tempo8, que partilhou com Zé Pedro, passando pelas experiências a solo da Guitarra 669 e, mais recentemente, da Guitarra Makaka10, Tó Trips tem marcado presença nos mais inovadores e mais criativos projetos do imaginário alternativo musical nacional. Conversar com ele é embrenhar-nos numa viagem pelo Portugal contemporâneo e por viagens, por afetos e por uma cena que se foi construindo. As músicas que ele faz, que o marcaram e tantas outras que foi descobrindo ao ritmo de uma curiosidade que a idade foi aguçando. Uma viagem sem paragens, sem direções definidas, mas que tão depressa nos leva ao punk hardcore, ao jazz, à música experimental, à guitarra de Carlos Paredes, sem um fio condutor; sons que foram influenciando as memórias de um homem que, atualmente, conta com 55 anos. Fruto do contexto pandémico que estamos a viver, e que teve impactos significativos no music-making e no setor das artes e cultura em Portugal, principalmente nos setores mais alternativos, Tó Trips fez, em 24 de abril de 2020, um manifesto na sua página pessoal de Facebook, que teve uma larga adesão por parte dos músicos portugueses. Nesse manifesto, Tó dizia:
Eu, António Antunes, mais conhecido por Tó Trips, músico (Dead Combo, Club Makumba11, Timespine, Ladrões do Tempo, Lulu Blind, entre muitos outros), gráfico e fura-vidas, pai de três filhos, 54 anos e 35 de palcos, empresário em nome individual desde a última crise, venho aqui dizer que acabo de receber mais uma nega a um pedido de apoio, desta vez da própria Segurança Social que, sem qualquer explicação, me recusou o pedido de lay-off. Isto sem ter qualquer dívida a esta entidade. Há muitos anos que pago os impostos e a Segurança Social a horas. É que nem a própria funcionária consegue entender porquê. Incrédula, disse: “olhe, reclame!”. Desde que começou a pandemia, fiquei a saber que não era suficientemente erudito para ser contemplado pelos apoios da Gulbenkian, que não posso contar com o Ministério da Cultura e a sua falta de ideias (e de dinheiro) e agora também fiquei a saber que não sou considerado trabalhador de pleno direito pela Segurança Social. As dezenas de concertos que tinha para este ano foram cancelados ou, na melhor das hipóteses, adiados para daqui a uns meses, mas sabe-se lá se não vem aí novo surto no outono e fica tudo na mesma. Mas recebo muitos convites para tocar em casa ao mesmo tempo que assisto a concertos de amigos meus e músicos que admiro, quase todos - imagino - a troco de nada ou de muito pouco. Os artistas, aliás, ao contrário dos bancos, do Estado, das empresas, da população em geral, foram dos primeiros a fechar a atividade. Música? Para quê? Arte? Que perca de tempo! De que serve aquilo que fazemos? O artista tem família, precisa de comer? É com promessas que pago as compras do supermercado? Ou preferem palmadinhas nas costas? E já agora, a todos os meus amigos que são técnicos, agentes, promotores culturais, a quem devo os palcos por onde andei e sem os quais era impossível estar numa sala de concertos, num teatro, numa galeria, na rua, num buraco qualquer a consumir cultura, que fazem eles para sobreviver? A todos nós que vivemos disto é-nos pedido: resistam, não comam, não vivam, cancelem tudo, não respirem, não tenham filhos, porque o pessoal da cultura é suposto ser um indigente. Nestas cinco décadas de vida que já levei, chego sempre à mesma praia: não façam do meu talento o meu desalento. E já agora acrescento: apoios à cultura, leva-os o vento! E o estado? Esse leva o mar!”.
Fonte: Art Work Esgar Acelerado https://www.up.pt/casacomum/sons-perdidos-e-achados/1-paulo-furtado-the-legendary-tigerman/
António Antunes, mais conhecido como Tó Trips, nasceu em Lisboa, na freguesia do Castelo, em 1966, estando registado em Benfica, onde morou durante toda a sua infância e juventude numa rua entre a Praça de Espanha e Sete Rios. Tendo nascido no seio de uma família oriunda do meio rural, em que ele revela que os pais são pessoas que vieram do campo para Lisboa, e diz que “o meu pai é de perto de Castelo Branco e a minha mãe é da Covilhã, e vieram novos para cá. Depois, cá, conheceram-se e casaram.” A sua infância é marcada por esta proveniência, aliás muito comum a vários lisboetas nos anos 1960. É, segundo Tó, o tipo de família que vem do campo para a cidade. Aqui, em Lisboa, é muito provinciana nesse sentido. Por isso, segundo Tó, é que Lisboa tem muitos quintais com hortas, nespereiras e figueiras. O seu pai era comerciante, tendo, primeiramente, uma mercearia de bairro que se transformou em café. A mãe casou como dona de casa, tendo, posteriormente, tirado um curso de costura e trabalhado inicialmente por conta de outrem, tendo, depois, montado um negócio próprio. Tó é, sem dúvida, um produto de Lisboa, de uma Lisboa urbana, de uma Lisboa que se foi constituindo, tal como ele nos refere quando nos revelou, em 2007, a emergência dos Dead Combo e, também, a importância de Carlos Paredes na sua musicalidade quando ele nos diz: “mas eu tinha a mania de vir para casa sempre a assobiar. E, umas vezes, vinha a assobiar os Verdes Anos. E, se tu assobiares os Verdes Anos12 mais lentos do que aquilo que eles são, aquilo parece-te um western. Se tu assobiares os Verdes Anos” - e começa a assobiar - “e se tu assobiares isto devagar, pode parecer um western. Então fiz esse exercício na guitarra. Depois, a partir daí, sei lá.... Misturei um bocado com sonoridade portuguesa e, aí, surgiram os Dead Combo, através do reencontro com Pedro Gonçalves.” Isto é o Tó, designer gráfico, músico e compositor.
Quando nos conhecemos, em 2007, tu disseste uma coisa que eu adorei na altura, que foi: tu sempre tinhas adorado ter uma banda, só que as pessoas não te acompanhavam! Essa coisa continua, Tó? Como é que é isso da banda? Esse sonho, ainda o tens?
Sim. Eu não me importo de tocar sozinho, mas o que eu gosto na música também é…. Aliás, eu fui para a música também a ver outros a tocar. Pessoas mais velhas, outras bandas no tempo do Rock Rendez-Vous13 ... Ao ver os outros tocar, quis, também, tocar. Portanto, a música para mim também tem muito a ver também com o lado das pessoas, de um grupo, uma banda, um gangue, de haver uma união, um grupo de amigos que faz coisas que adoram fazer. Também levo a sério o tocar sozinho, mas adoro, gosto muito mais de andar na estrada com uma banda do que andar sozinho.
E como é que tem sido manter isso até hoje?
Agora, com esta história da pandemia... Eu e o João Doce andámos a tocar, e em seis meses montámos uma banda, os Club Makumba. Gravámos em 2019, antes da pandemia, e o disco era para sair em maio de 2020, mas, depois, meteu-se a pandemia em março e foi adiado para este ano, para fevereiro de 2021. Entretanto, veio o segundo confinamento e foi tudo ajustado outra vez para o princípio do próximo ano. Ou seja, já demos alguns concertos ao vivo, mas ainda não conseguimos lançar um disco que gravámos em 2019. Aliás, antes de estarmos aqui a falar estive a fazer as artes finais para os discos. Ainda por cima, com isto tudo da pandemia, há fábricas de discos de vinil que estão a demorar seis meses. Está tudo entupido. E este segundo confinamento... O primeiro não foi assim muito difícil para mim, mas o segundo... Eu nunca fui um tipo depressivo, mas, às vezes, houve dias que não me apetecia fazer nada.
Tu és muito uma pessoa de fazer.
Sim, gosto de estar sempre ocupado, não gosto de estar sem fazer nada. Um dos únicos sítios onde consigo estar sem fazer nada é na praia. Mas, de resto, tenho que estar sempre ocupado. Sou muito ansioso nisso, tenho que estar a fazer qualquer coisa.
E aquela questão da ilustração... Quando falámos a primeira vez, tu não eras um músico profissional...
A parte gráfica também foi uma parte que me levou a ir para a música. Toda essa imagem do rock, da música, das fotocópias, das fanzines, tudo isso me levou a, também, ser músico, a formar bandas. Todo esse universo sempre me fascinou, tanto que eu e o Rui Garrido talvez sejamos os gráficos que fizeram mais capas de discos em Portugal.
Continuas a fazer?
Sim, sim. Continuo a fazer e não deixarei de fazer posters. Não seria capaz de ser só músico. Gosto de fazer gravuras, serigrafias.... Faço muitos posters para o Edgar Pêra. Continuo a fazer.... Há pessoal do jazz agora que também me pede capas.
Fizeste para o Ribas.
Sim. Vou participar num concurso de cartazes em Melgaço, e, por isso, no outro dia estive a ver e entre 2018 e agora fiz, para aí, uns catorze posters de filmes. Nem tinha essa noção.
E essa rapidez que tu tens, continua com a pandemia, ou achas que houve um desaceleramento? E mesmo com a idade, como é que tens visto isto?
Eu tenho um grande know-how. Uma coisa que eu aprendi a trabalhar uma década em publicidade foi a ser pragmático nas coisas. Habituei-me a ter deadlines e habituei-me às pessoas estarem-me a pedir uma coisa e eu já estar a imaginar várias coisas para aquilo que ela quer, para o briefing que me está a dar. Isso deu-me uma grande estaleca no sentido de resolver as coisas rapidamente, de encontrar soluções rápidas para as coisas. Não quer dizer que sejam as melhores, mas habituei-me a isso.
Essa coisa do fazer, do do-it-yourself…
Sim. E o tempo também é dinheiro, principalmente para os clientes. Lembro-me, por exemplo, de fazer capas para a Universal, para a Valentim de Carvalho, para a Sony... Uma das coisas que era importante para eles era eu apresentar soluções rapidamente. E, então, tenho esse know-how que veio de trás, de me habituar a corresponder aos prazos e, até, a ser mais rápido do que os prazos.
Outra coisa que também me marcou muito, no outro confinamento, foi uma vez que escreveste no Facebook um statement a falar um pouco do que era ser músico independente em Portugal, pai de família.... Lembras-te? Que não tinham direitos…
Sim, sim.
Eu queria que me falasses um bocadinho nisso. Porque, quando as pessoas pensam no Tó Trips, pensam nos Dead Combo, que é uma coisa com imenso sucesso, percorreu o mundo todo, pensam que és super internacional e estás super bem de vida, e não conhecem, de facto, o quão difícil é ser músico independente em Portugal.
Sim. O facto de os Dead Combo terem tido sucesso não quer dizer que... Ou seja, um músico ou um trabalhador freelancer, mesmo que esteja bem hoje, não pode pensar que amanhã está bem. Tem que estar sempre a pensar à frente, não pode dizer “epá, agora está-se bem, pronto.” Não se pode acomodar ao sucesso, porque isso é uma coisa passageira. Não vou ser hipócrita, gosto que as pessoas gostem da minha música, mas não vou dormir à sombra da bananeira à espera que isto dure para sempre. Um gajo deve ser um inconformado e não ligar muito a isso do sucesso, porque o sucesso é uma coisa que hoje é, amanhã não é. As pessoas precisam de viver, principalmente os músicos que vivem, como eu, daquilo que fazem. Eu pus esse post no Facebook, porque, pela primeira vez na minha vida, pedi um apoio ao Estado que me foi recusado. Sempre paguei os meus impostos, sempre paguei Segurança Social, e na vez que o Estado me poderia ajudar não o fez. Vou ser muito sincero: eu, desde miúdo, sempre detestei companhias de seguros, bancos, Seguranças Sociais e tudo ligado com instituições do Estado. Sempre fui um gajo um bocado anarca nesse sentido. Não sei se é porque eu vim do punk, mas nunca confiei nisso, nessas instituições. E, mais uma vez, isso veio-se a comprovar. Eu e muita gente que eu conheço não teve apoios. Depois dessa desisti, não pedi mais nada. Conto comigo próprio e pronto.
É um bocado essa coisa de guiares-te por ti próprio, sobreviveres por ti próprio... Achas que faz falta uma política sustentada de apoio? O rock, ou, pelo menos, a esfera onde te situas, continua a ser uma espécie de terreno ilegítimo?
Um gajo também tem que ter um certo lado de consciência, que é: isto não é um país rico, não é? É um país pobre. As pessoas, para terem aqui alguma coisa, precisam de trabalhar imenso. Eu venho de famílias humildes, e as coisas que eles têm foi com imenso trabalho que as conseguiram. E continua a ser assim. Em relação, por exemplo, à cultura, ela sempre foi uma coisa vista como menor. Não sei se foi dos 48 anos aqui fechados... Nunca pensaram que a cultura também pode ser uma indústria, um negócio e uma maneira de se viver. Hoje em dia, existem imensas pessoas a trabalhar no ramo da cultura. Técnicos, as pessoas que limpam os auditórios, a senhora do café, os músicos, os programadores... São milhares de pessoas. Uma coisa que me está a preocupar bastante é que, hoje em dia, com esta história da pandemia, onde é que as bandas começam a tocar? Começam só a tocar nos clubes. Ora bem, os clubes estão fechados e vão ser as últimas coisas a abrir. Portanto, se já havia um circuito muito pequeno em Portugal para bandas onde se contavam pelos dedos os sítios onde as bandas novas podiam ir tocar, agora não sei o que é que vai restar desse circuito de clubes. E não sei como é que as bandas novas vão poder aparecer e mostrar a sua música.
Tu és uma pessoa muito ligada à imagem, muito ligada à estética, por base. Associas as tuas músicas instrumentais a alguma história na tua cabeça, a alguma imagem, a uma cena, como se fosse um filme?
Sim, sou capaz de pegar numa fotografia e... Faço bandas sonoras, mas a fotografia fascina-me mais, porque é uma imagem parada e, portanto, tu podes imaginar uma história acerca daquela imagem, enquanto que, num filme, estão-te a mostrar a história. Eu sou capaz de pegar numa foto e tentar fazer uma música em relação àquela fotografia.
Sim. Quando há uma letra é óbvio que existe uma história, mas sobre a música instrumental... tenho curiosidade em saber se também existe essa narrativa, essa história.
Sim, um instrumental tem uma maior liberdade para ouvires uma música, sentires uma coisa, e eu ouvir a mesma música e sentir outra. Às vezes podes-te influenciar pelo título da música, mas acho que a música é um bocado como os livros. Nós os quatro lemos o mesmo livro e, se calhar, imaginamos os cenários e as personagens diferentes. Podemos achar coisas iguais, porque está lá na história, mas, se calhar tens uma outra noção do quarto em que o personagem vive, por exemplo, do que eu que li a mesma história. E a música instrumental acho que tem um bocado isso.
Sim, mesmo os títulos que dás - “Lisboa Mulata”, por exemplo - isso remete para atmosferas, não é? Para uma mistura de coisas que se nota que é um bocado a tua vida. A tua e a do Pedro.
Sim. No caso dos Dead Combo era sempre assumido que aqueles dois personagens vagueavam numa certa Lisboa imaginária, uma Lisboa que já não está a existir. Os discos dos Dead Combo sempre acompanharam um bocado essa evolução da cidade. Aliás o último disco, Odeon Hotel, já tem a ver com esse lado da gentrificação.
E a tua Guitarra 66?
A Guitarra 66 foi um disco dedicado à minha mulher, das viagens todas que nós fizemos os dois. Há temas que têm a ver com a cidade de Marraquexe, a cidade do Cairo... Eu tento que as coisas do dia-a-dia e as viagens me influenciem naquilo que faço. Acho que a Arte deve refletir um bocado a vida do artista, que devíamos imprimir coisas do nosso dia-a-dia nas coisas que fazemos.
A tua música tem muitas influências: o jazz, uma sonoridade um bocadinho que faz lembrar o flamenco.... Remete-nos para outras coordenadas. Como é que defines a tua música em poucas palavras?
Talvez como música de memórias. Com o confinamento, estive a trabalhar num livro que vai sair, se calhar, no final do ano ou no princípio do próximo, em que peguei em todas as imagens que tenho de onde estive, quer seja em tour com os Dead Combo, quer seja em viagens sem ser em tour, e fiz uma seleção. E o livro começa com uma frase que é: “todos nós temos a nossa cartografia.” E acho que a minha música tem a ver com isso. Com cartografia, com sítios. Os sítios podem ser desde viagens fora de Portugal, como pode ser sentado ali no Trevo a olhar as pessoas a passar ali no Largo de Camões. Tem a ver com os sítios onde tu paras e que te dizem alguma coisa na vida.
Essa coisa das viagens é tão importante para ti, mas voltas sempre a Lisboa, não é? Sempre a casa. Isso também é muito importante para ti, a família, os teus filhos...
Acho que a pandemia trouxe uma coisa que eu não tinha, uma coisa positiva: pela primeira vez, senti que somos um clã. O facto de termos ficado um tempo fechados deu-nos esse conceito pela primeira vez. Sempre fui um gajo que gosta de sair de casa, de andar aí a tocar... Mas este lado de estarmos todos juntos durante muito tempo trouxe esse sentimento de clã, que era uma coisa que eu não sentia até então.
Tó, tu és uma pessoa muito apoiante de bandas novas, de miúdos novos.... Estás sempre a apoiar coisas. O que é que vês de interessante que possamos descobrir, coisas novas que, às vezes, o lugar onde estamos não nos permite descobrir?
Acho que sempre houve boas bandas, miúdos que trouxeram coisas novas. Sempre houve, há e haverá sempre. Eu gosto de apoiar bandas novas. Lembro-me que, quando tive um programa de rádio, havia muita malta de Lisboa, Porto, de vários espaços do país, que me mandavam músicas para passar no programa de rádio, o Eléctrica. Uma coisa que eu acho que se alterou desde que era mais novo para agora é que os miúdos agora não têm grandes preconceitos, cada vez são mais originais, mais ecléticos. Hoje em dia, eu acho que os miúdos ouvem mais música e não se deixam fechar em clichés. Hoje em dia, os miúdos ouvem muito mais música que eu ouvia quando tinha a idade deles.
Como é que vês projetos futuros? O que é que querias fazer? Tens o livro, que é uma coisa linda...
Tenho a cena do livro, que também tem um single com um lado de sons que eu gravei, uma composição sonora de vários sítios, desde Hong Kong a Marraquexe, e outro com um tema de guitarra. Depois, estou a preparar um disco a solo e tenho esse dos Makumba, pendurado.
Com o João Doce.
Agora somos quatro: eu, o João Doce, o Gonçalo Leonardo e o Gonçalo Prazeres. Contrabaixo, percussão, guitarra elétrica e saxofone.
E não paras, porque eu já vi que estás a anunciar concertos a solo, não é?
Era para ter, em janeiro, uns cinco concertos que já vinham do ano anterior, os últimos cinco concertos para o filme Surdina14, do Rodrigo Areias - eu fiz a banda sonora e ele convidou-me para fazer - para tocar aquilo ao vivo na versão de guitarra - isso era para ter acontecido em janeiro/fevereiro, mas, com o confinamento, foram reagendados. E vou ter mais uns concertos a solo.
Não te esqueças que temos a exposição Mackintóxico em Matosinhos.
Muito obrigado pelo convite! Fico muito contente! No Verão de 2019 também fiz uma exposição com cartazes na Casa da Cultura, em Setúbal, e fiquei bastante contente, porque apareceram lá miúdos bastante novos todos entusiasmados, a dizerem que são de design e querem fazer posters e não sei quê.... Acho que é fixe.... Acho que a única coisa fixe de ser mais velho é tentares puxar pelos mais novos.
E tu sentes isso, não é?
Seres um incentivo para as pessoas continuarem a acreditar naquilo que gostam de fazer e investir nisso.
E tu, aí nos teus filhotes, vês algum seguimento, alguma lógica dessas? Ou eles... Nem da mãe nem do pai?
Não, não estou a ver... Só se for a minha mais nova, a Simone. O David é mais matemáticas e lógica. É assim! O que interessa é que eles sejam felizes a fazer seja o que for, mas que gostem.
Sim, sim, eu acho que isso é o mais importante, que devemos alertá-los.
Não lhes vou pedir para ser alguma coisa, eles é que sabem o que é que querem ser. Posso-lhes dar uns conselhos...
Exato. Muito obrigada por tudo! Sobretudo porque eu acho que tu és uma pessoa muito do fazer e do ser e isso transparece no teu discurso, sempre. És mais do que falar, o ser e o fazer.
Aprendi uma coisa em publicidade, com um diretor crítico holandês, que dizia assim: “criativos não são as pessoas que têm as ideias, criativos são aqueles que as fazem.” Essa frase sempre me disse muito.
É verdade.
Porque, realmente, ideias nós podemos ter aqui os quatro, altas ideias, mas, depois, concretizá-las é outra história.
Exato. E tu sempre foste o homem do fazer. Mesmo quando reinventavas a tua roupa para seres punk e não havia roupa em Lisboa. Lembras-te?
Sim, sim, sim.
Quando ligávamos as tachas dos cintos. Foi um prazer conversar contigo!
Sim, isso é outra coisa. Uma coisa que eu aprendi com a idade é que por mais tecnologia que haja hoje e que não houve antes, as pessoas sempre souberam divertir-se. Com menos ou com mais, de uma maneira ou de outra, com tecnologias ou sem tecnologias, as pessoas conseguem divertir-se.
Sempre. Obrigada. Por tudo.
Obrigado eu, Paula.