Introdução
O cuidado integrado pode ser compreendido com um modelo de assistência à saúde, que tem como um dos seus objetivos a melhoria da qualidade de vida de pacientes idosos, portadores de doenças crônicas (Monteiro 2009). O cuidado integrado é também conhecido como: cuidado gerenciado, cuidado integral, cuidado coordenado, dentre outras denominações (Minkman et al. 2009).
Existem diversos modelos de cuidado integrado, em função da sua concepção e da prática do cuidado. Conceitualmente pode-se discutir o modelo a partir dos níveis de organização de um sistema de saúde (Ham and Curry 2014). O nível macro, envolve as políticas e estratégias de uma organização de saúde, onde os gestores e os financiadores tomam as decisões estratégicas sobre a aplicação do modelo de saúde. O nível meso, ou secundário, é aquele em que um modelo pode ser concebido para uma parcela da população com uma determinada patologia ou condição de vida social. O nível micro está relacionado com a organização prática, planejamento e execução das intervenções clínicas, de acordo com o modelo (Organização Mundial da Saúde 2008).
No Brasil, o nível macro é representado pelas redes de atenção de saúde, política esta, que faz parte das diretrizes assistenciais do governo e, na saúde privada, é dirigida pela Agência Nacional de Saúde (ANS), através dos programas para Promoção da Saúde e Prevenção de Riscos e Doenças (Ministério da Saúde 2013). O meso pode ser considerado as iniciativas direcionadas a determinada parcela da população. Um exemplo seria a ANS incentivando as operadoras de saúde a organizar o cuidado. Em relação aos idosos, a ANS através do Projeto Idoso bem Cuidado desde 2015 incentiva a organização das operadoras de saúde a desenvolverem a linha do cuidado contínuo e coordenado focado nas necessidades dos idosos (Agência Nacional de Saúde 2014). Do ponto de vista micro, de acordo com a prática assistencial, o modelo de cuidado integrado pode ser realizado à domicílio ou no ambulatório, por médicos, enfermeiros ou outros profissionais de saúde, mas o que torna esse modelo diferente do atualmente praticado é a participação de um coordenador que organiza as tarefas do plano de atenção à saúde. Entre os profissionais de saúde, em geral é o enfermeiro que mais frequentemente assume o papel de coordenador do cuidado (Rosen et al. 2011; Gonzalo and Zuleta 2013).
A concepção do cuidado integrado recebeu influências de modelos praticados em dois sistemas de saúde diferentes. No sistema de saúde dos Estados Unidos da América (EUA), em que o cuidado assistencial é fragmentado e não universal, a integração do cuidado foi desenvolvida a partir do managed care. A segunda influência que o cuidado integrado recebeu foi do modelo originado dos países europeus como Inglaterra, Holanda e França e também no Canadá. Nesses países o sistema de saúde é universal, oferecido a toda população custeada pelo Estado (Fairfield et al. 1997; Kuschnir and Chorny 2010).
O cuidado dos pacientes, no modelo integrado, deve seguir diretrizes clínicas, ser sistematizado, contínuo e não esporádico, sendo oferecido de acordo com as necessidades individuais dos pacientes. O uso de dispositivos eletrônicos e de telefonia à distância, podendo ou não ser associados a um prontuário eletrônico para a centralização das informações, facilitam a elaboração e a execução do plano terapêutico (Rosen et al. 2011; Kuschnir and Chorny 2010).
No Brasil, já existem iniciativas para o uso do modelo de cuidado integrado na saúde pública, contudo são localizadas em alguns serviços. A integralidade é considerada uma dimensão estrutural do Sistema Único da Saúde e adotada como modelo porém com poucas iniciativas (Ministério da Saúde 2013). É no sistema de saúde privado, suplementar, onde se verifica o maior número de iniciativas de implantação do cuidado integrado, que no Brasil recebeu influências de alguns programas de destaque mundial como o Kaiser Permanent, nos EUA, o Evercare na Inglaterra e o Prisma, no Canadá (Ham and Curry 2003; Lambert et al. 2003; Hébert et al. 2003).
Quando se observa o tipo de ferramentas do cuidado integrado utilizado, tanto no Brasil quanto nestes programas internacionais, são as mesmas ferramentas encontradas: o gerenciamento de caso e o gerenciamento de doença. Tanto o primeiro quanto o segundo são formas de assistência, em que a primeira está centrada no individuo, como a atenção domiciliar direcionada ao idoso frágil e a segunda, voltada para um grupo de pacientes portadores de uma determinada doença, como o diabete mellitus. Esse grupo recebe as intervenções do plano de cuidados em conjunto, como iniciativas educativas e campanhas de medição da glicemia ou mesmo individuais, através de visitas de enfermagem, estimulando o autocuidado e orientando as medidas de prevenção.
Existem vários indicadores para a avaliação do impacto do modelo, na saúde do paciente, a saber: a diminuição da frequência de idas desses pacientes à emergência; a diminuição do tempo de internação, a diminuição da frequência de reinternações e a melhoria da qualidade de vida. Alguns estudos, que investigaram esses indicadores, mostram resultados positivos com a utilização do modelo de cuidado integrado (Fonseca, Fonseca and Mendes Júnior 2014; Tricco et al. 2014). A forma de medir o resultado de cada assistência está na dependência do gestor, mas no fim, os principais indicadores estão relacionados com a hospitalização ou a ida a emergência.
Nesse estudo pretende-se avaliar o desempenho do modelo de cuidado integrado em um grupo de pacientes idosos, portadores de doenças crônicas, de uma operadora de saúde, pertencente ao sistema suplementar, privado, da cidade do Rio de Janeiro.
Método
Trata-se de uma coorte retrospectiva utilizando as informações de uma população de pacientes atendidos entre os anos de 2011 e 2012, no modelo de cuidado integrado nomeado de programa de gerenciamento de doenças crônicas (PGDC) pertencente a uma operadora de saúde (OPS) na cidade do Rio de Janeiro.
Os pacientes que foram convidados a participar do PGDC/OPS tinham 40 anos ou mais, eram portadores das seguintes doenças crônicas: Diabetes Mellitus, Hipertensão Arterial Sistêmica, Cardiopatia Isquêmica e Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Neste estudo foram incluídos apenas os pacientes com idade acima de 60 anos e que estiveram em acompanhamento no mínimo por seis meses. O grupo de pacientes que foi convidado a participar do PGDC/OPS, mas não aceitou foi considerado o grupo não exposto.
O PGDC/OPS existe desde 2007 e consiste em uma assistência clínica através de uma equipe multiprofissional cujo enfermeiro é o coordenador da equipe de cuidado. A equipe multiprofissional utiliza contatos telefônicos e visitas periódicas para cuidar dos pacientes. O enfermeiro coordenador elege quais os pacientes devem ser visitados ao longo do mês. Na visita domiciliar a equipe evolui clinicamente o paciente, afere a glicemia capilar, a pressão arterial sistêmica, realiza o exame dos pés e inspeciona a estrutura da habitação do paciente. Pelo telefone a equipe de saúde avalia a evolução do paciente e orienta sobre aspectos preventivos, como a vacinação e a prevenção secundária, assim como o uso correto das medicações e lembra a data de coleta de exames. A periodicidade do monitoramento telefônico é mensal e, para as visitas domiciliares, a definição de visitas varia de acordo com o grau de complexidade e do risco do caso, podem ser bimestrais, semestrais ou anuais.
Segundo informações da OPS a maior parte dos pacientes pertencentes ao PGDC/OPS é de baixa complexidade e recebem duas visitas anuais e telefonemas mensais. Em caso de dúvidas ou para emergências clínicas a OPS disponibiliza serviços de saúde - o serviço de Orientação Médica Telefônica (OMT) e o serviço de Emergência Médica Domiciliar (EMD) durante as 24 horas do dia, todos os dias da semana. Em função da avaliação realizada por algum desses serviços ou da própria equipe de saúde o paciente pode ser transferido para uma unidade de internação.
A OPS monitora o resultado do modelo de cuidados através de dois indicadores: idas à emergência e o número de internações e para isso, a OPS junto com os prestadores de serviço participam de reuniões mensais de acompanhamento administrativo e clínico. Assim, utilizamos esses dois indicadores para avaliar o desempenho do modelo de cuidado integrado. Como o banco de dados cedido pela OPS continha apenas às informações sobre sexo e idade, essas foram as variáveis utilizadas como “confundidoras”, uma vez que as mesmas influenciam a estimativa da associação desejada, por serem variáveis que podem aumentar e/ou diminuir a frequência dos indicadores e queríamos estimar o evento independente dos mesmos no desempenho do modelo do cuidado integrado.
Na análise univariada a idade foi analisada em três categorias (60 a 69, 70 a 79 anos e 80 anos ou mais) e na análise múltipla foi utilizada de forma contínua. Os Riscos Relativos (RR) e seus respectivos intervalos de confiança para os dois indicadores, foram obtidos por meio do modelo da regressão binomial negativa inflacionada de zero, ZINB, com função de ligação logit. A escolha por este modelo se deu após a verificação de que a média não era igual à variância e a existência de um número excessivo de zeros, o que tornou inadequado o uso da regressão de Poisson e da binomial negativa. Foi utilizado o pacote estatístico “R”, versão 3.1.1, 2014 e as bibliotecas MASS e sandwich.
O estudo foi submetido à Comissão de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz e foi aprovada como o número 10333512.2.0000.5240 em janeiro de 2013.
Resultados
Foram analisados 3617 pacientes, a maioria do sexo feminino (60,5%) e na faixa etária entre 70 a 79 anos (Tabela 1). No grupo dos participantes, o percentual de mulheres foi maior e a faixa etária predominante também correspondeu entre 70 a 79 anos. Quando analisamos separadamente os dois indicadores, idas a emergência e internação, o perfil observado foi semelhante, com predominância de mulheres (em torno de 75% e 85%, respectivamente), mas o percentual de internações foi maior nos acima de 80 anos. (Tabela 2)
Participou | Não participou | ||||
Variáveis | N | % | N | % | |
Sexo | |||||
Homens | 1142 | 39,5 | 270 | 37,4 | |
Mulheres | 1752 | 60,5 | 453 | 62,6 | |
Faixa etária | |||||
60-69 anos | 860 | 29,7 | 217 | 30,0 | |
70-79 anos | 1113 | 38,4 | 287 | 39,6 | |
80 anos ou mais | 921 | 31,9 | 219 | 30,4 | |
Total | 2894 | 723 |
Participou | Não participou | |||||||
Ida à emergência | Ida à emergência | |||||||
Não | % | Sim | % | Não | % | Sim | % | |
Sexo | ||||||||
Homem | 274 | 29,6 | 650 | 70,4 | 67 | 29,7 | 151 | 70,3 |
Mulher | 430 | 24,5 | 1322 | 75,5 | 105 | 21,1 | 348 | 76,9 |
Faixa Etária | ||||||||
60 a 69 anos | 224 | 25,7 | 636 | 74,3 | 65 | 30,9 | 152 | 60,2 |
70 a 79 anos | 284 | 25,6 | 818 | 74,7 | 69 | 22,8 | 218 | 77,2 |
80 anos ou mais | 192 | 28,6 | 518 | 74,7 | 38 | 20,9 | 136 | 70,1 |
Internação | Internação | |||||||
Não | % | Sim | % | Não | % | Sim | % | |
Sexo | ||||||||
Homem | 345 | 81,4 | 71 | 18,6 | 91 | 87,3 | 14 | 12,7 |
Mulher | 725 | 85 | 80 | 14,9 | 191 | 90,9 | 14 | 9,1 |
Faixa Etária | ||||||||
60 a 69 anos | 371 | 83,2 | 44 | 16,7 | 93 | 89,1 | 7 | 10,9 |
70 a 79 anos | 418 | 82,9 | 66 | 16,9 | 117 | 90,4 | 14 | 9,6 |
80 anos ou mais | 218 | 76,2 | 41 | 23,8 | 72 | 88,4 | 7 | 11,6 |
Na avaliação de desempenho do programa, após ajuste por sexo e idade foi observado que a participação reduziu em 45% o risco de internação (RR 0,69), comparado aos que não participaram. Para o outro indicador, não se encontrou associação entre participar do programa e redução do número de idas à emergência (Tabela 3), apesar de termos observado que os pacientes do sexo masculino tem menor risco de ir a emergência (RR 0,76 valor de p <0,0001) (Tabela 4).
Variáveis de desfecho | |||||
Número de Internação | Número de idas a emergência | ||||
RR | IC 95% | RR | IC 95% | ||
Modelo 1* | 0,67 | 0,396-0,944 | 1,03 | 0,924-1,147 | |
Modelo 2** | 0,66 | 0,416-0,964 | 1,05 | 0,937-1,164 |
* Modelo 1 - Modelo Bruto com apenas a variável de desfecho
**Modelo 2 - ajustado por sexo e idade
Discussão
O principal resultado deste estudo foi a redução no número de internação no grupo que participou do programa sugerindo que o modelo de cuidado integrado praticado pela operadora de saúde (OPS) teve um impacto positivo para os idosos portadores de doenças crônicas. Este melhor desempenho pode ser apontado como uma contribuição do modelo de cuidado integrado para a melhoria da qualidade de vida dos idosos portadores de doenças crônicas. A diminuição do número de internação pode ser resultado de uma estabilidade clínica, com diminuição de sintomas que pioram a qualidade de vida. Assim, os pacientes do PGDC/OPS ficam menos vulneráveis aos incidentes decorrente do cuidado hospitalar como as infecções nosocomiais e as perdas funcionais relacionadas a um período de internação por seu efeito protetor (Siqueira et al. 2004; Carvalho-Filho et al. 1998). A diminuição de internação hospitalar pode contribuir também para a redução da mortalidade de pacientes portadores de doenças crônicas e, do ponto de vista do aspecto eficiência, pode haver redução de custo, por redução do número de internações, reforçando a discussão sobre a viabilidade de implantação do modelo de cuidado integrado no Brasil (Tricco et al. 2014; Siqueira 2004).
Importante destacar que os resultados encontrados estão de acordo com a literatura. Ham e cols (Hébert et al. 2003) realizaram um estudo em uma operadora de saúde americana e mostraram que os pacientes acompanhados por um programa de cuidado integrado apresentavam um menor número de internações comparado aos pacientes pertencentes ao sistema inglês. No estudo de Sledge e cols (Sledge 2006) foi demonstrado que após um ano de acompanhamento houve uma redução na internação de pacientes monitorados em um ambulatório organizado nos moldes do cuidado integrado, denominado de cuidados primários intensivos (Primary Intensive Care - PIC). O acompanhamento era realizado por uma equipe multiprofissional coordenado por enfermeiros. Hendricks e cols (2014) demonstraram uma redução no número de internações em pacientes portadores de insuficiência cardíaca com idade média de 70 anos na Alemanha. O estudo de Stampa e cols (2014) mostrou uma redução no número de internações de idosos frágeis acompanhados em um programa nos moldes do cuidado integrado chamado Coordenação de Pessoas Idosas (CO-ordination Personnes Agées - COPA).
No Brasil, um estudo com idosos realizado em uma OPS de Minas Gerais demonstrou que a frequência de visitas domiciliares dos profissionais de saúde diminuiu de forma significativa as internações (Biscione 2013). Entretanto, apesar de que os dois estudos usarem o mesmo indicador, a modalidade assistencial é diferente, o de Minas Gerais é gerenciamento de caso, atenção domiciliar e esse é gerenciamento de doenças.
Não foi encontrado efeito na redução de idas à emergência e a nossa hipótese provável é que o tempo de seguimento da população, um ano, seja curto para este tipo de resultado. Entretanto, não há consenso na literatura sobre essa redução. Curry e cols (2013) também não conseguiram demonstrar uma redução significativa no número de admissões na emergência. Busse e Stahl (2014) em um artigo que discute três programas de cuidado integrado europeus, o inglês, o alemão e o holandês, mostraram resultados diferentes. No programa holandês houve um aumento dos custos e uma redução no número de internações eletivas, mas no programa inglês houve um aumento no número de idas a emergência. No modelo alemão houve uma melhoria de alguns dos indicadores de processos e da satisfação da população atendida.
Entretanto, alguns autores observaram o efeito na redução de idas a emergência. Ivbijaro e cols (2014) demonstraram uma redução no número de idas a emergência em pacientes que apresentavam algumas comorbidades, como asma, depressão e insuficiência cardíaca. Os autores chamaram o modelo de cuidado colaborativo. Soril e cols (2015), através de uma revisão sistemática sobre quais as intervenções que realmente reduzem as idas a emergência, concluíram que o modelo de cuidado integrado foi a intervenção de maior evidência.
Os estudos citados acima demonstraram a importância da necessidade de continuar se estudando o modelo de cuidado integrado a fim de melhor esclarecer a medida do seu impacto na melhoria proporcionada com sua presença. Uma das argumentações dos estudos que demonstraram a diminuição da frequência de ida a emergencia foi a estabilidade clínica. Pacientes com estabilidade clínica procuram menos as emergências. Essa contradição merece uma melhor exploração, talvez estratificando mais detalhadamente o indicador “ida à emergência”, descrevendo o tempo de permanência na emergência, ou a gravidade em que procurou a emergência.
Em relação a escolha dos tipos de cuidado integrado, denominados de gerenciamento de caso e gerenciamento de doenças, nesse estudo o banco utilizado só haviam gerenciamento de doenças. Um grupo de patologias foi selecionado pela OPS por serem pacientes que apresentavam um número excessivo de idas a emergência e de internações. A OPS, ao planejar o seu modelo de cuidado integrado, optou pelos pacientes portadores de hipertensão arterial, diabetes, cardiopatia e doença pulmonar obstrutiva crônica e considerou que esses pacientes poderiam ser melhor acompanhados se recebessem telefonemas e visitas domiciliares de enfermeiros. O gerenciamento de doenças desta OPS oferecia orientações de autocuidado e monitorava os pacientes a fim de antecipar possíveis descompensações clínicas. O objetivo final desse plano era intervir precocemente para o alcance da redução no número de idas à emergência e de internação. Importante destacar que o papel da OPS no cuidado integrado se restringia em: selecionar os pacientes com os perfis demográfico e epidemiológico preestabelecidos, enviar uma carta de sensibilização para os eleitos a fim de esclarecer o programa ao qual estava sendo convidado e a seguir, encaminhava a lista de elegíveis ao prestador de serviço que fazia o contato, convidando a participar do programa. Todas as ações da prática operacional da assistência clinica eram realizadas pelo prestador. Mensalmente havia uma reunião gerencial entre a OPS e o prestador com a finalidade de discutir os casos clínicos selecionados pelo próprio prestador.
A escolha do tipo de gerenciamento utilizado em um modelo de cuidado integrado está atrelada ao grau de complexidade do paciente e das patologias que se quer acompanhar, como diabetes, câncer ou outra qualquer, de acordo com as características epidemiológicas de onde estará inserido o modelo. Esta variedade de modelos existentes contribui para a heterogeneidade conceitual de cuidado integrado e também dificulta a comparação dos resultados (Ouwens et al. 2009; Gravelle et al. 2007; Gonzales et al. 2003; Johril, Beland and Bergman 2003).
Tanto o gerenciamento de caso como o gerenciamento de doença já foram descritos há mais de uma década, entretanto ainda não estão amplamente praticados no que se refere aos idosos, essencialmente no sistema de saúde suplementar privado no Brasil (Veras et al. 2008). Ademais, a escolha da metodologia de análise do modelo praticado deveria receber uma atenção especial no planejamento de uma intervenção para que os resultados possam avaliar os objetivos de um programa. No caso deste estudo, a OPS forneceu o banco de dados, mas não considerou o seu uso para avaliar os indicadores amplamente utilizados por organizações que atuam com o modelo e por isso, foram encontradas dificuldades que impediram uma análise com maior detalhamento. As evidências ainda não são um consenso, todavia existem resultados positivos na literatura e defendidas por muitos autores e sociedades médicas que este modelo oferece benefícios e por isso são vários os existentes ou em desenvolvimento (Ouwens et al. 2005; J Am Geriatr Soc. 2012; Khatutsky et al. 2006; Guide to health... 2014; Navarrete et al. 2005; Luzinski et al. 2008).
Nossos achados podem contribuir e corroborar estimulando a discussão sobre a implantação do modelo. Mesmo considerando a importância da implantação do modelo de cuidado integrado, os desafios a serem ultrapassados são numerosos, dentre eles: o amadurecimento conceitual; a escolha mais adequada na metodologia de análise dos resultados; a compreensão de que o formato do modelo depende do local onde será empregado, dos objetivos a serem alcançados, das pessoas envolvidas na assistência e na gestão e por isso a sua padronização torna-se um aspecto que deva ser relativizado e, por fim, sem esgotar, a necessidade de investimento com um planejamento estruturado para sua sustentabilidade até o alcance dos resultados (Minkman et al. 2009; Ham and Curry 2014; Organização Mundial da Saúde 2008; Rosen et al. 2011; Fairfield et al. 1997; Zhang et al. 2008; Hamar et al. 2011).
Em relação as características demográficas, foi confirmado que o percentual de mulheres que se cuidam ou que procuram mais os serviços de saúde é maior que o percentual dos homens, da mesma forma que é maior o número de mulheres que aceitaram a participar do programa (Laurenti, Mello and Gotlieb 2005).
Dentre as várias inquietações que surgem com este trabalho podem ser citadas: por que não há um cuidado maior com as informações coletadas pelas empresas? Na avaliação de impacto de uma intervenção, por exemplo, os estudos de custo x efetividade são os mais adequados e exigem esse cuidado com as informações. Há uma tendência de crescimento e as dificuldades que as empresas enfrentam hoje, justificam o não investimento em modelos de cuidado integrado? Quais seriam as estratégias mais eficientes para atrair um quantitativo maior de pacientes para os programas e, em paralelo, para evitar desistências ao longo do curso do acompanhamento? É possível que um paciente pertencente ao modelo de cuidado integrado apresente um maior número nas consultas ambulatoriais? O racional seria que como o modelo tem como premissa uma continuidade, o aumento de consultas ao seu médico assistente estimula o vínculo entre o paciente e seu médico. Desta forma, devido às medidas de promoção e prevenção de saúde, os fatores de risco para uma descompensação clínica podem ser identificados precocemente e evitados.
Vários aspectos limitantes deste estudo podem ser discutidos, mas dentre eles destacam-se quatro. Em primeiro lugar em relação a OPS e seu banco de dados, haja vista que a presença de outras variáveis como a renda, a escolaridade, o estado civil, o aspecto financeiro e a presença de uma rede de apoio poderiam contribuir para a análise. Além disso, esta ausência não permitiu o controle de alguma possível variável de confundimento.
Em segundo, a opção por não se trabalhar com a classificação internacional de doenças (CID) no desfecho idas a emergência, se deveu a afirmação da OPS de que há imprecisões na coleta desta informação e por isso foram utilizadas as informações sobre qualquer causa. Apenas para o desfecho número de internações a CID dos motivos da internação foi utilizada. Este fato compromete a possível sugestão de que o programa desta OPS, o PDGC, como um exemplo de modelo de cuidado integrado, poderia contribuir para melhoria dos indicadores das doenças crônicas.
Em terceiro, a falta de monitorização adequada por parte da OPS no grupo que recusou a participar. Há uma discrepância no quantitativo entre os grupos de comparação, com uma perda considerável na quantidade pela falta de sistematização no acompanhamento deste grupo.
Em quarto, o tempo de corte escolhido, de 2011 a 2012, que poderia ter sido maior, entretanto a operadora disponibilizou apenas período pelo fato do banco estar mais bem organizado. Talvez se a OPS dispusesse de todos os anos, desde o início do programa, em 2007, os resultados poderiam indicar uma melhor performance dos indicadores, principalmente da ida a emergência, pois haveria um maior período de acompanhamento e talvez a imprecisão dos resultados para este indicador fosse atenuada.
Considerações finais
O modelo de cuidado integrado deve ser considerado pauta de discussões na atualidade quando se pretende organizar um sistema de saúde. Cada vez há mais evidencias de que a implantação deste tipo de modelo, independente do formato escolhido, possa contribuir para melhoria da qualidade de vida, principalmente aos idosos portadores de doenças crônicas, através da redução de internações. Neste estudo foi abordado um modelo possível de implantação no sistema de saúde suplementar do Brasil. A dificuldade de análise dos resultados desse trabalho é coerente com a literatura atual, o que merece uma reflexão na forma com que as informações são coletadas, analisadas e apresentadas.