Introdução
O aleitamento materno (AM) é a alimentação padrão ouro para os bebês, uma vez que proporciona recursos hídricos e nutricionais ideais, sendo recomendado de forma exclusiva até os seis meses e complementar até os dois anos de idade (primeiros mil dias) ou mais, além de formar um vínculo único entre mãe e filho (Brasil, 2019; Cassimiro, 2019).
É consenso na literatura que ele proporciona inúmeros benefícios para a mãe, para o bebê e também para o planeta. Dentre eles, para a nutriz, estão uma recuperação mais rápida do parto, redução do risco de desenvolver depressão pós-parto e a redução das taxas do câncer de mama e de ovário, dos riscos de desenvolver diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares - incluindo hipertensão arterial e colesterol alto (Silva & Braga, 2019).
Para o lactente, contribui para a diminuição de alergias e infecções, evita problemas como diarréias, pneumonias, otites e meningites, favorece o crescimento adequado dos ossos maxilares e fortalece os músculos da face, facilitando o desenvolvimento da fala, regulando a respiração e contribui prevenindo problemas na dentição, além de ter efeitos positivos para inteligência a longo prazo (Brasil, 2009).
Acrescentam-se os fatores extremamente positivos do ponto de vista da sustentabilidade, contribuindo como um fator primordial para a preservação do meio ambiente, estando diretamente relacionado com a diminuição da produção de fórmulas de leite artificial e produção de chupetas, mamadeiras e demais adereços. Uma vez que o AM é natural, não exige fabricação, venda, consumo, energia e não gera lixo. Além de ser totalmente gratuito, garantindo o acesso à alimentação padrão ouro nos primeiros mil dias de vida da criança, contribuindo para a diminuição da desigualdade social, representando segurança alimentar acessível a todos (Silva, 2018).
Apesar dos inúmeros benefícios do AM, o desmame precoce (DP) é muito frequente na sociedade, uma vez que a prevalência nacional de AM exclusivo de apenas 45,7% entre crianças com menos de seis meses (UFRJ, 2020). Rocha & Costa (2015) apontaram como razões mais frequentes para o DP a falta de orientação, a pega inadequada, o leite insuficiente, o trabalho da mãe, as hospitalizações dos recém-nascidos (RN), as fissuras mamilares e as influências culturais e familiares. Em consequência da falta de orientação, elas podem acabar buscando responder as suas dúvidas com familiares, indivíduos leigos ou por meio de pesquisas na internet. Estes caminhos podem levar a crenças em mitos desestimulando a amamentação. (Rocha & Costa 2015).
Pensando nisso, o projeto de extensão “Falando em Amamentação” da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) tem como principal objetivo promover e proteger o AM, compartilhando informações seguras e elucidando os questionamentos de gestantes e puérperas. O projeto tem a sua atuação desde 2009, exercendo o seu objetivo na rede pública do Hospital Santa Clara do Complexo Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre. Quando as atividades eram presenciais, as informações, voltadas para comunidade interna e externa da universidade, eram oferecidas através de oficinas, folders, resumos, artigos e eventos, além das visitas ao ambulatório de Ginecologia e Obstetrícia, Maternidade Mário Totta e Banco de Leite.
O enfrentamento da pandemia provocada pela Covid-19 provocou profundas mudanças sociais e institucionais. Com o distanciamento social e o enfrentamento da emergência de saúde pública, o projeto também sofreu adaptações. Para continuar exercendo o papel na extensão universitária, mesmo de longe e de forma online, o projeto reinventou-se e criou estratégias para continuar fazendo a ponte entre a comunidade interna e externa da universidade, bem como, atingindo e interagindo com o público alvo e cumprindo com os objetivos do projeto.
Objetivo
Este trabalho tem como objetivo relatar as ações de conscientização a respeito da promoção do aleitamento materno desenvolvidas no atual cenário de distanciamento social.
Metodologia
Desde o início de março de 2020, foram realizados quinzenalmente, encontros online entre extensionistas e docentes. Estas reuniões ocorreram com o objetivo de aprimorar conhecimentos teórico-práticos e contribuir para a elaboração das atividades a serem compartilhadas posteriormente com o público alvo do projeto.
Para alcançar o público alvo, foi criado um perfil no Instagram - @amamentação.ufcspa - para divulgação de atividades realizadas e de materiais atualizados sobre Amamentação, Bancos de leite e Aleitamento Materno e suas relações com a Covid-19. Para isso, as extensionistas organizaram 71 postagens, baseadas em materiais atualizados e de acordo com o Ministério da Saúde e Organização Mundial da Saúde, sobre cuidados que a mãe deve ter na pandemia, bancos de leite, extração manual e armazenamento correto do leite humano, informações sobre fórmulas infantis, teste da linguinha, dentre outras.
Com a possibilidade de extrapolar o público alvo foram realizados eventos online por meio do Stream Yard e transmitidas para o Youtube direcionadas ao público em geral, em parceria com o projeto de extensão “Orientações fonoaudiológicas às gestantes e nutrizes” da Universidade Federal de Minas Gerais, e oficinas online por meio do Google Meet para gestantes e puérperas, com o objetivo de partilhar experiências e informações.
Foram elaborados 11 resumos para submissão em eventos e congressos brasileiros, construção de 4 artigos publicados em periódicos científicos e, também, a criação de um capítulo de livro.
Resultados
Com a criação do perfil @amamentacao.ufcspa, na rede social Instagram conseguiu-se propagar conhecimento embasado em literatura científica, de forma didática, para gestantes e mães, além de outros profissionais da saúde e estudantes.
Hoje conta-se com 734 seguidores, sendo esse público, majoritariamente, composto por mulheres entre 18 e 24 anos residentes na cidade de Porto Alegre. O perfil apresentou, nos últimos 30 dias, um alcance de aproximadamente 1.191 pessoas e de 1.412 interações com o conteúdo. Foram produzidas para o perfil 71 publicações informativas, com temas variados, como: a relação da fonoaudiologia com a amamentação, o teste da linguinha, a doação de leite materno, bancos de leite humano, a amamentação em tempos de Covid-19, agosto dourado, a amamentação durante crises/emergências, os perigos da fórmula infantil, a amamentação em mulheres pós cirurgia bariátrica, a rede de apoio por trás da amamentação, alguns mitos e verdades, a amamentação adotiva, novembro roxo, quando deve ocorrer a oferta de água, o tempo de armazenamento do leite, como aquecer o leite materno e sobre a ingestão de bebida alcóolica durante a amamentação.
No Agosto Dourado, mês em que se ressalta a importância do aleitamento materno, o projeto realizou através do Youtube, um webinário denominado “Apoiar a amamentação para um planeta mais saudável”, contando este com 100 inscritos. Ainda incluso no Agosto Dourado, foram realizadas parcerias com outros dois projetos de extensão. A primeira colaboração foi efetuada com o grupo de extensão “Orientações Fonoaudiológicas às gestantes e nutrizes” vinculado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), nessa ocasião foi feita uma campanha a nível nacional com o intuito de divulgar a importância da Fonoaudiologia na abordagem multidisciplinar da amamentação e de conscientizar a sociedade sobre a amamentação sustentável resultar em um planeta mais saudável - tema da Semana Mundial do Aleitamento Materno, do ano de 2020. A campanha realizada pelo projeto foi premiada como melhor campanha de Aleitamento Materno 2020 categoria B (maior porte) no XXVII Congresso Brasileiro de Fonoaudiologia. A segunda parceria foi realizada com o projeto de extensão “Mulheres em Ação” da UFCSPA, através desta colaboração, foram realizadas postagens no Instagram com mitos e verdades envoltos na amamentação.
No período de pandemia, o projeto pôde ser representado em congressos, a partir do envio de onze resumos. Também, foram publicados quatro artigos científicos em revistas de extensão (Fritzen, et al, 2020) (Da Rocha, et al, 2020) (Pereira, et al, 2021) (Rocha, et al, 2021), além de mais um artigo premiado com o 2º lugar no V Prêmio de Incentivo à Pesquisa Científica do Hospital de Clínicas de Passo Fundo. Houve também a publicação de um capítulo no livro “Extensão Universitária na UFCSPA: mídias sociais e COVID-19” (Pereira, et al, 2020).
Até o atual momento, o projeto realizou 3 oficinas, intituladas, “Falando em Amamentação com gestantes” e “Estou amamentando e agora? (Parte 1 e 2)”, realizadas de modo online via Google Meet, inspiradas nas oficinas ocorridas pré-pandemia, de forma presencial. Nestas oficinas, foram abordados temas, como a produção de leite durante a gestação, reconhecimento da pega correta, posições de mamadas, a extração e armazenamento do leite materno, dentre outros definidos através das demandas apresentadas pelas gestantes/mães. Este tornou-se um espaço de trocas entre as participantes, visto que elas eram convidadas a realizar dúvidas, tecer comentários e compartilhar experiências umas com as outras, resultando, consequentemente, na elevação do aprendizado para as mães, gestantes e extensionistas. Além de esclarecer dúvidas, mitos e incentivar o AM, o projeto alcançou seu propósito de atingir e orientar efetivamente nosso principal público alvo, de modo que estas mulheres se sentissem acolhidas, apoiadas, seguras e confiantes em serem protagonistas desse processo, incentivando-as a que sigam favorecendo a continuidade do AM.
Discussão
É sabido que por trás de um processo de amamentação efetivo é preciso contar com informações seguras, apoio de profissionais da saúde, da família e da sociedade. (Almeida, et al, 2015) apontam que “o percentual de difusão de informações errôneas se assemelha ao percentual de mães que abandonam a amamentação sob a alegação de que “o leite não sustenta”, o que evidencia, para além da desinformação que circula na sociedade, a importância de profissionais capacitados para incrementar a prevalência do aleitamento materno.
Nesse sentido, a extensão universitária é um dos meios pelo qual ocorre tal incremento, através da integração da comunidade com o meio acadêmico, sendo um veículo para disseminação de tais informações, expressando o compromisso social da universidade (Marques, 2020). O projeto de extensão Falando em Amamentação tem como um de seus objetivos fortalecer as redes de apoio à amamentação em nossa cultura.
Com a pandemia do COVID-19 e suas consequências, como o isolamento social, o consumo de mídias digitais aumentou consideravelmente, uma vez que, é um meio acessível de comunicação, interação e propagação de informações, bem como a propagação de fake news (Faria et al, 2020; Galhardi et al, 2020). Do ponto de vista da saúde, as redes sociais podem ser utilizadas como disseminação de conteúdos relevantes e didáticos, a fim de informar e orientar o público, bem como, para irradiar dados imprecisos (Faria et al., 2020; Galhardi, 2020).
O projeto constatou nesse crescimento da demanda online uma oportunidade de gerar a difusão do conhecimento, garantindo o contato com o público alvo. Através do Instagram conseguiu atingir um público além do previsto nas atividades presenciais, com a possibilidade de alcançar pessoas de todo o Brasil e diversas faixas etárias, levando informações seguras e com embasamento científico, desmistificando fake news e promovendo o AM.
A amamentação é uma prática que ainda está aquém do esperado no país, com altos índices de desmame precoce, que se justificam, entre outros fatores, pela desinformação e falta de apoio (Rocha & Costa, 2015). Sendo assim, em meio a pandemia, o AM se torna ainda mais complexo, com mais preocupações e dúvidas, gerando ansiedade e incertezas em grávidas e puérperas. Por conta disso, foi essencial que o projeto se reinventasse, e continuasse o processo de acolhimento, orientação e apoio que fazia no âmbito presencial por meio das ferramentas digitais.
Segundo Filho & Cordeiro (2013), as oficinas permitem reunir pessoas para discutir sobre um tema específico, relacionando a teoria e a prática de maneira eficaz, por esta razão, as mesmas foram utilizadas para alcançar mães, gestantes e puérperas, dando continuidade às ações do projeto no âmbito virtual. Assim, através da oferta de oficinas conseguiu-se repassar com qualidade o conhecimento científico e prático sobre a amamentação respeitando as limitações do distanciamento social.
Conclusão
As modificações das ações extensionistas voltadas para a conscientização sobre o aleitamento materno realizadas no período pandêmico, contaram com resultados positivos tanto para o público materno infantil, quanto para as discentes voluntárias do projeto. Através de oficinas, foram possibilitados períodos de discussões com e para as gestantes, puérperas e mães, sendo compartilhados conhecimentos baseados em evidências científicas aproximados da prática clínica, sendo tal fator essencial para o sucesso no período de amamentação.
Além disso, as extensionistas dedicaram-se a capacitações internas para aprofundamento no tema, construção e publicação de artigos científicos, apresentações em congressos, criação de materiais didáticos e organização de eventos para a comunidade interna e externa à universidade. Também foram expandidas as divulgações de conteúdos de mídias sociais para que o público-alvo continuasse sendo atingido de maneira eficiente e segura, e, dessa maneira, fortalecendo os pilares que sustentam a universidade.
Sendo assim, afirma-se que o projeto de extensão Falando em Amamentação conseguiu atingir o seu maior objetivo, mesmo com o desafio de reinvenção para respeitar o distanciamento social causado pelo período em questão, o qual é promover e proteger o aleitamento materno baseado em evidências e capacitar as extensionistas para possibilitar a realização de tal objetivo.