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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versão impressa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.31 no.5 Lisboa out. 2015
CLUBE DE LEITURA
Mindfulness ou medicação na prevenção da recorrência de depressão?
Mindfulness or medication in the prevention of depressive relapse?
Nuno Basílio*, Sofia Figueira**
*Médico Interno de Medicina Geral e Familiar, USF Carcavelos
**Médica Interna de Medicina Geral e Familiar, USF S. Julião
Kuyken W, Hayes R, Barrett B, Byng R, Dalgleish T, Kessler D, et al. Effectiveness and cost-effectiveness of mindfulness-based cognitive therapy compared with maintenance antidepressant treatment in the prevention of depressive relapse or recurrence (PREVENT): a randomized controlled trial. Lancet. 2015;386(9988):63-73.
Introdução
Nos indivíduos com depressão recorrente, pela maior probabilidade de recaída, está indicada a utilização de terapêutica farmacológica durante dois anos. Recentemente, várias técnicas não farmacológicas têm sido testadas e validadas como alternativa neste grupo de pacientes. A terapêutica cognitiva baseada na técnica de Mindfulness (MBCT) tem demonstrado reduzir o risco de recorrência de depressão através da capacitação dos praticantes no reconhecimento de sintomas e sinais relacionados com a recidiva, mas os seus efeitos nunca foram comparados com terapêutica antidepressiva. O estudo PREVENT procurou demonstrar se a MBCT associada a redução/descontinuação da terapêutica antidepressiva é superior à manutenção da terapêutica farmacológica na prevenção da recaída na depressão.
Metodologia
Tratou-se de um estudo multicêntrico, cego e randomizado, com dois braços de tratamento paralelos em que se comparou a manutenção da terapêutica antidepressiva com a utilização de MBCT associada a redução/descontinuação da terapêutica farmacológica. Os participantes foram recrutados nos cuidados de saúde primários de quatro centros, urbanos e rurais, do Reino Unido, tendo como critério de inclusão o diagnóstico de depressão major recorrente em remissão parcial ou total segundo os critérios clínicos presentes no DSM-IV. Como critérios de exclusão foram definidos: presença de episódio depressivo major ativo, abuso de substâncias, psicose atual ou pregressa, comportamento antissocial recorrente, autoagressividade persistente e utilização de outra técnica psicoterapêutica. O recrutamento baseou-se na consulta de listas de utentes nos referidos centros e divulgação do estudo para participação de pacientes voluntários. A triagem dos participantes foi realizada por médicos de família (MF), no primeiro caso, e por via telefónica, no segundo. No início do estudo foi enviada a todos os participantes uma carta de participação e aplicada uma escala de estratificação de sintomas (GRID-HAMD) para distinção dos casos em remissão total ou parcial. A randomização respeitou um ratio de 1:1 e foi realizada através de aleatorização informática. No braço de tratamento onde foi aplicada MBCT realizaram-se oito sessões de grupo orientadas por terapeutas treinados e avaliados, com duração de duas horas e 25 minutos e frequência semanal, decorrendo mais quatro sessões facultativas de reforço durante o ano seguinte. Para a descontinuação de antidepressivos cada participante teve o apoio do terapeuta e do seu MF. No grupo de manutenção da terapêutica antidepressiva, os participantes foram acompanhados pelos seus MF no controlo sintomático. Durante o estudo, e após cada avaliação de seguimento, todos os participantes foram convidados a manter a adesão ao esquema proposto, sendo livres de modificar as suas opções terapêuticas. Foram realizadas seis avaliações: antes da randomização, um mês após as oito sessões e aos 9, 12, 18 e 24 meses.
O outcome primário, tempo até recaída/recorrência, foi avaliado através da utilização do módulo de depressão do Structured Clinical Interview for DSM-IV (SCID), enquanto os outcomes secundários foram avaliados com recurso a escalas próprias, nomeadamente o número de dias livres de sintomas (SCID), sintomas depressivos residuais (GRID-Hamilton Rating Scale for Depression e Beck Depression Inventory), comorbilidade médica (Medical Symptom Checklist) e psiquiátrica (SCID), qualidade de vida (WHO Quality of Life Instrument e EQ-5D-3L) e custo-efetividade.
A amostra foi dimensionada em 420 participantes com o objetivo de identificar uma diferença entre ambos os braços correspondente a um hazard ratio de 0,63, com um poder de 90% e admitindo 20% de perdas para seguimento.
Resultados
Foram identificados e randomizados 424 participantes (212 para cada braço do estudo). Nas várias características analisadas (género, idade, religião, estado civil, educação, rendimentos, estrato social, qualidade de vida e características psiquiátricas, como o tipo e intensidade de sintomas e a presença de abusos durante a juventude) não se encontraram diferenças significativas, com exceção de uma proporção superior de participantes do género feminino no grupo de manutenção de terapêutica antidepressiva. Em relação à adesão terapêutica, 76% dos participantes mantiveram uma dose terapêutica de antidepressivo durante os dois anos e 83% completaram quatro ou mais sessões de MBCT. Não foi identificada diferença entre ambos os grupos no tempo até recaída ou recidiva durante os dois anos de seguimento (hazard ratio 0,89; IC 95% 0,67-1,18; p=0,43) nem no número de efeitos adversos graves. Apenas no subgrupo de participantes que reportaram maior gravidade de abusos na juventude, a MBCT mostrou ser superior à terapêutica farmacológica. Nos outcomes secundários também não foi identificada nenhuma diferença entre os dois grupos, nomeadamente na avaliação do custo-efetividade.
Discussão
O PREVENT foi o maior estudo de aplicação clínica de MBCT, apresentando como pontos fortes a avaliação externa dos técnicos no desempenho da MBCT, a recolha de outcomes com blinding dos investigadores e a alta taxa de adesão terapêutica durante um longo período de seguimento. Como limitação, os autores assinalam a ausência de um grupo controlo e a especificidade da amostra. Segundo os autores, o estudo poderá ser generalizável apenas para doentes sob terapêutica antidepressiva e com alto risco de recidiva/recorrência de depressão. Para pacientes de baixo risco, a abordagem psicoeducativa ou com terapêutica farmacológica poderá ser a mais indicada.
COMENTÁRIO
Mindfulness pode definir-se como uma técnica específica de concentração no momento atual, intencional, mas desprovida de juízos de valor.1 Nos anos 90 foi desenvolvida a MBCT, que consiste numa intervenção psicossocial centrada na aprendizagem desta técnica, tendo como objetivo a redução do stress e aumento do bem-estar, integrando simultaneamente elementos da terapia cognitiva. As intervenções de MBCT devem ser breves (duas horas) e aplicadas em pequenos grupos terapêuticos (8-15 elementos).1-2 Atualmente, a MBCT é recomendada nas linhas de orientação do National Institute of Health and Care Excelence (NICE) na abordagem da depressão em adultos que apresentem um risco significativo de recidiva, que estejam assintomáticos e que tenham antecedentes de três ou mais episódios de depressão.2 Estas linhas de orientação baseiam-se em estudos que comprovaram a eficácia da técnica na redução do risco de recidiva quando comparada com os cuidados habitualmente prestados.3-4 Atendendo a que a probabilidade de recaída em doentes com episódio depressivo major é de 50% após o primeiro episódio e de 80% após dois ou mais episódios, a demonstração de eficácia da MBCT na redução deste risco amplia o leque de ferramentas clínicas na abordagem deste subgrupo de pacientes.5 A eficácia desta técnica foi também estudada em pacientes com episódio depressivo major ativo, tendo mostrado bons resultados na redução de sintomas.6
O estudo PREVENT é, até ao momento, o maior ensaio publicado que avalia a eficácia da MBCT no risco de recidiva, em doentes com depressão em remissão e o único que o fez em comparação com a manutenção de terapêutica antidepressiva.7 Os resultados não mostram superioridade da MBCT na redução do risco de recidiva, mas sugerem que se trata de uma alternativa eficaz à manutenção da terapêutica farmacológica neste grupo específico de doentes.7 Tal como já havia sido sugerido em estudos anteriores, esta técnica parece ser tão mais eficaz quanto maior for o risco do paciente.8 Dos outcomes secundários avaliados destaca-se que o custo-efetividade da MBCT não foi significativamente diferente daquele associado à farmacoterapia, devendo estes resultados ser analisados no contexto do Reino Unido, em que o National Health Service dispõe de uma rede vasta e articulada de recursos terapêuticos (incluindo diversas modalidades de psicoterapia) na abordagem da doença mental. Por isso mesmo, estes dados são impossíveis de extrapolar para a realidade nacional. O estudo PREVENT tem como principais limitações não ser duplamente cego e não incluir um grupo controlo. Por outro lado, o facto de a MBCT incorporar múltiplos elementos terapêuticos (incluindo elementos das técnicas cognitivas) dificulta a identificação do mecanismo de ação pelo qual se atingiram os resultados referidos e não permite afirmar que estes sejam específicos da MBCT enquanto técnica.
Em suma, a MBCT é uma alternativa válida na prevenção de recidivas na depressão, nomeadamente nos pacientes de maior risco e pode vir a tornar-se uma ferramenta eficaz na redução da intensidade de sintomas em doentes com depressão.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Piet J, Hougaard E. The effect of mindfulness-based cognitive therapy for prevention of relapse in recurrent major depressive disorder: a systematic review and meta-analysis. Clin Psychol Rev. 2011;31(6):1032-40. [ Links ]
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3. Ma SH, Teasdale JD. Mindfulness-based cognitive therapy for depression: replication and exploration of differential relapse prevention effects. J Consult Clin Psychol. 2004;72(1):31-40. [ Links ]
4. Teasdale JD, Segal ZV, Williams JM, Ridgeway VA, Soulsby JM, Lau MA. Prevention of relapse/recurrence in major depression by mindfulness-based cognitive therapy. J Consult Clin Psychol. 2000;68(4):615-23. [ Links ]
5. Garland EL. Dismantling mindfulness-based cognitive therapy for recurrent depression implicates lack of differential efficacy for mindfulness training. Evid Based Ment Health. 2014;17(3):94. [ Links ]
6. Strauss C, Cavanagh K, Oliver A, Pettman D. Mindfulness-based interventions for people diagnosed with a current episode of an anxiety or depressive disorder: a meta-analysis of randomized controlled trials. PLoS One. 2014;9(4):e96110. [ Links ]
7. Kuyken W, Hayes R, Barrett B, Byng R, Dalgleish T, Kessler D, et al. Effectiveness and cost-effectiveness of mindfulness-based cognitive therapy compared with maintenance antidepressant treatment in the prevention of depressive relapse or recurrence (PREVENT): a randomized controlled trial. Lancet. 2015;386(9988):63-73. [ Links ]
8. Williams JM, Crane C, Barnhofer T, Brennan K, Duggan DS, Fennel MJ, et al. Mindfulness-based cognitive therapy for preventing relapse in recurrent depression: a randomized dismantling trial. J Consult Clin Psychol. 2014;82(2):275-86. [ Links ]
Conflitos de interesse
Os autores declaram não ter conflito de interesses.