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Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar
versão impressa ISSN 2182-5173
Rev Port Med Geral Fam vol.33 no.4 Lisboa ago. 2017
REVISÕES
Investigação sobre adesão à terapêutica na população portuguesa: uma revisão de âmbito
Research on medication adherence in the Portuguese population: a scoping review
André Coelho,1 Cláudia Vilares,2 Mariana Silva,3 Catarina Rodrigues,4 Marta Costa,5 Sara Gordicho,6 Pedro Caetano7
1. Professor Adjunto. Área científica de Farmácia. Departamento das Ciências e Tecnologias Laboratoriais e Saúde Comunitária. Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa, Instituto Politécnico de Lisboa.
2. Técnica de Farmácia. Farmácia da Misericórdia de Cuba.
3. Estudante do Mestrado em Engenharia Farmacêutica. Instituto Superior Técnico e Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa.
4. Técnica de Farmácia. Farmácia Ferraz.
5. Técnica de Farmácia. Farmácia Pinto Leal.
6. Técnica de Farmácia. Hospital Beatriz Ângelo.
7. Global Regulatory Affairs Director. Ipsen Biopharm.
Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
RESUMO
Objetivos: Realizar uma revisão sobre adesão à terapêutica na população portuguesa visando descrever o âmbito (quantidade, foco e natureza) da atividade de investigação original.
Fontes de dados: Foram pesquisados estudos sobre adesão à terapêutica na MEDLINE, Web of Science, SciELO e B-on.
Métodos de revisão: A revisão foi realizada em dezembro de 2014. Nas fontes de dados foram pesquisados estudos sobre adesão à terapêutica na população portuguesa cuja recolha de dados fosse igual ou posterior a 2005 e/ou se a publicação ocorreu até ao final de 2014.
Resultados: Obtiveram-se 82 publicações, das quais foram selecionadas 26. Os resultados indicam um maior número de estudos em populações do Norte e da região de Lisboa e Vale do Tejo; a aparente inexistência de estudos sobre iniciação do tratamento e apenas um estudo sobre descontinuação; uma variabilidade nos métodos de recolha de dados e nas medidas utilizadas para avaliar a adesão à terapêutica, com os inquéritos dirigidos aos doentes como a principal fonte de informação; taxas de adesão entre os 41,6% e os 89%, dependentes da doença ou condição estudada.
Conclusões: Os diferentes métodos de recolha de dados e medidas de avaliação da adesão, os curtos períodos de recolha de dados, a análise quase exclusiva da implementação do tratamento, não analisando os fatores que influenciam a sua iniciação e descontinuação, dificultam a monitorização da adesão à terapêutica na população portuguesa.
Palavras-chave: Adesão terapêutica; Revisão; Portugal
ABSTRACT
Aim: To conduct a structured literature review describing the scope (quantity, focus, and nature) of published original research on medication adherence in the Portuguese population.
Data sources: Studies on medication adherence were searched on MEDLINE, Web of Science, SciELO, and B-on.
Methods: The scoping review was conducted in December 2014 using the data sources, searching for studies on medication adherence in the Portuguese population, conducted after 2005, and/or published until the end of 2014.
Results: We identified 82 publications and 26 were selected for this review. Most studies were conducted on populations in the North and in the Lisbon and Tagus Valley Region. There were no studies on initiation of treatment and only one study on discontinuation. There was variability on the methods used for data collection and measures used for evaluation of adherence. Questionnaires were the main source of information. Adherence rates varied from 41.6% to 89%, depending on the disease or condition studied.
Conclusions: The different methods used for data collection and evaluation of adherence, the short periods of time for data collection, and the exclusive analysis of the implementation of treatment disregarding the factors that determine initiation and discontinuation of treatment, hinder the study of medication adherence in the Portuguese population using recently published research.
Keywords: Medication adherence; Review; Portugal
Introdução
A adesão à terapêutica é um fator-chave na gestão eficaz da doença na prática clínica, particularmente relevante nas doenças crónicas. A adesão à terapêutica assume-se como um determinante primário da efetividade do tratamento, uma vez que uma fraca adesão interfere com os esforços terapêuticos, reduzindo os benefícios clínicos da medicação e promovendo a utilização de meios de diagnóstico e tratamento desnecessários.1-6 Num momento em que se estima que o impacto económico mundial das doenças crónicas em 2020 corresponda a 65% das despesas para a saúde em todo o mundo,6-7 a adesão à terapêutica representa um papel fundamental no processo de gestão da medicação.8
No entanto, estima-se que o grau de adesão às terapêuticas crónicas nos países desenvolvidos seja apenas de 50% e que nos países subdesenvolvidos ou em vias de desenvolvimento seja ainda menor.1,9 Este facto constitui um problema global que levanta fortes preocupações ao nível da saúde pública, por ser um fenómeno frequente, generalizado e independente da área terapêutica.1,10
De uma forma geral, a adesão à terapêutica refere-se ao processo pelo qual os doentes tomam os medicamentos de acordo com uma dada prescrição/recomendação médica, integrando três componentes distintas entre si: iniciação (também descrita na literatura como adesão primária), implementação e descontinuação.2,10-11 O termo adesão implica a noção de uma cooperação entre prescritor e doente desde o início do processo, distinguindo-se de outro termo usado na literatura - compliance - onde o papel do doente é entendido como sendo passivo e de obediência cega à prescrição/recomendação médica.2-3,6
O processo começa com a iniciação do tratamento, quando o doente toma a primeira dose do medicamento prescrito. A partir desse ponto ocorre a implementação do tratamento, sendo que nesta etapa o doente toma a medicação tendo em conta a posologia prescrita até à última dose. A descontinuação marca o fim do tratamento, não sendo tomadas mais doses posteriormente. O período de tempo entre a iniciação e a descontinuação denomina-se persistência.1,10-14 Deste modo, a não-adesão pode ocorrer numa (ou em mais do que uma) das seguintes situações: atraso ou não-iniciação do tratamento, má implementação ou interrupção precoce do tratamento prescrito.1-2,10-14
A adesão à terapêutica é habitualmente expressa como uma fração ou percentagem das doses prescritas e que foram realmente tomadas pelo doente durante um período específico de tempo.2-3
Diversos métodos têm sido utilizados para medir a adesão à terapêutica, incluindo (i) questionários dirigidos aos doentes/autorrelatos dos doentes; (ii) contagem de comprimidos; (iii) monitores eletrónicos de medicação; (iv) taxas de renovação de prescrições; (v) utilização de marcadores bioquímicos, entre outros.1-3,6,12 Os vários métodos apresentam vantagens e desvantagens, diferindo na sua validade, confiabilidade e sensibilidade.
Uma revisão de âmbito - scoping review em inglês - corresponde a um processo de revisão de literatura sobre um determinado tema com vista à obtenção de uma imagem geral do conhecimento sobre o mesmo,15-16 identificando lacunas de conhecimento e/ou permitindo resumir os principais estudos existentes sobre esse tema.17 A principal diferença para uma revisão sistemática de literatura prende-se com o facto de que esta visa uma avaliação inicial da qualidade dos estudos a incluir na revisão e uma síntese quantitativa e qualitativa dos resultados, enquanto na revisão de âmbito se faz apenas uma síntese qualitativa do âmbito, métodos e resultados da atividade de investigação.18
Em Portugal, que seja do nosso conhecimento, não foi até agora publicado nenhum estudo onde se descreva o âmbito e resultados da atividade de investigação original sobre adesão à terapêutica na população portuguesa. Essa descrição tem uma elevada importância, particularmente a nível dos cuidados de saúde primários, dado ser este o contexto de saúde no qual a maioria da população portuguesa é acompanhada. Adicionalmente, tendo em conta o conhecido impacto da adesão na efetividade dos tratamentos,4,7-8 torna-se necessário identificar lacunas de conhecimento que possam contribuir para definir prioridades de investigação.
Objetivo
O presente estudo tem como objetivo realizar uma revisão de âmbito sobre adesão à terapêutica na população portuguesa, visando descrever o âmbito (quantidade, foco e natureza) da atividade de investigação original.
Métodos
Esta revisão de âmbito foi realizada em dezembro de 2014, simultaneamente por duas equipas de dois investigadores. Dois peritos, investigadores com experiência em saúde pública, epidemiologia e investigação em saúde, validaram as opções metodológicas.
A revisão de âmbito envolveu as seguintes fases (Figura 1) em concordância com a metodologia proposta por Arksey e O'Malley:18 (1) estabelecimento da pergunta de investigação; (2) pesquisa de estudos relevantes; (3) seleção dos estudos baseados nos critérios de inclusão pré-estabelecidos; (4) recolha de informação; e (5) resumo e comunicação da informação.
Estratégias de pesquisa
Foram incluídos estudos de adesão à terapêutica cujo ano de recolha de dados fosse igual ou posterior a 2005 e/ou se a publicação ocorreu entre janeiro de 2005 e dezembro de 2014 (janela temporal de 10 anos), quando o ano de recolha de dados fosse omisso. Foram excluídos estudos de revisão, por não constituírem investigação original, e/ou de validação de métodos de avaliação da adesão à terapêutica, bem como resumos de comunicações científicas orais e/ou sob a forma de póster em conferências.
As fontes de informação utilizadas foram a MEDLINE, a Web of Science, a SciELO e a biblioteca do conhecimento online (B-on).
Foram pesquisados estudos somente nas versões portuguesa e inglesa, combinando as palavras-chave através do operador booleano “AND”. Na MEDLINE e na Web of Science utilizaram-se as palavras-chave ‘medication adherence' AND ‘Portugal'. Na SciELO e na B-on foram adicionalmente utilizadas as palavras-chave, em português, “adesão terapêutica” AND “Portugal”.
A escolha da B-on e da SciELO com o uso das palavras-chave em português deveu-se à preocupação de incluir na análise dissertações de mestrado e teses de doutoramento, bem como estudos publicados em revistas portuguesas, já que a MEDLINE e a Web of Science não indexam todas as revistas publicadas em Portugal.
Nenhum critério de inclusão foi estabelecido quanto ao desenho de estudo ou grupos etários das populações em estudo. Não foi usada a qualidade dos estudos como critério de inclusão, como é recomendado nas revisões de âmbito.18
Recolha da informação
Foram recolhidos, numa tabela padrão, dados sobre as seguintes variáveis: autores, ano de publicação, local do estudo, população em estudo, doença/condição estudada, grupos etários estudados, dimensão da amostra, métodos de recolha de dados e medida de avaliação da adesão à terapêutica e de persistência, quando aplicável. Essa tabela foi preenchida à medida que os estudos foram selecionados, tornando posteriormente mais fácil a elaboração do resumo da informação quanto a: i) quantidade (número de estudos); ii) foco (populações, doenças/condições estudadas; grupos etários, métodos de recolha de dados e medidas de avaliação da adesão à terapêutica, entre outros); e iii) natureza (origem da atividade de investigação).
Resultados
Obteve-se um total de 82 publicações, sendo excluídos da análise nove estudos de revisão/meta-análises; 11 estudos de validação de métodos de adesão à terapêutica, nomeadamente questionários, e 31 resumos de comunicações científicas em congressos. De referir que cinco artigos originais19-23 não foram considerados para análise, uma vez que resultaram de duas teses de doutoramento24-25 e uma dissertação de mestrado26 também selecionadas para esta revisão, evitando, dessa forma, alguma redundância na análise (Figura 2). Desse modo, foram selecionadas para análise 26 publicações que satisfaziam os critérios de inclusão.
O Quadro I apresenta os resultados de pesquisa de estudos originais sobre adesão à terapêutica em Portugal.
Atividade de investigação sobre adesão à terapêutica em Portugal
Os estudos selecionados sobre adesão à terapêutica são, na sua maioria, artigos originais - 15 no total (Quadro I) -, correspondendo os restantes a publicações académicas, nomeadamente duas teses de doutoramento24-25 e nove dissertações de mestrado.26,32-36,48-49,51
Local do estudo/Recolha dos dados
Com a exceção do estudo de Margalho e colaboradores,27 todos os estudos têm âmbito regional ou local: sete na região Norte,26,32-33,36,41-42,49 sete na região de Lisboa e Vale do Tejo,28,30,34,40,43-44,48 quatro na região Centro,25,35,45,51 dois no Alentejo31,37 e dois no Algarve.29,50 Em dois dos estudos não é clara a região do País onde os mesmos decorreram;38-39 também o estudo de Reis24 decorreu simultaneamente num hospital de Lisboa e num hospital do Porto.
Dos estudos selecionados, em 15 a amostra foi obtida a partir de utentes seguidos em consultas hospitalares de especialidade;24-27,29,32-35,38-39,42-43,48,51 em seis estudos,28,31,36-37,41,49 a partir de utentes seguidos nos cuidados de saúde primários - desde uma Unidade de Saúde Familiar no estudo de Chin e colaboradores28 até à Administração Regional de Saúde do Alentejo, no estudo de Moita;31 dois estudos recorreram a utentes de farmácias comunitárias;30,45 em dois estudos, a amostra foi constituída por utilizadores de centros de dia44,50 e, no último, por utentes seguidos na Associação Protetora dos Diabéticos de Portugal.40
Período de recolha de dados e tempo até publicação
A recolha de dados decorreu, em média, durante um período de 12 meses, período consideravelmente reduzido, principalmente tendo em conta a natureza crónica das doenças/condições estudadas. Em apenas seis estudos,24-26,31,36,40 a recolha de dados abrangeu um período igual ou superior a 12 meses, sendo nos restantes inferior - mínimo de um mês nos estudos de Chin e colaboradores28 e de Monterroso e seus colaboradores.29 De referir, no entanto, que este período correspondeu, na maioria dos estudos, ao período de recrutamento dos doentes, sendo o período de análise da adesão à terapêutica propriamente dita consideravelmente menor. Em nove estudos,32,38-39,41-43,49-51 essa informação é omissa.
Verificou-se ainda um período considerável de tempo entre a recolha de dados e a publicação dos estudos, até um máximo de cinco anos no estudo de Fernandes e colaboradores.30 Analisados os últimos dez anos de estudos originais publicados sobre adesão à terapêutica na população portuguesa, 19 das 26 publicações selecionadas ocorreram entre 2012 e 2014 (Quadro I), tendência crescente a analisar nos próximos anos.
Doença/Condição estudada
Relativamente à doença/condição objeto de estudo de adesão à terapêutica, em cinco estudos24,27,32-34 foi avaliada a adesão à terapêutica antirretroviral no tratamento da infeção pelo VIH e, em igual número de estudos,25,31,35-37 a adesão à terapêutica anti-hipertensiva. A adesão à terapêutica no tratamento da disfunção eréctil foi estudada em duas publicações38-39 e em igual número para o tratamento da diabetes40-41. As restantes publicações abrangeram condições díspares, como sejam a insuficiência cardíaca crónica,26 doença inflamatória intestinal,42 doenças respiratórias,43 entre outras. Em três publicações,28,44,49 a doença estudada não é particularizada.
Grupos etários/Idade dos participantes dos estudos e dimensão da amostra
Com a exceção do estudo de Magalhães e colaboradores,32 onde foram incluídos na amostra doentes com menos de 18 anos, nos restantes a população em estudo correspondeu exclusivamente à população adulta, especificamente a população idosa nos estudos de Salgado e colaboradores44 e de Mosca e seus colaboradores45 (Quadro I). Já no que diz respeito à dimensão das amostras, estas vão desde os 20 participantes no estudo de Lisboa32 até aos 22.450 no estudo de Moita31 (Quadro II).
Métodos de recolha dos dados e medida de avaliação da adesão à terapêutica
Os estudos selecionados recorreram a diferentes métodos de recolha de dados e medidas de avaliação da adesão à terapêutica (Quadro II).
A maioria dos estudos (22) recorreu a questionários dirigidos aos doentes - previamente validados ou construídos especificamente para o estudo - para recolha dos dados sobre adesão à terapêutica, seja de forma presencial seja através do telefone. Em dois dos estudos realizados em contexto hospitalar, os dados foram recolhidos através da consulta de processos clínicos32 e dos registos de dispensa pelos serviços farmacêuticos hospitalares.34 No estudo de Moita,31 a adesão foi avaliada pela consulta dos dados de prescrição e levantamento de medicação nas farmácias comunitárias e no estudo de Mendes26 recorreram-se a monitores eletrónicos de medicação (MEMS® - medication event monitoring system).
A pontuação ou score obtido nos questionários foi a medida de avaliação da adesão à terapêutica mais utilizada, permitindo a diferenciação entre níveis de adesão. No entanto, o facto de os questionários não serem os mesmos em cada uma das doenças/condições estudadas dificulta a comparabilidade dos resultados obtidos. Nos estudos em que os dados sobre adesão à terapêutica foram obtidos pelos registos de dispensa pelos serviços farmacêuticos hospitalares, num deles32 a adesão foi avaliada pela frequência das aquisições da terapêutica antirretroviral e no outro34 pela utilização do medication possession ratio. Moita31 recorreu a cinco medidas diferentes para estimar a adesão à terapêutica e no estudo de Mendes26 a medida utilizada foi a percentagem de cumprimento das doses prescritas durante o período de monitorização.
Taxas de adesão à terapêutica
Com a exceção do estudo de Carvalheira e colaboradores,39 onde foi avaliada a descontinuação do regime terapêutico, em todos os estudos foi avaliada a componente da implementação do tratamento. Estima-se que durante o primeiro ano de tratamento mais de 50% dos doentes descontinue o seu tratamento;46 de facto, no estudo de Carvalheira e colaboradores,39 praticamente metade dos participantes descontinuou o seu tratamento e, destes, a maioria nos primeiros três meses de tratamento. O primeiro ano de tratamento é, por isso, um período crítico, no qual a decisão de continuar ou não o tratamento tende a perdurar.47 No estudo de Fernandes e colaboradores30 a avaliação foi feita pela negativa, sendo avaliada a taxa de não-adesão à terapêutica.
Relativamente aos valores de adesão à terapêutica, a utilização de diferentes escalas, como referido, não permite uma comparação de resultados. No entanto, analisando as taxas de adesão, estas variam de 41,6% no estudo de Silva35 até aos 89% no estudo de Mosca e colaboradores.45 No estudo de Fernandes,34 apesar de a taxa de adesão corresponder a 74,1%, a autora verificou que mais de 80% dos participantes do estudo tiveram um intervalo sem medicação superior a 30 dias. No estudo de Moreno,48 44% dos doentes transplantados referiram já se terem esquecido de tomar os seus medicamentos imunossupressores. Nos estudos que avaliaram a relação entre a adesão à terapêutica e variáveis psicológicas24,27,33,36,41,49,51 verificou-se uma relação positiva entre as mesmas.
A doença/condição estudada influenciou as taxas de adesão obtidas. Analisando as duas principais doenças/condições objeto de estudo de adesão à terapêutica, na infeção pelo VIH24,27,32-34 a taxa de adesão foi consideravelmente mais elevada do que nos estudos de adesão na hipertensão arterial, não se obtendo valores superiores a 50% nesta última,25,31,35-37 ou seja, as taxas de adesão foram mais elevadas em doenças/condições potencialmente percecionadas pelos doentes como de risco superior.
Discussão e conclusões
O relatório da Organização Mundial da Saúde1 sobre adesão à terapêutica nas doenças crónicas faz eco da sugestão de Haynes e colaboradores52 de que aumentar a efetividade das medidas que promovam o aumento da adesão à terapêutica poderá ter um maior impacto nos cuidados de saúde - a nível terapêutico, mas também a nível económico - que qualquer melhoria no tratamento médico propriamente dito. A avaliação da adesão à terapêutica torna-se, portanto, fundamental para uma melhor compreensão dos fatores relacionados com a não-adesão para habilitar, de forma eficiente, a identificação de medidas que visem a sua melhoria e, consequentemente, a melhoria dos resultados em saúde.
Com esta revisão de âmbito foram identificadas várias lacunas de conhecimento no que diz respeito à avaliação da adesão à terapêutica na população portuguesa. Desde logo, nenhuma publicação incidiu sobre a população das regiões autónomas da Madeira e dos Açores. Com a exceção do estudo de Magalhães e colaboradores,32 nenhum estudo avaliou a adesão à terapêutica na população pediátrica. Portanto, lacunas de conhecimento a serem colmatadas através de novos estudos ou da publicação de (eventuais) estudos já realizados.
Do ponto de vista metodológico, a maioria dos estudos (22) recorreu a questionários dirigidos aos doentes para a recolha dos dados sobre adesão à terapêutica, seja de forma presencial seja através do telefone. A utilização de questionários pode ser justificada pela sua simplicidade de aplicação e reduzidos custos. No entanto, é um método mais suscetível ao erro, já que os resultados podem ser facilmente distorcidos pelos doentes. Por outro lado, este é um método que não permite de forma fácil a obtenção de informação sobre um elevado número de doentes (o estudo de Margalho e colaboradores,27 estudo de maior dimensão usando este método, não chega aos 800 participantes), o que limita a extrapolação dos resultados obtidos.
Os resultados obtidos nesta revisão de âmbito apontam ainda a necessidade de uma maior uniformidade nos métodos de avaliação da adesão à terapêutica para aumentar a comparabilidade entre estudos e analisar a evolução e tendências na população portuguesa. A adesão à terapêutica tem sido até à data avaliada, em Portugal, quase exclusivamente na componente da implementação. A adesão à terapêutica é um processo dinâmico, influenciado por múltiplos fatores em diferentes momentos temporais e, como tal, a sua avaliação transversal e descrição num único número ou taxa ou percentagem corresponde a uma simplificação de uma realidade complexa, com pouco impacto na definição de programas de intervenção nos padrões de utilização dos tratamentos. Os fatores que influenciam a decisão de iniciar um tratamento não são necessariamente os mesmos que determinam a sua (eventual) descontinuação. Nesse sentido, os resultados deste estudo indicam uma lacuna na investigação sobre os fatores que contribuem para a decisão de iniciar um (novo) tratamento, bem como sobre os fatores que influenciam a decisão de interromper ou descontinuar esse tratamento.
Uma conclusão importante no estudo de Sousa49 é a de que quanto mais anos de acompanhamento médico do utente pelo médico de família melhor é a adesão terapêutica.
Adicionalmente, os resultados deste estudo apontam para a pertinência da utilização de fontes de informação consideradas mais robustas, como são as bases de dados de prescrição e faturação, que permitem suprimir algumas das lacunas identificadas neste estudo, desde o período de recolha de dados insuficiente até à dimensão das amostras em estudo (exceção ao estudo de Moita).31 A utilização de bases de dados constitui uma forma relativamente simples, rápida e pouco dispendiosa de reunir informação sobre o padrão de utilização de medicamentos a nível populacional. Embora o estudo da adesão à terapêutica com recurso a bases de dados eletrónicas apresente algumas limitações, como, por exemplo, a incapacidade de garantir que o doente efetivamente tomou o medicamento levantado na farmácia, as grandes bases de dados revelam-se particularmente úteis na avaliação da adesão às classes terapêuticas indicadas para os tratamentos crónicos. Quando não exista a possibilidade de adquirir os medicamentos a partir de outras fontes não capturadas na base de dados, a especificidade desta metodologia para detetar os doentes que não tomam os medicamentos prescritos é, efetivamente, muito alta.12
Apenas um dos estudos recorre a monitores eletrónicos de medicação e outro a bases de dados de prescrição e levantamento de medicação nas farmácias, métodos considerados como gold standard na investigação da componente da implementação e iniciação/descontinuação, respetivamente.53 Num momento em que a prescrição eletrónica de medicamentos é obrigatória em Portugal e o processo de conferência das receitas médicas se encontra centralizado num centro nacional de conferências de faturas, esta deverá ser nos próximos tempos uma das principais fontes de informação na investigação da adesão à terapêutica.
Finalmente, a investigação sobre adesão à terapêutica não deverá cingir-se a doentes já em tratamento, avaliando a sua execução/implementação do mesmo, mas dever-se-á alargar a novos doentes, identificando eventuais fatores de risco para a não-adesão primária.
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Endereço para correspondência | Dirección para correspondencia | Correspondence
André Coelho
Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Lisboa
Av. D. João II, Lote 4.69.01
1990-096 Lisboa
E-mail: andre.coelho@estesl.ipl.pt
Conflitos de interesse
Os autores declaram não possuir qualquer tipo de conflito de interesses relativamente ao presente manuscrito.
Recebido em 04-07-2015
Aceite para publicação em 01-08-2017