Para a melhoria da prestação de qualquer serviço deve proceder-se a uma análise periódica, de forma a perceber-se qual o ponto da situação do mesmo, qual a direção a tomar, quais os seus pontos fortes e quais os fracos para, por conseguinte, se desenvolverem estratégias de melhoria e de consolidação do próprio serviço ou da sua atividade.
A área da saúde não é exceção, pelo que é imperativo proceder a este trabalho de análise da situação a que se assiste no setor referido em Portugal, comparando com os restantes membros da OCDE e, assim, perceber quais os exemplos a seguir.
A análise da mortalidade evitável, quer através da melhor promoção de saúde (medicina preventiva) quer pela prestação de melhores serviços de saúde (medicina curativa), permite a identificação de potenciais problemas. A redução nas taxas de mortalidade evitável a um ritmo mais elevado do que na taxa de mortalidade por causas não evitáveis sugere um real impacto dos serviços de saúde na diminuição da mortalidade no geral.
Tendo por base a definição da OCDE/Eurostat de 2019, a mortalidade prevenível é definida como correspondendo às causas de morte entre pessoas com menos de 75 anos, que podem ser evitadas principalmente por meio de intervenções eficazes de saúde pública. Ou seja, a mortalidade prevenível relaciona-se com o momento anterior à doença/lesão e pretende reduzir a sua incidência. Este conceito pode ser correlacionado com as mais recentes definições de um outro, que surge no âmbito da medicina preventiva - a prevenção primária.
A prevenção primária engloba a prevenção primordial, que visa evitar o aparecimento de estilos de vida que possam contribuir para um risco acrescido de doença - como, por exemplo, a nutrição inadequada, a prática irregular de exercício físico/sedentarismo e o tabagismo -, e a prevenção primária, que se refere ao conjunto de medidas que têm como objetivo diminuir o risco de determinada doença em populações assintomáticas, atuando ao nível dos fatores de risco.1-2
A mortalidade tratável, por sua vez, é definida como correspondendo às causas de morte que podem ser evitadas, principalmente por meio de intervenções de saúde oportunas e eficazes, incluindo prevenção e tratamento secundários. Nesta medida, a mortalidade tratável diz respeito ao momento em que a doença em si já existe e tenciona reduzir a sua letalidade. Segundo definições da medicina preventiva, a mortalidade tratável apresenta semelhanças com a definição de prevenção secundária, tendo esta por objetivo a deteção de um problema de saúde num indivíduo ou população numa fase precoce, de forma a condicionar favoravelmente a sua evolução. 1-2
Em 2019, na OCDE foram contabilizadas mais de três milhões de mortes que poderiam ter sido evitadas entre pessoas com menos de 75 anos, o que corresponde a cerca de 25% da totalidade das mortes contabilizadas! Dessas mortes, cerca de 1,9 milhões (63,3%) foram consideradas evitáveis por meio de intervenções de caráter preventivo e mais de um milhão (36,7%) foram consideradas tratáveis através de intervenções mais eficazes e oportunas nos cuidados de saúde. 3
A principal causa de mortalidade prevenível em 2019 foi o tumor maligno (31%), entre o qual se destaca o cancro do pulmão. A segunda causa mais relevante foi a lesão/trauma (21%), onde se incluem os acidentes de viação e o suicídio. As doenças do sistema circulatório registaram um terceiro lugar (19%), com destaque para o enfarte agudo do miocárdio (EAM) e o acidente vascular cerebral (AVC). Já as mortes relacionadas com consumo de substâncias nocivas, como álcool e outras drogas, foram responsáveis por 14% das mortes. As doenças do aparelho respiratório, como a gripe sazonal e a doença pulmonar obstrutiva crónica, foram responsáveis por 8% das mortes consideradas preveníveis. 3
As principais causas de morte tratáveis em 2019 foram as doenças do sistema circulatório (ocupando o terceiro lugar das mortes preveníveis), principalmente o EAM e o AVC, representando 36% das mortes prematuras passíveis de tratamento. O tratamento eficaz e oportuno das neoplasias, como a do colorretal e a da mama, podia ter evitado mais 27% de todas as mortes por causas tratáveis. As doenças endócrinas, de que são exemplo a diabetes e as doenças respiratórias, como a asma e as pneumonias, são outras causas de morte prematura passíveis de tratamento. 3
Em Portugal, no ano de 2019, entre as principais causas de morte destacaram-se também as doenças do sistema circulatório (29,9%), sendo que o EAM e o AVC ocuparam os dois primeiros lugares, seguidas pelos tumores malignos (25,4%) e pelas doenças do aparelho respiratório (10,9%).4
A taxa média de mortalidade padronizada por idade por causas evitáveis foi de 126 mortes por 100.000 pessoas nos países da OCDE. Em Portugal, esta taxa foi de 109, o que deixa o país abaixo da média da OCDE. Este valor espelha o trabalho realizado nos cuidados de saúde primários e o esforço na educação para a saúde, através do incentivo à adoção de um estilo de vida saudável, o qual pressupõe a prática de exercício, bons hábitos alimentares e a moderação do consumo de álcool, de tabaco e de outras drogas. No entanto, há ainda um longo caminho a percorrer, pois 30% de todas as mortes registadas em Portugal em 2019 foram devidas a fatores de risco comportamentais, nomeadamente ao tabagismo, à má alimentação, ao consumo de álcool e ao baixo nível de exercício físico. 4
As taxas de mortalidade por causas tratáveis nos países da OCDE foram mais baixas, com uma média de 73 por 100.000 habitantes. Uma vez mais, Portugal ficou abaixo da OCDE com uma média de 64 por 100.000 habitantes. Este resultado é devido aos cuidados de saúde oferecidos aos portugueses, os quais são reflexo da qualidade da formação dos diferentes profissionais de saúde, aliado a um sistema nacional de saúde competente, onde os rastreios populacionais se encontram bem organizados, onde existe uma boa taxa de cobertura vacinal, assim como de tratamentos atempados, intra e extra-hospitalares, e ainda um bom seguimento de patologias agudas e crónicas. 4
As taxas de mortalidade preveníveis nos países da OCDE foram 2,5 vezes maiores entre os homens do que entre as mulheres (185 por 100.000 habitantes para homens em comparação com 73 para mulheres). Da mesma forma, as taxas de mortalidade por causas tratáveis foram cerca de 36% mais altas entre os homens do que entre as mulheres, com uma taxa de 86 por 100.000 habitantes para homens em comparação com 63 para mulheres. Essas diferenças de sexo são, em parte, explicadas pelas diferentes exposições a fatores de risco, como sejam o tabagismo e o álcool, diferentes condições de trabalho, mas também pela diferença genética e hormonal. Em Portugal, esta disparidade entre homens e mulheres é ligeiramente superior à média da UE e pouco tem diminuído nas últimas duas décadas. 4
Após 2020 e com a pandemia por COVID-19 constatar-se-á, certamente, um grande impacto na mortalidade evitável. Em Portugal, a COVID-19 foi responsável por 5,8% de todas as mortes. Além das mortes por COVID-19, as quais, eventualmente, podiam ter sido evitadas com intervenções políticas mais apropriadas, estarão também incluídos nestes dados os efeitos indiretos causados pelas interrupções nos cuidados de saúde, quer preventivos quer curativos, não urgentes. 4-5