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Sisyphus - Journal of Education

versão impressa ISSN 2182-8474versão On-line ISSN 2182-9640

Sisyphus vol.9 no.2 Lisboa out. 2021  Epub 08-Set-2021

https://doi.org/10.25749/sis.20933 

Artigos

Desenvolvimento Profissional de Professores Orientadores de Estudos em Educação Matemática por Formação Colaborativa

Professional Development of Teachers Guiding Studies in Mathematical Education by Collaborative Training

Desarrollo Profesional de Profesores Consejeros de Estudios en Educación Matemática a través de Formación Colaborativa

Neura Maria De Rossi Giustii 
http://orcid.org/0000-0003-2621-0877

Jutta Cornelia Reuwsaatii 
http://orcid.org/0000-0001-5110-1571

iPrograma de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Curso de Matemática, Campus Canoas, Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Brasil

iiPrograma de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática, Curso de Pedagogia, Campus Canoas, Universidade Luterana do Brasil - ULBRA, Brasil


Resumo

O artigo tem o objetivo de evidenciar como professoras do Ensino Fundamental, no papel de orientadoras de estudos, constroem seu desenvolvimento profissional em uma formação colaborativa em serviço. Foi realizada uma investigação qualitativa alicerçada pela dinâmica investigação-ação-formação. A análise dos dados foi realizada com base no modelo de desenvolvimento profissional idealizado por Clarke e Hollingsworth, categorizando-se as mudanças dos professores nos domínios pessoal, das práticas, externo e das consequências. As orientadoras de estudos foram protagonistas de seu desenvolvimento profissional, pois mobilizaram um conjunto de saberes próprios que, explícita e implicitamente, geraram mudanças em si mesmas e nos demais professores. As participantes foram mobilizadas, no decorrer da formação, para a perspectiva de transformação. Caso a transformação se estenda ao longo de práticas educativas futuras, é porque as mudanças foram profundas.

Palavras-chave: educação matemática; desenvolvimento profissional; formação colaborativa; anos iniciais

Abstract

The article aims to show how elementary school teachers build their professional development in collaborative in-service education as study advisors. A qualitative investigation was performed based on the dynamics investigation-action-formation. The analysis of the findings was based on Clarke and Hollingsworth's professional development model, categorising the teachers' changes in the personal, practical, external and consequence-related domains. The study advisors were the protagonists of their professional development, as they mobilised part of their own knowledge that, explicitly and implicitly, generated changes in themselves and in the other teachers. Participants were mobilised, during the training, for the perspective of transformation. If the transformation extends to future educational practices, it is because the changes have been profound.

Keywords: mathematical education; professional development; collaborative education; elementary school

Resumen

El artículo tiene como objetivo mostrar cómo los profesores de primaria, en el papel de orientadores de estudio, construyen su desarrollo profesional en una formación colaborativa en servicio. Se realizó una investigación cualitativa basada en la dinámica investigación-acción-formación. El análisis de los hallazgos se realizó con base en el modelo de desarrollo profesional idealizado por Clarke y Hollingsworth, categorizando los cambios de los docentes en los dominios personal, práctico, externo y de consecuencias. Los orientadores de estudio fueron los protagonistas de su desarrollo profesional, ya que movilizaron un conjunto de conocimientos propios que, de manera explícita e implícita, generaron cambios en ellos mismos y en los demás docentes. Los participantes fueron movilizados, durante la capacitación, por la perspectiva de transformación. Si la transformación se extiende a las prácticas educativas futuras, es porque los cambios han sido profundos.

Palabras clave: educación matemática; desarrollo profesional; educación colaborativa; escuela primaria

Introdução

No Brasil, os debates sobre a qualidade de ensino destacam a formação dos professores como sendo uma das causas proeminentes para os baixos índices de proficiência alcançados pelos estudantes em sistemas de avaliação de larga escala.

Em contextos de formação inicial e continuada de professores que ensinam matemática, as práticas colaborativas estão sendo focadas e trabalhadas há algum tempo, se transformando em uma área válida e complexa de conhecimento e investigação (Estevam & Cyrino, 2016; Fiorentini, 2013; Giusti, 2016; Imbernón, 2010; Marcelo, 2013; Nóvoa, 1992; Quaresma & Ponte, 2019; Richit & Ponte, 2019).

Este artigo objetiva evidenciar como professoras do Ensino Fundamental constroem seu desenvolvimento profissional em uma formação colaborativa em serviço. Em particular, examinamos o desenvolvimento profissional de professores, no papel de orientadores de estudos, que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental. Entendemos que, se quisermos, de fato, que uma formação em serviço para a Educação Matemática alcance as práticas educativas dos professores, precisamos entender como se evidencia o desenvolvimento profissional. Ou seja, as evidências podem trazer à tona as crenças desses docentes sobre sua prática formadora, como percebem e explicitam práticas educativas em Educação Matemática com seus pares (Estevan & Cyrino, 2016; Giusti, 2016; Pinheiro, Serrazina, & Silva, 2019; Quaresma & Ponte, 2019; Richit & Ponte, 2019; Roesken, 2011).

No artigo, apresentamos o referencial teórico sobre desenvolvimento profissional de professores, o contexto da investigação, a metodologia, a análise e discussão e, por último, nossas considerações finais.

Desenvolvimento Profissional de Professores

O desenvolvimento profissional de professores tem sido muito discutido no mundo todo, ganhando mais destaque nas últimas três décadas. O termo desenvolvimento profissional veio à tona nas críticas realizadas sobre a formação continuada de professores que estavam mais voltadas a remediar um suposto déficit de conhecimento de conteúdos (matemática, língua materna, ciências...) da formação inicial. O desenvolvimento profissional do professor veio trazer o foco para a prática letiva e as reais necessidades dos professores (Quaresma & Ponte, 2017). Ao se valorizar o desenvolvimento profissional, os professores deixaram de ser vistos como meros receptores de formação passando a ser vistos como profissionais autônomos e responsáveis com múltiplos pontos de vista e potencialidades (Ponte, 1995).

Roesken (2011) traz a perspectiva do desenvolvimento profissional dos professores como uma formação em serviço que se dá “todos os dias”, tanto dentro como fora da sala de aula, por meio de reflexões e falas sobre a prática profissional e, ainda, no trabalho para e com os alunos, seja planejando aulas, participando de reuniões escolares e em muitas outras situações que possam não ser entendidas como desenvolvimento profissional à primeira vista.

Entendendo o desenvolvimento profissional como um processo contínuo, Mizukami afirma que “os processos de aprender a ensinar, de aprender a ser professor e de se desenvolver profissionalmente são lentos” (2013, p. 23). O desenvolvimento profissional é um processo que se inicia antes do espaço formativo e se prolonga por toda a vida, por meio de diferentes experiências profissionais e de vida. Entende que profissionalidade é uma expressão de uma profissão exercida com autonomia por um sujeito em constante formação, situado num determinado contexto e em permanente relação com os outros sujeitos. A pesquisadora elenca para o desenvolvimento profissional: o caráter individual e coletivo da aprendizagem; a força das crenças; valores e juízos na configuração das práticas pedagógicas; a reflexão como um processo de inquirição da própria prática no sentido de, por meio dela, superar os desafios; dilemas e problemas; a importância de construção de comunidades de aprendizagem3 que possibilitem o desenvolvimento profissional; a importância de processos colaborativos não invasivos para o desenvolvimento individual e coletivo; os diferentes tipos de conhecimentos necessários à docência; o desenvolvimento de atitude investigativa como ferramenta de desenvolvimento profissional e outras.

Do mesmo modo, Vaillant (2019) sugere as comunidades de aprendizagem como um dos modelos para o desenvolvimento profissional estruturado, no qual os professores trabalham de forma colaborativa para melhorar seu ensino e para o avanço da aprendizagem de seus alunos. Os encontros formais e interpretações produzidas no coletivo podem gerar impactos maiores no desenvolvimento profissional. Neste sentido, a gestão escolar tem papel fundamental para o sucesso de uma Comunidade de Aprendizagem Profissional, pois, ao gerenciar e montar espaços que favoreçam a aprendizagem e o trabalho em equipe entre os professores, pode potencializar novas formas de aprendizagem entre os professores.

Crecci e Fiorentini (2018) defendem, também, experiências de desenvolvimento profissional possibilitadas pela participação em diferentes tipos de comunidade de aprendizagem docente, no intuito de compreender as transformações das práticas e nas relações sociais de modo a verificar mudanças das práticas de sala de aula, das escolas, distritos, programas e organizações profissionais. Para isso, observam as comunidades investigativas e comunidades fronteiriças. As comunidades investigativas permitem aos professores e aos formadores planejar atividades a serem realizadas em sala de aula, bem como, desenvolver material didático, escrever narrativas sobre os modos de ensinar e aprender e, ainda, compartilhar atividades desenvolvidas, realizar estudos sobre questões emergentes da prática pedagógica. Nas comunidades fronteiriças há o encontro de experiências subjetivas por meio de histórias de vidas de cada participante em cenários de práticas, onde todos aprendem juntos, formadores, pesquisadores e professores.

Complementando, Estevam e Cyrino entendem que “o desenvolvimento profissional envolve o desenvolvimento de conhecimentos, experiências e reflexões por meio da contraposição entre teoria e prática iniciado na formação inicial e contínua ao longo do tempo” (2016, p. 6). Nesse sentido, os pesquisadores consideram o professor como agente ativo no processo de aprendizagem profissional.

Em processos formativos colaborativos, os professores podem elaborar soluções aos problemas práticos com que se deparam, na medida em que compartilham ideias e práticas educativas com seus pares. Imbernón (2010) vislumbra a formação continuada para desenvolver processos conjuntos que rompam com o isolamento dos professores em sala de aula, visto que a formação colaborativa supõe uma atitude constante de diálogo, de debate, de enfrentamento de conflitos, a fim de conhecer, compartilhar e ampliar as metas de ensino.

Clarke e Hollingsworth (2002) e Clarke, Hollingsworth e Gorur (2013) mencionam algumas perspectivas relacionadas à ideia de mudança do professor. Entre elas destacamos a mudança no desenvolvimento pessoal, onde os professores procuram mudar em uma tentativa para melhorar seu desempenho ou desenvolver outras habilidades adicionais; mudança a partir do crescimento e da aprendizagem profissional com eles próprios e com os alunos, assim como na escola e comunidade.

Conforme Clarke et al. (2013), o crescimento profissional4 é um processo de aprendizagem inevitável e contínuo de teorias de aprendizagem e pesquisa. Clarke e Hollingsworth (2002) delinearam um modelo empiricamente fundamentado no crescimento profissional que incorporou características da teoria da aprendizagem contemporânea - o Modelo Interconectado de Crescimento Profissional.

Neste artigo adotamos a perspectiva de desenvolvimento profissional do Modelo Interconectado de Crescimento Profissional do Professor (Clarke & Hollingsworth, 2002), a mudança nas crenças, conhecimento e prática do professor mediada perante a execução e/ou reflexão. O estímulo para a mudança pode ser fornecido por uma fonte externa tal como um programa de desenvolvimento profissional ou pode resultar da experimentação em sala de aula e reflexão sobre as consequências dessa experimentação.

Contexto

A pesquisa de que trata o presente artigo esteve articulada a um programa de formação de professores, desenvolvido em parceria com um município da região sul do Brasil e a Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), no ano de 2014. A pesquisa sobre o desenvolvimento profissional de orientadoras de estudos articulou-se em Grupos Investigativos (GI): o GI1 referia-se à formação desenvolvida pela Professora Pesquisadora (PP) com cinco professoras do 4º e 5º anos do EF para atuarem como orientadoras de estudos (OE); o GI2 constituiu-se na formação desenvolvida pelas OE com professores regentes de turma (PRT). A escolha das OE para atuarem no programa de formação se deu por indicação da Secretaria Municipal de Educação. A seleção da Secretaria considerou dois critérios: ser professor efetivo e regente de turma dos anos iniciais do EF. As orientadoras, no período da pesquisa, tinham de 40 a 50 anos e o tempo médio de magistério era de 21,4 anos, portanto, já possuíam experiência docente e trajetória profissional nos anos iniciais do EF. Quatro das OE tinham graduação em áreas relacionadas à educação e uma OE era graduada em Nutrição. Todas as OE possuíam pós-graduação Lato Sensu na área de Educação, sendo que uma delas estava em fase de conclusão do mestrado.

Cada uma das cinco OE coordenou a formação com um grupo de PRT. A formação desenvolvida pelas OE com os PRT (GI2) teve um total de 40 horas presenciais com cada um dos grupos. Os encontros foram organizados quinzenalmente, atendendo às especificidades de cada grupo de professores (PRT). Os grupos GI1 e GI2 atuavam de forma concomitante, para que as necessidades surgidas no GI2 pudessem ser discutidas e estudadas pelas OE e PP no GI1 e, assim, voltassem para um novo patamar de reflexão nos GI2. Nos mesmos princípios formativos desenvolvidos no GI1, as professoras OE (aqui chamadas com os nomes fictícios de Ana, Beatriz, Carina, Diana e Eliane) organizaram a formação com os seus pares (PRT) (GI2), em encontros presenciais, promovendo atividades pedagógicas e tarefas como planejar e estudar em conjunto propostas de ensino.

Os temas e conteúdos matemáticos desenvolvidos durante a formação observaram a Matriz de Referência Nacional para o Ensino da Matemática (Brasil, 2011), a Matriz Curricular do Município para o 4º e 5º anos do EF (Secretaria Municipal de Educação, 2012) e as necessidades pontuadas pelas professoras OE e PRT.

Houve, logo no início dos encontros de formação, uma paralisação (greve) dos professores municipais que durou, aproximadamente, 45 dias. Consequentemente, algumas PRT desistiram da formação e os grupos de GI2 foram reorganizados em quatro grupos. Os PRT do grupo da OE Eliane foram reconduzidos para os demais grupos, conforme adequações de horários e agendas dos PRT. A partir de então, Eliane passou a desenvolver suas atividades como coorientadora, auxiliando as demais OE com os planejamentos e encontros do GI2.

Metodologia

A pesquisa caracterizou-se como uma investigação-ação-formação, na perspectiva de Nóvoa (1992), como uma dinâmica de investigação sobre a ação e sobre a formação. Nóvoa indica que “a dinamização de dispositivos de investigação-ação e investigação-formação pode dar corpo à apropriação pelos professores dos saberes que são chamados a mobilizar no exercício de sua profissão” (1992, p. 28).

A formação no GI1 se desenvolveu com carga horária total de 120 horas (80 presenciais e 40 semipresenciais), entre abril e novembro, com encontros semanais ou quinzenais de 4h. As atividades semipresenciais envolveram o planejamento da formação pelos OE com 54 PRT de 12 escolas, registros e relatórios descritivos, estudos e leituras complementares.

A coleta de dados consistiu em gravações em vídeo dos encontros do GI1, questionários semiestruturados e entrevistas com as OE, além de relatórios por elas produzidos dos encontros do GI2, que continham os planejamentos, diálogos e depoimentos de suas impressões sobre a formação.

Ao analisar os dados, usamos o Modelo Interconectado de Desenvolvimento Profissional de Professores elaborado por Clarke e Hollingsworth (2002). Os pesquisadores entendem que a aprendizagem se caracteriza como um processo em que a pessoa constrói seu próprio conhecimento, a partir do estabelecimento de relações entre as informações que o indivíduo já sabe e as novas informações que são internalizadas em interações com o mundo. Clarke e Hollingsworth (2002) sugeriram que a mudança do professor acontece por meio da mediação entre a reflexão e a execução , em quatro domínios distintos que englobam o mundo do professor: o domínio pessoal diz respeito aos conhecimentos, crenças, atitudes dos professores; o domínio das práticas, ou seja, a experimentação na sala de aula; o domínio externo, representado pelas fontes de informação, estímulos e apoios; e o domínio das consequências, em que os resultados mais relevantes se evidenciam. Os autores reconhecem a complexidade que envolve o crescimento profissional dos professores, entretanto, observam a necessidade de programas de desenvolvimento profissional que priorizem processos mediados pela reflexão e pela execução. A Figura 1 explicita o modelo.

Figura 1: Modelo Interconectado de Desenvolvimento Profissional de Professores (Fonte: Clarke & Hollingsworth, 2002). 

A aprendizagem docente, de acordo com o modelo de Clarke e Hollingsworth (2002), ocorre por vários caminhos identificados por processos de execução e/ou reflexão. “Execução” significa colocar em prática uma nova ideia, uma nova crença, ou tentar novas práticas. Reflexão é entendida como um pensamento ativo, persistente e cuidadoso, na mesma perspectiva de Dewey, que leva a inferências que causam mudanças nas crenças e práticas (Chan, Roche, Clarke, & Clarke, 2019).

Consoante Lomas (2018), o Modelo Interconectado de Desenvolvimento Profissional de Professores sugere que a mudança pode ocorrer em um domínio do mundo do professor, mas isso pode não levar a mudanças em outros domínios. Uma “sequência de mudança” é representada quando dois ou mais dos domínios identificados são conectados por links reflexivos ou de práticas. Isso pode ser em experimentação momentânea, não necessariamente sustentada. Uma rede de desenvolvimento, por outro lado, representa uma mudança considerada e duradoura na cognição e / ou comportamento.

O modelo de Clarke e Hollingsworth (2002) é amplamente citado, conforme Boylan, Coldwell, Maxwelll e Jordan (2018), como uma ferramenta analítica para a compreensão da aprendizagem do professor e do desenvolvimento profissional. Segundo esses pesquisadores, Clarke e Hollingsworth colocam em discussão, de diferentes maneiras e em diferentes graus, a relação entre as crenças e práticas do professor e a influência dos estímulos para a aprendizagem docente. Analisando diferentes modelos de desenvolvimento profissional de professores, Boylan et al. (2018) referem que o modelo de Clarke e Hollingsworth oferece maior consideração sobre as maneiras pelas quais o aprendizado e o desenvolvimento profissional podem ocorrer em resposta a uma gama mais ampla de estímulos externos, incluindo, por exemplo, interações informais. Referem que a aprendizagem profissional se encontra em cenários decorrentes de eventos ou momentos específicos do contexto escolar.

A partir dessas considerações, entendemos que o modelo de Clarke e Hollingsworth (2002) pode permitir o reconhecimento da complexidade do desenvolvimento profissional e a identificação de mudanças em múltiplas vias de domínios.

À vista disso, realizamos a análise dos resultados apresentados nesse artigo por meio desse modelo. Organizamos a análise das categorias nos quatro domínios: domínio pessoal, domínio das práticas, domínio externo e domínio das consequências. Nos quadros de cada um dos domínios, registramos os depoimentos das OE entre aspas e o texto das pesquisadoras sem aspas. Em continuidade, identificamos em cada depoimento categorizado alguma interconexão com outros domínios e, então, discutimos os entrelaçamentos percebidos.

Análise e Discussão dos Dados

A análise e a discussão estão apresentadas em duas subseções. Na primeira, a análise é realizada à luz do Modelo Interconectado de Desenvolvimento Profissional (Clarke & Hollingsworth, 2002) cujos domínios de mudanças vão sendo demonstrados por meio dos dados obtidos em entrevistas, questionários, gravações em vídeo e relatórios.

Ao categorizar os dados em domínios, foi possível observar que nem sempre é possível vincular os depoimentos dos professores somente a um único domínio. Por conseguinte, a segunda subseção discute a conexão entre os domínios de mudanças em interlocução com outras pesquisas.

Análise à Luz dos Domínios de Mudança

Conforme apresentado anteriormente, o modelo elaborado por Clarke e Hollingsworth (2002) enfoca as mudanças dos professores em quatro domínios: pessoal, das práticas, externo e das consequências.

Domínio Pessoal: Conhecimentos, Crenças e Atitudes do Professor

Organizamos a análise dos conhecimentos, crenças e atitudes do professor em relação à formação em serviço e ao ensino e à aprendizagem de matemática. Os depoimentos das OE, destacados no quadro 1, trazem indícios de mudanças para o domínio pessoal.

Quadro 1: Depoimentos das OE no domínio pessoal (adaptado de Giusti, 2016

Orientadora de Estudos Depoimentos
Ana “[...] acredito que é na troca que se dá o conhecimento e a aprendizagem” (Questionário, maio/2014). A trajetória estudantil foi “[...] péssima por não gostar da Matemática”. Mas, como profissional, “[...] fui atrás de coisas diferentes para atrair meu aluno para que ele possa vir a gostar [da Matemática]” (Questionário, maio/2014). “[...] acredito na mudança da educação e por isso resolvi fazer a formação para trabalhar melhor com meus alunos. Agora percebo quanta coisa estou aprendendo com os meus colegas [OE]” (Diário de Aula, julho/2014).
Beatriz “É um momento de aprendizagem para transformar práticas docentes. (Questionário, maio/2014). A trajetória estudantil foi “traumática, sempre apresentei dificuldades”. Na trajetória profissional, “me sinto segura com o básico, procuro não tornar a Matemática um ‘bicho de sete cabeças” (Questionário, maio/2014). “Eu percebi que os professores do grupo que trabalho (PRT) se sentiram motivados em participar da formação. Chamou minha atenção quando uma colega falou que após observar que todas as orientadoras [OE] estavam em sala de aula, atuando com os alunos, decidiu fazer a formação. Penso que esta fala tem peso, pois com isso acreditam que os assuntos que iremos tratar são validados por nós, orientadoras. Saí do encontro bem feliz e sabendo da responsabilidade que tenho sobre a formação. Outro relato de uma professora diz que esse momento é só nosso, de compartilhar nossas dúvidas e angústias em relação à Matemática e à sala de aula. Da minha parte, gera uma expectativa de vir ao encontro das necessidades delas, propondo dinâmicas, estudos, desafios que venham ao encontro das reais necessidades delas” (Diário de Aula, julho/2014).
Carina “É recarregar as baterias. O professor aprende, reaprende, estrutura e reestrutura sua aprendizagem, constrói conhecimento, ressignifica suas práticas dando significado à aprendizagem do aluno” (Questionário, maio/2014). Sua história com a Matemática foi marcada por “muitos traumas e perdas”, mas “me considero uma pessoa muito resiliente, porque nunca desisti de aprender a Matemática” (Questionário, maio/2014). “Quando eu comecei a preparar a aula, eu fiquei pensando: será que eu vou dar conta? [...] tive esse impacto. Será que é suficiente o que eu vou preparar? Fiz vários questionamentos” (Vídeo GI1, setembro/2014). “Hoje me sinto muito melhor ensinando e aprendendo Matemática. Foi um resgate pessoal com meus conhecimentos e aprendizagens já adquiridos em matemática” (Questionário, maio/2014). “A cada aula percebo-me mais desafiada como profissional e como orientadora do grupo de PRT” (Relatório, setembro/ 2014).
Diana “Permite que os professores aprendam continuamente no exercício da profissão. Deste modo, eles podem superar os desafios” (Questionário, maio/2014). “Eu nunca pensei que poderia ter um olhar especial justamente na Matemática [...] dentro de minhas limitações fui me envolvendo e gostando de nossos encontros” (Relatório, julho/2014).
Eliane Tem como finalidade “ampliar e aprimorar os conhecimentos dos professores em todos os campos - didático pedagógico e conceitual - necessários para o exercício profissional” (Questionário, maio/2014). Como estudante, sempre gostou de aprender Matemática e, como professora, “sempre gostei de ensinar e de aprender para ensinar” (Questionário, maio/2014). “A conexão entre a teoria e prática e o emprego de estratégias planejadas possibilitaram que as OE desenvolvessem com propriedade os conteúdos matemáticos junto aos PRT. Esta conexão pôde ampliar os saberes e contribuir para minimizar as dificuldades dos professores” (Relatório, julho/2014). “Quando um professor trabalha o dia todo e se propõe a participar de encontros em um terceiro turno é porque tem compromisso com a tarefa de educador. [...] Quando nós professores temos oportunidades que favoreçam a reflexão, a troca de ideias e experiências e aplicamos o que aprendemos, o ganho é dos alunos” (Questionário, maio/2014).

Evidenciamos que as OE se sentiram desafiadas diante do processo formativo, pois Ana, Beatriz, Carina, e de certa forma Diana, tinham uma relação um pouco apartada com a Matemática. O receio se desdobrava também em planejar e coordenar os encontros com os PRT, como expressaram Beatriz e Carina. Ao mesmo tempo, elas afirmaram a necessidade e o desejo de aprofundar conhecimentos matemáticos e de mudar suas práticas, manifestando a importância de a formação acontecer colaborativamente entre seus pares ao pensar, compartilhar e discutir sobre os dilemas de ensinar matemática em suas salas de aula.

Observamos que estudar sobre o ensino e aprendizagem da Matemática conduz o professor à reflexão sobre seus limites e potencialidades, diante das crenças e práticas anteriores, um comportamento peculiar que pode mobilizar a mudança para o desenvolvimento profissional (Giusti & Reuwsaat, 2018). Ponte (2012) salienta que os professores aprendem na sua atividade profissional e na reflexão que dela fazem e essa aprendizagem depende do suporte coletivo, bem como do próprio investimento pessoal.

As crenças sobre a aprendizagem matemática foram variadas. Embora as OE demonstrassem incertezas, se colocaram flexíveis e abertas para novas aprendizagens demonstrando motivação e credibilidade quanto à formação. O movimento de (re)aprender e ressignificar os conhecimentos matemáticos colocou as OE diante do enfrentamento de seus conflitos e crenças e, ainda, sobre o ensinar e aprender matemática, o que entendemos como um processo recorrente mediado pela reflexão e execução, postulado pelo modelo interconectado. Em conformidade a Clarke e Hollingsworth (2002), o domínio pessoal compreende os conhecimentos dos professores, suas crenças e atitudes subjacentes a qualquer prática de sala de aula e consideradas como essenciais.

Domínio das Práticas: A Experimentação Profissional

Clarke e Hollingsworth (2002) traduzem a experimentação profissional como formas diferentes do professor atuar em sala. Separamos, no quadro 2, os depoimentos quanto a experimentação de novas estratégias de ensino e aprendizagem, assim como, sobre práticas das OE a propósito dos conteúdos matemáticos.

Quadro 2: Depoimentos das OE no domínio das práticas (adaptado de Giusti, 2016

Orientadora de Estudos Depoimentos
Ana A formação serviu “[...] para eu repensar minha prática pedagógica para o ano que vem. Conteúdos que deixei para o final, com certeza, no próximo ano serão trabalhados primeiro [...]” (Vídeo GI1, setembro/2014). As quatro operações com Números Naturais, usando a decomposição e aproximação dos cálculos como conteúdos matemáticos, foram fáceis para ela “[...] por já conhecer o conteúdo e trabalhar em sala de aula, pois tudo o que praticamos se torna mais fácil” (Entrevista, novembro/2014). “Inicialmente me sentia insegura com os PRT [...], mas com o passar do tempo, fui me aprofundando mais e tentando esclarecer as dúvidas através de estudos e procurando entender melhor certos conteúdos” (Relatório, setembro/2014).
Beatriz A formação aproximou a teoria e a prática, com “[...] exemplos próximos ao nosso cotidiano e de nossa compreensão. Estou adorando, reflito, levo sugestões e reformulo meu planejamento das atividades de sala de aula e na formação [com os PRT]” (Relatório, julho/2014). “Eu me sinto mais confiante de que posso caminhar. Acho que isso está sendo muito importante para mim”. Destaca ainda a necessidade de rever o planejamento das aulas com seus alunos e da formação [com os PRT]. (Vídeo GI1, agosto/2014). No encontro sobre Números Naturais por meio da resolução de problemas, os PRT “[...] contribuíram com exemplos, situações que vivenciam em sala de aula e atentos às sugestões trazidas. Quando apresento uma sugestão, é bem-vinda e também já surgem outras possibilidades de uso do mesmo material. O grupo está sempre comprometido” (Vídeo GI1, julho/2014). “[...] no GI1 estamos pensando, reformulando e vendo conceitos e mais. Como eu estou dinamizando as aulas de Matemática, o planejamento das outras disciplinas que leciono é algo que está me incomodando. Percebo que os assuntos discutidos aqui posso tentar trabalhar diferente nas outras disciplinas. Já que planejo com outro entusiasmo a Matemática [...], eu já não estou satisfeita com as minhas outras disciplinas” (Vídeo GI1, junho /2014).
Carina “Eu iniciei a aula utilizando o material dourado para trabalhar o sistema de numeração decimal. Se eu tivesse feito isso antes, hoje estaria em outra etapa. [...] foi minha melhor aula. Não foi nem eu. Foram eles [os alunos], sabe?” (Vídeo GI1, agosto/2014). Na utilização dos materiais didáticos fornecidos na formação (GI1), houveram adaptações por sugestões dos PRT no GI2 e com isso, “[...] a formação desacomodou muitos PRT, pois eram provocados a repensar suas práticas”. [...] a geometria não é um conteúdo que nós trabalhamos muito. [...] Quando eu comecei a preparar, ver, procurar, eu me dei conta de quão simples é. Estou planejando as aulas das PRT e eu também já estou organizando o planejamento da minha turma de alunos” (Vídeo GI1, setembro/2014).
Diana A resolução de problemas aditivos e multiplicativos foi inovadora na formação, “[...] não conhecia os problemas de uma forma teórica [...] e, em alguns desafios, eu que tive que pensar bastante para achar a resposta correta” (Vídeo, agosto/2014).
Eliane “[...] o interesse dos professores é mais latente para atividades práticas”, como jogos, desafios e resolução de problemas. No planejamento da formação [com os PRT] as atividades foram articuladas com a teoria. “[...] as práticas mostraram-se mais significativas para os PRT” (OE E Relatório, julho/2014). “[...] mudei muito o meu jeito de pensar depois que eu comecei esse processo. Nós podemos ajudar também a mudar outros espaços, como a escola. Durante a formação no GI2, ficou visível a distância entre o conhecimento dos orientadores e o conhecimento matemático que estava em discussão” (Diário de Aula, agosto/2014).

Pinheiro et al. (2019) indicam que as oportunidades de mudança residem nos próprios professores, pois eles são os protagonistas de sua transformação e desenvolvimento, por meio da participação efetiva, do seu desejo e da busca por desenvolver-se, tanto cognitiva, como emocionalmente, garantindo transformações significativas.

A utilização de atividades práticas para o desenvolvimento da formação com os PRT ou com os alunos, em sala de aula, indica que o professor busca respostas para os seus dilemas diários de sala de aula, de seu fazer profissional. E, pode revelar, em alguns casos, a fragmentação teórica e a prática educativa. Neste sentido, o planejamento das ações de formação precisa vir ao encontro das reais necessidades dos professores, sejam elas sobre o conhecimento curricular, de conteúdo ou pedagógico. Ao participar de processos formativos em serviço, os professores buscam respostas para seus dilemas e conflitos, tendo em vista o seu desenvolvimento profissional e a aprendizagem de seus alunos. Para isso, as ações de formação devem levar em conta a articulação entre teoria e prática. Ponte (2014) lembra que a teoria e prática devem estar fortemente interligadas e que a teoria só ganha sentido quando é interpretada e aplicada a situações de prática.

A expressão “refletir sobre a prática”, que as OE por diversas vezes expressaram, remetem às considerações de Crecci e Fiorentini (2018), quando estes afirmam que o desenvolvimento profissional dos professores nas dimensões de conhecimento didático e das práticas de sala possibilita a reflexão sobre o exercício da profissão e supõe que o conhecimento para “ensinar bem” é produzido quando os professores tomam sua própria prática como contexto de investigação e análise, como instrumento de interpretação.

As evidências também apontam que o conhecimento do conteúdo matemático, conhecimento curricular e conhecimento pedagógico do conteúdo (Shulman, 1986, 1987) das OE se manifestaram de maneira variada, revelando i) diferentes protagonismos durante o processo de ensinar e aprender, seja em ações mais autônomas (iniciativas em formas de ensinar e atividades sobre o conteúdo a ser ensinado) ou em reflexões (autocríticas e mudanças) e, ainda, ii) diferentes possibilidades de trabalhar de forma colaborativa em comunidades de aprendizagem para o desenvolvimento profissional. A promoção de práticas colaborativas entre os professores evidenciou encorajamentos e desafios de maneira compartilhada em processos de execução e reflexão, permitindo mudanças originais, sem prejuízo ou perda da identidade profissional de cada uma. Sobre as mudanças, Ponte (2014) e Estevam e Cyrino (2016) argumentam que a formação pode contribuir para a mudança de crenças, mas estas não ocorrem somente em processos de formação. As mudanças podem ocorrer nas mais variadas situações, inclusive em contextos de aprendizagem.

Com conteúdos matemáticos mais próximos da vivência profissional, as OE explicitaram aplicações mais seguras. Temas matemáticos pouco trabalhados ou explorados foram replicados em sala de aula a partir da formação como um experimento a ser refletido na ação. Assim, as evidências permitem perceber que cada OE explicitou seus conhecimentos matemáticos a seu tempo de aprendizado e baseadas em experiências profissionais anteriores. Cada qual com sua história, com suas experiências profissionais e com seu olhar, contribui para o crescimento do coletivo.

Domínio Externo: Fontes de Informação, Estímulo e Apoio

As experiências disponíveis para o professor, a existência de alternativas como fontes de informação, situações de aprendizagem matemática, assim como os apoios externos recebidos durante o período formativo foram identificadas para o domínio externo no quadro 3.

Quadro 3: Depoimentos das OE no domínio externo (adaptado de Giusti, 2016

Orientadora de Estudos Depoimentos
Ana “O incentivo da direção da escola e de alguns colegas professores foi importante. Em 2015, irei desenvolver um projeto na escola, desenvolvendo estratégias de aprendizagem matemática para os anos iniciais” (Vídeo GI1, setembro/2014).
Beatriz “A gestão escolar não oportunizou um espaço para o diálogo sobre a formação que estava realizando. O trabalho não foi socializado com os colegas (Entrevista GI1, agosto/2014). Sobre a experiência como OE, “[...] elas [os PRT] também fazem o relato de atividades do mesmo modo que nós realizamos aqui [no GI1]. Elas fazem as atividades com seus alunos, trazem as dificuldades ou como foram surpreendidas. Então, eu vejo assim, que está surtindo efeito” (Vídeo GI1, agosto/2014).
Carina “Temos que estar sempre estudando o conteúdo a trabalhar com os alunos, tanto na escola como na formação. Só a formação não contempla todos aspectos inerentes ao desenvolvimento profissional” (Vídeo GI1, setembro/2014). “A escola não ofereceu espaços para compartilhar com os demais colegas. O apoio foi do próprio grupo (GI1)” (Vídeo GI1, setembro/2014). “As PRT tiveram dificuldades em frações. Se eu chegasse lá e dissesse: bom, agora nós vamos encontrar o denominador e fazer cálculos, seria perfeito! Mas não! Eu levei situações-problemas”. Disse aos PRT: “Também fui desacomodando algumas coisas que estavam enraizadas em mim, eu preciso que vocês também comecem a desacomodar para conseguirmos trabalhar tranquilamente” e “Nós vamos empurrando a geometria, grandezas e medidas, frações lá para o final e, se der tempo, trabalhamos. Então, busquei mais informação para aprender e ensinar” (Vídeo GI1, outubro/2014).
Diana A colaboração da coorientadora Eliane foi essencial. "Discutimos previamente o conteúdo matemático, além de pesquisar em livros didáticos e sites educativos. Essa parceria foi importante na formação [com os PRT]” (Vídeo, outubro/2014).
Eliane Na formação foram oferecidos “diferentes subsídios para pensar, aprender e ensinar Matemática de forma integrada, mostrando que este conhecimento pode ser desenvolvido, integrando conceitos diferentes daqueles da disciplina” (Relatório, julho/2014). “As situações matemáticas propostas durante a formação foram levadas à sala de aula e foram evidenciadas através de relatos dos professores nos encontros [com as PRT]. Os PRT discutiram que os alunos se entusiasmaram com atividades desafiadoras” (Vídeo, outubro/2014). O apoio da administração municipal e da SMED contribuíram de forma positiva sobre o processo formativo, na medida que encorajou as OE, deu suporte e auxílio logístico no desenvolvimento da formação (Entrevista, novembro/2014).

A eficácia de uma formação em serviço deve estar articulada com o lócus escolar (Imbernón, 2010; Nóvoa, 1992), como um projeto de gestão pedagógica para as aprendizagens. As argumentações das OE quanto à falta de apoio das escolas confirmam a pouca valorização da articulação entre formação e os projetos das escolas (Nóvoa, 1992). Essa desarticulação inviabiliza que a formação tenha como eixo de referência a dupla perspectiva do professor individual e coletivo. A reflexão coletiva daria sentido ao desenvolvimento profissional dos professores e, acrescentamos, ao desenvolvimento da qualidade de ensino matemático.

Na busca de fontes de informação externas, a maioria das OE utilizou sites educativos, vídeos, artigos, materiais didático-pedagógicos, jogos e recursos disponíveis na sua escola, assim como o apoio e sugestões do próprio GI1. A busca por informação corrobora com a ideia de que o professor aprende ensinando e, ainda, a pesquisa autônoma e articulada com o processo de formação em andamento colabora de modo significativo para o desenvolvimento profissional. As OE manifestaram que, muitas vezes, não aprofundaram determinados conteúdos com os alunos por pouco conhecimento. Mas, quando expostas a novas possibilidades de aprendizagem, se encorajaram e aprofundaram as informações buscando subsídios que agregassem ao seu fazer pedagógico.

Outro fato a destacar refere-se aos indícios de conhecimento curricular expressos pelas OE. De acordo com Shulman (1987), o conhecimento curricular permite que os professores selecionem e organizem os programas para poder ensinar, bem como dispor de meios para fazê-lo. A necessidade de buscar informação em outras fontes, na perspectiva de que não seja somente a própria experiência, viabiliza o desenvolvimento profissional. O estímulo dos pares no GI1 e no GI2 foram promotores externos para avanços no desenvolvimento profissional. A crescente autonomia das OE deu sustentação à organização e ao planejamento do trabalho no GI2 nos aspectos reflexão-ação, trabalho coletivo e em rede (Nóvoa, 1992).

O domínio externo, para Clarke e Hollingsworth (2002), abrange qualquer fonte externa de informação ou estímulo e não se restringe à formação intencionalmente fornecida em serviço. Esse não é o único estímulo para mudanças na sala de aula.

Domínio das Consequências: Os Resultados Mais Relevantes

O domínio das consequências está ancorado ao sistema de valores dos professores e às inferências que esses realizam a partir das práticas de sala de aula. Pontuamos, no quadro 4, os resultados relevantes a partir do desenvolvimento da formação.

Quadro 4: Depoimentos das OE no domínio das consequências (adaptado de Giusti, 2016

Orientadora de Estudos Depoimentos
Ana A formação “[...] me fez rever muitas ‘coisas erradas’ que fazia” (Relatório, novembro/2014). As “coisas erradas” referem-se a conteúdos não contemplados em sua prática e à utilização de material concreto nas aulas.
Beatriz “[...] estou conseguindo fazer um planejamento diferenciado para o ensino da Matemática e para as outras disciplinas também” (Entrevista, novembro/2014). “Os conteúdos que me marcaram na formação foi o estudo das frações [exploração dos diferentes significados das frações em situações-problemas: parte-todo, quociente e razão] e grandezas e medidas [relações entre unidades de medida de tempo, comprimento, capacidade e massa]. Ainda tenho dificuldade. Isso me assusta um pouco, mas me deixa desacomodada porque sei que vou precisar buscar e trabalhar mais isso” (Vídeo GI1, novembro/2014). “Todos os conteúdos trabalhados na formação foram de grande importância para minha prática, principalmente a oficina de jogos, já que eu pouco os realizava em Matemática” (Vídeo GI1, novembro/2014). “Durante este ano aprendi muito e isso refletiu diretamente no meu planejamento pedagógico. Sinto-me feliz, tranquila e motivada. Percebi [...] que meu trabalho evoluiu, mas que os desafios e questionamentos continuam e isso faz com que eu continue buscando conhecimentos” (Entrevista, novembro/2014).
Carina “Aprendi muito fazendo a formação, planejando minhas aulas e sendo orientadora”. Além disso, “[...] acho que o tempo das pessoas é importante, não adianta só nós querermos, elas [PRT] precisam de tempo, precisam de confiança no que estão aprendendo” (Vídeo GI1, novembro/2014). “Eu realizava as práticas da formação com meus alunos como uma espécie de laboratório de matemática para verificar as potencialidades e dificuldades sobre o conteúdo e, posteriormente, para comunicar ao grupo de OE os resultados. Esta dinâmica ajudou também o planejamento da formação com os PRT” (Entrevista, novembro/2014). “Tive dificuldades, mas nessa trajetória com a Matemática aprendi a não ficar com dúvidas, pergunto até entender. Estou desacomodada, hoje me vejo melhor professora de matemática para meus alunos, sinto-me mais segura, desafiadora, mais observadora das aprendizagens matemáticas dos meus alunos” (Relatório, novembro/2014). Em rede social, postou uma foto de seus alunos em sala de aula e escreveu: “Sabe... Sou outra professora de Matemática... E meus alunos [...] terão prazer em aprender Matemática...” (Rede Social, 2014).
Diana “Capacidade de aprender com outro, de discutir, de aceitar ideias novas e sugestões, de buscar soluções para resolver problemas, ser capaz de aprender e amadurecer profissionalmente” (Relatório, julho/2014).
Eliane “Tive aprendizagens significativas ao participar da formação com os orientadores e também com os professores [PRT]. Ampliei conhecimentos, conceitos e conheci recursos diversificados. Os encontros, além de contribuírem para qualificar meus conhecimentos, também foram muito prazerosos pelas trocas e discussões, pela relação que estabelecemos. Dá até saudade quando lembro dos encontros. Vislumbro a importância de ter um grupo onde podemos nos apoiar, compartilhar o que conhecemos e aprender aquilo que nos falta” (Relatório, novembro/2014). “O que mais destaco foi a carência de conhecimentos dos professores [PRT]. A perspectiva de mudança, a meu ver, é de longo prazo e requer formação permanente e constante” (Entrevista, novembro/2014).

A postagem na rede social feita pela OE Carina permite perceber o quão importante foi participar da formação e o reflexo que esta possibilitou à sua prática como professora que ensina matemática. A interação dialogada e reflexiva com os demais colegas, os apoios recebidos, o enfrentamento de desafios e conflitos, a mudança de crenças e práticas pedagógicas registram indícios do desenvolvimento profissional (Richit & Ponte, 2019).

Shulman (1986) discorreu sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo que inclui: representar e formular o conteúdo de forma que ele possa ser compreendido por outras pessoas e compreender o que contribui para que a aprendizagem daquele conteúdo seja fácil ou difícil.

As reflexões apontadas nos permitem vislumbrar o que Imbernón (2010) discute como caminhos favoráveis para a formação e o desenvolvimento profissional permanente dos professores. O autor registra que a formação deveria proporcionar o desenvolvimento de competências para modificar tarefas educativas continuamente, em uma tentativa de adaptação à diversidade e ao contexto dos alunos. Neste sentido, observamos que a transposição daquilo que foi estudado envolveu movimentos reflexivos sobre o conhecimento do conteúdo, pedagógico e curricular (Shulman, 1986, 1987).

A inquietação da OE Beatriz demonstra que a transformação de sua prática em Matemática a fizeram pensar também nas práticas de outras disciplinas. Isto permitiu inferir que ela procurava a interdisciplinaridade não só dos conteúdos, mas também das práticas. A desacomodação ou desconforto pode ser identificado como desejo de aprender, uma oportunidade de estabelecer relações e aprendizados.

Quanto aos conteúdos matemáticos da Matriz de Referência, ficou evidente que há muito ainda por fazer em relação à Educação Matemática e à formação em serviço. As OE manifestaram necessidades de aprofundamento sobre conhecimento curricular, conteúdos matemáticos e conhecimento didático-pedagógicos. Quando expostas a novas possibilidades de aprendizagem, se encorajaram e aprofundaram conhecimentos, buscando subsídios que agregam ao aprendizado. Crecci e Fiorentini (2018) afirmam que os professores se engajam em comunidades de prática quando são atuantes e produtivos, colaboram entre si a fim de aprender autonomamente, mas também com os demais colegas, apropriam-se da prática, dos saberes e dos valores do grupo.

Feita a categorização em domínios segundo o modelo interconectado, passamos a discutir os entrelaçamentos entre os domínios de mudança, ou seja, as interconexões mediadas pelos processos de reflexão e execução (Clarke & Hollingsworth, 2002) em interlocução com outras pesquisas.

Discussão

Diante dos depoimentos categorizados em domínios de mudanças, observamos um movimento interconectado entre esses, quase totalmente interdependente, promovendo o desenvolvimento profissional das OE. O modelo interconectado de Clarke e Hollingsworth (2002) localiza as mudanças em qualquer um dos quatro domínios. A mudança em um domínio é revelada também como mudança em outro, por meio de reflexão e execução.

Os registros das OE evidenciam a interconexão entre os domínios de mudança pessoal, das práticas, externo e das consequências. Os depoimentos delas sobre a formação revelam que, de forma geral, elas se envolveram e gostaram dos encontros, manifestando que se sentiam capazes “de aprender com outro, de discutir, de aceitar ideias novas e sugestões, de buscar soluções para resolver problemas, de aprender e amadurecer profissionalmente”, conforme Diana. Também, Eliane expressou sua alegria e prazer em participar da formação pelas trocas e discussões com as colegas OE, reforçando “a importância de ter um grupo onde podemos nos apoiar, compartilhar o que conhecemos e aprender aquilo que nos falta”. Conforme as OE, os encontros do GI1 contribuíram para qualificar os conhecimentos matemáticos, para aprender conteúdos esquecidos ou incompreendidos e para procurar atividades pedagógicas diferentes no sentido de atrair os alunos.

Diante das evidências apontadas, observou-se que o trabalho solitário traz insegurança sobre o fazer pedagógico e que o trabalho colaborativo oferece uma motivação, uma cumplicidade e segurança sobre o novo. Processos conjuntos de formação podem romper com o isolamento dos professores em suas atividades educacionais, enfatiza Imbernón (2010), pois supõem atitudes, constantes diálogos, debates, enfrentamentos e conflitos, a fim de conhecer, compartilhar e ampliar o conhecimento, pois cada um pode aprender com o outro, o que pode levar ao compartilhamento de evidências, informações e busca de soluções para os problemas enfrentados.

As OE, ao explicitar sua prática, estavam aprendendo a aprender, dando significado à Matemática que trabalhavam. As manifestações positivas colaboraram na apropriação e ressignificação dos conhecimentos também das demais. Cada OE teve a oportunidade de aprender e dar significado às suas experiências. Neste sentido, o programa formativo reconheceu a individualidade de ensino, aprendizagem e prática de cada orientadora. Não se restringiu à aprendizagem de forma linear, mas em múltiplas possibilidades de mudança e redes possíveis de crescimento. A formação em serviço proposta priorizou a experimentação dos professores no espaço de sala de aula e com os demais professores, valorizando a ação a partir da reflexão (Clarke et al., 2013).

Os encontros com os PRT foram desafiadores para as OE. Ansiedade, dúvidas e receios foram sentimentos comuns e trabalhados no GI1 para que elas passassem a se sentir mais confiantes, seguras e até felizes pela superação desses sentimentos. O papel da formadora pesquisadora e da coorientadora Eliane foram essenciais em discutir previamente o conteúdo matemático, além de pesquisar em livros didáticos e sites educativos. Essa parceria foi relevante na formação com os PRT. Os professores passaram a ser protagonistas, receptivos e comprometidos com a formação, contribuindo com exemplos e situações reais de sala de aula.

O declínio da ansiedade, o aumento do prazer e do conhecimento matemático, tanto de conteúdo quanto pedagógico, foi revelado pelas OE a medida em que a formação se desenrolava. Esse resultado também foi encontrado na pesquisa de Jenßen et al. (2021) ao perceber que uma transição de mudança parece ser mais desafiadora em um nível emocional do que em um nível cognitivo. Indicam, por exemplo, que experiências emocionais agradáveis devem ser tornadas visíveis durante a formação de professores.

A estratégia de formação do GI1 foi replicada no GI2. Era solicitado às PRT que fizessem relatos de atividades aplicadas em sala de aula, trazendo as dificuldades ou aquilo que as tenha surpreendido. Essa estratégia foi entendida como positiva pelos professores. O exercício de ser formador foi fonte promotora de mudanças sobre as posturas das OE. Tais posturas caracterizam movimentos de desenvolvimento profissional já discutidos por Clarke e Hollingsworth (2002). No processo contínuo de mudanças interconectadas, o conhecimento se expande e fornece novos insights sobre diferentes abordagens de ensino. O professor é confrontado com novas aprendizagens e é desafiado a refletir sobre elas, a fim de manifestar uma nova compreensão no futuro.

Eliane lembrou apropriadamente que quando um professor “se propõe a participar de encontros em um terceiro turno é porque tem compromisso com a tarefa de educador”. A formação colaborativa entre os pares foi legitimada por uma das professoras participantes do GI2 ao decidir fazer a formação após perceber que todas as OE eram professoras, atuando em sala de aula como ela. Os professores participantes do GI2 acreditavam que os temas trabalhados seriam validados por essa linguagem competente e comum, que seriam momentos entre pares a compartilhar dúvidas e angústias em relação a ensinar matemática. Essa ideia é reforçada por Estevam e Cyrino (2016) ao considerarem que o formador, quando participante competente nas práticas dos professores, é legitimado como tal.

Durante a análise por domínios, observamos diversos entrelaçamentos entre os domínios pessoal, das práticas, externo e das consequências. As OE manifestaram que entender melhor a conexão entre teoria e prática, expandindo saberes e minimizando dificuldades, ampliaram o emprego de estratégias planejadas em conjunto de forma que desenvolveram com maior propriedade os conteúdos matemáticos no GI2. Por exemplo, Ana chegou a revelar que estava a repensar a sua prática para o próximo ano letivo, trazendo para o início os conteúdos que costumava deixar para o final do ano.

As orientadoras Beatriz, Carina e Eliane demonstraram o seu desenvolvimento profissional de forma mais explícita e argumentativa. As transformações foram explicitadas nos relatos, falas, relatórios e, principalmente, nos momentos de escuta que aconteciam no GI1. Evidenciamos que elas se sentiam mais à vontade e seguras para coordenar os encontros do GI2 e discutir os conteúdos matemáticos. Buscaram ressignificar as práticas, apresentando propostas metodológicas e aprofundamento dos temas, como, por exemplo, relacionar o estudo dos números naturais com a resolução de situações-problema, desafios envolvendo operações matemáticas, raciocínio lógico e diferentes estratégias de resolução. Constatamos que as OE buscaram diferentes fontes de informação matemática e apoios promotores de desenvolvimento profissional.

A orientadora Ana teve como fonte de apoio externo os colegas da escola e a gestão escolar. Por outro lado, as orientadoras Beatriz e Carina revelaram que suas escolas não abriram espaços para compartilhar informação com os demais colegas de trabalho. Essa condição vai contra aquilo postulado por Vaillant (2019), que acredita no fundamental papel da gestão escolar para gerenciar e propor espaços que potencializem novas aprendizagens entre os professores.

Beatriz e Carina buscaram fontes de apoio no próprio grupo formativo (GI1), nas experiências durante o percurso profissional e nos materiais de apoio e, acima de tudo, nos colegas PRT (GI2). Diana referiu que a parceria do grupo formativo (GI1) foi crucial para seu desenvolvimento, principalmente para entender os conteúdos, resolução de problemas aditivos e multiplicativos e o trabalho com jogos didáticos.

Com a formação, as orientadoras se sentiram mais à vontade para explorar atividades, leituras, jogos e outros materiais de apoio que abordassem os conteúdos matemáticos relativos à Matriz de Referência Nacional e a Matriz Curricular Municipal para o 4º e 5º anos. Entre atividades evidenciadas no GI1 e no GI2, que merecem destaque para o desenvolvimento profissional das OE e seus pares, estão a resolução de problemas, assim como a utilização de materiais de apoio como material dourado, jogos, brincadeiras, desafios matemáticos para concretizar o estudo dos números naturais, operações, frações, geometria, grandezas e medidas, e a educação estatística e financeira.

As OE consideraram que precisariam estudar com frequência sobre ensinar e aprender matemática, pois somente uma formação em serviço não consegue contemplar todos os aspectos ligados ao desenvolvimento profissional identificados por Ponte et al. (1997, citado em Martins, 2011), como a didática, a ação educativa geral, os aspectos pessoais e relacionais e de interação com os outros professores e com a comunidade extraescolar. Essa ideia vai ao encontro do que preconizam Clarke e Hollingsworth (2002) quando referem que qualquer fonte externa de informação ou estímulo (não se restringindo somente à formação em serviço), incluindo outras fontes de informações, como divulgações ou conversas entre os colegas, podem impulsionar o desenvolvimento profissional.

O Modelo Interconectado de Desenvolvimento Profissional do Professor (Clarke & Hollingsworth, 2002) postula que o crescimento profissional é um contínuo que acontece por reflexão e execução entre os diversos domínios de mudança. Portanto, a mudança somente em um domínio não expressa o desenvolvimento profissional do professor. Faz-se necessário ressignificar experiências, crenças, conhecimentos, atitudes, apoiadas em resultados relevantes e aportes teóricos, enriquecendo e ampliando as práticas docentes para, consequentemente, desenvolver-se profissionalmente. Carina fez uma menção nesse sentido ao reconhecer que aprendeu muito fazendo a formação, planejando suas aulas e sendo orientadora. A coorientadora Eliane disse que mudou muito o seu jeito de pensar depois que começou a buscar mais formação externa e participar da formação em serviço. Acreditava que “nós podemos ajudar também a mudar outros espaços, como a escola”. Portanto, o desenvolvimento profissional é um caminho longo e contínuo. Como lembra Marcelo (2009), a concepção de desenvolvimento se mostra como evolução e continuidade entre a formação inicial e aperfeiçoamento de professores afetando não só o professor, mas todos aqueles envolvidos no sistema educativo.

Considerações Finais

A formação colaborativa contribuiu para o processo de desenvolvimento profissional e para a concretização de uma produção mais autônoma de saberes e valores pelas OE. O desenvolvimento profissional se revelou quando elas transformaram e ressignificaram conhecimentos, crenças, atitudes e práticas pedagógicas por meio da participação efetiva na formação que tinha como princípio ir ao encontro das reais necessidades de ensinar matemática.

Trazemos algumas considerações finais sobre o desenvolvimento profissional das OE, interconectando os domínios de mudança, conforme propõem Clarke e Hollingsworth (2002).

Encontramos evidências exitosas sobre o desenvolvimento profissional das OE. As cinco OE se envolveram na formação com muitas expectativas sobre o processo de aprender e ensinar Matemática. Apesar de esperarem por alternativas de aplicação direta em sala de aula, foram percebendo que as mudanças, como um todo nas escolas, são de longo prazo e requerem formação permanente e constante. Todas elas tinham a compreensão de que seria um desafio nada fácil, pois não possuíam formação específica em Matemática. Entretanto, estavam predispostas para aprender a aprender, aprender a ressignificar e aprender a ensinar.

No início da formação, as orientadoras estavam inseguras quanto à participação no programa e no desenvolvimento da proposta matemática junto aos PRT. Entretanto, à medida que a formação foi se desenvolvendo, as OE começaram a se sentir mais confiantes e motivadas. A Matemática já estava presente no fazer pedagógico das OE e a formação veio contribuir para ressignificar, de forma teórica e prática, crenças, conhecimentos, atitudes e práticas letivas antes não questionados.

As OE tiveram aprendizagens diferenciadas, muito embora a formação no GI1 tenha sido comum a todas, possivelmente devido às diferentes crenças e conhecimentos que cada uma tinha ao longo de suas experiências profissionais. Vale enfatizar que essas diferenças foram respeitadas e valorizadas, pois enriqueceram as discussões e aprendizagens do grupo. Cada OE desenvolveu-se profissionalmente de forma particular. O grau de envolvimento com a proposta formativa, assim como, o ritmo próprio para a aprendizagem matemática, desencadearam no grupo colaborativo dinâmicas individualizadas para a prática didática da formação, pois cada orientadora imprimiu um ritmo de trabalho em conformidade com o seu desenvolvimento.

As OE tiveram um papel central na formação, pois estavam comprometidas com a proposta. A sua autonomia crescente foi crucial no processo de desenvolvimento profissional, porque puderam exercer influência direta sobre o que aprender, o que ensinar e sobre o que discutir com seus pares. Neste sentido, entendemos que a escolha de professores com a função de orientadores de estudos de seus pares precisa estabelecer características de perfil, sintonia com demais orientadores e verificar identificação com a proposta da formação.

Ressignificar a Matemática em uma formação colaborativa com e entre professores vai muito além do querer aprender e querer ensinar matemática. Requer estar aberto para refletir, discutir, pesquisar e compartilhar com seus pares. As OE foram protagonistas na formação colaborativa, mobilizaram um conjunto de saberes próprios que, explícita e implicitamente, geraram impactos sobre os demais professores e, ao fazê-lo, estavam contribuindo para seu próprio desenvolvimento profissional.

Qualquer transformação no desenvolvimento profissional dos professores é um processo de médio ou longo prazo. As participantes foram mobilizadas, no decorrer da formação, para a perspectiva de transformação nos domínios pessoal, das práticas, externo e das consequências. Consideramos que se estas transformações forem estendidas ao longo de práticas educativas futuras é porque as mudanças foram profundas.

Isso posto, para finalizar o artigo, destacamos o depoimento da coorientadora Eliane porque, em nosso entendimento, este resume a relevância do desenvolvimento profissional em uma dimensão coletiva:

Quando nós professores temos oportunidades que favorecem a reflexão, a troca de ideias e experiências, e aplicamos o que aprendemos, o ganho é dos alunos. Eliane (maio/2014)

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3 Conforme Mizukami (2013) e Vaillant (2019), espaços e tempos baseados em um conjunto de práticas interativas, participativas e compartilhadas, com vista ao desenvolvimento profissional de seus participantes, são chamados de comunidades de aprendizagem.

4 Clarke e Hollingsworth (2002) usam o termo crescimento profissional quando se referem a mudanças do professor que ocorrem em contextos formativos, no exercício da profissão ou em conversas com seus pares. O termo desenvolvimento profissional é compreendido por eles como um processo longo e contínuo de aprendizagem e mudança profissional.

3 Clarke e Hollingsworth (2002) usam o termo enactment [traduzido, neste artigo, como execução] para distinguir uma simples ação de uma crença ou um modelo pedagógico em ação, sob o fundamento de que cada ação representa a execução de algo que um professor sabe, acredita ou já experimentou.

Recebido: 13 de Setembro de 2020; Revisado: 02 de Abril de 2021; Aceito: 28 de Maio de 2021

Neura Maria De Rossi Giusti é licenciada em Pedagogia pela Faculdade de Letras e Educação de Vacaria (Brasil). Licenciada em Matemática pela Universidade do Planalto Catarinense (Brasil). Realizou Mestrado e Doutorado na Universidade Luterana do Brasil. Foi professora da Educação Básica na rede pública de ensino. Atualmente, professora tutora do curso de Matemática na Universidade Pitágoras (Polo Vacaria - Brasil). Pesquisadora da formação de professores em Educação Matemática e de aprendizagem social. Email: neuragiusti@gmail.com Morada: Dr. Flores, 845, apto. 11, centro. CEP 95200-000. Vacaria, Estado do Rio Grande do Sul, Brasil.

Jutta Cornelia Reuwsaat é licenciada em Pedagogia e Doutora em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Brasil). Realizou Pós-Doutorado na Universidade de Utrecht (Países Baixos). Foi professora da Educação Básica e na Universidade Luterana do Brasil. Pesquisadora da formação de professores, especialmente com enfoque em Educação Matemática e Educação em Ciências; publicou vários artigos e capítulos de livros sobre o tema. Email: juttareuw@gmail.com

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