Introdução
O estudo foi realizado no Subúrbio Ferroviário de Salvador, Bahia, Brasil, e teve como objetivo geral investigar o processo de formação dos coletivos de jovens da perifeira urbana, a fim de desvelar práticas socioeducativas que contribuíssem para o desenvolvimento da Educação em Periferias Urbanas. Ele se ancora na Teoria e Método das Representações Sociais (Jodelet, 2001; Moscovici, 1961) e na Teoria Social de Rede (Barnes, 1987; Lago Júnior, 2005), quando explicam as construções sociossimbólicas e as significações socias como formas de elaboração de representações sociais de sujeitos e grupos. Esse constructo, para além de outras funções, serve como instrumentação do saber conferindo-lhe um valor funcional para a interpretação e gestão do espaço social e para orientar práticas sociais e educativas. Nessa perspectiva, as relações sociais integradas se estabelecem entre os atores de um ou mais grupo e definem redes sociais como “processos sociais que envolvem conexões que transpassam os limites de grupos e categorias” (Barnes, 1987, p. 163).
Nessa fundamentação teórica, a alteridade é essencial para a produção do espaço social, onde os coletivos de jovens podem ser caracterizados como vivido, percebido e concebido na dinâmica das práticas sociais no espaço, pela conjunção-disjunção como ruptura com a centralidade (Lefebvre, 2008). Assim, para pensar o conceito de coletivo de jovens, partimos da referência aos conceitos de prática de Veyne (1982), entendida como uma correlação com o objeto, ele não existiria antes dela, logo sociedades e indivíduos são objetos históricos, dependentes das múltiplas práticas estabelecidas em diversos períodos. Isto significa dizer que não se pode confundir o coletivo com o social. Nessa lógica a organização social ganha sentido no conceito de rizoma que não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo (Deleuze & Guattari, 1995, p. 37). Pode-se afirmar, segundo Latour (1994), que a rede seria a versão empírica do rizoma, onde toda entidade é efeito de um processo de composições e associações, cuja totalização é somente aparente ou transitória: “A identidade das entidades (híbridas) resulta de interações em curso e evolui com estas” (Callon & Law, 1997, p. 104).
Pelo exposto, definimos o conceito de coletivo de jovens, como um grupo social organizado, sistematizado, onde experiências vividas são guiadas pela necessidade dos sujeitos e pelo desejo comum de realizar algo ou alguma coisa. O siginificante “Jovens”1, atribuído ao conceito, ganha significado quando considerado como um agente influenciador que pode contribuir como catalizador de uma cultura política de grupo. Nesse sentido, é perceptível que, ao mesmo tempo, os/as jovens se encontrem transversalizados pelas mudanças sociais e, também, se coloquem como protagonistas das suas próprias histórias, contribuindo para essas transformações. Em síntese, inferimos que os/as jovens de periferias urbanas sentem, pensam, se articulam em redes sociais e desenvolvem práticas sociais em diversos espaços educativos. Essas práticas podem fortalecer suas identidades, justificar o tipo de relação que eles estabelecem com diversos grupos e subgrupos sociais e, consequentemente, contribuir com a Educação em Periferias Urbanas.
No contexto da Salvador/Bahia/Brasil, as comunidades periféricas estão inseridas nos aglomerados subnormais2, caracterizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge, 2010) como áreas de ocupação desordenada e grande desigualdade social. O Censo Ibge (2010) revelou que, de acordo com a idade, a população da Cidade do Salvador distribuiu-se de forma que as crianças e adolescentes (0 a 14 anos) somaram 21% da população, sendo eles 24% da população dos aglomerados subnormais. Os jovens (15 a 29 anos) representam 28% da população; a de adulto 42% e a de idosos acima de 60 anos soma 9%. Enquanto que nos aglomerados subnormais, o percentual da população de jovens, adulta e idosa é, respectivamente, de 29%, 40% e 7%.
Neste cenário insere-se o Subúrbio Ferroviário de Salvador (Figura 1) que é composto por dezoito quilômetros de praias da Baía de Todos os Santos, que margeiam os 15 (quinze) bairros (dentre eles, três ilhas). O mais populoso é Paripe (55 mil hab.), seguido de Periperi (47 mil hab.) e Plataforma (34 mil hab.). As localidades menos populosas na região são as ilhas dos Frades (733 hab.), de Bom Jesus dos Passos (1 465 hab.) e de Maré (4236 hab.).
Historicamente, a presença da indústria próxima à linha férrea possibilitava a diminuição dos custos de produção, tendo em vista que o transporte era barato e a mão de obra, abundante. Surgia, assim, uma área industrial constituída de lugar de produção e lugar de residência. Esses fatores, aliados à presença de oficinas e fábricas da Leste e das antigas fazendas já existentes na área suburbana, foram os principais elementos que se articularam para delinear, a partir do século passado, os núcleos que hoje representam os bairros desse subúrbio. Ainda que na falta de dados precisos sobre as ocupações informais configuradas como urbanas, estima-se que as grandes capitais abrigam 60% da sua população.
Nesse contexto, na maioria das vezes, as reportagens midiáticas apresentam os/as jovens da periferia incluídos/as como sujeitos perigosos, “gangues de rua” ou mentores de crimes. Nesse sentido, eles são alvos da discriminação, pelo modo como se comportam, vestem, falam, formam seus grupos. As notícias sobre a violência no subúrbio da Cidade de Salvador levam o leitor a criar estereótipos e analogias equivocadas sobre a tríade pobreza-periferia-violência. Entretanto, a pobreza não é o fator único para relacionar a violência ao crime e aos jovens. Nesse caso, pesquisas tanto no âmbito internacional, nacional, como local, têm levantado uma discussão sobre a participação social de jovens no âmbito da sociedade civil.
No Brasil e no mundo, os debates científicos e sociais, em torno da problemática do jovem e sua imagem, preocupam a sociedade (Abramo, 2005; Novaes, 2009; Sposito, Almeida, & Corrochano, 2020), pois além de meros habitantes das periferias, o olhar sobre os/as jovens como sujeitos sociais, que constroem um determinado modo de ser, demanda estudos emergenciais que busquem entender os desdobramentos de movimentos e coletivos de jovens, mobilizados e construídos em periferias urbanas, para estruturação de políticas públicas para as juventudes (Pais, 2003). Nessa linha de investigação, por exemplo, os estudos de Aderaldo e Raposo (2016, p. 283) têm demonstrado que os jovens vinculados aos territórios de exclusão social ganharam projeção pública, por meio da sua associação à criminalidade. Já o estudo exploratório de Santana (2020, realizado no subúrbio de Plataforma (Salvador/Bahia/Brasil), constatou a existência de grupos de jovens que desenvolvem ações socioeducativas em teatro e dança, traduzidas como artísticas e definidas por Santana (2020) como práticas que se inserem nas multilinguagens3.
Em resumo se, por um lado, têm sido objeto de problematização no campo do desvio e da marginalidade, por outro lado também, graças à popularização do acesso aos meios digitais, à aprendizagem informal da manipulação e acesso das ferramentas e recursos tecnológicos, esses jovens se mobilizam em torno de expressõs culturais que apontam para questões centrais na sociedade contemporânea.
Revisão de Literatura e Formulação do Problema de Pesquisa
Em busca do aprofundamento dessa problemática, recorremos ao banco de dados do Google Acadêmico, para a realização da pesquisa bibliográfica que contemplou as seguintes categorias de análise: “coletivos de jovens”, “redes” “prática socioeducativas” e “espaços educativos”. O planejamento de busca seguiu as seguintes etapas e filtros: 1) artigos período de 2013 a 2020; 2) grande área de conhecimento em Ciências Humanas; 3) área de conhecimento em Educação e, 4) finalmente por regiões do mundo. Após a utilização do filtro, registramos 17 (dezessete) estudos distribuídos entre Europa e América Latina e, especificamente, Portugal, França e Brasil apresentam produções que mais se aproximam da temática em questão, nos campos da Sociologia, Psicologia e Educação.
Dos seis estudos encontrados na Europa, destacamos um na França onde Damico (2013) analisou formas de agenciamento da juventude através de práticas esportivas em Grigny Centre, no subúrbio de Paris. Os materiais analisados na perspectiva da cultura apontaram que a juventude pobre na periferia de Paris utiliza o esporte e lazer para prescrever normas e representações de condutas juvenis consideradas adequadas.
Dos cinco de Portugal, Campos e Vaz (2013) estudaram o circuito musical africano que focaliza, principalmente, o rap e graffiti como formas de expressão identitária de jovens afrodescendentes, nos bairros suburbanos da Cova da Moura (concelho da Amadora), do Talude Militar (concelho de Loures), Arentella (concelho do Seixas), Reboleira (concelho da Amadora) e Seis de Maio (Concelho da Amadora).
Raposo e Varela (2017, p. 10) analisaram os estigmas sobre as juventudes nos bairros periféricos de Lisboa e afirmaram que esse processo discriminatório também atingiu os/as jovens dos subúrbios lisboetas na década de 1990, sustentada por inúmeras notícias midiáticas através da “equação pobreza-negritude-violência-bairros”.
Varela, Raposo e Ferro (2020), a partir de uma pesquisa etnográfica realizada no bairro da Cova da Moura e noutros lugares do circuito musical africano da Amadora, investigaram as redes de sociabilidade, identidades e trocas geracionais, protagonizadas por jovens imigrantes cabo-verdianos. Eles concluiram que as sociabilidades e as trocas culturais entre artistas de várias gerações, se estabelecem, muitas vezes, pela partilha de saberes relacionados com os usos das novas tecnologias e com a aprendizagem de instrumentos musicais.
Raposo, Alves, Varela e Roldão (2019) discutiram a relação entre processos mais amplos de racialização e criminalização do território, brutalidade policial e racismo institucional, na Cova Moura, e concluíram que os bairros racializados da periferia constituem um locus privilegiado para entender o modo como o Estado produz e gere as suas margens.
Finalizando, Silva, Correia e Malheiros (2020) nos seus estudos, que apesar de serem degradados, com elevado índice de violência, estes bairros acolhem migrantes de primeira e segunda geração que revelam aspectos culturais de matriz africana com elemento luso. Tratam-se, ainda, de lugares de engenho e criatividade, onde o português e o crioulo se misturam na língua falada nas ruas.
Na América Latina, mais concretamente no Brasil, evidenciamos seis trabalhos. Martins (2017) investigou as experiências, relações sociais e seus significados, entre jovens que atuavam em uma ocupação urbana na cidade de Belo Horizonte. Os resultados revelaram, entre outros aspectos, que a militância na ocupação por meio da Frente de Juventude constituía-se em um espaço socializador e com grande potencial formativo.
Pinheiro (2020), pelas narrativas e observação de práticas culturais produzidas pelos/pelas jovens de bairros periféricos de Porto Alegre, analisou as condições de trabalho para discutir tomadas de posições na produção de alternativas laborais associadas. Assim, programas de integralização da educação, inicialmente experienciados como suportes, são convertidos em campo de ação mediante agenciamentos operados pelos/pelas jovens.
Garrido (2020), no Subúrbio Ferroviário de Salvador/Bahia, investigou as representações sociais de jovens sobre o “futuro” e os resultados apontaram para a evidência de uma significação tecida por redes de compartilhamento que permitem ações concomitantes de saberes e conhecimentos em suas práticas cotidianas.
Nos coletivos investigados por Bomfim e Santana (2020), sobre o mapeamento dos coletivos de jovens no Subúrbio Ferroviário de Salvador/Bahia, os resultados apontam para uma teia de conexões/relações sociais intra e inter coletivos e com vários projetos socioeducativos desenvolvidos por esses sujeitos.
Sobre os estudos comparativos entre Portugal e Brasil, encontramos cinco estudos. Martins (2012), a partir dos membros da Zulu Nation Portugal (Lisboa, Portugal - fundada por brasileiros) e da Associação Posse Hausa (Sã Paulo, Brasil), investigou as associações juvenis na contemporaneidade, a fim de discutir sobre cena urbana atual e as políticas públicas dirigidas aos jovens. Logo, esses membros expressam as saídas para os diversos conflitos presentes no cotidiano e os diversos elementos que influenciam na constituição das identidades partilhadas.
Raposo (2015), comparando os modos criativos de jovens da Favela da Maré (Rio de Janeiro) e de Arrentela (subúrbio de Lisboa), constatou que ambos os grupos se apoiariam da “cultura hip-hop” para fazerem-se visíveis e questionarem as noções dominantes do seu lugar social, contribuindo na construção de novos significados sobre a sua identidade enquanto jovens pobres e negros.
Aderaldo e Raposo (2016) analisaram o modo pelo qual dois coletivos de rappers e realizadores de audiovisuais, vinculados nas regiões periféricas de Lisboa e São Paulo, se utilizam de uma variedade de ferramentas comunicativas, tanto nos espaços urbanos, quanto no ciberespaço. Na interface das esferas on e off-line, concluem que esses/essas jovens se esforçam para expandir suas redes e superar a escassez de certos recursos materiais, econômicos e simbólicos.
E, finalmente, Raposo e Aderaldo (2019), pelo acompanhamento etnográfico das práticas culturais de jovens das periferias de São Paulo e Lisboa, discutiram os modelos de política pública e analisaram seus impactos no fomento da capacidade associativa dessa juventude.
Para aprofundar a nossa revisão de literatura, buscamos o trabalho de Sposito, Almeida e Corrochano (2020) que analisaramm textos elaborados entre 2006 e 2018, sobre jovens como atores coletivos e suas ações na esfera público-política. Assim, verificam as tendências da pesquisa que apontaram para as modalidades de prática, em três eixos: aquelas derivadas da condição estudantil; as que incidem sobre as culturas juvenis; e os movimentos de ação direta, ao lado dos associativismos de base territorial e de mobilizações a partir das identidades.
Sistematizando, dos estudos investigados em Portugal, França e Brasil, a maioria busca de forma pontual, no campo da Sociologia, ou da Psicologia ou da Educação, analisar ou discutir sobre as juventudes e suas práticas culturais, como fortalecimento de identidades ou agenciamento de políticas públicas voltadas para jovens de periferias urbanas. Entretanto, são raros aqueles que articulam, de forma interdisciplinar, a formação ou conexão de redes de coletivos de jovens com suas práticas sociais, sejam culturais ou educativas. Nesse sentido, pela revisão de literatura do período de 2006 a 2020, em ambos os países (Brasil e Portugal) e dos três eixos apresentados por Sposito, Almeida e Corrochano (2020), a nossa temática se diferencia quando se insere numa aglutinação entre o segundo e terceiro, na tentativa de se fazer avançar as pessquisas.
Para além disso, percebemos que do ponto de vista teórico-metodológico, são raros os trabalhos que se utilizam da ancoragem entre a análise das representações sociais com redes sociais. Portanto, discutir sobre formação de redes, características e sua estrutura, como constituidas pelos/pelas jovens de periferias urbanas, pode contribuir para orientação/promoção de práticas sociais em diversos espaços educativos. Isto implica evocar as relações sociais, culturais, educativas como mediadoras de um processo de ressignificação de jovens, nos espaços sociais de exclusão, como forma de disponibilizar ferramentas e instrumentos importantes para educadores e gestores responsáveis por políticas públicas na área de educação, cultura e juventude (Garrido, 2020).
Pelo exposto, urge a necessidade de investigação teórica e empírica que busque analisar como esses coletivos de jovens se comunicam em rede, disseminam conteúdos que estimulam táticas e estilos de vida, e desenvolvem tendências nas práticas socioeducativas que contribuam com a Educação em Periferias Urbanas. Por conseguinte, uma questão guiou nossa pesquisa: No Subúrbio Ferroviário de Salvador/Bahia, como os coletivos de jovens se formam para promoção de práticas socioeducativas? Para tal, os objetivos específicos do estudo buscaram mapear e analisar as características estruturais das redes sociais formadas pelos coletivos de jovens, e interpretar o processo formativo das redes sociais, a fim de apreender as práticas sociais desenvolvidas nos espaços educativos. Para responder essas questões e atender ao objetivo do estudo, buscou-se a Teoria e Método das Representações Sociais ancorada com a Teoria Social de Redes e o método de Análise de Redes Sociais, pois esse enlace nos remete a uma relação indivíduo/sociedade para entender o social, o todo, como processo.
Enlace Teórico e Metodológico da Investigação
A teoria e o método das representações sociais têm possibilitado novas percepções sobre os sujeitos e suas vivências. Além da rede de relações sociais, ambientais, culturais que envolvem a sua trajetória de vida como um todo, considerando sempre esses os caminhos para melhor compreender o mundo, Moscovici (2015, p. 21) define as representaçoes sociais como um “sistema de valores, ideias e práticas construídos socialmente, por meio dos quais indivíduos e comunidades estabelecem uma ordem para se orientarem no mundo material e social e controlá-lo”.
Para Jodelet (2001), elas designam um fenômeno de produção dinâmica, cotidiana e informal de conhecimento, um saber de senso comum de caráter eminentemente prático e orientado para a comunicação, a compreensão ou o domínio do ambiente social, material e ideal de um determinado grupo. Desse modo, as representações sociais emergem como processo que ao mesmo tempo desafia, reproduz, repete e supera um movimento de formação da vida social e de uma comunidade, tendo uma dinâmica que perpassa a estrutura social condicionando a nossa visão de mundo e sendo por ela condicionada, numa relação profundamente dialética e dialógica.
Nesssa linha de pensamento teórico, entendemos que alguma coisa (objeto) é sempre socialmente representada por alguém (sujeito). Logo é uma teoria do senso comum, uma forma de “saber prático” que liga o sujeito a um objeto (natureza social, material ou ideal) a partir das relações em suas práticas sociais. Então, teoricamente, compreender os significados e sentidos que os/as jovens atribuem às suas redes sociais, implica em revelar imagens, como constructos simbólicos, que nos possibilitem identificar sujeitos/elementos (nós) e outras conexões/relações nos coletivos, capazes de fortalecer identidades e orientar práticas socioeducativas em diversos espaços educativos das periferias urbanas. Assim, pela ancoragem é possível verficar como os/as jovens aliam elementos estranhos de suas redes àqueles que lhe são familiares e, pelo processo de objetivação, acreditamos que eles organizam os elementos constituintes de suas representações por meio de percursos que permitam a sua materialidade.
No enlace com a Teoria Social de Rede, Barnes (1987, p. 163) define redes sociais como “processos sociais que envolvem conexões que transpassam os limites de grupos e categorias”. Essa ideia é associada à abordagem processual, quando as representações sociais são consideradas como princípios que organizam as práticas sociais, as relações simbólicas e as pessoas, frente a objetos sociais que as perpassam (Jodelet, 2001; Moscovici, 1961).
Como recurso de análise, Barnes (1987) institui a ideia de redes sociais numa perspectiva sociocêntrica, onde os membros da sociedade ou parte dela estão imersos. Ele parte da ideia de metáfora apresentada por Radcliffe-Brown (1973) para ser utilizada de forma metodológica nos estudos operacionais, com ênfase nas relações sociais, enquanto uma ferramenta de análise dos relacionamentos entre as pessoas, seus elos pessoais e as organizações do contexto em que elas se inserem. Logo, Barnes ressalta em sua proposta que
alguns dos critérios de análise: tamanho da rede, ou seja, o número de unidades na rede; atenção dada aos efeitos em “A” da relação entre “B” e “C”; se o estudo é sobre questões relacionadas a contatos indiretos ou a categorias / questões individuais. (1972, p. 3)
Complementando com os estudos de Lago Júnior (2005), podemos ainda utilizar outros critérios estruturais como: identificação dos atores sociais (como um nó), suas ligações ou representações gráficas de linhas que conectam os pontos (atores). As ligações entre dois atores ou mais podem nos permitir aferir o tamanho, definido pela quantidade de conexões existentes entre os atores de uma rede. Segundo ele, ainda na estrutura podemos identificar posição hierárquica, localização, afinidade, idade, escolaridade, sexo. Por sua vez, a densidade ou a potencialidade pode ser verificada pelo resultado entre o número de ligações existentes ou possíveis, permeada pelo fluxo de informações. Finalmente, é possível identificar pela distância, em relação a sua localização, a coesão existente entre os atores sociais de uma rede social.
Teoricamente, para mapear os coletivos de jovens, estruturar e caracterizar suas redes sociais, duas abordagens fizeram-se necessárias: a processual e estrutural; onde utilizamos os processos de ancoragem e objetivação, para desvelar saberes como orientadores de condutas e práticas sociais. Assim, enlaçamos a abordagem estrutural das representações sociais à análise social de redes, a fim de ultrapassar os limites colocados para o uso analítico de redes em “nós” (pessoas) e relacionamentos entre elas em “linhas” ou “elos”.
Portanto, no campo da Educação e da Psicologia Social, possivelmente, a construção social da realidade de jovens do Subúrbio Ferroviário de Salvador se manifesta pelos saberes e práticas do cotidiano. Essa construção, enquanto processo, alicerça as representações sociais pela comunicação e interação social que, por sua vez, evidenciam informações, organizadas e partilhadas coletivamente, revelando imagens que determinam o seu campo e guiam a ação social.
Procedimentos Metodológicos da Investigação
A pesquisa foi qualitativa de caráter interpretativo/descritivo e buscou compreender a realidade social construída pelos atores/participantes (Minayo, 2001). A abordagem foi do tipo exploratória, quando os resultados contribuíram para o avanço das pesquisas sobre a temática: formação de coletivos de jovens e práticas socioeducativas em periferias urbanas.
Após a abordagem metodológica privilegiada, descrevemos detalhadamente o percurso metodológico da investigação (Figura 2): a escolha e justificativa do locus da pesquisa, a constituição e as características dos sujeitos/participantes, os dispositivos de colheita e os métodos e técnicas de análise dos dados recolhidos.
A investigação empírica foi realizada em duas etapas. A primeira foi desenvolvida em dois momentos, com a finalidade de mapear e analisar as características estruturais das redes sociais formadas pelos coletivos de jovens e interpretar o processo formativo das redes sociais. Em seguidaa buscamos apreender as práticas sociais desenvolvidas nos espaços educativos para o desenvolvimento de Educação em Periferias Urbanas.
Inicialmente, em 2019, nos quatro bairros do Subúrbio Ferroviário de Salvador e dentro da população geral, localizamos o perfil necessário para a investigação, deu-se o contato com as pessoas consideradas como sementes: líderes ou representantes dos coletivos, maiores de 18 anos e que aceitaram espontaneamente participar do estudo. Encontramos um coletivo e um projeto social em cada bairro (Paripe, Periperi, Plataforma e Lobato) e pela técnica da amostragem em snowball sampling (Biernarcki & Waldorf, 2018) ou “bola de neve”, aplicamos uma entrevista presencial, com dez questões (ver Apêndice).
No segundo momento, em 2020, considerando o distanciamento social durante a pandemia do SARS-CoV2, os contatos foram feitos por telefone/WhatsApp e a entrevista gravada foi realizada aos outros informantes em potencial. Aos mesmos lhes foi solicitado, para além de outras questões, que indicassem outros contatos com características desejadas, a partir de sua própria rede social. Sucessivamente, a rede foi crescendo a cada entrevista e encerrada quando não houveram novos nomes e as informações foram saturadas.
O conteúdo da entrevista foi tratado pelo software Statistical Package For The Social Science (SPSS) e analisado estatisticamente pela frequência simples e percentual. Para análise específica da formação e articulação em redes dos coletivos, as informações recolhidas foram tratadas pelo GEPHI/Cfinder, pois é um software de código aberto distribuído sob a licença dupla CDDL 1.0 e GNU General Public License v3, disponível em Java para Windows. Em seguida, o conteúdo tratado foi analisado pelo método de redes sociais (ARS) e pela análise do conteúdo de Bardin (2011).
Na segunda etapa, como forma de complementar a nossa colheita de informações, optamos pela rede social Facebook que auxiliou na ampliação do mapeamento e na análise do processo de formação de redes (Figura 3).
Em relação ao Facebook, analisamos a construção de uma rede, a partir de curtidas de páginas de uma temática específica e em comum. Uma rede de curtidas de páginas forma uma rede direcionada entre páginas que curtiram outras. Com essa técnica, foi possível extrair diversas informações, tais como: Ranking das principais páginas do segmento; as mais influentes, utilizando diferentes métricas de análise de redes; e as de maior audiência, observando o número de fãs que as páginas possuem; ranking das principais páginas de outros segmentos, com a rede.
Mapeando e Desvelando “Nós” e “Elos” que Conectam os Jovens Periféricos do Subúrbio Ferroviário de Salvador
A pesquisa realizada por meio de entrevistas presenciais e por meio do celular/WhatsApp, junto aos líderes dos coletivos, nos permitiram evocar e materializar a fala do total de dez participantes. Em seguida, após a análise por abordagem em camadas no Facebook, conseguimos ampliar para 30 coletivos distribuídos em vários bairros do subúrbio Ferroviário de Salvador (Tabela 1).
N° | Coletivo | Localização | Multilinguagens | Quant. |
---|---|---|---|---|
01 | New Black (swing baiano) | Plataforma | Dança | 15 |
02 | Ns Crew (break) | Plataforma | Dança | 09 |
03 | Real gang´z (break) | Plataforma | Dança | 15 |
04 | Crew Hot Break (break) | Plataforma | Dança | 05 |
05 | Reforma Cia de Dança | Plataforma | Dança | 06 |
06 | Salt Jazz (Stilleto) - | Plataforma | Dança/Performance | 16 |
07 | Herdeiros de Angola | Plataforma | Dança/Teatro | 45 |
08 | Conect Dance | Plataforma | Dança | 15 |
09 | Projeto Sim | Plataforma | Teatro | 30 |
10 | Star Black | Plataforma | Teatro | 06 |
11 | Dudu Odara | Plataforma | Teatro | 10 |
12 | Esquadrão | Plataforma | Teatro | 05 |
13 | Teatril | Plataforma | Teatro | 08 |
14 | Jovens Perifericos | Plataforma | Teatro | 35 |
15 | Club da lulu | Plataforma | Teatro | 11 |
16 | A Rua | Plataforma | Teatro | 03 |
17 | Cumming | Plataforma | Teatro | 16 |
18 | FCP Company | Plataforma | Teatro | 16 |
19 | Cutucar | Periperi | Teatro | 33 |
20 | Ruásia | Plataforma | Teatro | 100 |
21 | Coletivo Incomode | Paripe | Teatro | 23 |
22 | Produtores do Subúrbio | Alto do Cabrito | Teatro | 15 |
23 | MCPS | Lobato | Teatro | 06 |
24 | Centro Cultural Mamulengo | São T. de Paripe | Teatro | 04 |
25 | Jovens Periféricos | Fazenda Coutos | Teatro | 07 |
26 | Fous Modas Produções | Plataforma | Teatro | 09 |
27 | Marias Suburbanas | Plataforma | Teatro | 13 |
28 | Coletivo Cabeça | Paripe | Teatro | 14 |
29 | Sarau do Cabrito | Alto do Cabrito | Teatro | 12 |
30 | Os Encralacados | Plataforma | Teatro | 10 |
TOTAL | 512 |
Fonte: Pesquisa de campo (2020).
Em uma análise mais aprofundada do conteúdo da entrevista e das camadas no Facebook, conseguimos agrupar as seguintes categorias: número de coletivos, por período de criação, localização, número de participantes e suas ações educativas (Tabela 2).
N° de Coletivos | Período de Criação | Localização | Quant. | Ações Educativas |
---|---|---|---|---|
01 | 2018 a 2020 | Lobato | 06 | Teatro |
02 | 2018 a 2020 | Alto do Cabrito | 27 | Teatro |
01 | 2018 a 2020 | Fazenda Coutos | 07 | Teatro |
01 | 2016 a 2020 | Periperi | 33 | Teatro |
02 | 2016 a 2020 | Paripe | 37 | Linguagens artísticas como a fotografia, literatura e performances |
01 | 2016 a 2020 | São T. Paripe | 04 | Teatro |
22 | 2014 a 2020 | Plataforma | 398 | Linguagens artísticas como a fotografia, literatura, performance e dança |
30 | 512 |
Fonte: Pesquisa de campo (2020).
Os coletivos mapeados se formaram entre o período de 2014 a 2018, onde aqueles com o maior número de integrantes se localizam nos Bairros do Subúrbio de Plataforma (398), seguido por Paripe (37), Periperi (33) e Alto do Cabrito (27). Aqueles com os menores números se localizam respectivamente nos bairros do Lobato (06), Coutos (07) e São Tomé de Paripe (04) e praticam ações educativas que se inserem nas multilinguagens, tais como: teatro, dança, linguagens artísticas como a fotografia, literatura e performances.
Constatamos que o processo de formação da maioria dos grupos acontece pela interação e inquietação dos participantes em produzir arte e educação com os moradores das comunidades, numa perspectiva de fazer algo que evidenciasse a periferia. Nesse processo, segundo os/as jovens, a rede vai se ampliando na medida em que um ator social, ou mais, se apresenta ou se apresentam, convida ou convidam outros, numa oportunidade de organização de seus próprios grupos. Por unanimidade os objetivos da formação desses coletivos gravitam em torno de contribuir para o fortalecimento da identidade cultural, social e educativa, integrar a comunidade, educar e fazer com que a periferia e os jovens sejam vistos de outra forma, sem preconceitos.
Dos 30 coletivos informados, mapeados e formados, 22 que se localizam em Plataforma são os mais antigos. Desses, quatro com uma média de quatro anos estão localizados em Periperi, Paripe e São Tomé de Paripe e quatro com uma média de dois anos estão localizados nos bairros de Lobato, Alto do Cabrito e Fazenda Coutos (Figura 4).
Em síntese, dos 15 bairros que constituem o Subúrbio Ferroviário de Salvador, a leitura interpretativa dos dados informados pelos participantes indicou que os coletivos com maior número de jovens se localizam nos bairros mais populosos: Paripe (55 mil hab.), Periperi (47 mil hab.) e Plataforma (34 mil hab.).
Características e Estrutura das Redes Sociais Formadas pelos Coletivos de Jovens
Nessa etapa do estudo, os mesmos líderes foram solicitados a responder se eles conheciam outro coletivo ou outros. Em caso de respostas positivas, eles deveriam dizer como conheceram, se mantêm conexão (articulação) com esse (s) coletivo (s) e o que conecta o seu coletivo ao (s) outro (s). As respostas transcritas e analisadas, geraram o quadro da Tabela 3.
Coletivo | Localização | Lugar(es) de atuação | Conexão | Localização dos Grupos | Fatores da Conexão |
---|---|---|---|---|---|
Ruásia (100) | Plataforma | Plataforma Paripe | Herdeiros de Angola Projeto Sim Cutucar | Plataforma Paripe | IG; S; AAE |
Herdeiros de Angola (45) | Plataforma | Plataforma | Os Encralacados Moveer Dancer Projeto Sim | Plataforma | IG; S; AAE |
Cutucar (33) | Paripe | Paripe Fazenda Coutos Plataforma | Mobunjá Coletivo Incomode Os Encralacados A Rua | Fazenda Coutos Paripe Plataforma | IG; S; AAE |
Projeto Sim (30) | Plataforma | Plataforma | Herdeiros de Angola | Plataforma | IG; S; AAE |
Coletivo Incomode (23) | Paripe | Paripe Plataforma | Cutucar | Paripe | IG; S; AAE |
Produtores do Subúrbio (15) | Alto do Cabrito | Alto do Cabrito | Sarau do Cabrito | Alto do Cabrito | IG; S |
Sarau do Cabrito (12) | Alto do Cabrito | Alto do Cabrito | Produtores do Subúrbio | Alto do Cabrito | IG; S |
Os Encralacados (10) | Plataforma | Paripe Fazenda Coutos | Coletivo Cutucar Mobunjá | Paripe Fazenda Coutos | IG; S; AAE |
Grupo Esquadrão (5) | Plataforma | Plataforma | Moveer Dancer | Plataforma | IG; S |
A Rua (3) | Plataforma | Periperi | Cutucar | Periperi | IG; S |
Fonte: Pesquisa de campo (2020).
Legenda: IG (identidade de grupo); S (Solidariedade); AAE (Atividade de arte e educação).
Considerando as características e estrutura de redes sociais de coletivos de jovens, foi possível afirmar que os coletivos cujos líderes compuseram a primeira amostra, correspondem a 33,3% do total e abrigam 53,9% da população total, ou seja 276 jovens. Os dados também revelaram que, para além do seu local de origem, esses coletivos atuam em outros bairros do subúrbio, principalmente em Paripe e Plataforma. A partir dessas características, foi possível inferir que esses coletivos se estruturam a partir dos atores sociais que formam grupos e subgrupos.
Complementando pela análise estrutural de redes sociais (Lago Júnior, 2005): identificação dos atores sociais (como um nó), ligações que conectam os pontos (atores), subgrupos de atores (posição hierárquica), localização, afinidade e perfil, os dados analisados e tratados no software (Figura 5).
Nesse arranjo estrutural foi identificado um grande grupo formado pelo Coletivo Cutucar (33), não pela sua densidade populacional, mas sim pela sua primeira posição hierárquica e pela capacidade de atrair e de se articular com outros grupos menores. Esse coletivo estabelece conexão com três subgrupos e formam uma segunda ordem hierárquica de maior para menor atração de conectividade: Os Encralacados (10), Incomode (23), Rua (03) e Mobunjá; sendo os três primeiros localizados em Plataforma e o último em Fazenda Coutos. Ainda é possível observar que, nessa mesma ordem hierárquica, se revelam os Coletivos: Ruasia (100), Herdeiros de Angola (45), Projeto Sim (30), Encralacados (10) e Moveer Dance todos localizados em Plataforma, onde existe um Centro Cultural que permite aos jovens o exercício de suas práticas socioedductivas. Encontramos, ainda, como grupos isolados e que se conectam entre si, como: Produtores do Subúrbio (15) e Sarau do Cabrito (12). Estes localizados no Bairro do Alto que se conectam entre si.
O Esquadrão (05), de Plataforma, por afinidade se conecta com o Moveer Dance. Vale salientar que nessa representação da estrutura de redes sociais, 11 (onze) coletivos apareceram, dois não foram entrevistados, apenas citados pela técnica da “bola de neve”. Considerando as ligações entre os atores, constatamos que no Coletivo Cutucar os seus 33 atores sociais estabelecem conexões com 36 outros ou mais, Herdeiros de Angola com 45 atores jovens que se conectam com 40 ou mais, do Projeto Sim e dos Encralacados.
Os resultados apontaram que dos 30 coletivos, 276 jovens (53,9% deles) se conectam entre si. Isso nos permitiu concordar com Lago Júnior (2005) sobre a quantidade de conexões existentes e o número de atores conectados, e afirmar que as redes sociais dos coletivos de jovens do subúrbio são extensas e densas em potencial. Isso significa que o fluxo e troca de informações são intensos nessas redes sociais. Segundo Pimentel (2019, p. 26) a “organização do contexto educacional incluirá nas suas propostas as capacidades básicas previstas para os indivíduos atuem e se auto-organizem em vários contextos e situações complexas”.
Elementos Significativos da Formação de Redes para Promoção de Práticas Socioeducativas nas Periferias Urbanas
Os discursos carregados de significados sociossimbólicos e afetivos dos/das jovens, permitiram fazer emergir um conteúdo constituído traduzido em imagens que revelaram seus atos e suas conexões transversalizadas de saberes capazes de fortalecer identidades e orientar práticas socioeducativas nas periferias urbanas (Figura 6).
Por conseguinte, essas práticas exercidas nos espaços de pertencimento podem contribuir com o fortalecimento de memórias e identidades locais. Como afirma Hall (2006), não podemos falar de identidade sem falar em alteridade. Significa dizer que o conteúdo e o processo de construção dessas representações revelaram a promoção das redes sociais que nos permitem entender, dentro do discurso, relações ambivalentes de conflitos e afetividade, identitárias e de pertencimentos.
Este conteúdo e processo colocam em relevo sua participação efetiva e suas atividades nas periferias urbanas que nos permitem entender como se articulam as relações entre os atores sociais e outras territorialidades. De forma mais clara, o processo de formação dos coletivos de jovens se estabelece e se amplia pela inquietação dos seus participantes em promover arte e educação capazes de visibilizar a si e sua comunidade.
Dialogando esses elementos com aqueles pensados por Barnes (1972) e Mitchel (1969), quando concebem rede como uma relação de vínculos interpessoais e conexão entre os papéis de cada ator. Também Elias (1994) chama atenção para o indíviduo no social e Colonomos (1995) quando define redes sociais como relações sociais integradas que se estabelecem entre os atores e um grupo de atores. Podemos afirmar que existe uma relação entre jovens e comunidade na perspectiva de entender o social, o todo, como processo. Isso significa dizer que esses jovens são membros da sociedade, logo eles são parte dela e se inserem nos grupos sociais ligados entre si por laços sociais que se estabelecem dentro do princípio da ambivalência. Corroborando com as análises e resultados de Lago Júnior (2005) e Acioli (2007), particularmente pelas características e estrutura das redes sociais de jovens nos coletivos das periferias urbanas, podemos explicar as formas de organização e articulação destes coletivos e a promoção de suas práticas socioeducativas nos territórios de exclusão social. Ou seja, a partir de grupos centrais, existe uma extensa e uma densa conexão tecidas por imagens de fios e malhas que explicam o grande fluxo de informações e, consequentemente, a potencialidade dessas práticas. O que contraria as ideias de Loiola e Moura (1997), pois, para estes autores, os grupos centrais são a fonte geradora da rede social.
Foi feita a apreensão do seu conteúdo e compreensão do processo de construção de representações sociais, na análise da formação de redes sociais dos coletivos de jovens da periferia. Agora nos resta mostrar como a utilização desses elementos pode contribuir para avançar na construção do conceito de práticas socioeducativas
Contribuição do Estudo para o Avanço do Conceito de Práticas Socioeducativas nas Periferias Urbanas
Em geral, Bisinoto et al. (2015) afirmam que os marcos legais e políticos utilizam termos como “atendimento socioeducativo”, “ação socioeducativa”, “práticas de socioeducação”, “política socioeducativa”, entre outros. Nesse sentido, Branco (2006) sugere novas perspectivas de estudo para o avanço de elaborações teóricas e o desenvolvimento de práticas culturais e socioeducativas que venham a contribuir para as necessárias transformações sociais, muito especialmente o desenvolvimento de elaborações e práticas que tenham por objetivo a construção de uma cultura de paz.
É nessa perspectiva que esse estudo ganha relevância, pois existe pouca reflexão teórica sobre socioeducação e práticas educativas, tampouco aqueles que abordem a relação destas práticas com a formação de redes sociais de coletivos de jovens nas periferias urbanas. Com base nos resultados desse estudo, os jovens de periferias urbanas, por meio de suas representações sociais construídas orientam o mundo material, social e ideal de seus coletivos nas suas comunidades.
Os estudos de Bomfim (2004) se aproximam do nosso, quando têm demonstrado que os jovens constroem representações sociais e, por um lado, essas têm orientado a analise e interpretação do espaço geográfico. Por outro lado, elas têm permitido a esses jovens, como atores sociogeográficos, pensar e agir como ator social no espaço cotidiano. Considerando a temática educação, representações, jovens e espaços vividos, Santos (2017) busca o pensar e agir de jovens como forma de contribuir para orientação de práticas socioeducativas nas periferias urbanas.
Os resultados dessa pesquisa apontam para a participação efetiva de jovens, cuja organização e articulação dos coletivos lhes permitem pensar e agir voltados para o exercício de práticas socioeducativas. Essas práticas se apresentam em três dimensões: socioeducativa, atitudinal e funcional, e se articulam entre si e outros, constituindo-se em outras territorialidades (Figura 7).
Na socioafetiva, essas práticas são entendidas como aquelas que engendram e são engendradas por valores concebidos como crenças impregnadas de afeto e significação social e subjetiva. Neste sentido, os e as jovens são membros da sociedade, logo são parte dela e se inserem nos grupos sociais ligados entre si por laços sociais que se estabelecem dentro do princípio da ambivalência. Assim se organizam e se articulam em coletivos e em redes sociais para a promoção de suas práticas socioeducativas em espaços educativos não formais considerados espaços sociais.
Na dimensão atitudinal, podem ser conceituadas como atos de investimentos desses jovens, traduzidas como experiências formativas em arte e educação capazes de contribuir para a quebra de estigmas, com o fortalecimento de redes colaborativas e identitárias. Neste sentido, criam redes de significados sobre as coisas do mundo nas práticas cotidianas, que Gohn (2006) reforça, quando afirma que os processos de formação que fluem através dessas organizações difundem habilidades práticas que permitem aos sujeitos atuar na vida pública. Assim, a educação ganha destaque não tanto por seus aspectos na área do ensino formal, mas também não formal, ou seja, pelas aprendizagens geradas na experiência cotidiana. Essa participação se torna um importante dispositivo formativo na vida dos cidadãos.
Nesse conjunto se instaura a dimensão funcional, fornecendo informações significativas para a compreensão das articulações entre os valores construídos pelos jovens e suas práticas socioeducativas que se dão no contexto da família, da escola dentre outros espaços de formação. Logo, as experiências juvenis vão sendo submetidas às práticas exercidas nos coletivos que, embora não se assemelhem aos rituais escolares, ainda pretendem promover sobre estes um processo efetivo de socialização.
Portanto, avançamos para um conceito de práticas socioeducativas em periferias urbanas, como aquelas que são originárias do pensamento social, da objetivação, dos atores sociais que se revelam como imagens cognitivas e sociais, e se materializam em formas constitutivas de sua realidade socioespacial.
Considerações Finais
Na perspectiva de se fazer avançar o conhecimento teórico sobre redes sociais de jovens periféricos, esse estudo em contexto do Subúrbio Ferroviário de Salvador -Bahia, nos levou a investigar as estruturas e características dessas redes sob a base fundante da Teoria e Método das Representações Sociais e Teoria de Análise Social de Redes. Esta abordagem possibilitou compreender como os coletivos de jovens se conectam e se articulam para realizar suas ações sociais, educativas, culturais e políticas como marcadores importantes para o fortalecimento dos processos formativos e identitários desses atores e da comunidade local.
Pela análise processual, a partir dos elementos cognitivos e sociais da objetivação e ancoragem, foi possível perceber que os saberes construídos por esses jovens corroboram o pensamento de Jodelet (2001) e Moscovici (1978) quando afirmam que esses saberes designam um fenômeno de produção dinâmica, cotidiana e informal do conhecimento inerente à compreensão material e ideal desses coletivos. Para além disso, eles emergem desses coletivos pelas diferenças próprias das singularidades humanas de cada jovem, formando as pluralidades que expressam os seus modos de vida e são a base para suas condutas e suas ações educativas, traduzidas como práticas sociais.
Logo os resultados respondem às questões de pesquisa quando constatamos que são essas conexões que mantêm os lugares e seus grupos representativos como grupo de pertença, amalgamando assim o espírito de solidariedade de uma comunidade que vive num ambiente caracterizado por questões importantes e marcado pelo pragmatismo das atividades sociais e pela simbologia destes lugares. Também são nessas redes que os grupos desenvolvem práticas socioeducativas significativas para o processo formativo de seus participantes, bem como para a visibilidade e fortalecimento de suas identidades como bases fundantes para o desenvolvimento da Educação em Periferias Urbanas. Em síntese, o estudo da formação de redes de coletivos de jovens de periferias urbanas aporta para essa modalidade de educação um corpo de conhecimentos que nos permitiu, pelos saberes existentes nos campos da Psicologia e da Sociologia, explicar sua contribuição, nos planos: científico, socioeducativo e didático.
Plano científico
Com efeito, fornecem conhecimentos que podem ajudar os educadores sociais, os gestores e professores no seu esforço de compreender como os jovens se organizam, tanto nas redes sociais como o seu próprio pertencimento ao espaço social. Logo, apreender a relação entre a formação das redes socias de jovens periferias urbanas e suas práticas socioeducativas é entender a ordem do perceptivo e do simbólico em três modos. O primeiro se refere ao modo de identificação dos coletivos e seus objetivos, por meio da interpretação das suas representações e práticas socioeducativas. A segunda diz respeito ao modo que eles estabelecem com os grupos e os lugares que convoca formas de relações sociais que estabeleçam um vínculo afetivo com seu espaço vivido. Por fim, esse conjunto permite identificar o terceiro modo, o da valorização de jovens e seu espaço social vivido, cujas formas de sociabilidade no espaço revelam os seus atos de investimentos.
Plano socioeducativo
Este estudo tem um significado socioeducativo porque, o fato de integrar as representações e redes sociais às práticas socioeducativas, envolve uma interação entre o conhecimento significativamente construído pelos jovens e o conhecimento acadêmico. É provável que essa interação torne inteligíveis as definições e os conceitos teóricos desenvolvidos pelo conhecimento científico da área. Significa dizer que uma reflexão sobre a formação de redes é concebida pelos saberes de “senso comum” e pelas práticas socioeducativas em periferias urbanas enquanto responsáveis pelo processo formativo de jovens ativos e participativos. Portanto, recomenda-se que, nas tomadas de decisão, os pesquisadores, lideranças, educadores e professores reconheçam a necessidade de submeter à discussão sobre a Educação em Periferia Urbana, na qual as diferentes representações socio-espaciais estão inscritas. Isso possibilitará o desenvolvimento de uma postura democrática que valorize o ponto de vista dos sujeitos considerados como atores sociogeográficos.
Plano didático
A relevância didática deste estudo passa, ainda, pela integração das formas de compreensão das práticas socioeducativas no ensino e na aprendizagem da Educação em Periferias urbanas que, quando possível, incluam conteúdos interdisciplinares da História, Geografia, Psicologia, Sociologia entre outros. Sugerimos: questões étnico-raciais, o homem no espaço, sua cultura, suas práticas e atividades cotidianas, localizações, qualidade de vida, relações entre os sujeitos e seus territórios, etc. Estes conteúdos justificam a necessidade de compreender melhor as representações e práticas sociais no/do espaço que evidenciam a subjetividade e o valor que os educandos atribuem aos lugares, possibilitando apreender alguns elementos da relação socioespacial.
Todos esses planos levam à dimensão política, tomando este conjunto de elementos simbólicos que revelaram imagens que identificam os jovens, seus atos e suas conexões transversalizadas de saberes capazes de fortalecer identidades e orientarpráticas socioeducativas. Isso significa dizer que, por sua vez, os resultados desse estudo possam contribuir à melhoria das políticas públicas, por meio da produção de princípios-guia para juventudes em diversos espaços educativos das periferias urbanas.
No momento, o grande desafio que se apresenta é o de trabalhar a relação dessas práticas no espaço educativo não formal com aquelas desenvolvidas nas escolas de periferias urbanas. Por isso, a necessidade de avançar nas pesquisas que tratem dessa relação dialógica, valorizando a produção de sentidos, a reafirmação de que a educação não se realiza somente nas escolas, mas também como processos de formação do sujeito, troca de saberes e práticas educativas em diferentes espaços educativos. Para tal, a questão que se formula para os próximos estudos é: Qual a relação que se estabelece entre as práticas socioeducativas no espaço não formal e aquelas desenvolvidas nas escolas de periferias urbanas? Trata-se de uma reflexão para professores, gestores, especialistas em educação e um desafio para novas pesquisas.