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Comunicação e Sociedade
versão impressa ISSN 1645-2089versão On-line ISSN 2183-3575
Comunicação e Sociedade vol.30 Braga dez. 2016
https://doi.org/10.17231/comsoc.30(2016).2493
ARTIGOS TEMÁTICOS
Participação e autonomia relativa no Conselho Curador da EBC
Participation and relative autonomy in the EBC's Curator's Council
Allana Meirelles Vieira*; Iluska Maria da Silva Coutinho**
*Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais, Universidade de Juíz de Fora, Brasil allanameirelles@hotmail.com.
**Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais, Universidade de Juíz de Fora, Brasil, iluskac@globo.com.
RESUMO
Este artigo tem como proposta analisar como foi a atuação do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), então principal instância de participação da sociedade civil da empresa de serviço público de comunicação do país. A partir da análise de documentos, estatutos e normas, buscou-se observar o perfil dos atores que compunham o organismo e os segmentos da sociedade civil que eles representavam, refletindo assim sobre a autonomia relativa do Conselho. Além disso, adotou-se a análise de conteúdo dos debates sobre os planos de trabalho da EBC, a fim de refletir sobre a participação dos atores nas deliberações do Conselho. Nesse sentido, partiu-se de uma perspectiva maximalista da participação, entendendo que, na esfera midiática, ela vai além da interação com o conteúdo. Da mesma forma, entende-se as limitações do processo de representação e, portanto, a proposta foi refletir sobre que grupos conseguiram espaço nesse âmbito, da origem da empresa até a edição da medida provisória 744/16, que extinguiu o Conselho Curador da EBC. Além disso, compreende-se que os processos de participação da sociedade civil e a autonomia do Conselho Curador se refletiram no período analisado na autonomia relativa da empresa como um todo.
Palavras-chave: Participação; autonomia relativa; EBC; serviço público.
ABSTRACT
This paper aims to analyze the acting of the Curator's Council of Empresa Brasil de Comunicação (EBC), the main space of civil society participation of the communication company of public service in the country. From the analysis of documents, it seeks to analyze the profile of the actors who take part of the Curator's Council and the segments of civil society they represent, reflecting on the relative autonomy of the organism. In addition, it is adopted a content analysis of the debates about the EBC work plans in order to think about the participation of the actors in the deliberations of the Curator's Council. In this sense, it is adopted a maximalist perspective of participation, understanding that it goes beyond the interaction with the content, in the media sphere. Similarly, it is understood the limitations of the representation process and, therefore, the proposal is to reflect on what groups can take part of this space, since the beginning of EBC until today. Furthermore, it is understood that the process of participation of civil society and the autonomy of the Curator's Council reflect on the relative autonomy of the enterprise as a whole.
Keywords: Participation; relative Autonomy; EBC; public service.
Introdução[1]
Em contraposição ao modelo de desenvolvimento dos meios audiovisuais na Europa, no Brasil, as emissoras de televisão se consolidaram como empreendimentos comerciais (Bolaño, 2004), embora a exploração dos canais de radiodifusão se exerça a partir de concessão pública. A função de publicidade e propaganda[2] da Indústria Cultural, observada por Bolaño (2000), foi, no contexto histórico brasileiro, realizada pelos meios de comunicação privados, em especial, a Rede Globo. Assim, os veículos denominados públicos, no país, apresentam uma função de “complementaridade marginal” (Valente, 2009).
Criada em 2007, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC) surge com a proposta de formar uma rede de emissoras de rádio e televisão públicas e de suprir uma lacuna no sistema de radiodifusão, já que a Constituição Brasileira de 1988 prevê uma complementaridade entre os modelos privado, estatal e público – embora, não defina o conceito de “público”, contribuindo, assim, para uma disputa sobre o projeto a ser elaborado.
Entre a perspectiva que entende a comunicação “pública” a partir do “dever ser” – baseadas, em geral, na análise histórica de Habermas sobre a esfera pública (Habermas, 2003), independente do Estado e do mercado – e aquela que analisa esses veículos como eles são – por meio de uma visão gramsciana de Estado[3], entendendo a impossibilidade de se ter uma esfera completamente independente da sociedade política e do mercado –, opta-se pela segunda vertente. Ainda assim, compreende-se a possibilidade de uma autonomia relativa, no sentido de determinado nível de distanciamento em relação ao governo e ao mercado.
Nesse sentido, embora se afirme a impossibilidade de se desvincular completamente dos interesses governamentais ou comerciais, considera-se a necessidade de determinado nível de autonomia em relação a essas esferas. Assim, ora a EBC se aproxima da comunicação pública e ora da comunicação governamental. Isso porque, por um lado, ela é responsável por gerir os canais públicos – como a TV Brasil, a TV Brasil Internacional, a Agência Brasil, a Radioagência Nacional e o sistema público de Rádio, composto por oito emissoras –, por outro, ela presta serviços à Secretaria de Comunicação do Governo Federal (Secom), a qual está vinculada, com a produção de programas governamentais – como Voz do Brasil, Café com a Presidenta e Bom dia Ministro. A mistura de atribuições, a vinculação à Secom e a indicação dos principais cargos de direção da empresa pela Presidência da República colocam em questionamento seu caráter público. Entretanto, havia determinadas regras que impediam que a emissora fosse instrumentalizada pelo governo, como, por exemplo, o mandato fixo desses mesmos cargos de direção, que não podiam ser substituídos a bel-prazer do Executivo Federal[4].
Nesse desenho institucional havia também a presença do Conselho Curador, responsável por fiscalizar o cumprimento do caráter público, a partir de um acompanhamento da programação e do conteúdo veiculado pelos canais da EBC. Além disso, ele se configurava como o principal espaço de participação da sociedade civil no âmbito da empresa. Essa participação é, inclusive, um dos principais diferenciais do modelo público em relação ao comercial e ao governamental. Diversos autores (Coutinho, 2013; Fidalgo, 2005; Pinto, 2005a; Rincón, 2002; Rodríguez & Villanueva, 2010; Rothberg, 2011) têm apontado, do ponto de vista normativo, para a necessidade de autonomia e de participação nas emissoras públicas bem como de sua responsabilidade com a cidadania:
a participação dos cidadãos enquanto tal é ou deverá ser intrínseca da ideia de serviço público de televisão, pelo que este serviço só se justifica inteiramente quando e na medida em que conte com eles em todas as etapas e dimensões, desde a definição política, às formas de concretização e à respectiva avaliação. (Pinto, 2005b, p.57)
Assim, Pinto acredita no papel das emissoras públicas enquanto espaços das instituições, dos grupos e das organizações da sociedade civil, concretizando “um outro modo de estar presente na sociedade” e, portanto, tornando essa televisão “uma verdadeira televisão dos cidadãos” (Pinto, 2005a, p. 14). Na mesma linha, Rumphorst defende que a diferença do “serviço público” é que “a radiodifusão de serviço público é uma radiodifusão feita para o público, financiada pelo público e controlada pelo público” (Rumphorst citado em Pinto, 2005a, p. 9).
A partir dessas considerações, pretendeu-se, neste artigo, analisar a estrutura e a composição do Conselho Curador da EBC, observando as regras de funcionamento, os atores que faziam parte desse organismo e os segmentos da sociedade civil que tinham representação no Conselho – entendendo, portanto, que o processo de representação é limitado, já que jamais será possível abranger toda a sociedade civil, em sua pluralidade. Dessa maneira, é possível pensar os mecanismos de participação nas emissoras de serviço público. A investigação foi realizada a partir da análise de documentos, estatutos e normas de funcionamento da EBC e do Conselho Curador. Além disso, adotou-se a análise de conteúdo das deliberações sobre o plano de trabalho da EBC, a fim de pensar a participação dos atores da sociedade civil, nesses debates.
Os resultados do estudo, que integrou uma pesquisa macro, desenvolvida, desde 2010 no âmbito do “Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais” e, entre 2014 e 2016, em um programa de pós-graduação, foram profundamente alterados com a edição da medida provisória 744, de 2 de setembro de 2016, que extinguiu o Conselho Curador e modificou a estrutura da EBC, tornando possível, entre outros pontos, a substituição do presidente da empresa a qualquer tempo pela presidência da república. A publicação da MP 744/16 um dia após o afastamento definitivo da presidente eleita Dilma Roussef motivou publicações de notas de repúdio de entidades como Intercom, Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação; Fórum em Defesa da EBC e da Comunicação Pública; Intervozes etc. Esses textos denunciavam os limites impostos com a medida para a participação da sociedade e sobretudo quanto à independência da EBC em relação ao Governo Federal, perdendo assim seu caráter público.
Participação na esfera midiática
As teorias da participação democrática podem ser divididas entre as concepções minimalistas e as maximalistas, como Carpentier aborda em seu estudo sobre a participação midiática. Segundo ele (2011), as teorias minimalistas tendem a focar a representação e a delegação de poder, a partir de um ponto de vista que considera a política como privilégio das elites. Por outro lado, as maximalistas, equilibram participação e representação, partindo de uma perspectiva de maximização da primeira. O segundo aspecto diferencial entre as duas abordagens diz repeito ao enfoque na macro ou na micro participação. Enquanto os minimalistas consideram apenas a perspectiva macro, ou seja, de decisões políticas a nível nacional ou de uma comunidade política imaginada, os maximalistas entendem a participação também na realidade micro – da escola, da família, do bairro, da igreja etc. Desse modo, os primeiros focam a política institucionalizada a partir de uma conceituação estreita de “política”, enquanto os maximalistas entendem a política como uma dimensão do social, perpassando diversas esferas.
Além disso, segundo o autor, os minimalistas consideram a participação unidirecional, ou seja, voltada apenas para a política institucionalizada. Mesmo quando exercida em outras esferas, esta seria o seu fim último, como, por exemplo, na perspectiva de formação da opinião pública para influenciar a política. Já os maximalistas partem da ideia de uma participação multidirecional, sem relação necessária com a política institucionalizada, de forma que, mesmo em outros espaços, possa se fortalecer a democracia. Por fim, os minimalistas buscam uma homogeneidade entre os atores envolvidos, a fim de conseguir se chegar a decisões políticas, enquanto os maximalistas defendem uma heterogeneidade dos atores.
Ambas as perspectivas teóricas poderiam ser adotadas para se analisar um veículo de comunicação. Aplicando as dimensões minimalistas ou maximalistas à participação no campo midiático, Carpentier afirma que, do ponto de vista minimalista, essa participação se restringe ao acesso ou à interação. Nesse sentido, ele afirma que: “a participação permanece unidirecional, articulada como uma contribuição à esfera pública, porém, muitas vezes, servindo às necessidades e aos interesses da própria grande mídia, instrumentalizando e incorporando as atividades dos participantes não profissionais” (Carpentier, 2011, p. 69).
Nessa perspectiva, Carpentier afirma que a participação é considerada de um ponto de vista despolitizado. Principalmente com o desenvolvimento da Internet, a demanda por participação parece cada vez mais frequente. Entretanto, na prática, as empresas de comunicação acabam se apropriando da ideia em busca de fidelização da audiência e, portanto, manutenção dos lucros. Como Carpentier explica, em sua profunda crítica ao capitalismo, Marx afirmou a minimização da participação e a impossibilidade de uma igualdade nesse sistema, ainda que a sociedade capitalista aprofundasse sua democracia (Carpentier, 2011, p.27).
Ao discutir a mudança estrutural da esfera pública, Habermas aponta algumas inconsistências na consolidação desse espaço no capitalismo. Se o conceito parte da ideia da participação igualitária de cidadãos em uma esfera de deliberação pública, na prática, a própria definição de “cidadão” a partir da detenção de propriedade impede sua configuração. Assim, o autor defende que uma esfera pública, da qual alguns grupos são excluídos, não é uma esfera pública de fato (Habermas, 1991, p. 85).
Com a criação dos meios de comunicação de massa, poderia haver uma possibilidade de ampliação do acesso à esfera pública, devido ao poder de alcance da tecnologia. Entretanto, como Habermas afirmou, a privatização dos meios levou à priorização de outros interesses e à exclusão de grupos da esfera pública midiatizada. Nesse sentido, teríamos uma esfera pública simulada. Assim, a participação tão enunciada pelos meios de comunicação comerciais acaba ocultando a permanente exclusão de determinados grupos da esfera pública.
Diante destas considerações, opta-se pelo ponto de vista maximalista associado a uma perspectiva de autores marxistas. No sentido da participação na democracia, entende-se que esta última não se resume às questões eleitorais, mas se consolida a partir de seu fortalecimento nas práticas e na cultura. Portanto, o aprofundamento do sistema democrático dependeria também da democratização dos meios de comunicação. Além disso, as perspectivas maximalistas no campo da participação midiática, como afirmou Carpentier, consideram-na do ponto de vista político e tendem a defender sua maximização, indo além da mera interatividade ou do acesso, justificando, portanto, a escolha desse ponto de vista.
Ao abordar a participação na esfera midiática, Nico Carpentier afirma a possibilidade de seu exercício por meio da mídia ou na mídia, elaborando, portanto, três categorias de participação: participação na produção midiática; interação com o conteúdo; e participação na sociedade por meio da mídia. Na participação por meio do veículo de comunicação, tem-se a possibilidade de atuação na sociedade, seja ela mediada pela mídia ou por meio da autorrepresentação. Nesse sentido, esta esfera é entendida como “um espaço onde cidadãos podem expressar suas opiniões e experiências, e interagir com outras vozes” (Carpentier, 2011, p. 67). O autor, porém, considera o fato de que a estrutura e a cultura midiática bem como o ambiente ideológico impactam a intensidade dessa participação. Já aquela que ocorre na mídia diz respeito à produção de conteúdo e aos processos de decisão, permitindo assim a atuação dos cidadãos em uma microesfera relevante da vida cotidiana, além do exercício de seu direito à comunicação – forma de participação correspondente à atuação da sociedade civil no Conselho Curador da EBC.
Enquanto nos canais de comunicação comerciais, a participação acaba se configurando nos níveis do acesso e da interação, sendo o termo utilizado, muitas vezes, como forma de legitimação institucional ou de fidelização da audiência, a comunicação comunitária seria potencialmente o espaço mais genuíno de participação popular no campo midiático, no qual os grupos produzem o conteúdo e sua própria representação. Assim, de antemão, tem-se que os canais públicos não realizam inteiramente a participação maximalista nem se restringem à forma minimalista, já que necessitam de um determinado nível de participação para sua legitimação, mas com a profissionalização e a adoção das estruturas hierárquicas semelhantes às emissoras comerciais, acabam não concretizando esse ideal em seu nível mais profundo.
Abordando a participação nas televisões públicas, Pinto (2005b, p. 53) estabelece duas vertentes: uma, de “natureza substantiva”, refere-se aos conteúdos, incluindo a criação, a produção, a realização e a recepção; a outra envolve a corresponsabilização, interação, aconselhamento e avaliação. De acordo com o autor, a segunda perspectiva parte do pressuposto de que “a qualidade de um serviço público se afirma não apenas pelos conteúdos que difunde mas igualmente pelos processos de participação sociocultural que promove e valoriza” (Pinto, 2005b, pp. 53-54).
A partir disso, Pinto estabelece alguns tipos de participação dos cidadãos no serviço público de televisão, como ele se refere a esse modelo, sendo eles: 1) a ação individual – referente às críticas e aos elogios dos indivíduos; 2) a dimensão associativa – apontada pelo autor como a categoria das associações de telespectadores e de consumidores e outras organizações ligadas direta ou indiretamente à televisão; 3) a via representativa e as instâncias de regulação – composta por instituições do quadro constitucional e normativo, podendo tanto ser ligadas ao poder legislativo, executivo e judiciário como à sociedade civil; 4) a ação das instituições educativas – marcada pela “educação para os media ou para a comunicação” (Pinto, 2005b, p. 56); 5) e outras modalidades de intervenção. Na realidade brasileira e no âmbito da TV Brasil, é possível perceber todas essas formas de participação. No desenho institucional da EBC, a Ouvidoria se configurava como o principal canal de participação individual, colhendo sugestões e avaliações do público. Movimentos sociais e organizações da sociedade civil – como o Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), o Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé etc. – exerciam a participação na dimensão associativa, acompanhando os seminários, eventos, discussões e mudanças da televisão pública, como do sistema midiático. Da mesma maneira, as universidades, no que concerne à ação das instituições educacionais, participavam no desenvolvimento da EBC, inclusive, com parcerias em pesquisas relacionadas às análises do conteúdo midiático – como, por exemplo, com a UFJF, para avaliação do telejornalismo da TV Brasil e, com a UnB, para a apreciação dos conteúdos radiofônicos. Pela via representativa e das instâncias de regulação, tem-se, externamente à EBC, o Conselho de Comunicação Social do Senado Federal; enquanto, internamente, o Conselho Curador exerce o papel de fiscalização e garantia do cumprimento do papel público da emissora.
A participação da sociedade civil na EBC
O Conselho Curador foi a principal instância de fiscalização do cumprimento do papel público da EBC, acompanhando e deliberando sobre os conteúdos de seus veículos. Segundo a lei de criação da EBC (Lei 11.652, de 2008), estavam entre os compromissos do Conselho Curador: 1) deliberar sobre a política de comunicação, apresentada pela Diretoria Executiva da EBC, no que diz respeito às diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas; 2) garantir o cumprimento dos princípios e objetivos previstos na Lei; 3) opinar sobre questões relacionadas ao cumprimento desses princípios e objetivos; 4) deliberar sobre a linha editorial de produção e programação, proposta pela Diretoria Executiva da EBC; 5) encaminhar ao Conselho de Comunicação Social as deliberações tomadas; 6) deliberar sobre a emissão de voto de desconfiança em relação aos membros da Diretoria Executiva; 7) e eleger seu presidente. Além disso, cabia ao Conselho, estabelecer as diretrizes e organizar o processo de consulta pública para renovação de seus integrantes (Brasil, 2008). Dessa forma, mais do que apenas um órgão consultivo, institucionalmente, ficava estabelecida a possibilidade de atuação direta do Conselho nos rumos da empresa, bem como nos conteúdos apresentados por seus veículos.
Além do papel de fiscalização, o Conselho Curador se configurava como uma instância de representação e participação da sociedade civil. Com 22 integrantes, o Conselho era formado por: quatro ministros de Estado (Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério de Ciência e Tecnologia e da Secom); um representante da Câmara dos Deputados; um do Senado Federal; 15 representantes da sociedade civil; e um representante dos funcionários da empresa. Os mandatos dos conselheiros representantes da sociedade civil, do Senado Federal e da Câmara dos Deputados eram de quatro anos, podendo ser renovados uma única vez[5]; já o representante dos funcionários tinha mandato de dois anos, sem poder ser reconduzido.
O representante dos funcionários da empresa era escolhido por meio de eleição, por voto secreto e direto dos funcionários da EBC. Já os integrantes da sociedade civil, embora designados pela Presidência da República, eram então indicados por meio de um processo de consulta pública a entidades, constituídas como pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos (Conselho Curador, 2015b). Segundo a lei de criação da EBC, alterada pela MP 744/16, essas entidades deviam estar, ainda que parcialmente, vinculadas: “I - à promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos ou da democracia; II - à educação ou à pesquisa; III - à promoção da cultura ou das artes; IV - à defesa do patrimônio histórico ou artístico; V - à defesa, preservação ou conservação do meio ambiente; VI - à representação sindical, classista e profissional” (Brasil, 2008). Não era permitido participar da indicação, partidos políticos e instituições religiosas.
Ainda que esse desenho institucional abrisse possibilidades de atuação efetiva de um organismo que, para além de ser responsável pela fiscalização do cumprimento público, era composto, em sua maioria, por representantes da sociedade civil, a forma como as regras são colocadas em prática, os atores que efetivamente ocupavam esse espaço e tomavam parte das discussões e decisões, as relações entre o organismo e a diretoria bem como funcionários da empresa, entre outros fatores, influenciavam na efetiva participação deste organismo. Assim, a autonomia relativa do próprio campo interferia na autonomia relativa da EBC, bem como a possibilidade de contestação da hegemonia no interior desse organismo podia então influenciar a prática jornalística e, consequentemente, os conteúdos produzidos.
A composição do Conselho Curador
As pessoas que fizeram parte da primeira composição do Conselho Curador foram indicadas pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Representaram a sociedade civil, os seguintes nomes: 1) Alex Pereira Barboza (mais conhecido como MV Bill), rapper, escritor e ativista social; 2) Ângela Gutierrez, empresária, pesquisadora, colecionadora de arte e ex-secretária de Cultura de Minas Gerais; 3) Antônio Delfim Neto, economista, professor universitário e político, tendo atuado como ministro durante o regime militar; 4) Cláudio Salvador Lembo, advogado, professor universitário, político, ex-governador do Estado de São Paulo pelo PSD; 5) Ima Célia Guimarães Vieira, agrônoma e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG); 6) Isaac da Silva Pinhanta, professor indígena; 7) José Antônio Fernandes Martins, engenheiro mecânico e empresário; 8) José Bonifácio de Oliveira Sobrinho (mais conhecido como Boni), publicitário, empresário e diretor de televisão, tendo ocupado o cargo de vice-presidente de operações da Rede Globo; 9) José Paulo Cavalcanti Filho, jurista, ex-secretário-geral do Ministério da Justiça, no governo de José Sarney, ex-presidente do CADE e da antiga EBN; 10) Luiz Edson Fachin, jurista e professor universitário, atual ministro do Supremo Tribunal Federal; 11) Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, economista, professor universitário e ex-secretário de política econômica do Ministério da Fazenda, no governo de José Sarney; 12) Lúcia Willadino, cientista, neuropsicóloga, professora universitária e diretora da Rede Sarah de Hospitais; 13) Maria da Penha, farmacêutica e coordenadora de Estudos, Pesquisas e Publicações da Associação de Parentes e Amigos de Vítimas de Violência (APAVV); 14) Rosa Lúcia Benedetti Magalhães, professora, artista plástica, figurinista, cenógrafa e carnavalesca; 15) Wanderley Guilherme dos Santos, cientista político e professor universitário.
Essa primeira composição do Conselho apresentava uma interlocução com o campo acadêmico, político (no sentido de ocupação de cargos públicos e eletivos), empresarial e cultural. Entretanto, não havia, então, uma representação de movimentos sociais organizados, embora houvesse alguns ativistas sociais. Desses nomes, porém, sete não completaram seus mandatos, sendo eles: Alex Pereira Barboza, Ângela Gutierrez, Antônio Delfim Neto, José Paulo Cavalcanti, Luiz Edson Fachin, Luiz Gonzaga Belluzzo e Wanderley Guilherme dos Santos. Foram, assim, substituídos, por indicações da Secom em conjunto com o Conselho, pelos seguintes membros, respectivamente: 1) João Jorge Santos Rodrigues, advogado, produtor cultural e presidente do grupo Olodum; 2) Heloísa Maria Murgel Starling, historiadora, professora e pesquisadora do Departamento de História da UFMG; 3) Murilo César Oliveira Ramos, professor da Faculdade de Comunicação da UnB; 4) Wagner Tiso, regente, pianista, arranjador e compositor; 5) Paulo Ramos Derengoski, jornalista; 6) Paulo Sérgio de Moraes Sarmento Pinheiro, professor de Ciência Política, relator da infância da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA e ex-secretário de Direitos Humanos, do governo de Fernando Henrique Cardoso; 7) Daniel Aarão Filho, professor do departamento de História da UFF. Com esses membros, mantinha-se a interlocução com o campo acadêmico e cultural, mas reduzia-se a inserção do campo político, devido à saída de nomes que já passaram por cargos em ministérios e secretarias.
Com o término de alguns mandatos, iniciou-se o processo de consulta pública para renovação do Conselho Curador, cuja formulação dos procedimentos era discutida e decidida pelo próprio Conselho, a partir, inclusive, de audiências públicas. O processo foi guiado por um edital e, de acordo com as regras estabelecidas, entidades da sociedade civil puderam se inscrever para participar das indicações. Caso atendessem aos critérios estabelecidos por lei e, assim, tivessem suas inscrições homologadas, cada organização podia fazer uma indicação para cada vaga aberta. A partir desses nomes, então, o Conselho ficava responsável por elaborar uma lista tríplice para cada uma das vagas, a qual é submetida à Presidência da República. A fim de manter a representatividade do Conselho, a lei da EBC previa a ocupação de ao menos uma vaga por cidadãos de cada região do país bem como a diversidade cultural e a pluralidade de experiências profissionais (Brasil, 2008).
Sendo assim, o edital de consulta pública lançado em 2014, previa a presença de:
1) um(a) representante da etnia indígena; 2) uma pessoa com deficiência; 3) um (a) representante jovem, entre 15 e 29 anos. Também estava prevista a ocupação de 40% das vagas dos representantes da sociedade civil por pessoas negras (Conselho Curador, 2014). Além disso, segundo o edital, buscava-se garantir a presença dos seguintes segmentos da sociedade civil no Conselho Curador:
a) Representante da classe artística; b) Diretor, roteirista, produtor ou realizador de televisão ou de rádio; c) Cientista; d) Professor (a); e) Profissional com atuação na área de comunicação e saúde; f) Profissional da Educação; g) Representante de TVs e rádios públicas; h) Esportistas; i) Representante de movimentos sociais relacionados aos Direitos Humanos; j) Representante de movimentos sociais relacionados à Comunicação; k) Especialistas em educação e comportamento de crianças e adolescentes (psicólogos, psicoterapeutas, pedagogos, psicopedagogos, psiquiatras); l) Empresários; m) Profissional da Tecnologia da Informação. (Conselho Curador, 2014, pp. 3-4)
O processo de consulta pública realizado em 2014 – para ocupação das cinco vagas abertas devido ao fim dos mandatos dos conselheiros: José Antônio Martins, Maria da Penha, Daniel Aarão, João Jorge Santos e Murilo Ramos – teve 205 entidades habilitadas à indicação de nomes e 58 candidatos indicados[6]. Segundo matéria do site do Conselho Curador (Crispi, 2014), contabilizou-se os nomes mais votados em cinco áreas: 1) jovens; 2) indígenas; 3) pesquisadores; 4) profissionais que atuam na área de direitos humanos e diversidade; 5) e profissionais da comunicação, empresários e produtores audiovisuais. A partir disso, cada conselheiro pode votar em até três nomes de cada área[7], considerando a necessidade de equidade de gênero, raça e região do Brasil, formulando assim a lista tríplice encaminhada à Presidência da República[8]. Apenas no dia 18 de junho de 2015 – portanto, depois de mais de um ano da definição da lista, ocorrida no dia 16 de abril de 2014 –, a presidenta Dilma Rousseff designou os novos integrantes do Conselho, respeitando os nomes mais votados em cada área.
Além desses cinco novos conselheiros, nomeados em agosto de 2015, cinco outros ingressaram no órgão a partir de indicação da sociedade civil, pelo processo de consulta pública. A conselheira Ana Maria da Conceição Veloso e os conselheiros Mário Augusto Jakobskind e Takashi Tome ingressaram em 2010, enquanto Rita Freire e Rosane Bertotti entraram em 2013. Desse modo, no período de realização da pesquisa, a maioria dos conselheiros já representava efetivamente a sociedade civil (no sentido, de terem sido escolhidos por entidades dela), e apenas cinco vinham da primeira composição, escolhida pela Presidência da República.
Em relação ao colegiado inicial, notou-se uma maior participação de representantes de movimentos sociais. Segundo informações do site do Conselho Curador e como pode ser observado no quadro abaixo, dentre os conselheiros indicados via consulta pública, havia integrantes que participam de movimentos envolvidos com a causa do direito à comunicação e que atuam em sindicatos e associações de jornalismo e imprensa; representantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT), militantes de movimentos sociais relacionados à mulher, além de representantes do movimento negro, do movimento indígena e do movimento pelas pessoas portadoras de deficiência. Havia também conselheiras que atuam em organismos, de alcance internacional, voltados para a mudança social, como o Fórum Social Mundial[9] e a organização Ashoka[10]. Além disso, embora alguns conselheiros não estivessem ligados diretamente – conforme as informações do site do Conselho Curador – a movimentos sociais, eles atuam na defesa das reivindicações desses organismos – como, por exemplo, o cineasta Joel Zito Araújo, especialista em filmes e documentários sobre a cultura negra no Brasil; e o professor Venício Arthur de Lima, pesquisador da comunicação e atuante no campo de mídia pública.
Como se observa na Tabela 1, além de verificar a participação dos integrantes em movimentos sociais, foi feito também um levantamento das entidades que indicaram os conselheiros, nos processos de consulta pública[11].
Tabela 1: Representantes da Sociedade Civil do Conselho Curador, indicados via consulta pública
Com a análise dessas organizações, é possível pensar que segmentos da sociedade civil possuem, em alguma medida, representação no Conselho. Conforme os dados acima, 70 entidades da sociedade civil tiveram ao menos uma de suas indicações nomeada ao Conselho, nas consultas de 2012 e 2014. Dessas, 34 são ligadas a questões trabalhistas – como sindicatos, associações e confederações de trabalhadores bem como a CUT Nacional e de diversos estados –, sendo três sindicatos de jornalistas e cinco de trabalhadores das telecomunicações ou da radiodifusão. Uma hipótese para o fato de que quase metade das entidades seja dessa categoria é uma possível mobilização da rede de sindicatos e centrais trabalhistas em torno da indicação de alguns candidatos.
Além disso, 18 entidades são ligadas à defesa do direito à comunicação e cultura, quatro à causa de portadores de doença e deficiência física, três à defesa de populações em risco, três à ação comunitária, três à defesa do negro, uma à questão ambiental, uma a questões políticas, uma à defesa do consumidor e dois conselhos de classe profissional. Algumas entidades, como o Observatório da Mulher, por exemplo, estão ligadas a mais de um grupo, sendo, porém, contabilizada em apenas um[12]. Cabe ressaltar que nem todas essas entidades se configuram como movimentos sociais. A intenção deste mapeamento, mais do que uma análise profunda desse modo de representação e das organizações que tiveram seus candidatos nomeados, é ter uma ideia dessas relações, ampliando, portanto, as informações disponíveis para as próximas análises.
Além desses conselheiros e dos ministros de Estado, faziam parte do Conselho Curador, atualmente (dezembro de 2015), cinco representantes da sociedade civil, indicados pelo Executivo (referentes à primeira composição): Claudio Lembo, Ima Vieira, Heloísa Starling, Paulo Ramos Derengoski e Wagner Tiso[13]; a representante do Senado Federal, Ana Luiza Fleck, e a da Câmara dos Deputados, Evelin Maciel; e a representante dos funcionários, Akemi Nitahara, como é possível observar na Tabela 2.
Tabela 2: Conselheiros que compõem o Conselho Curador (Janeiro de 2015)
Na trajetória do Conselho Curador, passaram por sua presidência, a representante da sociedade civil, Ima Vieira, e a representante do Senado, Ana Luiza Fleck. Em dezembro de 2015, na 59ª reunião, a conselheira Rita Freire foi eleita presidenta do Conselho Curador, tendo como vice, a representante da Câmara dos Deputados, Evelin Maciel.
A participação dos representantes da sociedade civil nas reuniões do Conselho
Para aprofundar a pesquisa sobre a participação dos representantes da sociedade civil no Conselho Curador da EBC, foi adotada também uma análise de conteúdo de alguns trechos das reuniões do organismo. A partir de um mapeamento inicial das pautas abordadas, por meio da consulta de todas as atas de reuniões, foram selecionados os debates sobre o plano de trabalho e o planejamento estratégico da EBC. Esses planos apresentam as metas da empresa em relação aos anos seguintes e devem passar pela aprovação do Conselho, constituindo-se como uma de suas principais deliberações.
Dentre as 16 discussões sobre plano de trabalho e planejamento estratégico – levantadas no histórico do Conselho até julho de 2015 –, foram analisadas aquelas correspondentes aos anos de 2010, 2012, 2014 e 2015, além do planejamento estratégico da EBC para 2022, contabilizando oito debates. Os trechos selecionados correspondem às seguintes reuniões: 1) 14ª, realizada no dia 8 de fevereiro de 2010, sobre o plano de trabalho do mesmo ano; 2) 33ª, do dia 8 de fevereiro de 2012, sobre o plano de 2012; 3) 34ª, do dia 14 de março de 2012, sobre o planejamento estratégico da EBC; 4) 48ª, do dia 11 de dezembro de 2013, sobre o plano de 2014; 5) 49ª, do dia 5 de fevereiro de 2014, também sobre este plano; 6) Segunda reunião extraordinária, no dia 12 de março de 2014, sendo a terceira reunião sobre o plano de 2014; 7) 53ª, de 9 de dezembro de 2014, sobre o plano de 2015; 8) 54ª, de 4 de fevereiro de 2015, também sobre o plano de 2015.
A escolha dos planos de 2010, 2012 e 2014 se deu por três motivos: 1) o intervalo de dois anos entre eles; 2) a correspondência aos anos eleitorais, no nível federal e estadual (2010 e 2014) e no nível municipal (2012), podendo, assim, revelar pontos em relação à autonomia relativa bem como às pressões conjunturais; 3) as mudanças na composição do Conselho, já que na discussão de 2010 participaram apenas os conselheiros indicados pela Presidência da República; na de 2012, os três primeiros integrantes indicados por consulta pública; e, na de 2014, também as outras duas conselheiras selecionadas via consulta pública. A análise do debate de 2015 se justifica pela atualidade dos dados. Cabe ressaltar que, na pesquisa macro, foram observados outros dados, mas, neste trabalho, tem destaque os resultados sobre a participação dos atores.
Considerando que os membros da sociedade civil representavam aproximadamente 68,1% dos integrantes do Conselho (sendo 15 pessoas em 22), foi observado se o número dos que participaram em cada um dos debates analisados cumpre essa porcentagem ou não. Em relação apenas aos conselheiros, a porcentagem de participação dos integrantes da sociedade civil foi próxima ou maior ao espaço que representavam, como é possível observar no Gráfico 1. Nesse sentido, é possível afirmar que, ao menos nos debates analisados, o espaço destinado aos representantes da sociedade era então efetivado.
Apenas na 14ª reunião, a porcentagem de participação dos representantes da sociedade civil foi consideravelmente menor, chegando a 50%. Nas reuniões de 2012 e 2013, a participação destes membros equivaleu a 66,6% – apesar de ser um número menor em relação às cadeiras deste grupo no órgão, a diferença pode ser considerada irrelevante. De 2014 em diante, a porcentagem destes representantes ficou acima de 70% (71,4% na segunda reunião extraordinária; 72,7% na 54ª reunião; 73,3% na 49ª; e 76,9% na 53ª).
Quanto aos funcionários, apenas em uma reunião, não houve intervenção de seu representante. Em relação aos ministros, percebeu-se uma tendência de queda na participação, já que apenas na primeira reunião analisada, três tiveram fala; na segunda e na sexta, dois; da terceira à quinta, um; e nas duas últimas, nenhum.
Além da comparação entre os conselheiros, ela foi feita também em relação aos convidados (diretores, secretários, ouvidores e pessoas externas à EBC). Desse número total (conselheiros mais os não conselheiros), mediu-se também a participação dos representantes da sociedade civil no Conselho.
Nas deliberações do plano de trabalho, foi possível verificar a maior participação dos conselheiros bem como uma curva crescente em relação a sua porcentagem de atuação, como pode ser observado no gráfico abaixo.
Na comparação entre os representantes da sociedade civil e as pessoas que não compunham o conselho, apenas na primeira reunião essas últimas tiveram uma porcentagem maior. Ao longo do tempo, embora variasse em alguma medida, foi possível perceber uma tendência de aumento da porcentagem destes representantes em relação ao total dos participantes do debate (conselheiros ou não).
Considerações finais
Sendo a principal instância de participação da sociedade civil no interior da EBC, de acordo com sua lei de criação, o Conselho Curador atuou como uma força em prol do caráter público da empresa. Nesse sentido, entende-se que esse espaço – dado que seus membros são, em maioria, representantes da sociedade civil – configurou-se até a edição da MP 744/16 como uma forma de garantir determinada autonomia da EBC em relação ao governo e ao mercado. Ao menos do ponto de vista do desenho institucional e da composição, foi possível fazer essa afirmação.
Entre a criação da EBC, em 2007, e o ano de 2015, foi possível perceber uma modificação no perfil dos conselheiros, dado o declínio dos nomes que já ocuparam cargos políticos e um aumento dos participantes de movimentos sociais. Como a primeira composição foi escolhida pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e as sequentes foram formadas por meio de processos de consulta pública, tem-se uma justificativa para essa mudança. Mantiveram-se, porém, as interlocuções com o campo acadêmico e cultural.
Em relação aos movimentos sociais que encontravam maior representação no Conselho, havia aqueles envolvidos com a causa da democratização da comunicação. Havia também uma interlocução com movimentos ligados à igualdade racial e de gênero bem como a causas trabalhistas – nesse caso, porém, concentrados na CUT, que tem um histórico de relação com o Partido dos Trabalhadores (PT), o qual esteve no governo federal de 2002 a agosto de 2016.
Ainda assim, nos últimos anos, com o aumento do número de representantes da sociedade civil escolhidos via consulta pública, a participação desse grupo aumentou nas reuniões do Conselho destinadas a deliberar sobre o plano de trabalho da EBC. Além disso, os conselheiros se tornaram mais combativos, já que nos últimos anos, o plano de trabalho não foi aprovado em primeira instância, devido à ausência de algumas demandas do Conselho no documento. Percebeu-se, assim, o caráter de aprendizado da participação, no sentido de que com o tempo, as estratégias e os mecanismos de deliberação se tornaram mais conhecidos e, portanto, a participação mais efetiva. Nesse sentido, as limitações do processo de deliberação também devem ser levadas em conta, embora não tenham sido trabalhadas neste artigo, dada a sua extensão. Essas análises estão presentes na pesquisa macro, “Autonomia Relativa e Disputa por Hegemonia na televisão pública: a participação dos movimentos sociais na TV Brasil”.
A despeito das limitações do processo deliberativo, da representação e da participação, a existência de um espaço majoritariamente ocupado por integrantes da sociedade civil foi durante o exercício do Conselho Curador a diferença principal entre empresas de comunicação governamentais e as públicas. Isso porque ainda que se reconheça a impossibilidade de uma autonomia total em relação ao mercado e ao Estado, a participação efetiva da sociedade civil acrescentou um novo polo de disputa no interior da instituição, contribuindo para uma maior autonomia das emissoras públicas. Além disso, tendo o compromisso de fiscalizar e garantir o caráter público, o Conselho Curador tinha, legalmente, a obrigação de cumprir com esses compromissos. Certamente, a estrutura institucional não garantiu essa realização, mas apontava para determinada prática. Ademais, no caso do Conselho Curador da EBC, foi possível perceber uma crescente participação – tanto em termos de quantidade quanto de eficácia – de representantes da sociedade civil, associada a uma postura mais combativa, o que se configurava então como uma força a mais na disputa por hegemonia no interior da instituição.
Por fim, a atual conjuntura política brasileira colocou em risco essa autonomia da emissora, devido às recentes ingerências do governo – no mínimo, de legitimidade questionável – de Michel Temer, após a aprovação do impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Desde a ocupação do cargo de presidente interino, Temer tem tomado decisões arbitrárias, sem nenhum processo de discussão, sobre a EBC, como, por exemplo, sua primeira tentativa de mudar o diretor-presidente da empresa – decisão que foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), dada sua inconstitucionalidade, mas que concretizou-se com a completa desestruturação da empresa por edição de uma medida provisória. Publicada em 2 de setembro de 2016 a MP 744 acabou com o caráter público da empresa, extinguindo o Conselho Curador. Isso sugere, inclusive, a importância do órgão na definição do papel da empresa, tendo que ser eliminado para que a emissora possa atuar enquanto instrumento de propaganda do governo, como demonstra-se com a edição da MP pretender transformá-la. Nesse sentido, fica claro também o quanto a autonomia da emissora está vinculada ao nível de respeito às instituições democráticas e públicas por parte dos governantes, sendo, portanto, consequência de uma luta contínua e não um atributo dado e definitivo.
Referências bibliográficas
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Outras referências
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Nota biográfica
Allana Meirelles Vieira é mestre em Comunicação e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Graduada em Comunicação pela mesma instituição. Integrante do grupo de pesquisa “Laboratório de Jornalismo e Narrativas Audiovisuais”, desde 2010.
Email: allanameirelles@hotmail.com
Universidade Federal de Juiz de Fora
R. Monsenhor Gustavo Freire, 550, São Mateus
Juiz de Fora, MG, 36016-470, Brasil
Iluska Maria da Silva Coutinho é Professora Associada da Universidade Federal de Juiz de Fora, Iluska Maria da Silva Coutinho é jornalista e doutora em Comunicação Social (Umesp), com estágio na Columbia University (NYC). Fez estágio de pós-doutoramento na Universidade Nova de Lisboa e coordena o grupo de pesquisa “Laboratório Jornalismo e Narrativas Audiovisuais”. É diretora científica da Intercom e integra a Rede de Pesquisadores de Telejornalismo (Telejor).
E-mail: iluskac@globo.com
Universidade Federal de Juiz de Fora
R. Eduardo de Campos Bastos, 70/202, Granbery
Juiz de Fora, MG, 36010-590, Brasil
* Submetido: 10-03-2016
* Aceite: 11-04-2016
Financiamento
Bolsa de mestrado da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Notas
[1] Este texto tem por base trabalho desenvolvido anteriormente por uma das autoras (Vieira, 2016).
[2] Segundo Bolaño (2000, p. 53), a Indústria Cultural é responsável por realizar a “mediação simbólica” entre o capital e o Estado de um lado e as massas de consumidores e eleitores de outro. Esse papel de mediação é exercido a partir da oposição entre duas funções gerais da Indústria Cultural: a publicidade e a propaganda. A propaganda, nessa perspectiva, é responsável pela coesão social, “sendo monopolizada pelo Estado e pelos setores capitalistas que controlam os meios de comunicação de massa”; enquanto a segunda se estabelece tendo em vista a acumulação do capital, estando “a serviço da concorrência capitalista” (Bolaño, 2000, p. 53). Segundo Bolaño, a função ideológica da publicidade “aparece diluída e serve à constituição de uma cultura capitalista no sentido geral do termo, uma cultura montada a um tempo na individualização e na massificação, na fragmentação e na rearticulação do corpo social, no consumo individual compulsivo e na produção em massa” (2000, pp. 92-93). Empiricamente, porém, os limites entre a propaganda e a publicidade não são tão claros. Aliás, Bolaño afirma que “a forma elementar da publicidade é já também propaganda, na medida em que, ao lado dos inúmeros atos de compra e venda, conforma um universo simbólico de inegável poder ideológico” (Bolaño, 2000, p. 53).
[3] Na visão de Gramsci, o Estado vai além do governo, já que “Estado = sociedade política + sociedade civil, isto é, hegemonia couraçada de coerção” (Gramsci, 2007, p. 244). A sociedade civil seria formada pelos “conjuntos de organismos chamados comumente de privados” – como Igreja, partidos políticos, sindicatos, imprensa, sistema escolar, instituições de caráter científico e artístico etc. – e tem o papel de construção de consensos na população, tidos muitas vezes como “espontâneos” (Gramsci, 1982, pp. 10-11). Já a sociedade política, refere-se aos organismos responsáveis pela coerção estatal que tem como fim manter o cumprimento das regras por parte daqueles que não “consentem” e agir nos momentos em que o “consenso espontâneo” não se realiza. Essa separação, porém, segundo ele, é mais metodológica do que orgânica.
[4] Essa perspectiva de autonomia normativa estava inscrita, entre outros documentos, na Lei nº 11.652, de 7 de abril de 2008, alterada radicalmente com a edição da medida provisória 744 no dia 02 de setembro de 2016.
[5] Dos primeiros conselheiros representantes da sociedade civil e escolhidos pelo Presidente da República, oito tiveram mandato de dois anos e sete de quatro anos (Brasil, 2008).
[6] Dentre os nomes indicados, houve dois recursos: um apresentado pela Comissão de Empregados da EBC em relação ao indicado, por 51 entidades, Mário Jefferson Leite Melo, devido a declarações machistas, homofóbicas e contra os Direitos Humanos em seu perfil pessoal do Facebook; e o outro recurso referiu-se à indicada, por 13 entidades, Cosette Espíndola de Castro, devido à prestação de serviços de consultoria à EBC. Ambos os recursos foram negados, já que, no edital, não havia nenhuma limitação explícita em relação a esses casos. Mas, nenhum dos dois nomes foi indicado à lista tríplice.
[7] Três conselheiros não votaram devido à ausência na reunião, sendo eles: o ministro da Ciência e Tecnologia, o ministro da Educação e a representante da sociedade civil, Heloísa Starling.
[8] A lista tríplice elaborada pelo Conselho Curador continha os seguintes nomes: 1) Jovens: a) Enderson Araújo de Jesus Santos (negro) – 14 votos; b) Paulo Victor Purificação Melo (negro) – 12 votos; c) Gizele de Oliveira Martins (negra) – 9 votos. 2) Indígenas: a) Letícia Luiza Yawanawá – 17 votos; b) Iranilde Barbosa dos Santos – 16 votos; c) Alexandre dos Santos Pankararu – 15 votos. 3) Pesquisadores(as): a) Venício Artur de Lima (residente do Centro-Oeste) – 16 votos; b) Ana Cristina Garcia Olmos Fernandez – 11 votos; c) Margarida Maria Krohling Kunsch – 9 votos. 4) Profissionais que atuam na área de Direitos Humanos e Diversidade: a) Isaías Dias (pessoa com deficiência) – 11 votos; b) Ana Angelica Sebastião (negra) – 10 votos; c) Cicera Rodrigues Alencar – 10 votos; 5) Profissionais da Comunicação, empresários e produtores audiovisuais: a) Joel Zito Almeida de Araújo (negro) – 16 votos; b) Antônio Sérgio Pires Miletto – 9 votos; c) Renata Vicentini Mielli – 7 votos. (Crispi, 2014).
[9] O Fórum Social Mundial é um evento internacional, organizado por movimentos sociais, com a proposta de elaborar alternativas para transformação social global.
[10] A Ashoka é uma organização mundial, criada em 1980, que apoia empreendedores sociais – os quais buscam mudanças de impacto social – e compreende essa área como um campo de trabalho.
[11] Segundo informações da secretaria, não há o documento referente ao processo de 2010. Por esse motivo, no caso de três conselheiros, não há como conhecer os movimentos que os indicaram.
[12] Devido à impossibilidade de se investigar cada entidade de forma mais aprofundada, optou-se por enquadrar cada uma em apenas uma categoria – a partir do nome ou de informações consultadas nos sites de tais organizações.
[13] Em fevereiro de 2016, esses cinco conselheiros finalizariam seus mandatos e seriam substituídos por nomes indicados pela sociedade civil organizada. Porém, o processo foi adiado para setembro de 2016.