Introdução
Os estudos de Jornalismo apontam, desde a sua génese, para a relação correlata com o exercício da cidadania, entendendo-o como alicerce da democracia, do escrutínio e envolvimento no espaço público. Entre as camadas mais jovens, o consumo de notícias tem sido apontado como fundamento-base do desenvolvimento da identidade cívica e da participação social e consciente (Meijer, 2006). A “reconfiguração ecológica” produz novos padrões de consumo mediático (Gurevitch et al., 2009; Damásio et al., 2015; Silva et al., 2017) e de participação (boyd, 2015; Brites, 2015). À medida que as audiências se tornam mais ativas, há uma intensificação da conexão pública (Couldry et al., 2016) com vários media a servirem de recurso para a interação social dentro de diferentes contextos de ação (Helles et al., 2015).
A deslocação das audiências para o digital reconfigurou a forma como se distribuem e consomem notícias. As redes sociais tornaram-se as principais fontes de informação (Newman et al., 2022), traduzindo lógicas personalizadas na forma como as notícias são apresentadas, dentro das suas próprias esferas mediáticas que aumentam a possibilidade de participação (Silveira & Amaral 2018). De acordo com Galan et al. (2019, p. 4), as camadas mais jovens definem as notícias como o que é “útil, interessante e divertido de saber”, numa lógica de consumo multiplataforma, entre fronteiras ténues do que corresponde ou não a critérios jornalísticos (Swart & Boersma, 2023).
As gerações mais jovens vivem numa realidade híbrida em que o consumo se tornou um processo coletivo (Jenkins, 2006), onde a tecnologia é cada vez mais utilizada individualmente (Couldry et al., 2016) e os conteúdos mediáticos oferecem um menu de informação a pedido (Brites, 2010). Como adotantes precoces da lógica multitasking no consumo de media (van Dijk, 2006), as escolhas mediatizadas (Hepp, 2013) e as práticas de consumo cross-media das gerações mais jovens são diferentes de outras gerações em termos de consumo de informação (Silva et al., 2017).
A literatura científica tem vindo a documentar a falta de interesse dos jovens em questões consideradas “sérias” da sociedade e do mundo, assim como a falta de motivação para acompanhar estes temas (Brites et al., 2017; Silveira & Amaral, 2018). Esta dicotomia entre “questões sérias” e “não sérias” refere-se frequentemente à distinção entre notícias “hard news”, que incluem política, economia e assuntos globais, e “soft news”, que abrangem entretenimento, celebridades e eventos menos diretamente relacionados com questões sociais e políticas (Tewksbury & Rittenberg, 2012). Esta perceção é discutida no contexto mais amplo da literacia mediática e do consumo de informação entre os jovens, onde a preferência por soft news pode ser vista como uma resposta à diversidade de conteúdos oferecida e à forma como percebem a relevância e o impacto das informações nas suas vidas diárias (MartínezCosta et al., 2019). Daqui decorre a necessidade de abordar as dinâmicas de consumo mediático e desenvolver estratégias educacionais que promovam um envolvimento mais crítico e informado com uma variedade de temas e tipos de notícias (Lopes et al., 2015). Esta dimensão está intrinsecamente ligada à lógica cross-media dos media e à sua integração na vida quotidiana dos jovens (Amaral et al., 2024).
Outras investigações relatam duas tendências críticas no consumo de informação pelos jovens: consumo incidental/acidental de notícias nas redes sociais (Boczkowski et al., 2018; Fletcher & Nielsen, 2018) e evitação e resistência aos media (Schrøder & Blachørsten, 2016; Brites & Ponte, 2018). Considerando um ecossistema mediático híbrido e multiplataforma, em que a ubiquidade dos media é uma constante, os riscos digitais são frequentemente referidos quando se pensa nas pessoas mais jovens (Amaral & Simões, 2021). Os aspetos positivos da utilização dos media digitais também têm sido estudados nestas camadas etárias, destacando particularmente o aumento do ativismo digital, do envolvimento público e cívico e da participação social e política (Boulianne & Theocharis, 2020). Além disso, as várias teorias sobre os efeitos das redes sociais (Boulianne, 2015) consideram que estas podem influenciar positivamente a participação cívica e política, através da promoção da denominada exposição incidental/acidental a notícias. A investigação também tem examinado a influência dos pares no envolvimento na vida cívica e política e lançam luz sobre a imersão dos jovens nos meios digitais no seu quotidiano, considerando que, embora as tecnologias potenciem a interação social, também favorecem o isolamento e a solidão (Thulin & Vilhelmson, 2019).
Neste cenário complexo, caracterizado pela pluralidade de esferas mediáticas acessíveis aos jovens e pela ampla gama de oportunidades de participação nos meios digitais, surge como imperativo a compreensão aprofundada dos modos eficazes de consumo de notícias e envolvimento com tais temáticas. Tal compreensão é crucial para que o conhecimento adquirido possa servir como fundamento para o desenvolvimento e implementação de estratégias que se revelem eficazes na promoção de competências de leitura crítica e autonomia intelectual perante os conteúdos que deambulam no digital (Reese, 2012). Neste sentido, o jornalismo precisa de compreender os novos repertórios mediáticos das camadas mais jovens da sociedade. No entanto, as condições inerentes às próprias redações no atual contexto económico, são prementes para discutir de que forma o jornalismo acompanha os novos consumos mediáticos, cada vez mais híbridos e fluidos.
A mudança nos hábitos de consumo mediático tem impactado as redações, inclusive à escala regional, ultimamente envoltas na complexa encruzilhada entre a deslocação das audiências para o digital, resultante numa perda de centralidade e autoridade dos profissionais locais (Jerónimo & Sanchéz Esparza, 2023), e a precariedade, traduzida no abandono da profissão e no fecho de redações (Jerónimo et al., 2022a). E se, a estes aspetos, se acrescentar a tendência para evitar pagar pelos formatos jornalísticos (Quintanilha, 2018), a emergência dos desertos de notícias revela-se cada vez mais frequente. Este artigo centra-se, portanto, no consumo mediático de jovens residentes em Portugal e procura perceber em que medida é que o contexto regional que os rodeia os impacta na forma como acedem e percecionam os formatos jornalísticos e os seus profissionais.
A literatura científica também tem demonstrado que a priorização da adaptação dos espaços informativos às características e preferências das novas gerações pode resultar num aumento significativo do interesse destes públicos por temas noticiosos (Alon-Tirosh & Lemish, 2014). Verifica-se uma procura por conteúdos que apresentem mudanças substanciais aos media tradicionais, no que diz respeito à linguagem e ao formato de cobertura dos eventos, sugerindo a inclusão de ilustrações ou imagens atrativas, a abordagem de tópicos mais didáticos e esclarecedores, e a limitação de conteúdos relacionados a eventos trágicos e potencialmente perturbadores (Alon-Tirosh & Lemish, 2014). Os públicos mais jovens reconhecem que determinados eventos veiculados pelas notícias podem suscitar reações emocionais intensas, como raiva, medo, preocupação e ansiedade, manifestando o desejo por uma maior presença de narrativas positivas e pontuadas por elementos humorísticos (Alon-Tirosh & Lemish, 2014).
Embora os jovens tenham internalizadas definições mais tradicionais do que é uma notícia, quando navegam em ambientes mediáticos híbridos como as redes sociais, as suas experiências traduzem perspetivas elásticas sobre o que reconhecem como tal. Embora alguns considerem valores como objetividade, atualidade, factualidade e verificação como intrinsecamente vinculados às notícias, outros apontam que dentro deste conceito cabem conversas políticas quotidianas, conteúdos de influenciadores, campanhas políticas e atualizações pessoais de amigos e familiares, o que fornece pistas sobre como os jovens entendem as fronteiras cada vez mais ténues da notícia como forma cultural (Swart & Broersma, 2023).
A intersecção entre infotainment e informação na perspetiva dos públicos jovens tem sido objeto de crescente interesse. Autores como Livingstone (2016) e Hjarvard (2013) destacam como o infotainment, uma forma de conteúdo mediático que combina elementos informativos com entretenimento, se tem tornado uma parte significativa da dieta mediática dos jovens. Essa tendência reflete uma mudança nas preferências de consumo, onde os jovens valorizam tanto a acessibilidade quanto a relevância da informação. No entanto, há preocupações sobre os efeitos dessa fusão entre entretenimento e informação na compreensão crítica dos eventos e questões sociais. Estudos mais recentes como o de Buckingham (2019) exploram como os jovens interpretam e processam informações apresentadas nesse formato, destacando tanto os benefícios, como a maior acessibilidade e envolvimento, quanto os desafios, como a superficialidade e simplificação dos assuntos.
A análise dos consumos mediáticos e informativos em regiões carentes de cobertura noticiosa, conhecidas como desertos de notícias, constitui um campo de estudo emergente no âmbito das Ciências da Comunicação (Gulyas, et al., 2023; Mota, 2023). Estudos recentes (Catalina-García et al., 2021; Cuéllar et al., 2022; MartínezCosta et al., 2019; Vásquez-Herrero et al., 2022) têm destacado os desafios únicos enfrentados por jovens nessas áreas, onde a falta de acesso a fontes de informação tradicionais pode resultar em lacunas significativas no conhecimento sobre eventos locais, nacionais e globais. A investigação destaca a importância de compreender as dinâmicas de consumo mediático entre os jovens que vivem em regiões de desertos de notícias, visando promover estratégias eficazes para garantir o seu acesso a informações relevantes e diversificadas.
Desertos de notícias: Mapeando Portugal
A fuga dos anunciantes para as plataformas digitais, o desinteresse das novas gerações pelo jornalismo impresso, as sucessivas crises económicas vividas a partir de 2008 e a falta de infraestruturas digitais em comunidades mais pequenas contribuíram para agravar o quadro de crise que atinge o jornalismo regional (Abernathy et al., 2022), resultando num fenómeno que tem sido cada vez mais investigado nos estudos em Jornalismo: a emergência de desertos de notícias.
Os desertos de notícias são definidos como “comunidades em que os residentes têm um acesso muito limitado ao tipo de notícias e informações locais críticas e credíveis que alimentam a base da democracia e unem a nossa sociedade” (Abernathy, 2023, p. 290), resultado de um processo de encerramento de veículos noticiosos locais e/ou do declínio da cobertura dos conteúdos locais (Gulyas, 2021).
Em distritos como os do interior de Portugal são cada vez mais os casos de órgãos de comunicação social locais que “não se conseguem sustentar” ou atrair “novos empreendimentos no sector” (Jerónimo et al., 2022b, p.10). Nesses territórios, os residentes deparam-se com o encerramento do único jornal ou rádio que fornecia notícias locais. E, por isso, os cidadãos têm um acesso muito limitado a notícias e informações credíveis sobre as suas próprias comunidades, o que “agrava as divisões políticas, económicas, digitais e culturais no país, ameaçando a estabilidade e a viabilidade da democracia” (Abernathy et al., 2022, p. 12).
A investigação sobre o conceito tem crescido na última década, com investigações mais sistemáticas sobre o tema nos Estados Unidos e no Brasil (Ferrier et al., 2016; Abernathy, 2016; Atlas da Notícia, 2017). No entanto, ainda existem várias lacunas a ser exploradas, tanto em questões de investigação como de conceitos que se desenvolvem sobre este tema (Abernathy, 2023; Gulyas et al., 2023). Na Europa, a investigação tem ganhado atenção nos últimos anos (Gulyas, 2021; Ramos, 2021; Jerónimo et al., 2022b) e uma perspectiva conceitual que leva a diversidade política, económica e cultural do continente em conta começa a ser delineada (Verza et al., 2024).
Os desertos de notícias encontram-se frequentemente em territórios onde a dinâmica económica é restrita e onde a população tende a ser mais pequena e mais velha do que a média do país (Abernathy et al., 2022; Furlanetto & Baccin, 2020). Nesses locais, as cidades, vilas e aldeias vivem uma contradição: têm acesso a informação jornalística fiável sobre acontecimentos noutros distritos e países, mas não dispõem de uma fonte jornalística credível de informação sobre a sua própria comunidade (Ramos, 2021). A literatura revela que os padrões de distribuição geográfica dos desertos de notícias seguem em grande parte os padrões de concentração demográfica, enquanto os padrões de renda e atividade empresarial não refletem essas desigualdades, sendo o despovoamento o principal fator que se correlaciona com a (in) existência da media (Negreira-Rey et al., 2023; Saiz-Echezarreta et al., 2023). Os fatores económicos, geográficos e de prestígio profissional também contribuem para os défices de mão de obra dos veículos de me dia locais localizados em territórios menores, contribuindo para o aumento dos desertos de notícias (Olsen & Mathisen, 2023). Muitos temas, porém, permanecem por ser estudados acerca deste tópico, por exemplo, o consumo mediático de jovens em desertos e não-desertos de notícias, assunto sobre o qual este artigo se debruça.
A nível local, a falta de cobertura jornalística resulta numa diminuição do escrutínio das instituições locais, num aumento da vulnerabilidade à desinformação nas redes sociais, ao discurso de ódio ou ao populismo, e num sentimento crescente de desconfiança e confusão (Ardia et al., 2020; Barclay et al., 2022; Torre & Jerónimo, 2023). A ausência de cobertura jornalística local e a concentração dos meios de comunicação em áreas urbanas e densamente povoadas aprofundam as desigualdades e desequilibra os processos democráticos, impactando a representação das comunidades (Bisiani & Heravi, 2023).
Em Portugal, o primeiro estudo sobre desertos noticiosos foi realizado por Ramos (2021) e, no ano seguinte, surge um mapeamento abrangente, que avaliou em que municípios existem e não existem órgãos de comunicação social. Esse estudo partiu da base de dados da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), considerando os registos até 31 de maio de 2022.
Jerónimo et al. (2022b) definiram “Deserto de Notícias” como um município português sem órgãos de informação e um “Semi-deserto” como um município português com cobertura noticiosa menos frequente ou insatisfatória. A outra categoria que suscita algum alerta relativamente à cobertura noticiosa leva-nos a descrevê-lo como “Ameaçado”, que corresponde a um município português em que apenas um único meio de comunicação produz notícias locais. Os municípios com dois ou mais meios de comunicação que produzem notícias locais foram considerados “Fora do Deserto”. Embora se reconheçam diferentes classificações realizadas por outros estudos (Abernathy et al., 2022; Atlas da Notícia, 2022), a classificação de “semi-desertos” é uma novidade introduzida pelo estudo de Portugal, uma particularidade ligada ao contexto dos media regionais do país. Esta classificação é relevante uma vez que guia a delimitação do objeto de estudo.
Cerca de metade dos municípios portugueses apresentam algum grau de risco relativamente à cobertura noticiosa local, variando entre o mais baixo (ameaçado) e o mais elevado (deserto), passando por situações intermédias (semi-deserto). Isto significa que mais de metade (53.9% ou n = 166 concelhos) dos 308 municípios de Portugal são ou estão na iminência de se tornarem desertos noticiosos. Cerca de 17.5% deles (n = 54 concelhos), foram considerados desertos noticiosos por não terem qualquer órgão de comunicação social, enquanto outros 7.8% (n = 24 concelhos) foram considerados semi-desertos porque, apesar de existirem órgãos de comunicação social sediados nesses territórios, não estão a produzir satisfatoriamente notícias locais ou porque não há jornalistas no território e a cobertura local é feita à distância, ou porque as notícias locais são divulgadas com uma frequência menor que quinzenal. Há ainda 88 municípios (28.6%) ameaçados de entrar no deserto, por terem apenas um meio jornalístico com produção regular de notícias (Jerónimo et al., 2022b).
De acordo com Jerónimo et al. (2022b), as regiões Alentejo e Norte, em particular as partes destas regiões que se encontram no interior do país, concentram mais de 80% dos desertos e semi-desertos noticiosos em Portugal. O relatório explica que os distritos de Beja, Évora, Portalegre, no Alentejo, e Bragança e Vila Real, no Norte, são os que apresentam a maior percentagem de concelhos considerados desertos de notícias. Dos 58 concelhos que estão na região Alentejo (NUTS II), 20 (34.5%) são considerados desertos ou semi-desertos de notícias. Entre todas as regiões, esta é a que concentra a maior percentagem de concelhos onde não há cobertura frequente de notícias locais. A região Centro (NUTS II), que compreende 98 concelhos, tem 18 (18.4%) nesta mesma situação, encontrando-se em uma situação intermédia no país. Já a Região Metropolitana de Lisboa (NUTS II) tem apenas 2 concelhos (11.1%) em situação de deserto ou semi-deserto de notícias de um total de 18 concelhos.
O objetivo deste artigo, considerando o enquadramento teórico descrito, é o de compreender como é que a (in)existência de jornalismo regional impacta o consumo mediático dos jovens residentes em Portugal, entre os 15 e os 24 anos, procurando identificar semelhanças e/ou diferenças entre territórios, em particular, a respeito da forma como acedem e percecionam os formatos jornalísticos e os seus profissionais.
Métodos e Materiais
Este artigo assentou numa metodologia quantitativa, resultante do cruzamento entre dois projetos de investigação financiados a decorrer em Portugal. A partir do levantamento do consumo de notícias por parte dos jovens residentes no país, com idades compreendidas entre 15 e 24 anos, e do mapeamento de desertos de notícias em Portugal, levados a cabo respetivamente por cada projeto em separado, procurou-se responder às seguintes perguntas de investigação que norteiam este artigo:
Q1 Em que difere o consumo mediático dos jovens dentro e fora dos desertos de notícias em Portugal?
Q2 De que forma é que a existência (ou não) de jornalismo regional se traduz no modo como os jovens acedem e conferem importância às notícias?
Optou-se por comparar as respostas dos jovens residentes nas regiões Alentejo, Centro e Região Metropolitana de Lisboa (NUTS II). Esta opção relaciona-se com o facto de, respetivamente, estas regiões representarem, gradualmente, três ciclos diferentes do mesmo fenómeno: numa ponta, a região do Alentejo como aquela em que se registam, percentualmente, mais concelhos em deserto de notícias; de seguida, a zona Centro por se retratar como uma situação intermédia. Por oposição ao Alentejo, a Área Metropolitana de Lisboa, por ser a zona do país em que se verifica uma menor concentração de concelhos em desertos de notícias, percentualmente. A amostra total, recolhida online entre os meses de janeiro e outubro de 2023,
é composta por 1.362 respostas de jovens entre os 15 e os 24 anos a residir em Portugal e garante um nível de confiança de 95%, com margem de erro de 2.7%. O guião estava dividido em cinco secções, onde se incluíram questões de respostas fechadas e abertas: 1) Práticas e usos; 2) Comportamentos e perspetivas do mundo; 3) Hábitos de consumo; 4) Influenciadores: família, estabelecimento de ensino, amigos e outras pessoas; e, por fim, 5) Perceções e atitudes (Brites et al., 2023).
Este artigo é um recorte (n=745) da amostra total, uma vez que considera apenas as respostas dos jovens que afirmaram residir nas zonas Alentejo, Centro e Área Metropolitana de Lisboa. Os dados sociodemográficos desta amostra (indicados na Tabela 1) foram cruzados com questões sobre o tempo que dedicam, em média, por dia aos meios de comunicação, se e como acompanham órgãos de comunicação social, bem como as fontes de informação a que recorrem e a importância das notícias no dia-a-dia da sua faixa etária. Os inquiridos responderam através de opções dicotómicas como Sim ou Não, escolhas múltiplas ou Escalas de Likert.
Procedimento estatístico
O modelo proposto envolve a comparação dos participantes do Alentejo (n = 80) com o Centro (n = 269), e com a Área Metropolitana de Lisboa (n = 396). Com esse propósito, foram utilizados dois tipos de testes estatísticos: i) O qui-quadrado de Pearson para testar a associação entre as regiões e as respostas sobre comportamentos e perspectivas do mundo, assim como com as fontes de informação utilizadas pelos participantes; ii) Para verificar se existiam diferenças entre as regiões, na importância reconhecida das notícias, foram realizadas análises de variância simples (one-way ANOVA). Um cálculo à priori foi realizado assumindo um poder estatístico de .80, com recurso ao software G*Power versão 3.1.9.7 de Faul et al. (2007). Com um tamanho de efeito moderado, um nível de significância de 0.05 (α = 0.05) e o grau de liberdade (df) igual a 1, o total de amostragem mínimo seria de 88 participantes para o teste qui quadrado e 159 para a análise de variância. Os dados recolhidos foram analisados em SPSS.
Limitações
Os projetos utilizaram codificações diferentes: o relatório elaborado por Jerónimo et al. (2022b) apresenta um mapeamento em que a unidade de codificação é o concelho, já o questionário agregou os inquiridos por NUTS II. O cruzamento entre os dois projetos implicou que o olhar sobre os desertos de notícias fosse agregado por região, considerando no nível administrativo NUTS II, para corresponder às quotas dos questionários.
Resultados
O tempo diário dedicado pelos jovens aos diferentes meios de comunicação (Tabela 2), medido numa escala de Likert, apresenta diferenças estatisticamente significativas no que toca às redes sociais, F (2, 734) = 6.739, p = .001, sendo menor no Alentejo (M = 5.04, DP = 1.61) do que na Área Metropolitana de Lisboa (M = 5.59, DP = 1.23). No que diz respeito ao tempo dedicado a televisão streaming, o Alentejo (M = 3.38, DP = 1.68) apresenta valores significativamente inferiores ao Centro (M = 3.98, DP = 1.66) e à Área Metropolitana de Lisboa (M = 4.12, DP =1.66 ), F (2, 706) = 6.329, p = .002. O tempo despendido em média por dia no smartphone também apresentou diferenças, F (2, 729) = 3.404, p = .034, sendo superior na Área Metropolitana de Lisboa (M = 6.05, DP = 1.22) do que no Alentejo (M = 5.7, DP = 1.41).
Quando comparadas as respostas à pergunta Segue algum órgão de comunicação social (jornais, revistas, canais de televisão ou rádio) nas redes sociais, os resultados revelam que não existem diferenças estatisticamente significativas entre o Alentejo e o Centro, χ²(1) = 0.466, p = .495. Similarmente, não foram encontradas diferenças entre o Alentejo e a Área Metropolitana de Lisboa, χ²(1) = 0.268, p = .605. Sobre a existência de aplicações de órgãos de comunicação social nos smartphones, não se observaram associações estatisticamente significativas, tanto entre o Alentejo e o Centro, χ²(1) = 0.519, p = .471, quanto entre o Alentejo e a Área Metropolitana de Lisboa, χ²(1) = 0.191, p = .662.
Os jovens inquiridos foram questionados sobre quem acompanham para saber o que se passa no mundo. Entre as opções, das quais era possível escolher mais do que uma, estavam Instagrammers, Tiktokers, Jornalistas, Humoristas e YouTubers. Os resultados de cada região podem ser consultados na Tabela 3. Foram registadas apenas duas diferenças estatisticamente significativas, com o acompanhamento de Instagrammers menor no Alentejo (36.3%) do que no Centro (49.4%) e no acompanhamento de Tik tokers também mais reduzido no Alentejo (31.3%) do que na Área Metropolitana de Lisboa (43.2%). Por sua vez, ao contrário das respostas registadas nas outras regiões, no Alentejo, os jovens inquiridos afirmam ter preferência por acompanhar Jornalistas para saber o que se passa ao seu redor.
Quando comparadas as respostas por região à pergunta Que fontes usa para obter informação?, esta revelou-se a questão com mais diferenças estatisticamente significativas, apresentadas na Tabela 4. Nomeadamente, na utilização das redes sociais, que é superior na Área Metropolitana de Lisboa (82.6%) do que no Alentejo (65%). No caso da dos amigos como fontes de informação, o Centro (68.8%) apresentou valores estatisticamente superiores ao Alentejo (56.3%). Por fim, a utilização de plataformas online apresentou diferenças em ambos os grupos. O Alentejo (41.3%) tem um valor inferior ao Centro (57.2%) e, por sua vez, à Área Metropolitana de Lisboa (60.9%).
O acompanhamento das notícias pelos diversos meios (ver Tabela 5) também difere de acordo com as zonas. No caso da opção jornais digitais, o Centro (32%) apresenta valores significativamente superiores ao Alentejo (18.8%). A mesma tendência foi observada nas notícias através da televisão, sendo este valor menor no Alentejo (50%) do que no Centro (66.2%) e na Área Metropolitana de Lisboa (68.9%).
Foram também comparadas as respostas entre regiões a respeito de iniciativas ou atividades escolares em que os jovens inquiridos participaram e abordaram temas da atualidade. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre o Alentejo e o Centro, χ²(1) = 9.351, p = .053. O mesmo padrão foi observado entre o Alentejo e a Área Metropolitana de Lisboa, χ²(1) = 6.301, p = .178. Entre os jovens que afirmaram ter participado em iniciativas ou atividades escolares (Tabela 6), a única diferença registada foi na participação num ou mais debates, em que o valor é menor no Alentejo (17.5%) do que na Área Metropolitana de Lisboa (32.6%).
Não obstante, a percepção de importância das notícias no dia-a-dia dos participantes não revela diferenças estatisticamente significativas entre o Alentejo, o Centro e a Área Metropolitana de Lisboa, F (2, 718) = 1.700, p = .183. No entanto, quando questionados sobre a importância das notícias no dia-a-dia dos jovens em geral, o Alentejo (M = 2.81, SD = 0.954) apresenta um valor significativamente inferior à Área Metropolitana de Lisboa (M = 3.06, SD = 0.873) e ao Centro (M = 3.09, SD
= 0.771), F (2, 724) = 3.209, p = .041. A percepção de importância foi operacionalizada por uma escala de autorrelato do tipo Likert que variava de 1 (sem importância) a 4 (muito importante).
Análise e Discussão de Resultados
Este artigo partiu de uma análise comparativa entre o consumo mediático de jovens (15-24 anos) residentes em três regiões portuguesas, descritas como desertos e não desertos de notícias. As respostas analisadas permitem descortinar em várias camadas, por um lado, em que diferem estes territórios a nível i) do acesso, a partir das questões sobre o tempo que os jovens residentes nestas regiões dedicam aos me dia, a partir de quais consomem notícias, seguem ou têm instalados órgãos de comunicação social nos smartphones; ii) do contacto com o mundo, ao procurar perceber quem acompanham para se colocar ao corrente; iii) das perceções sobre a importância do formato jornalístico no seu quotidiano.
A Tabela 2 revela que o tempo dedicado diariamente, em média, pelos jovens inquiridos difere, em particular, nas opções Redes Sociais, Televisão Streaming e Smartphone: os residentes na região Alentejo acedem menos a estes meios, apresentando indicadores inferiores nestas respostas do que os da região Centro e da Área Metropolitana de Lisboa. Se por um lado estes dados podem estar a refletir uma dinâmica menor de comunicação em regiões onde há mais desertos de notícias e zonas menos populosas, pode também ser resultado de uma maior presença das chamadas “zonas brancas” nestas áreas, ou seja, áreas onde não há acesso à internet em banda larga. Em Portugal, é evidente o “fosso entre zonas urbanas e zonas rurais, menos povoadas” no que tange à disponibilidade de cobertura de rede fixa de capacidade muito elevada (Comissão Europeia, 2022, p. 11), sendo que recentemente o governo identificou mais de 400 mil habitações, edifícios de indústria de comércio e instalações agrícolas que não têm esse tipo de cobertura de rede.
A maior ou menor existência de jornalismo regional nas regiões investigadas também não se traduz no acompanhamento que os jovens fazem dos órgãos de comunicação social nas redes sociais. Seja em qual for a região, os dados apontam para um consumo notoriamente passivo de informação online, a partir do que “aparece” nos feed dos medias sociais, ou em família, através da televisão (Silveira & Amaral, 2018). Esta perceção é reforçada pelos resultados à pergunta Costumo Acompanhar Notícias Através de (Tabela 5), já que dedicam muito menos tempo a canais mais tradicionais de informação (Jornais impressos e Revistas) e preferem outros meios mais tecnológicos (Smartphone, Computador portátil), com exceção da Televisão, que embora seja tradicional, ainda tem enorme penetração nos lares portugueses e é consumida em família, conforme já referido. Ainda que indiquem seguir de igual forma órgãos de comunicação nas redes sociais ou ter aplicações destes instaladas no smartphone, as respostas à pergunta Quem Acompanham para Saber o que se Passa no Mundo permitem apontar diferenças significativas entre estas regiões (Tabela 3). Se, por um lado, os jovens residentes no Alentejo afirmam acompanhar menos criadores de conteúdo, como Instagrammers e Tikt okers do que os restantes participantes da sua idade, por outro, os jornalistas sobressaem como a referência no contacto com o mundo. Esses indicadores revelam que o local apontado como deserto de notícias, caracterizado pela falta meios e cobertura noticiosa da comunidade, é aquele e, inclusive, o único de toda a amostra, em que os jovens residentes garantem acompanhar mais o trabalho desenvolvido pelos profissionais de jornalismo. Esta hipótese, além de permitir apontar uma diferença entre o consumo mediático dos jovens dentro e fora dos desertos de notícias, em resposta à Q1, urge uma reflexão mais aprofundada, que aqui se inicia, mas que carece de outros dados de natureza qualitativa, sobre o que significa ser jornalista para estes jovens, considerando possíveis diluições das fronteiras do próprio conceito de notícia (Swart & Broersma, 2023) na perceção desta população. Essas considerações encontram, inclusive, renovados pretextos quando analisadas as respostas à questão Costumo Acompanhar Notícias Através de (Tabela 5), em que as opções Jornais Digitais e Televisão são menos frequentemente selecionadas na região alentejana. E se, a essas respostas, acrescentarmos o facto de, no Alentejo, os jovens residentes com idades compreendidas entre os 15 e os 24 anos, reconhecem menos importância às notícias no quotidiano da sua geração, o que já se relaciona com a Q2, o paradoxo ganha novos contornos.
Se as pessoas que são consideradas jornalistas e que os jovens residentes no Alentejo seguem não estão nos media regionais, porque estes são praticamente inexistentes naquela região, nem nos media digitais, como jornais digitais, que estes referem acompanhar menos, as respostas à questão Que fontes usa para obter informação? (Tabela 4), podem fornecer algumas pistas que ajudem a esclarecer a contradição: embora a utilização das redes sociais para obter informação seja bastante mais reduzida no Alentejo, quando comparado com Lisboa, é a resposta que sobressai entre os respondentes daquela região, o que pode indicar que os jornalistas estarão nestas plataformas. A questão que de imediato se levanta, é que podem não ser jornalistas profissionais, mas pessoas que se apresentam como tal, um fenómeno crescente e já evidenciado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, e que “confunde, acima de tudo, o público consumidor de informação de natureza jornalística, uma vez que julgarão estar a aceder a conteúdos produzidos por quem se outorga o estatuto de jornalista confiando que se trata de um profissional habilitado” (CCPJ, 2024).
Apesar disso, os jovens do Alentejo ainda utilizam menos as redes sociais para acompanhar as notícias comparativamente com os que vivem na Região de Lisboa. Esse dado, quando observado em conjunto com a falta de importância atribuída às notícias no dia-a-dia dos jovens residentes no Alentejo, pode ser explicado pela inexistência de uma cultura de acompanhar notícias e pelo facto de que, em muitos casos, os cidadãos destes territórios veem apenas de forma residual a localidade retratada nas notícias nacionais e nos media de concelhos vizinhos, o que pode criar um interesse diminuto nas próprias notícias, também em resposta à Q2.
Por fim, observa-se ainda que na região do Alentejo, onde são mais presentes os desertos de notícias, as iniciativas mais tomadas pelos jovens (Tabela 6) estão relacionadas com projetos ou com atividades extracurriculares que são propostas pelas escolas do que com atividades de iniciativa própria, o que pode sugerir alguma relação entre a disseminação e o consumo de notícias locais e a participação na vida cívica (Meijer, 2006).
Conclusão e Pistas Futuras
As notícias locais desempenham um papel essencial na promoção da participação democrática dos cidadãos em contextos de proximidade (Jerónimo et al., 2022a), em particular, nas fases de consolidação e construção de identidade e participação cívica, intimamente associadas à juventude (Meijer, 2006). Esse artigo tem essa reflexão como pano de fundo, o que, à boleia das consecutivas transformações e desafios que se impõem atualmente ao jornalismo, nos levou a procurar perceber em que é que o consumo noticioso levado a cabo pelos jovens residentes em Portugal difere dentro e fora dos desertos de notícias. Refletir e comparar práticas e percepções permite-nos uma compreensão mais profunda sobre o impacto real que os riscos da falta de cobertura mediática traduzem nestas audiências locais.
Ainda que possamos concluir que as diferenças não são muitas e nem sempre estatisticamente significativas, o trabalho desenvolvido em parceria pelos dois projetos acrescenta valor a este campo de estudos se considerarmos que, por um lado, os resultados convidam os órgãos de comunicação social a refletir sobre o contacto com as audiências jovens; e, por outro, evidenciam a necessidade de um questionamento sobre o papel das notícias e do jornalismo no quotidiano destas audiências a que, acrescente-se, uma investigação mais aprofundada nestes territórios, de natureza qualitativa, pode permitir descortinar o conceito de jornalista na(s) perspetiva(s) jovens e potenciar um debate mais sustentado que, no final, ecoe no seu imaginário. Ademais, a própria perceção de que dentro e fora dos desertos de notícias os consumos noticiosos não diferem de forma tão ampla é um indicativo de que alguns questionamentos merecem ser levantados.
Além dos dados que foram possíveis apurar, importa, também, elencar algumas das interrogações que surgiram ao longo do processo de investigação, especialmente após a depreensão de que quem tem acesso à informação produzida pelos media regionais consome notícias de forma muito semelhante a quem não tem. Em primeiro lugar, estará o consumo mediático dos jovens mais centrado no entretenimento e menos no conteúdo noticioso tradicional? E aqueles que consomem notícias, consomem-nas como, onde e em que formatos? Em segundo lugar, é fundamental refletir sobre a função do jornalismo regional ou de proximidade: estará a cumprir a função de fornecer informação verificada, fiável e aprofundada, que vai nutrir as bases da democracia nas comunidades? E, inclusive, estará a cuidar do acto de comunicar nas linguagens e plataformas que estes públicos gostam de utilizar e em que se movimentam?
As gerações mais jovens estão imersas numa realidade híbrida em que o consumo se tornou um processo coletivo (Jenkins et al., 2016) e o conteúdo é oferecido num à la carte (Brites, 2010), numa lógica de escolhas mediatizadas (Hepp, 2013) e práticas de consumo cross-media (Silva et al., 2017). A ausência de interesse nos problemas “sérios” da sociedade e do mundo, bem como falta de motivação para acompanhar esses temas (Brites et al., 2017; Silveira & Amaral, 2018), assim como o consumo incidental de notícias nas redes sociais (Boczkowski et al., 2018) e a resistência aos media (Schrøder & Blachørsten, 2016) convergem num cenário em que a falta de interesse se interliga com a ausência de informação dos locais onde a maioria dos jovens habita. É neste sentido que este estudo levanta questões que merecem ser exploradas em investigações futuras, nomeadamente algo que já começa a ser suscitado nos trabalhos decorrentes do mapeamento dos desertos de notícias em Portugal: como é que os jovens se informam sobre as suas realidades locais nos territórios onde não há meios jornalísticos? E quantos dos não-desertos o são efectivamente? Isto é, será que os media regionais existentes estão a cumprir a sua função? Esses são apenas alguns dos questionamentos que precisam de ser investigados neste campo se queremos compreender de forma mais abrangente, mas também mais aprofundada, as implicações deste fenómeno para o futuro das democracias e para a relação com as audiências jovens.