INTRODUÇÃO
A República Democrática de Timor Leste ou Timor-Leste (TL), localizado no Sudoeste Asiático têm aproximadamente 1,3 milhões de habitantes (1). Apesar da percentagem da população que vivia no limiar da pobreza ter decrescido (de 50,4% em 2007 para 41,8% em 2014) este valor é ainda elevado (2). O grande desafio de saúde pública que Timor enfrenta é a desnutrição (3). Um problema grave com consequências diversas, interferindo com o comprometimento do desempenho escolar e da produtividade das crianças e, em situações mais graves, a morte precoce (4). Embora o país, com o apoio das organizações nacionais e internacionais, tenha estabelecido políticas e estratégias relacionadas com alimentação/nutrição de forma a combater este flagelo (5 - 8), a prevalência de nanismo nas crianças com idade inferior a 5 anos continua alta (49,2%) (2), tendo-se também verificado o aumento da prevalência de crianças com excesso de peso em cerca de 6% (9). Nos indivíduos com idades compreendidas entre os 15 e os 49 anos a prevalência de baixo peso nas mulheres é de 27% e de 26% nos homens. Por outro lado, 8% das mulheres e 5% nos homens têm excesso de peso (9).
Os alimentos-base para esta população são o milho, o arroz, a mandioca e vegetais. O consumo de alimentos de origem animal é baixo (8, 10, 11). A alimentação dos timorenses é carente e pouco diversificada quanto aos alimentos consumidos, tendo como consequência uma ingestão calórica também inferior às necessidades (4, 8).
Em Portugal dados recentes, apontam que existem cerca de 477 mil imigrantes com estatuto legal de residente no país (12). O número dos timorenses registado nos Serviços de Estrangeiros e Fronteiras do ano 2018 foi de 263 (13). São vários os fatores que podem afetar a saúde de um imigrante, sendo um deles a mudança dos hábitos alimentares (HA) (14). Tanto quanto é do nosso conhecimento, até à data, ainda não se encontram dados que relatem os HA dos timorenses em Portugal. Desta forma, considerou-se pertinente estudar os HA e suas alterações nesta população.
OBJETIVOS
O presente estudo tem como finalidade caracterizar os HA, o estado nutricional e os estilos de vida de uma amostra da população timorense residente em Portugal.
METODOLOGIA
População e Amostra
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo observacional, de desenho transversal que abrange uma amostra da população timorense residente em Portugal, de idade igual ou superior a 18 anos. Dos 131 timorenses contactados, 88 responderam ao questionário. Destas, 6 respostas foram excluídas por não responderem de forma completa ao questionário. Trata-se de uma amostra recolhida através do método de amostragem em bola de neve.
Métodos
De modo a cumprir os objetivos delineados elaborou-se um questionário estruturado de aplicação direta.
Previamente à submissão da proposta de trabalho à Comissão de Ética da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto foi realizado um estudo piloto em 4 adultos.
Foi solicitada e obtida a colaboração por parte do Presidente do Grupo dos Estudantes Timorenses no Porto, de forma a auxiliar à divulgação deste trabalho aos timorenses residentes neste local. De forma a aumentar a amostra do presente estudo, foi pedido aos potenciais participantes, a disponibilização de possíveis contactos de outros timorenses que poderiam eventualmente participar neste estudo.
Relativamente aos timorenses que não residiam no Porto, foi feita uma pesquisa pela investigadora principal através das redes sociais e posteriormente a mesma entrou em contacto direto, de forma a solicitar o preenchimento de toda a documentação necessária, concretamente
o termo do consentimento informado e o link do questionário (na versão Google Forms da Universidade do Porto) de forma a facilitar o seu preenchimento.
O trabalho foi submetido e aprovado pela Comissão de Ética da Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (PARECER Nº2/2020/CEFCNAUP/2020).
Questionário
O questionário foi adaptado do trabalho de investigação de Sorokina (15) e é constituído pela seguinte informação: características sociodemográficas; estilos de vida (prática de atividade física, consumo de álcool, tabaco e n.º de horas de sono) e estado de saúde declarado pelo próprio; caraterísticas antropométricas (peso e estatura autorreportados) e avaliação do consumo alimentar na qual se utilizou o questionário às 24 horas anteriores. Para a classificação das refeições, provenientes da informação supracitada, em completa e incompleta, os alimentos foram agrupados tendo sido considerandos os critérios apresentados na Tabela 1. Paralelamente, foram identificados nas refeições acima mencionadas, a presença ou não de alimentos não recomendados conforme os critérios apresentados na Tabela 2, que permitiram classificar a refeição em saudável ou não. O questionário contém ainda questões sobre as alterações dos HA identificadas após a emigração.
Recolha de Dados
A recolha dos dados foi efetuada de duas formas distintas: para os residentes no Porto, foi feita de forma presencial num local acordado antecipadamente com uma investigadora e, para os não residentes no Porto o questionário foi reproduzido no formato Google Forms da Universidade do Porto e enviado o link por correio eletrónico para o seu preenchimento. Para as duas situações, apenas foi entregue e enviado o questionário aos participantes que apresentaram previamente o termo do consentimento devidamente assinado.
*Componentes: laticínios; cereais e derivados; fruta
**Componentes: sopa ou hortícolas no prato; arroz, massa ou batata; carne, peixe, ovo e/ou leguminosas; fruta
sendo que a quantidade de bebidas consumidas variava entre 1 ou mais de 2 copos por cada ingestão. Quanto à regularidade de consumo 35,4% referiam um consumo ocasional e 20,7% semanal. Relataram a presença de doenças 18,3% dos participantes, sendo as mais frequentes a diabetes, doença cardiovascular, hipertensão arterial, depressão, cancro, gota, dislipidemia, problemas ósseos e de estômago. A média do número de horas de sono indicada pelos inquiridos foi de 7,2±1,7 horas por noite, com um mínimo de 4 horas e um máximo de 12 horas. O peso que reportaram oscilou entre os 42 e 90 kg, e a altura entre 145 e 183 cm, o que correspondeu a uma média de Índice de Massa Corporal (IMC) de 22,5± 3,8 kg/m2. De uma forma geral, a percentagem dos participantes com o IMC correspondente à normalidade foi superior comparativamente às demais categorias de IMC (64,1%). Cerca de 21,9% dos inquiridos tinha excesso de peso.
Análise Estatística dos Dados
A análise estatística dos dados recolhidos foi realizada no programa Statistical Package for Social Sciences, versão 26.0. A estatística descritiva consistiu no cálculo de frequências absolutas (n) e relativas (%), de médias e desvios padrão, e de medianas e percentis (P25; P75). Foi utilizada a correlação de Spearman (rs) para medir a associação entre pares de variáveis.
RESULTADOS
Caraterização da Amostra
Foram analisadas 82 respostas, das quais 53,7%, são de sexo feminino. A idade média dos participantes foi de 29,7±12,5 anos. 58,5% dos inquiridos habitavam na região Norte do país, 23,2% no Centro e os restantes 18,3% residem no Sul do país e nos Açores. 78% dos inquiridos frequentavam o ensino superior. A maioria dos participantes (82,9%) eram estudantes e apenas 22% eram casados. O tempo de permanência dos inquiridos em Portugal variava entre menos de 1 e 45 anos, com uma média de 5,4±8,0 anos. Relativamente ao grau de adaptação a Portugal, 39% dos inquiridos referiam sentirem-se muito adaptados (5, numa escala de 1 a 5) e apenas 2,4% relataram o oposto (nível 1).
Caraterização dos Estilos de Vida e Estado Nutricional
Mais de metade dos inquiridos (62,2%) não praticava atividade física (AF). Dos que praticavam (37,8%), em média faziam-no três vezes por semana com uma duração média de 1,7±0,8 horas por sessão. Antes de emigrar, 45,1% encontrava-se envolvido na prática de AF, com frequência e duração média por sessão, idênticas a quem pratica atualmente. 20,7% dos inquiridos fumam, sendo a quantidade média de cigarros de 8,0±7,9 por dia. No que diz respeito ao consumo de bebidas alcoólicas, 68,3% dos inquiridos referiam consumir, sendo que a quantidade de bebidas consumidas variava entre 1 ou mais de 2 copos por cada ingestão. Quanto à regularidade de consumo 35,4% referiam um consumo ocasional e 20,7% semanal. Relataram a presença de doenças 18,3% dos participantes, sendo as mais frequentes a diabetes, doença cardiovascular, hipertensão arterial, depressão, cancro, gota, dislipidemia, problemas ósseos e de estômago. A média do número de horas de sono indicada pelos inquiridos foi de 7,2±1,7 horas por noite, com um mínimo de 4 horas e um máximo de 12 horas. O peso que reportaram oscilou entre os 42 e 90 kg, e a altura entre 145 e 183 cm, o que correspondeu a uma média de Índice de Massa Corporal (IMC) de 22,5± 3,8 kg/m2 . De uma forma geral, a percentagem dos participantes com o IMC correspondente à normalidade foi superior comparativamente às demais categorias de IMC (64,1%). Cerca de 21,9% dos inquiridos tinha excesso de peso.
Avaliação dos Hábitos Alimentares
De um modo geral, no que diz respeito à presença de alimentos não recomendáveis nas refeições, verificou-se que os alimentos que se encontram nas refeições intermédias são os produtos alimentares açucarados e/ou folhados. Já nas refeições principais, para além dos produtos alimentares referidos anteriormente, foram ainda identificados a presença de alimentos fritos e/ou salgados e fast-food. No que se refere ao consumo de frutas, 57,3% dos participantes incluía este alimento ao almoço, 52,4% ao jantar, 31,7% ao pequeno-almoço, 19,5% a meio de manhã, 28% a meio da tarde, e apenas 9,8% dos participantes a ceia. Os inquiridos que consumiam hortícolas como acompanhamento do prato ao almoço e jantar eram 57,3% e 50%, respetivamente.
Na Tabela 3 encontram-se apresentadas informações referentes à
frequência do consumo das diferentes refeições, à sua constituição (completa ou não), à presença de alimentos não recomendáveis (refeição saudável ou não), e se a refeição era completa e simultaneamente saudável.
Alterações Autorreportadas Decorridas com a Vinda para Portugal
Relativamente aos estilos de vida, identificou-se que 7,3% dos indivíduos deixaram de realizar AF. 58,5% dos inquiridos aumentaram de peso depois de emigrar. Para caraterizar o seu estado de saúde em Portugal em comparação com o tempo em que viviam em Timor (numa escala de 1 a 5 em que 1 significa piorou muito e 5 melhorou muito) verificou-se que 62,2% dos inquiridos indicaram melhorias no seu estado de saúde após a sua vinda para Portugal (correspondendo à junção dos níveis 4 e 5). Quanto questionados sobre se consideravam que a alimentação teve alguma influência nessa mudança do seu
estado de saúde, e utilizando a escala usada anteriormente, 69,5%, assinalaram igualmente os níveis 4 e 5. Quando correlacionadas estas duas variáveis, identificou-se que os participantes que consideraram ter melhorado o seu estado de saúde, associaram maioritariamente esta melhoria à influência da alimentação. (p<0,001; rs=0,434). Relativamente às alterações dos HA, 70,7% dos inquiridos mencionaram ter alterado o número de refeições desde a vinda para Portugal sendo que destes 74,1% referiram ter aumentado o número das refeições. Por outro lado, 78,0% dos participantes referiram terem alterado as quantidades de alimentos ingeridos, sendo que de uma forma geral a ingestão tem aumentado. No que diz respeito ao local das refeições 58,5% indicaram que modificaram o local em que habitualmente realizavam as suas refeições, sendo que após a vinda para Portugal 66,7% destes faziam as suas refeições mais vezes fora da casa.
DISCUSSÃO DE RESULTADOS
Ainda que alguns trabalhos de investigação demonstrem que os imigrantes apresentam uma menor prevalência de excesso de peso ou obesidade comparativamente a população hospedeira dos países industrializados (16), outros estudos porém retratam o oposto, sugerindo que os imigrantes são mais predispostos a adquirirem HA nem sempre favoráveis (14), adaptando-se a ambientes obesogénicos (17, 18), e consequentemente mais propensos a um aumento da prevalência de fatores de risco de doenças crónicas não transmissíveis (19). No presente estudo 58% dos participantes reportaram terem aumentado o seu peso, resultados concordantes com trabalhos realizados com imigrantes chineses, ucranianos e turcos residentes em Portugal (15, 20, 21), ainda que o IMC médio seja de 22,5± 3,8 kg/m2 neste grupo de população. No que se refere aos estilos de vida promotores de saúde, a atividade física é dos mais descritos com uma associação positiva (22), e as recomendações da Organização Mundial da Saúde sugerem uma prática regular de 150 minutos de exercícios de intensidade moderada, ou equivalentes ao longo da semana para a população adulta (23). Os resultados obtidos no presente estudo mostram que, com a vinda para Portugal, a prática de atividade física diminuiu 7,3%. O número médio de horas de sono na população estudada foi de 7,2±1,7h, o que se encontra dentro das recomendações sugeridas pelo National Sleep Foundation, ainda próximo do seu limite inferior (24). Com a vinda para Portugal, mais de metade dos participantes da nossa amostra assinalaram terem aumentando o número das refeições por dia, assim como a quantidade dos alimentos consumidos. No que diz respeito aos hábitos alimentares, a maioria dos participantes não realizou uma alimentação nem completa nem saudável nas diferentes refeições. Cerca de metade dos inquiridos incluíam nas suas refeições um ou mais alimentos processados, tais como alimentos fritos e salgados (como batatas fritas, presunto), alimentos ricos em açucares simples (como refrigerantes, sobremesas doces) e gorduras saturadas (como produtos da pastelaria, fast-food). Estes resultados estão em concordância com outros estudos efetuados em populações de países em desenvolvimento que emigraram para países desenvolvidos, concretamente no que se refere ao aumento do consumo de alimentos processados (25, 26). É de conhecimento geral que o consumo de frutas e hortícolas é um indicador importante na qualidade alimentar (27), sendo um fator protetor contra doenças crónicas e cancro (28, 29). Uma investigação realizada em imigrantes que viviam em Portugal mostrou que este grupo da população não ingeria uma quantidade adequada deste grupo de alimentos (30). Embora, os resultados do presente trabalho não nos permitam aferir quantidades médias de consumo de fruta, permitem aferir que só cerca de metade dos indivíduos consumia fruta.
Tal como qualquer outro estudo, o presente trabalho apresenta limitações, tais como o seu carácter transversal não permitindo inferir a causalidade entre as variáveis, ainda que esta limitação seja uma consequência do desenho do estudo que em nada interfere com a resposta aos objetivos do mesmo.
Apresentam-se como limitações o tamanho da amostra de conveniência não ser de grande amplitude, assim como o facto de não ter sido recolhida de maneira uniforme (presencialmente e remotamente), porém o investigador principal conseguiu assegurar em qualquer formato de recolha, o esclarecimento de dúvidas aos participantes, no momento do preenchimento do questionário. Quanto à informação sobre o consumo alimentar, poderá ter sido afetada pela desejabilidade social podendo ter ocorrido uma subestimação ou sobrestimação deste consumo, no geral e/ou para grupos específicos de alimentos, associado a qualquer método de avaliação do consumo alimentar no geral e ao questionário às 24 horas anteriores em particular. O facto de só ter sido avaliado o dia anterior à recolha de dados que poderá não ser representativa do todo, porém por motivos logísticos não foi possível considerar pelo menos o reporte de mais um dia não consecutivo. O facto de termos uma questão sobre se o dia reportado era dia de consumo habitual, o que o foi em 100% da amostra, consideramos que poderá minorar as consequências deste viés. Também o peso e a altura foram autorreportados, pelo que a prevalência de pré-obesidade e obesidade pode estar subestimada. Apresentam-se como pontos fortes do presente trabalho o seu carácter inovador, uma vez que em Portugal não encontramos trabalhos com os objetivos idênticos realizados nesta população.
CONCLUSÕES
Os timorenses que vieram para Portugal reportaram uma diminuição da prática de atividade física, cerca de ¼ da amostra fumava e bebia álcool semanalmente, estando o n.º de horas de sono dentro do recomendado. Mais de metade da amostra era normoponderal, apresentando pré-obesidade e obesidade ¼ dos inquiridos. Considerando a média de todas as refeições, só 26,5% da amostra realizaram refeições completas e saudáveis, mas só cerca de metade ingeria frutas e hortícolas. Com a vinda para Portugal, grande parte dos participantes referiram que consumiam um maior número de refeições, maiores quantidades de alimentos e faziam as suas refeições mais vezes fora de casa.
Deste modo, uma adequada intervenção alimentar que articule harmoniosamente os HA do país de origem, com o padrão alimentar Português, alinhado com as recomendações para a prática de uma alimentação saudável, revestem-se de primordial importância para a promoção da saúde nas populações de emigrantes a residirem em Portugal.