INTRODUÇÃO
A Lei n.º 98/2009 define acidente de trabalho (AT) como aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho, produzindo lesão corporal, perturbação funcional ou doença, da qual resulte redução na capacidade de trabalho, de ganho ou morte (1). Esta estabelece ainda como local de trabalho, todo o posto ou lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se para cumprimento das suas obrigações profissionais e em que esteja direta ou indiretamente, sujeito ao controlo da entidade empregadora (1). O tempo de trabalho inclui o período que antecede o seu início. Por exemplo, em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também relacionados com o trabalho. Incluem-se, portanto, as interrupções normais (como a pausa para refeições) ou forçosas de trabalho, inclusive, dos momentos de deslocação para ir trabalhar ou regressar (acidente in itinere) (1).
Para além do grande impacto na integridade humana, os AT refletem-se na produtividade e, consequentemente na competitividade das empresas e serviços, acarretando custos elevados para a economia. Em Portugal, em 2020, foram registados 156 048 AT, sendo 131 destes mortais. Estes valores mostram uma diminuição quando comparados com os números do ano 2000, no qual se verificou a ocorrência de 234 192 com um total de 368 acidentes mortais (2).
Os trabalhadores do setor da saúde representam 10% da mão-de-obra total da União Europeia (EU), sendo significativa a proporção destes que trabalham em hospitais (3). O trabalho em meio hospitalar é suscetível de causar danos para a saúde tanto pela ocorrência de acidentes e doenças profissionais devido à exposição aos riscos inerentes às tarefas, como pela exposição frequente a situações de stress e de fadiga física e mental (4) (5). Segundo a Administração Central dos Serviços de Saúde (ACSS), em 2013, por cada 1000 trabalhadores do Serviço Nacional de Saúde (SNS), 53 foram vítimas de AT, 75% correspondendo a assistentes operacionais e enfermeiros (3).
Assim, este tipo de estudos que refletem o crescente investimento por parte das organizações públicas e privadas em políticas de promoção de saúde e segurança dos seus trabalhadores, são fundamentais para melhor compreensão da problemática em questão, servindo como ponto de partida para o estabelecimento de medidas preventivas com vista ao desenvolvimento de locais de trabalho saudáveis.
OBJETIVOS
Caracterização dos AT ocorridos entre 2017 e 2022 num hospital terciário português relativamente à sua distribuição anual, por sexo, tipo de risco e grupo profissional. Pretendeu-se ainda perceber quais as regiões anatómicas mais atingidas, assim como o seu impacto no número de dias perdidos.
MÉTODOS
Foi realizado um estudo retrospetivo que incluiu todos os acidentes de trabalho de um hospital terciário português no período de janeiro de 2017 a dezembro de 2022.
Os dados foram obtidos através do software do Serviço de Saúde Ocupacional. Foram recolhidas informações sobre: número de acidentes, categoria profissional, localização (instalações do hospital e no itinerário), tipo de risco associado, lesão, região anatómica afetada e duração da ausência do trabalho em número de dias. Apenas os casos com incapacidade absoluta para o trabalho imediatamente após a lesão foram considerados como períodos de ausência ao trabalho.
RESULTADOS
No período estudado ocorreram 1279 acidentes de trabalho. Destes, 82,8% ocorreram em trabalhadores do sexo feminino. Quando comparado o número de AT por sexo, com a média do número de funcionários do hospital de cada sexo, entre 2017 e 2022, verifica-se que a proporção de sinistrados do sexo feminino (36,72%), permanece superior à do masculino (Tabela 1). Quanto ao local, 93,8% ocorreram nas instalações do centro hospitalar (CH) e os restantes foram in Itineri.
Quando analisamos a sua distribuição por grupo profissional, constata-se que 552 (43,2%) acidentes ocorreram em assistentes operacionais (AO), 454 (35,5%) em enfermeiros, 158 (12,4%) em médicos e 115 (9,0%) em profissionais de outras categorias profissionais, verificando-se que, proporcionalmente, a categoria profissional mais afetada continua a ser a dos AO (54,3%) seguindo-se a dos enfermeiros (33,4%) (Tabela 2).
Relativamente ao tipo de risco associado, o mecânico foi o que contribuiu para o maior número de AT registados, contabilizando-se um total de 594 (46,4%). O risco biológico, no qual se incluem os acidentes por picada, foi responsável por 336 (26,3%) AT, seguindo-se o ergonómico com um total de 286 (22,4%) acidentes. Quanto aos riscos psicossociais, estes foram responsáveis por 40 eventos no período estudado (Tabela 3).
Quando analisamos os dados relativamente às regiões anatómicas afetadas, observamos que o membro superior foi aquele onde se registou maior dano, com 558 ocorrências (43,6%), seguido do inferior, atingido em 286 (22,4%) dos acidentes e das situações em que houve lesões de múltiplas regiões anatómicas, o que ocorreu em 164 (12,8%) dos acidentes, como representado no gráfico 1. No período estudado, 43.3% dos AT ocorridos deram origem a absentismo laboral, originando um total de 21 315 dias perdidos, sendo que a região anatómica que mais contribuiu foram os membros inferiores (37,4%), seguindo-se dos superiores (25,2%) (Gráfico 2).
Verificou-se que a maioria dos acidentes de trabalho ocorridos no período analisado, geraram uma ausência ao trabalho entre os três e os 30 dias de ausência (58,8%) (Gráfico 3) e 2,8% do total de AT deram origem a incapacidade permanente parcial.
DISCUSSÃO
Os AT apresentaram uma distribuição variável ao longo do período estudado. Os anos com menor número de ocorrências foram 2018, 2020 e 2022. Em 2018, a diminuição prende-se muito provavelmente com a limitação no registo de AT, em parte do ano, devido a ausência prolongada do responsável por essa tarefa, sem que tenha sido substituído. A diminuição no ano de 2020 deve-se eventualmente ao isolamento profilático e infeção por COVID-19 dos profissionais e em 2022 esta poderá ser reflexo do reforço dos profissionais do SSO durante a pandemia, nomeadamente na área da Segurança no Trabalho, com consequente maior sensibilização nesta matéria.
Tal como expectável, o maior número de AT ocorreu nas instalações do CH, em comparação com os AT in itinere, sendo a análise destes últimos mais complexa e consequentemente mais difícil a adoção de medidas preventivas.
A elevada prevalência de AT nos AO e enfermeiros poderá ser explicada pela natureza das suas tarefas que, de um modo geral, apresentam elevada exigência física, como mobilização de doentes, manipulação de cargas, tarefas que exigem a realização de movimentos repetitivos e, também, no caso dos enfermeiros, maior número de tarefas com risco de picada (6).
Segundo a literatura, as lesões músculo-esqueléticas, essencialmente associadas aos riscos ergonómicos e mecânicos, são as lesões mais comuns resultantes de AT no setor da saúde (3), o que se verifica na realidade estudada, sendo os AT associados a riscos mecânicos os mais prevalentes, comparativamente aos associados aos riscos ergonómicos. A maioria destes acidentes estão relacionados com quedas do trabalhador ou choque com objetos. Tal facto pode estar relacionado com a organização do CH em vários edifícios e ao mau estado de conservação dos acessos entre eles, que facilita os acidentes desta natureza.
Tratando-se de um hospital, o risco biológico também se apresentou como bastante significativo (26,3%), maioritariamente relacionado com picadas ou contacto com fluidos biológicos, facto igualmente corroborado pela literatura (7) (8). Ao longo do período estudado, verificou-se um aumento do número de AT relacionados com o risco psicossocial (2017- 2 AT; 2021- 10 AT; 2022- 9AT), estando estes diretamente relacionados com agressões a profissionais do CH. De igual forma, a literatura reporta um aumento do número de casos de agressão a profissionais de saúde nos últimos anos, destacando a necessidade de uma intervenção urgente nesta área através da implementação de planos de prevenção de riscos psicossociais (9) (10).
Relativamente à localização anatómica das lesões, os membros superiores são a região mais afetada, sendo, no entanto, os inferiores a região responsável por um maior número de dias de trabalho perdidos. Isto pode ser explicado pelo facto de os acidentes por picada afetarem essencialmente os membros superiores e não causarem, na sua maioria, períodos de incapacidade, contrariamente às lesões dos membros inferiores que são maioritariamente de natureza musculosquelética, originando, assim, maior incapacidade. Este facto foi constante ao longo dos seis anos estudados.
O número de dias de ausência ao trabalho observados (21 315 dias), demonstra a enorme perda de produtividade que os AT podem gerar nas organizações sendo fundamental continuar a investir em políticas preventivas e de melhoria das condições de trabalho.
A principal limitação deste estudo foi não conseguir determinar os serviços/setores onde há uma maior prevalência de AT. Com a inclusão deste dado no processo de registo, será possível analisar e implementar medidas concretas de acordo com o local de ocorrência de modo a controlar ou diminuir esta prevalência. Uma outra limitação consistiu no facto de, ao longo dos anos, os dados utilizados terem sido introduzidos no programa informático por pessoas diferentes, utilizando diferentes critérios de registo e classificação.
CONCLUSÃO
Uma correta gestão e tratamento dos dados dos AT permite conhecer melhor a realidade desta matéria nas organizações e, consequentemente, determinar medidas e programas que minimizem a sua prevalência. Com um baixo índice de sinistralidade, diminui também o decorrente absentismo ao trabalho e os custos diretos e indiretos para a organização com o respetivo aumento de produtividade, podendo traduzir-se, no setor da saúde, numa melhor prática clínica. Uma avaliação de riscos detalhada associada à respetiva implementação de medidas preventivas nos serviços com maior número e maior gravidade de AT permitirá reduzir a sua incidência e prevalência. Seria também fundamental a existência de um programa de gestão dos AT com uma análise semestral ou anual dos dados registados que permita a implementação de medidas mais imediatas dentro do CH, assim como o desenvolvimento de mais e melhores ações de sensibilização e formação em matéria de AT. Outra medida adicional equacionada, passa por um papel mais ativo dos profissionais do SSO, nomeadamente dos Técnicos de Segurança e Saúde no Trabalho, nos futuros projetos de remodelação/construção de infraestruturas do CH, de modo a eliminar ou reduzir riscos na fonte, tornando-os mais seguros para os profissionais.
Número de AT | Total Funcionários | Proporção tendo em conta o sexo | |
---|---|---|---|
Feminino | 1059 | 2884 | 36,72% |
Masculino | 220 | 1110 | 19,83% |
Total | 1279 | 3994 | 32,02% |
Categoria profissional | Número total de AT por categoria | Totais de funcionários por categoria | Proporção de AT por categoria profissional |
---|---|---|---|
Assistente Operacional | 552 | 1017 | 54,3% |
Pessoal de Enfermagem | 454 | 1359 | 33,4% |
Pessoal Médico | 158 | 874 | 18,1% |
Técnico Diagnóstico e Terapêutica | 49 | 233 | 21,1% |
Assistente Técnico | 45 | 316 | 14,3% |
Outros* | 21 | 195 | 19,8% |