INTRODUÇÃO
O cancro da Bexiga é razoavelmente prevalente, sendo que, em alguns casos, poderá haver relação com as características do trabalho. Seria relevante que a generalidade dos profissionais tivesse alguns conhecimentos relativos ao que está publicado sobre este tema.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores eventualmente expostos a fatores de risco com capacidade para desenvolver cancro da bexiga.
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre fatores de risco do trabalho que possam implicar maior probabilidade de desenvolver patologia oncológica vesical
-C (context): saúde ocupacional
Assim, a pergunta protocolar será: Quais as caraterísticas e/ou fatores de risco laboral que poderão implicar uma maior probabilidade de desenvolver cancro de bexiga?
Foi realizada uma pesquisa em janeiro de 2022, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
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RCAAP | Cancro da Bexiga | -título e/ ou assunto |
34 | 1 | sim | ||||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Bladder cancer | -2012 a 2022 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
6758 | 2 | não | ||||
occupational | 132 | 3 | sim | 2 3 4 6 7 8 9 10 11 12 13 15 16 17 19 20 21 22 23 27 28 29 36 46 57 78 82 86 92 93 95 96 97 100 102 103 105 107 108 116 |
CB1 CB2 CB3 CB4 CB5 CB6 CB7 CB8 CB9 CB10 CB11 CB12 CB13 CB14 CB15 CB16 CB17 CB18 CB19 CB20 CB21 CB22 CB23 CB24 CB25 CB26 CB27 CB28 CB29 CB30 CB31 CB32 CB33 CB34 CB35 CB36 CB37 CB38 CB39 CB40 |
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CONTEÚDO
Incidência/ Prevalência
O Cancro da Bexiga (CB) é o mais frequente (1) (2) (3) (4) ou o segundo mais prevalente entre as neoplasias génito-urinárias e o segundo mais mortal nesse contexto (5).
Considerando todas as patologias oncológicas, está estimado que é o 7º (6) ou 9º mais prevalente (1) e, na maioria dos casos, o diagnóstico ocorre na sexta e sétima décadas de vida (4).
Em função da divisão por sexos, é duas (4) a quatro vezes mais frequente no sexo masculino (5) (7) (8). Estima-se que seja dos mais frequentes nos homens (8) (9) (10) e o 9º mais mortal para este sexo (8), embora também seja elevada a prevalência no sexo feminino (7) (8) (9) (10).
Analisando a questão étnica, 80% dos casos ocorrem em caucasianos (9), dos quais 92 a 99% são uroteliais e na parede vesical, respetivamente (1).
Dando exemplos específicos por países, no Irão, o CB é o terceiro mais prevalente no sexo masculino (11), enquanto em Itália atinge 11% dos casos oncológicos da população masculina e 3% da população feminina, ou seja, 45,4 e 8,2 casos por 100.000, respetivamente (1). Nos EUA, é o sexto mais frequente globalmente (81.400 casos em 2020) (12) e no Reino Unido, ainda que a prevalência se tenha alterado, é o sexto cancro mais mortal (7). Em Espanha, a incidência aumentou desde 1950, por vezes na ordem dos 50% (2).
Analisando apenas os países desenvolvidos, é o quarto mais comum (2), sendo o quarto e décimo segundo cancro mais frequente nos sexos masculino e feminino, respetivamente (13); é consensual que as zonas industrializadas parecem ter valores superiores (14).
A nível mundial as estatísticas afirmam que se trata do nono cancro mais prevalente (16) e o oitavo cancro mais mortífero, correspondendo a 3% da patologia oncológica total (3), cuja incidência anual variou, nos últimos anos, entre os 73.510 (5) e os 400.000 (17) casos, cifrando-se a mortalidade anual entre os 14.880 (5) e os 150.000 mortos (17).
Sintetizando, o CB parece ser mais prevalente no sexo masculino (4:1), na etnia caucasiana e, como na maioria das doenças oncológicas, idade mais avançada, bem como tabagistas (50% nos homens e 30% das mulheres) (5).
Fatores de Risco
O CB surge da interação entre fatores genéticos e ambientais (15), nomeadamente ocupacionais (12). O sexo masculino está mais exposto por questões profissionais (e considera-se que cerca de 7,1% dos casos têm origem ocupacional) e devido ao consumo de tabaco (8).
A etiologia mais frequente é então o tabagismo (1) (2) (4) (6) (7) (8) (9) (10) (11) (14) (18) (19) (justifica mais de metade dos casos) (2) (20), aumentando o risco (2) uma a duas vezes (12), sobretudo se ativo (8). Alguns autores acreditam que este justifica cerca de 66% dos casos em homens e 30% das mulheres (16), nos países desenvolvidos (8) (16), com um Odds Racio (OR) de 3,14 (8). No tabaco, os principais agentes implicados são as aminas aromáticas (como a benzidina) (11)- aumentado o risco nomeadamente duas a quatro vezes mais (9), 4-aminobifenil, beta-naftilamona e 4-cloro-o-toluidina (11). A cessação tabágica poderá diminuir o risco de recorrência (4), mas nem todos os investigadores concordam (20).
Alguns também mencionam o café (2) (8) (pouco consensual); para além disso, o consumo deste está razoavelmente associado ao do tabaco, pelo que a associação poderá estar enviesada (2).
Outros autores também realçam algum papel para uma alimentação com poucos vegetais (1) (8), infeções do trato urinário (1)- por exemplo por shistosomíase (12) (18) (20)- mais relevante em África (4) (8) e Médio Oriente (4), radiações ionizantes, alguns produtos desinfetantes inseridos na água (1) (9), idade mais avançada (2) (12), sexo masculino e a exposição ao arsénio (por exemplo, também na água ingerida), retenção urinária crónica (12), álcool (8) (não consensual), pouco aporte de vitamina E, água potável de pouca qualidade no global e alguns procedimentos médicos.
Outro artigo publicou que o risco também pode ser modulado pela utilização de suplementos antioxidantes (1,52), obesidade (1,1), exercício intenso (0,86), níveis elevados de selénio (0,61) e vitamina D (0,75); bem como ingestão de carne processada (1,22), vitamina A (0,82), vitamina E (0,02), ácido fólico (0,84) e fruta (0,77) (8).
A carne processada pode conter nitratos (usados para preservar melhor a cor e o sabor/aroma); estes podem combinar-se com aminas, formando nitrosaminas, que são cancerígenas para a bexiga. A carne cozinhada a temperaturas muito elevadas (por exemplo, em churrasco) também pode produzir aminas aromáticas. Alguns investigadores também mencionam o álcool, mas sem consenso (8) e/ou o consumo de AINEs. Para além disso, os antidiabéticos (como as tiazolinedionas) também podem estar associadas, mas também sem consenso robusto (4).
O folato pode proteger devido à sua modulação na síntese e reparação do DNA. A ingestão abundante de água dilui todas as substâncias presentes na bexiga, incluindo os carcinogéneos. Contudo, se a água contiver arsénio ou cloro, o risco aumenta (8).
A atividade física moderada tem um efeito protetor modesto, por mecanismo não conhecido na totalidade (8).
O Egito, por exemplo, apresenta prevalência muito elevada de CB, sobretudo no sexo masculino, devido à frequência aumentada de tabagistas e da infeção por shistossoma na população geral; aqui o quociente homem/mulher é de 4:1 (6).
Etiologia Ocupacional
Alguns investigadores defendem que, nos países desenvolvidos, a exposição ocupacional é a principal causa de CB, seguida do tabagismo (13); contudo, a maioria dos estudos afirma o oposto (8). 1 a 8% (1) ou até 10% dos casos no global (1) (9) e/ou 21 a 27% e 11% dos CB em homens e mulheres têm origem profissional, respetivamente (3). Contudo, o resultado dependerá da interação do tabagismo e exposição ocupacional (21) (22), bem como da via de contato e agente químico específico (21). Postos de trabalho onde se impeça ou dificulte o acesso à casa de banho, por exemplo, também potenciam o risco (8). Outros mencionam que a segunda etiologia mais relevante é justamente a ocupacional (4) (10) (14) (20), oscilando entre os 5 a 7% (7) até 20% dos casos (11).
O risco é superior nos seguintes setores profissionais:
➢ alumínio (5) (9) (16) (20) (23)/ metalurgia (3) (9) (11) (20) (6 vezes mais) (11)
➢ agricultura (3) (8) (11), jardinagem (8), trabalho florestal (8) (11)
➢ pesca (11)
➢ cozinha (5)
➢ eletricistas (5)
➢ mineiros (5)
➢ motoristas/transporte de mercadorias (5) (devido ao diesel) (11) (20)- até 6 vezes mais (11)
➢ mecânicos (5)
➢ forneiros (5)
➢ produção de tabaco (8)
➢ indústria farmacêutica (nomeadamente com destaque para a clornafazina, ciclofosfamida), sobretudo nas formas mais artesanais (9)
➢ indústria automóvel, devido à auramina, anilina, aminas aromáticas, magenta, toluidina, poliuretanos e óleos minerais ou de refrigeração (9).
Assim, os agentes químicos mais relevantes são as aminas aromáticas (8) (13) (21) (24), hidrocarbonetos aromáticos policíclicos-HAPs (2) (8) (10) (11) (24)- por vezes com período de latência que pode ser de trinta anos (10) (sendo que estes podem justificar cerca de 5 a 25% dos casos no mundo ocidental) (24). E ainda os pesticidas (2) (18); bem como produtos de combustão/emissões diesel (8) (9) e metais pesados (8), como o arsénio inorgânico (14).
Locais de trabalho com radiações ionizantes também aumentam o risco (9).
A exposição a arilaminas, como a benzidina e a beta-naftilamona (12) (17), aumenta o risco oncológico até cerca de cem vezes, tornando estas substâncias os cancerígenos humanos globais mais potentes; contudo, os danos concretos dependem de alguns polimorfismos genéticos; por este motivo estas substâncias foram proibidas nos EUA, na década de 70. Elas existem/existiram na produção de tintas para papel, indústria têxtil e do couro (12). Algumas delas formam adutos com o DNA, levando a mutações e à produção de espécies reativas de oxigénio, alterando a capacidade de reparação, apoptose e ciclo celular (12) (21). Dentro das aminas aromáticas destacam-se ainda a beta-naftil-amina (3), 4-aminofenil (3) (17) e 4-cloro-orto-toluidina (3) (13) (17), existentes nos setores químicos, pintura, plástico, pecuária, borracha, tintas e produção de fungicidas; a exposição mais importante a nível ocupacional é aos produtos de combustão de veículos motorizados (3). As exposições a toluidina a anilina aumentam 6,5 vezes o risco de CB, de forma dose-dependente; aliás estima-se um aumento de 27 vezes com mais de dez anos de trabalho. A indústria da borracha pode implicar exposição a toluidina, anilina e nitrobenzeno (25). Alguns derivados da toluidina são usados na produção de tintas, conhecidos carcinogénios a nível da bexiga (26). Para além disso, algumas aminas estão presentes no tabaco e várias estão oficialmente reconhecidas como cancerígenas, nomeadamente a nível da bexiga também (17).
Os HAPs associam-se a CB; eles existem na indústria do alumínio, fundições e nos pavimentadores de ruas (27), por exemplo.
Outros agentes considerados relevantes são os pesticidas, com toxicidade superior nos tabagistas, até porque parte dos seus metabolitos é excretada por via urinária, neste contexto podem destacar-se o benzaton, bromoxinil, diclorofopmetil, cloraben e o DDT (13); alguns pesticidas também contêm arsénico, conhecido carcinogénio para a bexiga (24). O aumento da incidência desta patologia pode estar associado a um aumento da utilização destes produtos, pelos menos até serem proibidos (2). A exposição domiciliária a estes agentes, através do cônjuge que trabalhe na agricultura também poderá ocorrer, potenciando o risco de CB, sobretudo em sociedades em que a esposa assume as tarefas de cuidar das roupas (6). Para além disso, os agricultores também estão expostos a aminas aromáticas e a HAPs, que também aumentam o risco de CB. O risco associado aos pesticidas é dose-dependente, mesmo após ajustar variáveis como tabagismo e a infeção por shistossoma (18).
Alguns agentes presentes nas atividades dos bombeiros aumentam o risco, ainda que, ao longo dos anos, com a evolução das medidas de proteção, se tenha atenuado a exposição (28).
Os asbestos (12) associam-se ao CB e existem na construção civil e naval, bem como indústria do vidro (29), por exemplo. A sílica e os asbestos, por exemplo, têm de se depositar na bexiga, por disseminação após contato pulmonar (12), para poderem causar o problema.
O dinitrotolueno aumenta o risco de CB. Ele é usado, por exemplo, na mineração do cobre, produção de tintas e solventes, indústria de explosivos e produtos de impermeabilização (30). Contudo, o risco também varia com a existência ou não de EPIs e o seu uso correto (11).
O risco em indivíduos que trabalham a nível forense com armas de fogo e explosões parece ser superior ao dos colegas da mesma instituição que não têm essas tarefas, devido à exposição a aminas aromáticas e HAPs (combustão incompleta), sobretudo na fase da limpeza, ainda que o risco seja modulado pelas medidas de proteção adotadas (31), tal como em qualquer outro setor profissional.
Trabalhadores da indústria da borracha parecem ter uma incidência de CB mais elevada. A IARC (Internacional Agency for Research on Cancer) classificou este setor como sendo carcinogénio para humanos (grupo 1), com destaque para a 2-naftilamina, acrilonitrilo, 1,3-butadieno e o estireno (a nível de aminas aromáticas) (10).
Os funcionários que limpam chaminés apresentam maior incidência, sobretudo nas condições que estes trabalhavam no passado. A justificação incide no contato com HAPs, metais (arsénio, crómio, cádmio, níquel e chumbo), gases secundários à combustão (dióxido de enxofre e monóxido de carbono) e asbestos. A incidência parece aumentar proporcionalmente ao tempo de trabalho e naqueles que trabalham antes de 1951 (32).
IARC
Nesta instituição é usada a seguinte escala básica para classificar o risco oncológico:
grupo 1- carcinogénico para humanos
grupo 2- provavelmente carcinogénico para humanos
grupo 2b- possivelmente carcinogénico para humanos
grupo 3- não se sabe (19).
A indústria da borracha, por exemplo, está classificada como sendo do grupo 1, com destaque para o CB (por estudos da década de cinquenta), sobretudo para funcionários que começaram a trabalhar antes da década de sessenta (33).
A IARC classificou várias profissões como sendo globalmente carcinogénicas; no grupo 1 incluiu a pintura, indústria da borracha, produção de alumínio e de tintas; como provavelmente cancerígena para humanos (grupo 2b) inseriu a limpeza a seco, impressão e indústria têxtil. Outros investigadores destacaram concretamente as aminas aromáticas e os HAPs, neste contexto (1).
A maioria dos pesticidas organofosforados são classificados pela IARC como inseridos no grupo 2b, ou seja, possivelmente carcinogénicos para humanos (2).
Ela publicou uma lista de quinze agentes considerados cancerígenos para a bexiga (apenas os cancros do pulmão e do sangue apresentam valores superiores). Talvez se justifique pelo facto de que, com excreção urinária, alguns agentes contatam mais tempo com as células vesicais, versus outras estruturas do organismo (9).
Genética
Alguns genótipos podem modular a suscetibilidade do indivíduo desenvolver ou não CB, mediante a exposição a alguns agentes químicos (5).
A exposição a pesticidas implica um maior risco de CB, sobretudo para alguns tipos histológicos, ainda que com modulação por alguns polimorfismos genéticos, que interagem com a proteção para o stress oxidativo e, assim, poderão influenciar o surgimento ou não da patologia oncológica (18).
Várias substâncias cancerígenas para a bexiga são metabolizadas pela GST (glutationa s- transferase), muito relevante na defesa antioxidante, nomeadamente os HAPs, aminas aromáticas e hidrocarbonetos halogenados. Logo, alguns polimorfismos a este nível podem também modular a suscetibilidade ao CB (2) (5).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
Existem alguns fatores de risco com associação suspeita ou comprovada em relação à etiologia do Cancro da Bexiga. É fundamental que os profissionais do setor adquiram conhecimentos mínimos relativos ao que a bibliografia descreve, de forma a ser possível implementar medidas de proteção coletiva e individual que consigam atenuar o risco. Seria também interessante que algumas equipas a exercer em empregadores com um grande número de funcionários expostos a estas condições de trabalho, conseguissem investigar o tema, lançando para a bibliografia dados inovadores e/ou mais completos dos que o que estão presentemente publicados, incluindo dar uma a perspetiva da situação em Portugal.