INTRODUÇÃO
Existem circunstâncias laborais que podem potenciar o risco oncológico; não é exceção a esta situação o Cancro de Mama (CM). Contudo, o conhecimento disponível sobre o assunto é escasso, pelo que há o risco de essa informação não circular pelos trabalhadores e/ou profissionais a exercer em equipas de Saúde e Segurança Ocupacionais. Nesse sentido, pretendeu-se com esta revisão reunir e disponibilizar conhecimento para facilitar a prevenção da doença e promoção da saúde em meio ocupacional.
METODOLOGIA
Em função da metodologia PICo, foram considerados:
-P (population): trabalhadores eventualmente expostos a condições laborais que possam potenciar o CM
-I (interest): reunir conhecimentos relevantes sobre as eventuais etiologias laborais de Cancro Mamário
-C (context): saúde e segurança ocupacionais aplicadas a contextos profissionais relevantes para esta patologia oncológica
Assim, a pergunta protocolar será: Quais as características laborais que poderão potenciar o risco de CM?
Foi realizada uma pesquisa, em Janeiro de 2022, nas bases de dados “CINALH plus with full text, Medline with full text, Database of Abstracts of Reviews of Effects, Cochrane Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Cochrane Methodology Register, Nursing and Allied Health Collection: comprehensive, MedicLatina e RCAAP”.
No quadro 1 podem ser consultadas as palavras-chave utilizadas nas bases de dados.
Motor de busca | Password 1 | Password 2 e seguintes, caso existam | Critérios | Nº de documentos obtidos | Nº da pesquisa | Pesquisa efetuada ou não | Nº do documento na pesquisa | Codificação inicial | Codificação final |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
RCAAP | Cancro de mama | -título |
402 | 1 | Não | ||||
+trabalho | 1 | 2 | Sim | ||||||
+saúde ocupacional | 0 | 3 | Não | ||||||
EBSCO (CINALH, Medline, Database of Abstracts and Reviews, Central Register of Controlled Trials, Cochrane Database of Systematic Reviews, Nursing & Allied Health Collection e MedicLatina) |
Breast cancer | -2011 a 2021 -acesso a resumo -acesso a texto completo |
65.746 | 4 | Não | ||||
Occupational health | 522 | 4 | Sim | 7 16 31 42 59 62 |
M1 M2 M3 M4 M5 M6 |
5 2 14 6 8 13 |
|||
Occupational medicine | 75 | 6 | Sim | 3 8 14 16 22 24 33 40 50 51 54 67 |
M7 M8 M9 M10 M11 M12 M13 M14 M15 M16 M17 M18 |
- 7 - 16 3 4 9 11 12 10 1 15 |
CONTEÚDO
Alguns dados estatísticos
Em 2018 o CM foi o segundo mais prevalente no sexo feminino, internacionalmente, sendo que em alguns países, foi mesmo o mais frequente neste contexto (1).
Etiologia não ocupacional
São considerados como fatores de risco a este nível a menstruação precoce, menopausa tardia, ausência de gravidez e o tabagismo (2).
Etiologia ocupacional
O trabalho noturno poderá ser o risco laboral mais relevante para o cancro de mama (2).
-Turnos noturnos e cronodisrupção
Os turnos noturnos poderão aumentar o risco de CM na ordem dos 10 a 20% (3).
O CM pode estar associado a alterações na expressão dos genes circadianos, que têm um papel importante em vários mecanismos fisiológicos, nomeadamente, estabilidade genómica, reparação de DNA e apoptose. O ritmo circadiano é muito importante na manutenção da estabilidade genómica e homeostasia; logo, alterações deste podem potenciar o risco oncológico (4).
Os turnos noturnos são cronodisruptores (3) (4) (5) (6) (7), provavelmente devido à alteração na produção (diminuição) de melatonina (2) (4) (8) (9). Outros investigadores acrescentam que o trabalho noturno e/ou a exposição noturna à luz perturba o ritmo circadiano e a secreção hormonal (2) (com destaque também para a prolactina (2) (10), glicocorticoides, hormona adrenocortocotrópica, corticoliberina e serotonina (2)). Não é, contudo, consensual que os turnos noturnos impliquem níveis menores de secreção de prolactina e que tal se associe ao CM (10).
Poderão alguns estudos estar enviesados em função de se ter estudado os turnos noturnos versus a exposição à luz nesses turnos (sendo a última situação a que apresenta evidência de aumentar moderadamente o risco de CM) (11) (12). Para além disso, investigações mais recentes consideram mais variáveis eventualmente enviesadoras (11). Acredita-se que a exposição noturna à luz implica alteração na produção de melatonina e vitamina D (12). Contudo, outros consideram que esses dados não são suportados por evidência científica robusta ou isentos de controvérsias (5) (8) (9), até pela diferença entre os diversos tipos de turnos noturnos (3) (5).
A IARC (International Agency for Research on Cancer) publicou em 2007 alguns dados sobre esta eventual relação (5) (9)- nomeadamente que turnos noturnos eram provavelmente carcinogénicos para humanos (grupo 2A) (10) (12) (13) e/ou que havia evidência na associação entre processos oncológicos e os turnos noturnos, provavelmente para o CM em específico (6) (8), baseada em evidência suficiente em animais e limitada em humanos (3) (4). Posteriormente, em 2019, a IARC concluiu que os turnos noturnos são, provavelmente, carcinogénicos para humanos (grupo 2A), dependendo dos turnos em si (2) (8) (nomeadamente intensidade, frequência, rotação e número de anos com este tipo de turnos); ou seja, 3,1% por ano, sensivelmente (2). Assim, a cronodisrupção associada aos turnos noturnos, por períodos superiores a 20 anos, aumenta o risco de CM em cerca de 1,79 vezes, devido às alterações na melatonina (14). Outros investigadores publicaram que trabalhar por turnos noturnos há vinte ou mais anos associa-se estatisticamente a um risco 4,7 vezes superior de CM com recetores de estrogénio negativos, justamente os CM genericamente com pior prognóstico (12).
Alguns investigadores reconhecem a associação, mas dão menos primazia, ou seja, consideram que este constituiu o terceiro maior risco para esta patologia oncológica (2,34 a 2,66 vezes), sobretudo se existirem vários turnos noturnos seguidos (2). Poderá haver menor risco de CM se no horário existirem menos que três noites seguidas, intervalo entre os turnos superior a 11 horas e turnos menores ou iguais a 9h (13). Verificou-se um aumento discreto de CM em enfermeiras a realizar turnos noturnos há pelo menos vinte anos (3). Outros artigos publicaram que o CM é mais frequente em Enfermeiros, ainda que consideram relevante analisar a duração do turno, frequência da rotação, previsibilidade do esquema, direção da rotação, número de noites e de folgas e hora de início e término do turno (15).
Trabalhadores notívagos (que preferem deitar e levantar tarde) têm efeitos de cronodisrupção geralmente mais intensos que os funcionários matinais (que preferem deitar e levantar cedo) (2).
-Outras caraterísticas laborais associadas ao Cancro da Mama
Alguns dos agentes que constituem os pesticidas têm capacidade para atingir o leite materno e acumularem-se no tecido adiposo, logo, poderão ter capacidade para potenciar o risco de CM, até porque podem funcionar como cronodisruptores (7).
Por sua vez, a exposição a solventes orgânicos poderá estar associada a maior risco de CM, em áreas profissionais como a limpeza a seco, pintura e técnicos de laboratório. Contudo, o exato mecanismo fisiopatológico não é compreendido na totalidade (16).
Os “Cooking Oil Fumes” (COFs) têm efeito cancerígeno, presente em qualquer cozinha, mas sobretudo com a produção de comida chinesa, devido às frituras abundantes, não só de carne/peixe, como também de vegetais. Alguns investigadores concluíram assim que alguns cozinheiros chineses apresentavam maior incidência de CM, sobretudo no sexo feminino e a trabalhar no setor há mais de cinco anos (mesmo quando comparadas com outros cozinheiros de outros tipos de comida). Os COFs contêm hidrocarbonetos aromáticos policíclicos, aldeídos e aminas aromáticas heterocíclicas, cancerígenos reconhecidos ou suspeitos. A IARC considera que os COFs pertencem ao grupo 2A- ou seja, provavelmente cancerígenos para humanos (1).
DISCUSSÃO/ CONCLUSÃO
A maioria da bibliografia sobre o tema realça como etiologia laboral os turnos noturnos e/ou a exposição a luz durante os mesmos, ainda que não exista consenso total entre nexo de causalidade e/ou fisiopatologia. Também são mencionados os pesticidas, solventes e os produtos inseridos nos fumos das cozinhas (HAPs, aldeídos e aminas aromáticas policíclicas).
Tendo em conta a relevância, cada vez maior, do assunto e a escassez de informação disponível, seria importante que as equipas de Saúde e Segurança Ocupacionais, com capacidade logística adequada, sinalizassem os casos positivos e investigassem potenciais associações, divulgando posteriormente as conclusões abarcadas.