Introdução
Desde o advento da cirurgia robótica em Portugal em 2010, esta técnica tem revolucionado o campo da medicina cirúrgica. A introdução desta tecnologia marcou o início de uma nova era na abordagem minimamente invasiva de procedimentos cirúrgicos complexos. Este editorial explora o panorama global e nacional da cirurgia robótica, destacando os avanços significativos e as futuras perspetivas desta tecnologia.
Vantagens da cirurgia robótica
A cirurgia robótica oferece múltiplas vantagens para os pacientes, médicos, instituições de saúde e sistemas nacionais de saúde. Para os pacientes, os benefícios incluem incisões menores, menor perda de sangue, menos dor pós-operatória e recuperação mais rápida. Mas mais importante, a literatura indica que a precisão dos robots cirúrgicos reduz o risco de complicações e infeções, resultando em melhores outcomes clínicos.1 Acresce que, no campo da oncologia cirúrgica, a robótica vem evidenciando progressivamente resultados superiores às vias de abordagem alternativas, mesmo para lá do campo da cirurgia urológica onde tais benefícios já se encontram bem estabelecidos; é este o caso, por exemplo, da cirurgia oncológica colorretal.2
Para os médicos, a cirurgia robótica proporciona uma visualização 3D ampliada e estável do campo cirúrgico, movimentos precisos, melhor ergonomia e a capacidade de realização procedimentos complexos com maior facilidade, segurança e eficiência.3 Além disso, a curva de aprendizagem para novos cirurgiões é mais curta e mais segura.4
As instituições prestadoras de cuidados de saúde beneficiam de menores tempos de internamento, menor necessidade de transfusões e reoperações e uma utilização mais eficiente dos recursos hospitalares. A longo prazo, estas melhorias traduzem-se em redução de custos operacionais e otimização do uso das infraestruturas de saúde.5
Para o sistema nacional de saúde, a disseminação da cirurgia robótica significa um avanço significativo na qualidade dos cuidados prestados. Os países que incorporaram esta tecnologia em larga escala indicam uma melhoria global nos resultados cirúrgicos e na satisfação dos pacientes.6
Evolução da cirurgia robótica em portugal
Desde a introdução da cirurgia robótica em Portugal em 2010, várias instituições têm desempenhado um papel pioneiro na adoção e desenvolvimento desta tecnologia. Os cirurgiões portugueses realizaram procedimentos inovadores na Península Ibérica, incluindo o primeiro bypass gástrico em Y de Roux e a primeira cirurgia robótica da parede abdominal (hérnia). Destacam-se ainda a descrição de uma nova técnica para prostatectomia radical (The CUF Technique; Pinheiro et al, 2022)7 e a primeira transplantação hepática robótica da Europa (e segunda no mundo). Também veio de Portugal o primeiro proctor (instrutor oficial da Intuitive para a formação de novas equipas) de cirurgia robótica bariátrica na Europa, tendo realizado mais de 100 proctorings de cirurgia robótica bariátrica e colorretal em diversas instituições hospitalares de Espanha, Reino Unido, Bélgica e Países Baixos.
Apesar destes avanços, o desenvolvimento da cirurgia robótica no Serviço Nacional de Saúde (SNS) foi lento na década 2010/20. A aquisição de dispositivos cirúrgicos robóticos foi restrita a três ou quatro hospitais privados. Este enorme atraso, em relação a outros países com que habitualmente nos comparamos, tem causas diversas: o elevado custo dos sistemas cirúrgicos robóticos, quer na aquisição, quer na utilização (para o que muito contribuiu a situação de monopólio que então existia neste mercado); a situação de crise nacional; alguma inércia de todas as partes interessadas (médicos incluídos). A situação começou a mudar em julho de 2019 com a doação de um sistema cirúrgico robótico ao Hospital Curry Cabral pela Fundação Aga Khan.
Expansão e competição no mercado de cirurgia robótica
O fim do monopólio da Intuitive, com a introdução dos sistemas Hugo da Medtronic e Versius da Cambridge Medical Robotics, vem trazendo uma redução lenta mas consistente dos custos. Esta mudança permitiu a aquisição de novos sistemas pelo SNS nos últimos cinco anos. A diversificação de fornecedores está a impulsionar a competitividade no mercado, resultando em custos mais acessíveis e maior acessibilidade às tecnologias robóticas.
Em todos os casos, a adesão entusiástica dos cirurgiões portugueses à tecnologia robótica tem sido notável. Recentemente, uma equipa de cirurgiões realizou a primeira transplantação hepática robótica da Europa, um feito que destaca a excelência e a inovação contínua no campo da cirurgia robótica em Portugal, apesar do investimento público escasso, lento e hesitante.
Perspetivas futuras
O futuro da cirurgia robótica em Portugal é promissor. A crescente competição no mercado está a levar a uma redução de custos e à aquisição de mais dispositivos para os hospitais do SNS. A já referida e ilustrada adesão dos cirurgiões portugueses à tecnologia robótica augura um período de grande inovação e melhoria contínua na técnica cirúrgica.
Espera-se que as próximas gerações de sistemas robóticos tragam avanços significativos, como maior precisão e personalização da cirurgia, instrumentos “inteligentes”, automação e novas aplicações em diferentes especialidades médicas. Além disso, a disseminação da cirurgia robótica poderá transformar profundamente os cuidados de saúde, permitindo intervenções mais seguras, menos invasivas e com melhores resultados para os pacientes.
Possíveis avanços na cirurgia robótica
Com o desenvolvimento contínuo dos sistemas robóticos, podemos antecipar uma série de avanços tecnológicos e clínicos. A introdução de inteligência artificial e machine learning nos sistemas robóticos pode proporcionar suporte adicional aos cirurgiões, oferecendo sugestões em tempo real e melhorando a precisão dos procedimentos. A telecirurgia, com a possibilidade de cirurgia à distância, também pode tornar-se uma realidade comum, ampliando o acesso a cirurgiões diferenciados e facilitando ações de formação, independentemente da localização geográfica.
A personalização dos instrumentos robóticos para atender às necessidades específicas dos pacientes e dos tipos de cirurgia também é uma área promissora.
Além disso, a redução continuada dos custos dos sistemas robóticos pode permitir que mais hospitais, incluindo aqueles em regiões menos desenvolvidas, adotem a tecnologia, democratizando o acesso a cuidados cirúrgicos de alta qualidade.
Finalmente, a educação e formação continuada dos cirurgiões na utilização de sistemas robóticos é crucial. Programas de simulação avançada e plataformas de formação podem garantir que os cirurgiões estejam sempre na vanguarda das práticas cirúrgicas, proporcionando os melhores resultados possíveis para os pacientes.
Conclusão
A cirurgia robótica representa um marco importante na evolução da medicina moderna. O seu impacto positivo nos cuidados de saúde é incontestável, trazendo benefícios substanciais para pacientes, médicos e instituições. Com a contínua inovação e a expansão dos sistemas cirúrgicos digitais, estamos à beira de uma revolução silenciosa que promete elevar a qualidade da cirurgia a uma nova dimensão.
No médio prazo, toda a cirurgia minimamente invasiva vídeo-endoscópica será realizada através de uma interface digital, com e sem automação - o que hoje designamos por cirurgia robótica.