INTRODUÇÃO
O/A enfermeiro/a especialista em reabilitação tem como objetivo na sua prática que os clientes alcancem o seu máximo de potencial de saúde e, para isso, devem proceder à identificação das barreiras arquitetónicas que influenciam a acessibilidade e participação social e o exercício pleno da cidadania, à cooperação com estruturas da comunidade, visando a promoção de um ambiente seguro para a população em geral e para a população com necessidades especiais e à promoção de medidas que visem prevenir a deficiência ou minimizar o seu impacto 1.
O/A enfermeiro/a especialista em enfermagem de reabilitação pode protagonizar novos espaços de intervenção e promover ativamente a cidadania através da prática social e contribuir para o desenvolvimento social tornando-se uma importante estratégia de inclusão social transformando-se assim em grandes indutores de mudanças sociais com consciência crítica e visão de mundo, de estratégias inovadoras, projetos ou organizações sociais que criam novas metodologias de intervenção social 2.
O/A enfermeiro/a especialista em reabilitação incorpora na sua prática de cuidados resultados provenientes da investigação científica e orientações de boas práticas baseadas em evidências científicas que são considerados como instrumentos fundamentais com o objetivo de promover a melhoria contínua da qualidade do exercício profissional e da qualidade dos cuidados prestados 3.
A pessoa, alvo dos cuidados do/a enfermeiro/a especialista em reabilitação, pode encontrar-se em qualquer uma das fases do ciclo de vida e os cuidados prestados pretendem promover: o seu projeto de saúde relativamente à prevenção dos riscos de alteração da funcionalidade que circunscrevam limitações na atividade ou incapacidades; os processos de readaptação sempre que ocorram afeções da funcionalidade; a capacidade para o autocuidado da pessoa com necessidades especiais ou deficiência 3.
Para além do máximo potencial de saúde, o/a enfermeiro/a especialista em reabilitação pretende a promoção da inclusão social das pessoas com deficiência capacitando a comunidade para o respeito e integração da pessoa com deficiência, identificando situações que contribuam para a estigmatização da pessoa com deficiência, otimizando os recurso da pessoa, da família e da comunidade para promover a inclusão na comunidade, adotando estratégias de discriminação positiva e estratégias promotoras da inclusão ativa, nomeadamente as condições de habitação, a melhoria de acesso ao emprego, formação e oportunidades de educação e desenvolvendo campanhas antiestigma de modo a promover a integração de pessoas com necessidades especiais 3.
Tendo a consciência de que a reabilitação engloba um grande número de dimensões, compreendidas como um processo, e que esta vai além daquilo que é a recuperação de funções perdidas, pode afirmar-se que se trata de uma especialidade, na área da saúde, na qual o foco central é a pessoa que está em constante interação com a sociedade e o seu meio ambiente e não é, por isso, possível intervir sem perceber todo o meio envolvente sendo parte integrante dos princípios da reabilitação promover o envolvimento da pessoa e da sua família no planeamento e implementação dos cuidados que têm como objetivo maximizar a capacidade para o seu autocuidado 4.
Para que os resultados das intervenções sejam positivos é necessário também que toda a equipa multidisciplinar colabore e, essencialmente, envolver a família e a sociedade neste processo para ser possível o desenvolvimento de habilidades, melhorar a funcionalidade, satisfazer as rotinas quotidianas da pessoa, reintegrar familiar e socialmente e promover o exercício da cidadania e maior autonomia 4.
No que se reporta à comunidade, é essencial estar empenhado em trabalhar junto dela demonstrando atenção, dedicação, ouvir e ajudar a melhorar a qualidade de vida de maneira humanizada 5.
Para os/as enfermeiros/as, o ambiente tem um papel fulcral desde o tempo da precursora Florence Nightingale, devido à sua Teoria Ambientalista que é alicerçada pela noção de que é fundamental o controlo do ambiente onde a pessoa se insere pois estamos sempre em interação com o ambiente onde nos inserimos devendo, assim, integrar práticas ecológicas tomando atitudes locais que visem repercussões globais 6.
O envolvimento regular com a prática desportiva é um fator relevante para todas as pessoas e, para isso, importa o acompanhamento por parte de um profissional de saúde 7. O/A enfermeiro/a especialista em reabilitação pode ser responsável por esse acompanhamento pois uma das competências é conceber e implementar programas de treino motor e cardiorrespiratório 3.
O desporto para pessoas com deficiência ou desporto adaptado é a atividade física que promove a integração de todas as pessoas com deficiência na sociedade e cabe ao estado adotar medidas específicas para assegurar a acessibilidade dos edifícios destinados a essa prática 8.
No nosso país existem cerca de um milhão de pessoas com deficiência e o desporto é uma forma de integração destes cidadãos na sociedade, nesse sentido, já se realizaram vários eventos internacionais em Portugal, de modalidades diversas, para que se potencie o envolvimento nestas práticas 8. Parte-se daqui para um município onde se vai desenvolver este estudo.
Método: Este estudo enquadra-se no paradigma quantitativo e é descritivo, transversal.
Os critérios de seleção dos edifícios foi serem públicos e edifícios desportivos. Critérios de exclusão: edifícios que se encontrassem em obras e/ou concedidos a entidades privadas. A amostra é assim composta por 9 edifícios desportivos num total de 14 existentes. Os dados foram recolhidos através de uma grelha de observação construída a partir da legislação em vigor.
No sentido de operacionalizar as variáveis, procedeu-se à verificação do cumprimento do especificado no Decreto-Lei 163/2006, codificando com 1 para o indicador “sim”, 2 para o indicador “não” e 3 para o indicador “não existe” e a adaptação da classificação de acessibilidade8 através da seguinte codificação: 1 - não acessível: as barreiras físicas são de difícil ou impossível transposição; 2 - acessível só com ajuda: só é possível o percurso ou serviço mediante auxílio de uma terceira pessoa; 3 -acessível com dificuldade: compreende condições de acessibilidade próximas às exigidas, ainda que não seja acessível; 4 -acessível sem dificuldade: todas as condições de acessibilidade estão garantidas para pessoas com mobilidade reduzida; 5- não aplicável ou não existe.
A grelha de observação construída a partir da legislação em vigor é composta por três partes: caracterização no global o interior dos edifícios públicos, caracterização dos recintos desportivos e caracterização das instalações sanitárias.
Este estudo insere-se no projeto +Saúde Famalicão, dos quais são parceiros a Escola Superior de Enfermagem do Porto e o próprio Município tendo autorização para proceder à sua realização e acompanhamento técnico na recolha de dados.
RESULTADOS
Relativamente aos átrios dos edifícios públicos e conforme a Tabela 1, constatou-se que é possível inscrever manobra de rotação de 360º sem dificuldade em 88,9% do lado exterior da porta de entrada e em 77,8% essa mesma manobra no interior dos átrios.
Dimensão | Indicador | N | % |
---|---|---|---|
Manobra de rotação de 360º do lado exterior das portas de entrada | Não acessível. | 0 | 0,0 |
Acessível só com ajuda. | 0 | 0,0 | |
Acessível com dificuldade. | 0 | 0,0 | |
Acessível sem dificuldade. | 8 | 88,9 | |
Não aplicável/ Não existe | 1 | 11,1 | |
Manobra de rotação de 360º do lado interior das portas de entrada | Não acessível. | 0 | 0,0 |
Acessível só com ajuda. | 0 | 0,0 | |
Acessível com dificuldade. | 1 | 11,1 | |
Acessível sem dificuldade. | 7 | 77,8 | |
Não aplicável/ Não existe | 1 | 11,1 |
No que se refere aos percursos dos edifícios apenas 11.1% tem percurso acessível até às portas da entrada, 33.3% até às zonas de serviço (como os campos e os tanques da piscina) e 55.6% até às instalações sanitárias (Tabela 2).
Dimensão | Indicador | N | % |
---|---|---|---|
Portas de entrada | Não acessível. | 0 | 0,0 |
Acessível só com ajuda. | 4 | 44,4 | |
Acessível com dificuldade. | 3 | 33,3 | |
Acessível sem dificuldade. | 1 | 11,1 | |
Não aplicável/ Não existe | 1 | 11,1 | |
Zonas de serviço | Não acessível. | 0 | 0,0 |
Acessível só com ajuda. | 4 | 44,4 | |
Acessível com dificuldade. | 1 | 11,1 | |
Acessível sem dificuldade. | 3 | 33,3 | |
Não aplicável/ Não existe | 1 | 11,1 | |
Instalações sanitárias | Não acessível. | 1 | 11,1 |
Acessível só com ajuda. | 1 | 11,1 | |
Acessível com dificuldade. | 1 | 11,1 | |
Acessível sem dificuldade. | 5 | 55,6 | |
Não aplicável/ Não existe | 1 | 11,1 |
Os patamares, galerias e corredores em 77.8% dos edifícios têm largura não inferior a 1,2 metros.
Os edifícios que apresentem escadas que vencem desníveis superiores a 0,4m deveriam possuir corrimão em ambos os lados, esses corrimãos encontrarem-se a uma altura entre 0,85m e 0,9m e serem contínuos ao longo dos vários lanços de escadas. No entanto, no nosso estudo, este conjunto de condições não se verificaram em nenhum dos edifícios.
Relativamente às instalações sanitárias dos edifícios 44.4% tinham: sanitas com o bordo superior a altura de 0,45m; lavatórios acessíveis com zona livre de largura não inferior a 0,7 m, uma altura não inferior a 0,65m e uma profundidade medida a partir do bordo frontal não inferior a 0,5 m; espelhos colocados sobre os lavatórios com altura adequada. Apenas 22.2% apresentavam equipamentos de alarme e 55.6% porta de acesso à instalação sanitária de correr ou de batente abrindo para fora (Gráfico 1).
Os vestiários apresentavam em 22.2% pelo menos um conjunto de cabides e cacifos acessíveis, 66.7% um banco fixo à parede com dimensões de 0,40m por 0,80m, com altura do piso de 0,45m e com resistência mecânica (Gráfico 2)
Do total dos edifícios desportivos com piscina (quatro), apenas 25% apresenta um acesso à água por rampa, 50% tinham corrimão duplo de acesso à água e 100% revestimento antiderrapante e acabamento das bordas da piscina. Os degraus de acesso e outros elementos existentes na piscina são boleadas.
Nenhum dos edifícios apresentava o número mínimo de lugares especialmente destinados a pessoas em cadeiras de rodas e os que apresentavam, ainda que abaixo, não eram distribuídos por vários pontos da sala, nem se encontravam junto de pelo menos um lugar para acompanhante.
Após a análise da estatística descritiva, procedeu-se à verificação da possível existência de diferenças significativas entre os edifícios desportivos localizados no centro do município ou na periferia. Dos edifícios desportivos 44.4% localizam-se no centro e 55.6% localizam-se na periferia. Não existem diferenças significativas nos edifícios que se localizam no centro ou periferia.
Procedeu-se também à verificação da possível existência de diferenças significativas entre os edifícios desportivos que contém piscina e os que apenas têm campo destinado a práticas desportivas. Dos edifícios desportivos 44.4% são compostos de tanque de piscina e 55.6% compostos por campo. Não existem diferenças significativas nestes edifícios.
DISCUSSÃO
Nos estudos quantitativos, os resultados oferecem variadas oportunidades interpretativas, sendo por isso fundamental refletir criteriosamente nos possíveis significados que se encontram nos números 10. Posto isto, tem agora que se comparar e mesmo confrontar os resultados que foi possível obter fazendo referência a trabalhos e/ou teorias anteriormente realizados sobre o tema 11.
Em cada um dos espaços avaliados, segundo o decreto-lei 163/2006 12, deverá existir pelo menos um percurso que seja acessível, seguro e confortável para as pessoas com mobilidade reduzida; no entanto, é possível verificar que nestes edifícios a realidade é de 11.1% com percurso acessível até às portas da entrada, 33.3% até às zonas de serviço (como os campos e os tanques da piscina) e 55.6% até às instalações sanitárias.
As escadas também são integradas nos percursos acessíveis uma vez que existem pessoas com mobilidade reduzida que fazem uso delas 13. Ora, em nenhum dos edifícios avaliados é cumprido o conjunto de condições necessárias para que se possa afirmar que as escadas são acessíveis.
No que se reporta às instalações sanitárias, verificou-se que a sanita não se encontra a altura de 0,45m em 55.6%, valor superior ao de um outro estudo desenvolvido onde constataram que 35% das instalações sanitárias não se encontram a altura adequada 14.
Para além da altura das sanitas, verificou-se também que 44.4% dos edifícios apresentavam lavatórios a uma altura de 0,80m. Este dado é inferior comparativamente ao valor encontrado pelos investigadores Gallo, Orso e Fiório, em 2011, onde 76,92% dos lavatórios se encontravam suspensos entre 0,78 m a 0,80 m 15.
Os balneários dos recintos desportivos constituem um local essencial para a preparação da pessoa para a atividade que vai realizar e é identificado como um dos problemas a inadequação da altura dos diferentes equipamentos que aí se encontram 16.Outra estrutura indispensável nos balneários são os cabides e cacifos. Todavia, verificou-se que nos balneários avaliados apenas 22.2% apresentam um conjunto acessível de cacifos e cabides. Também num estudo de acessibilidades de recintos desportivos realizado em Oeiras, verificaram que em 23% dos recintos não continham cacifos e em 43% não continham cabides acessíveis 17.
A prática desportiva para os cidadãos com deficiência é destacada na Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência 18. Essa prática, se a pessoa com deficiência a quiser fazer com utilização das piscinas, rapidamente encontrará dificuldades, pois dos quatro edifícios desportivos com piscina apenas 25% (uma) apresenta um acesso à água por rampa, o que as impede de conseguir transferir-se para o tanque de forma independente, caso sejam utilizadores de cadeira de rodas. Apenas 50% tinham corrimão duplo de acesso à água, o que também é dificultador para quem tenha mobilidade reduzida.
As pessoas com deficiência têm, além dos direitos transversais a todos, direito à acessibilidade ao recinto enquanto espectador 19. Ainda que tivesse sido possível verificar que 22.2% dos edifícios apresentavam lugares especialmente destinados a permanência de pessoas com deficiência, nenhum dos edifícios apresentava o número mínimo de lugares especialmente destinados; e os que apresentavam, ainda que abaixo, não eram distribuídos por vários pontos da sala, eram junto de pelo menos um lugar para acompanhante.
Face a estes resultados cabe ao/à Enfermeiro/a Especialista em Enfermagem de Reabilitação encontrar soluções alternativas para os locais que têm menores condições de acessibilidade e gerir o aconselhamento de práticas desportivas tendo em conta as características dos edifícios e que cada pessoa com mobilidade reduzida frequenta ou frequentava estes espaços antes do acontecimento que determinou a situação de deficiência.
CONCLUSÃO
O/A enfermeiro/a especialista em enfermagem de reabilitação tem como competências a avaliação das barreiras arquitetónicas e é fundamental fazê-lo antes de fazer a recomendação dos locais para a pessoa frequentar. Os resultados demonstraram que as/os enfermeiras/os antes de fazer o aconselhamento de atividades desportivas às pessoas com mobilidade reduzida ou acompanhar a pessoa no treino de exercício, têm de avaliar os edifícios destinados a essas práticas.
As condições dos locais destinados à prática de atividades desportivas e as instalações sanitárias demonstram a necessidade de um trabalho acrescido para o/a enfermeiro/a de reabilitação, considerando que além de aconselhar as pessoas que cuida, terá que as treinar nas condições menos favoráveis para exercer atividades desportivas.
A avaliação dos edifícios abrange não só as barreiras arquitetónicas como também o tipo de desporto que este permite que se pratique, para que, em conjunto com a pessoa com deficiência seja feito o aconselhamento adequado face às suas limitações de mobilidade, mas também face ao desporto que a pessoa pretende praticar.
Feita essa avaliação, cabe ao/à enfermeiro/a especialista em enfermagem de reabilitação a missão de apresentar pareces técnico-científicos fundamentados sobre as estruturas desportivas e equipamentos sociais da comunidade, bem como sensibilização dos decisores políticos para o respeito pela igualdade na acessibilidade a práticas de estilos de vida saudáveis.