INTRODUÇÃO
A Lesão Medular (LM) é um evento catastrófico de mudança de vida, que afeta de forma grave e frequentemente irreversível as capacidades e funções da pessoa. A incidência, a prevalência e os dados demográficos da LM variam muito de país para país. Segundo relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS), a incidência global estimada é de 40 a 80 novos casos por milhão de habitantes por ano, para todas as causas de LM, significando que em todo o mundo, anualmente entre 250 000 e 500 000 pessoas tornam-se portadoras de LM1.
Historicamente a LM tem sido associada a taxas de mortalidade muito elevadas. Até aos primeiros anos do século passado, a LM era mesmo considerada fatal. Na Primeira Guerra Mundial, 90% das pessoas com LM traumática morriam dentro de um ano e apenas cerca de 1% sobrevivia mais de 20 anos. Atualmente, apesar de pessoas com LM terem ainda 2 a 5 vezes mais probabilidade de morte prematura do que pessoas sem LM, nos países desenvolvidos a esperança média de vida continua a aumentar, permitindo já que a LM seja encarada como um desafio pessoal e social que pode ser superado com sucesso2.
Estas mudanças relacionam-se com uma melhor resposta das redes de emergência pré-hospitalar, com intervenções integradas e coordenadas de saúde e reabilitação, como o acompanhamento dos doentes em consultas especializadas de lesões medulares e com a disponibilidade de tecnologia assistiva, associadas a serviços sociais mais abrangentes e ambientes mais acessíveis1,2). O internamento hospitalar inicial é uma etapa marcante, pois é ainda na fase aguda que a pessoa com LM se começa a perceber as suas limitações, dos tratamentos a realizar, das perguntas não respondidas ou das respostas incompletas ou evasivas3. Garantir uma plena informação, o tratamento adequado e o início precoce da reabilitação, permite devolver à pessoa com LM o controle sobre as decisões que a afetam e sobre a sua vida4. Embora os dias de internamento nesta etapa sejam limitados, é um tempo essencial e crítico no contínuo dos cuidados de reabilitação5.
O acesso a uma equipa multidisciplinar qualificada e especializada potencia a recuperação funcional da pessoa com LM - o enfermeiro especialista de reabilitação, tem um papel relevante na atenção ao bem-estar, à qualidade de vida e à recuperação da funcionalidade através da promoção do autocuidado, da prevenção de complicações e maximização das capacidades, particularmente da pessoa com deficiência6.
Apesar da literatura ser rica no que respeita aos cuidados de reabilitação da pessoa com LM, as publicações focam-se sobretudo na fase crónica da lesão. Os problemas específicos da fase aguda, os cuidados de enfermagem indicados para um programa de reabilitação precoce, são muito escassos e encontram-se dispersos na literatura.
Assim, o objetivo desta revisão passa por mapear a literatura e identificar áreas de intervenção de enfermagem promotoras de independência e a autonomia em pessoas com LM em fase aguda e subaguda. Ao longo deste estudo, pretende-se dar resposta à seguinte questão: Quais os cuidados de enfermagem promotores de independência e autonomia em pessoas portadoras de LM em fase aguda e subaguda?
METODOLOGIA
Tendo em vista concretizar os objetivos propostos, foi elaborada uma revisão tipo scoping com base nas orientações definidas pelo Instituto Joanna Briggs para este tipo de revisão de literatura científica7,8. A opção por esta estratégia metodológica, fundamenta-se na necessidade de realizar um estudo preliminar, que forneça uma visão geral, que mapeie o conhecimento, que identifique lacunas e que sintetize de uma forma efetiva e rigorosa as evidências nesta área de investigação específica8.
A formulação da questão de investigação baseou-se no acrónimo PCC (População, Conceito e Contexto). Assim, como população foram considerados todos os indivíduos adultos (> 18 anos) com diagnóstico de lesão medular no primeiro ano após lesão. Do conceito fazem parte os cuidados de enfermagem promotores de autonomia e independência, incluindo intervenções autónomas ou interdisciplinares. Finalmente o contexto foi o hospital, pois é o local onde maioritariamente se vivem os processos relativos à fase aguda e subaguda da doença.
De acordo com as recomendações do JBI, o desenvolvimento e implementação da estratégia de pesquisa ocorreu em três fases, tendo sido realizada em maio de 2021, nas bases de dados Web of Science, Scopus, Scielo, PubMed, CINALH e APA PsycInfo, considerando artigos redigidos em português e inglês, no intervalo temporal 2011-2021. A frase boleana - (("spinal cord ") AND (rehabilitation) AND (nurs*) AND (hospital) AND NOT (child*)), surgiu da combinação dos descritores/medical subject headings (MeSH), e foi utilizada em todas as bases de dados selecionadas para o estudo.
Relativamente ao tipo de fontes, foram considerados os estudos primários do tipo quantitativo, qualitativo e misto, que respondem à questão de investigação. Revisões de literatura, capítulos de livro e artigos de opinião foram excluídos da revisão.
A seleção dos artigos incluídos foi um processo rigoroso e sistematizado. Com recurso ao software EndNote, foram eliminados os artigos duplicados. O software Rayyan possibilitou uma nova etapa de remoção de artigos repetidos. Com este programa três investigadores de forma independente e cega, procederam à escolha de artigos por título e resumo. Após reunião de discussão e consenso foram eliminados os que não cumpriram os critérios de inclusão. Uma segunda fase previu que os artigos selecionados fossem integralmente lidos e confirmada a sua adequação ao estudo. O motivo de exclusão foi metodicamente registado.
Recorreu-se ao modelo PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses) para a organização da informação e foram ainda seguidas as recomendações apresentadas no PRISMA-ScR (PRISMA Extension for Scoping Reviews) para a elaboração deste artigo9.
O diagrama de Prisma®(Figura 1) exibe o processo de busca, de exclusão e de seleção dos artigos encontrados. Os dados foram extraídos, usando um instrumento desenvolvido pelos próprios investigadores. Foi elaborada uma tabela que contempla o autor do artigo, ano, local, tipo de estudo, o objetivo, os participantes e respetivos resultados e conclusões obtidas.
Posteriormente os dados foram analisados e agrupados em categorias amplas o suficiente para abranger cada fonte, mas também precisas, para ir de encontro aos objetivos que orientaram esta revisão tipo scoping. Os resultados são apresentados em forma de texto, gráficos e tabelas, numa perspetiva descritiva, procurando responder à questão de investigação10.
RESULTADOS
A pesquisa científica realizada nas diferentes bases de dados obteve 437 artigos. Após as diferentes etapas apresentadas na Figura 1, foram selecionados 151 artigos para leitura integral, dos quais 69 foram incluídos nesta revisão.
As publicações ocorrem entre 2011 e 2021, sendo evidente maior produção científica nos anos 2017 e 2018 (Gráfico 1).
Relativamente à distribuição geográfica da produção científica encontrada (gráfico 2) nota-se uma especial relevância dos EUA, tendo-se, no entanto, identificado artigos oriundos dos cinco continentes.
Conforme se pode observar no gráfico 3, os Hospitais Especializados em lesão medular, evidenciam-se por serem contexto de uma maior produção científica, responsáveis por 42,6% dos artigos encontrados.
No que se refere à distribuição de estudos por área de intervenção (Gráfico 4), foram identificados cuidados relacionados com a gestão de sinais e sintomas, associados aos processos de ventilação e tosse, da eliminação vesical e intestinal, da mobilidade, da integridade da pele, da sexualidade e do bem-estar psicológico. Esta categoria reúne as intervenções específicas realizadas pelos enfermeiros no sentido de melhorar funções residuais, prevenir complicações secundárias, minimizar o impacto das incapacidades instaladas e recuperar o máximo de independência6 da pessoa com LM. A promoção de um ambiente seguro, a gestão da capacitação do cuidador e o planeamento da alta enquadram-se no âmbito dos processos assistenciais, e concretizam um conjunto de intervenções que o enfermeiro desenvolve no sentido de garantir a efetividade dos cuidados e contribuir para a eficiência do serviço hospitalar. Por último agrupam-se as questões relacionadas com a educação para a saúde, que naturalmente têm repercussões em todos os domínios e que surgem para potenciar a autoeficácia da pessoa com LM sobre a doença.
A gestão da ventilação e da tosse é evidenciada em dois artigos desta revisão (Quadro 1). É possível perceber a importância da avaliação multidisciplinar para a definição de estratégias terapêuticas. Importa garantir a ventilação. Protocolos de desmame ventilatório e de descanulação são apresentados. Discutem-se técnicas e equipamentos para reabilitação respiratória. Sublinha-se o facto de o risco de aspiração ser minimizado com testes sistemáticos de rastreio da disfagia e treino de deglutição. A relevância da prevenção de complicações respiratórias estende-se para além da fase aguda e subaguda da LM, devendo em alguns casos ser mantida ao longo da vida.
Gestão da Ventilação e Tosse 11,12 | Avaliar regularmente função ventilatória | Frequência e padrão respiratório, sensação de falta de ar, ansiedade, febre, frequência cardíaca, volume e características das secreções, necessidade de aspiração |
Auscultação, Oximetria, Radiografia de tórax, Eletrocardiograma, Estudos laboratoriais, Gasometria arterial, Eletromiografia do nervo frénico, Fluoroscopia do diafragma, Provas funcionais respiratórias | ||
Garantir suporte ventilatório | Ventilação mecânica | |
Pace-maker diafragmático | ||
Oxigenoterapia | ||
Realizar reabilitação respiratória | Protocolo de desmame ventilatório | |
Descanulação: treino de encerramento cânula | ||
Técnicas de cinesiterapia: limpeza das vias áreas e treino músculos inspiratórios | ||
Levante precoce | ||
Utilizar dispositivos | Peak coughflow | |
Cough assist | ||
High frequency chest wall oscillation | ||
Threshold | ||
Cinta abdominal | ||
Garantir suporte nutricional | Para manter a força e a resistência do diafragma e restantes músculos respiratórios | |
Reduzir o risco de aspiração | Avaliação de deglutição | |
Higiene oral | ||
Estimulação térmica e tátil | ||
Exercícios motores orais | ||
Treino de deglutição com manobras | ||
Modificação consistência da dieta | ||
Prevenir complicações respiratórias | Cinesiterapia | |
Regime medicamentoso | ||
Vacinação: antipneumocócita e antiinfluenza | ||
Treino de cuidadores |
As questões relacionadas com os processos de eliminação (Quadro 2) representam uma ameaça significativa à qualidade de vida da pessoa com LM. Nesta revisão sete estudos centram-se nas intervenções dirigidas à bexiga neurogénica. A algaliação intermitente é considerada como resposta efetiva para o tratamento da bexiga neurogénica. É reforçada a necessidade de padronização dos procedimentos e da formação regular da equipa de saúde. A gestão de complicações, nomeadamente a infeção urinária apresenta-se como tema dominante. As barreiras aos programas de reabilitação vesical da pessoa com LM são debatidas. Relativamente à gestão do intestino neurogénico, quatro estudos apresentam intervenções de enfermagem. As diferentes vertentes do treino intestinal são exploradas. A colostomia precoce surge como alternativa para a autonomia.
Gestão da Eliminação 13-23 | Bexiga Neurogénica 13-19 | Cateterização intermitente: aplicar guidelines | Técnica | Assética | |
Limpa | |||||
Tipos | Auto cateterização | ||||
Cateterização assistida | |||||
Seleção de cateteres | Descartáveis | ||||
Hidrofílicos/Gel | |||||
Diâmetro/ Comprimento/ Forma | |||||
Frequência das cateterizações | |||||
Volume vesical máximo sem lesão | |||||
Posicionamento para cateterizações | |||||
Controlar a Ingestão de líquidos | |||||
Realizar diário miccional | |||||
Interpretar resultados urodinâmicos | |||||
Vigiar complicações | Infeção do trato urinário | Prevenção | Higiene das mãos | ||
Cuidados ao meato urinário | |||||
Cateterização intermitente | |||||
Cateter hidrofílico | |||||
Diagnóstico precoce | Alteração das características da urina | ||||
Febre | |||||
Incontinência | |||||
Diagnóstico diferencial | Infeção urinária | ||||
Bacteriúria | |||||
Tratamento | Antibioterapia empírica inicial | ||||
Antibioterapia dirigida | |||||
Sangramento uretral | |||||
Alterações da pele | |||||
Espasticidade do pavimento pélvico | |||||
Dor | |||||
Disreflexia autonómica | |||||
Ensinar e Treinar | Cateterização Intermitente | ||||
Micção reflexa | |||||
Reforço da musculatura pélvica | |||||
Medidas comportamentais | |||||
Gestão ambiente | |||||
Prevenção e gestão das complicações | |||||
Identificar barreiras ao programa | Acesso aos materiais em casa | ||||
Impossibilidade de sedestação | |||||
Função manual insuficiente | |||||
Espasticidade | |||||
Medo antecipatório | |||||
Manter o acompanhamento pós alta | |||||
Realizar formação regular à equipa de saúde | |||||
Intestino Neurogénico 20-23 | Avaliar função intestinal por escala | Faecal Incontinence Severity Index | |||
Knowles Constipation Questionnaire | |||||
Realizar treino intestinal | Educação comportamental | ||||
Regime alimentar | Suplementação fibra | ||||
Redução consumo de proteínas e gorduras | |||||
Ingestão hídrica | |||||
Regime Medicamentoso | |||||
Registo de dejeções | |||||
Massagem abdominal | |||||
Posições facilitadoras | |||||
Estimulação digital anal | |||||
Exercitação músculos abdominais | |||||
Treino de contração esfíncter anal | |||||
Biofeedback anorretal | |||||
Reconhecer o impacto na qualidade de vida | |||||
Considerar a opção por Colostomia | Aumento eficácia no autocuidado | ||||
Prevenção da sobrecarga do cuidador | |||||
Controlo de sintomas |
As alterações da mobilidade são realidade na população em estudo (Quadro 3). Foi possível encontrar sete artigos com foco específico nesta área, seis que abordam o treino funcional e um sobre prevenção de quedas. Utilizaram-se várias escalas de avaliação, com destaque para a MIF (Medida de Independência Funcional). São apresentadas guidelines para a função motora do membro superior e para a prevenção da lesão por sobreuso. O cicloergómetro estático é exposto como recurso para potenciar a recuperação da força dos membros inferiores. Dispositivos para o treino do ortostatismo e da marcha são utilizados, desde os mais simples andarilhos e canadianas até aos complexos exoesqueletos.
O controlo da dor e de sintomas como contraturas, fadiga e stress é expresso em 3 artigos. A gestão terapêutica é essencial para garantir o pleno envolvimento da pessoa com LM para a reabilitação intensiva. A massagem surge como uma alternativa válida e complementar ao regime medicamentoso.
Gestão da Mobilidade 24-34 | Treino funcional 24-31 | Avaliar força, equilíbrio e funcionalidade por escalas | Functional Independence Measure |
The Spinal Cord Injury Independence measure | |||
Barthel Index | |||
Motricity Index | |||
Jebsen Taylor Hand Function | |||
Nine Hole Peg Test | |||
Muscle Balance | |||
Medical Research Council | |||
Membro superior | Treinar atividades de vida diária (comer, pentear o cabelo ou lavar o rosto) baseado em realidade virtual | ||
Treinar tarefas com luva virtual (alcançar e largar objetos) | |||
Aplicar estratégias para preservar a função baseadas em guidelines | |||
Membro inferior | Realizar treino assistido ou passivo com cicloergómetro estático acoplado a cama de hospital ou posição sentado (assistido por estimulação elétrica funcional) | ||
Treinar o ortostatismo | Com recurso a exoesqueleto | ||
Adquirir força para erguer | |||
Utilizar estratégias para a marcha | Esteira com suporte de peso corporal | ||
Treino em solo | |||
Treino robótico estático | |||
Treino em exoesqueleto | |||
Utilizar auxiliares de marcha | Andarilho | ||
Walkers | |||
Canadianas | |||
Prevenir quedas | Programas de reabilitação específicos que melhorem o equilíbrio, a força muscular e a marcha | ||
Gestão da Dor, Contratura, Fadiga e Stress 32-34 | Recorrer a enfermeiro com formação específica em gestão da dor | ||
Gerir terapêutica para reduzir o consumo opioides | |||
Realizar massagem terapêutica | |||
Utilizar outras medidas não farmacológicas | Acupuntura | ||
Reflexologia | |||
Musicoterapia |
A gestão da integridade da pele (Quadro 4) evidencia cuidados de enfermagem relacionados com a prevenção, monitorização e tratamento de lesões por pressão, um evento frequente nas pessoas com LM. Dez artigos abordam esta temática. A relação entre a manutenção da integridade da pele e um correto aporte nutricional é reforçada. Foram apontadas medidas para a prevenção da desnutrição e para a necessidade garantir uma adequada provisão de refeições a esta população em dois estudos desta revisão.
Gestão da Integridade da pele 15,35-43 | Úlceras de pressão 15,35-43 | Prevenir | Implementar de programa específico para a prevenção | |
Avaliação do paciente na admissão | ||||
Avaliar risco de úlcera de pressão (UP) por escala | Braden | |||
Norton | ||||
Waterlow | ||||
Regularidade na vigilância da pele e na monitorização do risco | ||||
Previsão de UP através avaliação da pele com espectroscopia | ||||
Reconhecer as melhores práticas | ||||
Ensinar e treinar | Alternância de posicionamento | |||
Cuidados à pele | ||||
Programa de aumento de autoeficácia no autocuidado | ||||
Identificar a necessidade e providenciar produtos de apoio | Colchões e almofadas | |||
Cadeiras de rodas reclináveis | ||||
Cadeira de rodas motorizada modificada para a posição de pronação - promover mobilidade sem prejudicar cicatrização de UP isquiática | ||||
Monitorizar feridas | Traçado digitalizado | |||
Fotografia digital | ||||
Ferramenta de avaliação da cicatrização | ||||
Tratar feridas | Fórmula de ervas chinesa | |||
Promoção da cicatrização com ultrassom e estimulação elétrica | ||||
Prevenção malnutrição (44, 45) | Avaliar estado nutricional por escala | Malnutrition Universal Screening Tool | ||
Garantir suporte nutricional | ||||
Administrar suplementos nutricionais orais/vitamínicos | ||||
Supervisionar refeições | Atender à quantidade, qualidade e apresentação dos alimentos |
Dois estudos abordaram a sexualidade durante primeiro ano após a LM (Quadro 5) nomeadamente num programa multiprofissional de intervenção precoce em saúde sexual. Questões relacionadas com a LM, com a história sexual prévia, com a fertilidade e contraceção, com as características pessoais e culturais, devem ser consideradas no planeamento de cuidados. A intervenção deve ser baseada nas guidelines internacionais, podendo associar o regime medicamentoso, a utilização de dispositivos e formas alternativas de promover experiências sexuais construtivas. É ainda apresentado o impacto da sexualidade na qualidade de vida, na esperança e nas expectativas para o futuro.
Gestão da Sexualidade 46,47 | Avaliar a função sexual por escala | Pavlovich Sexuality Questionnaire | |
Atender | História sexual prévia | ||
Impulso e interesse sexual | |||
Capacidade para a função sexual | |||
Fertilidade e contraceção | |||
Influência dos fatores associados à LM | |||
Questões psicológicas emocionais e culturais | Crenças sobre a sexualidade | ||
Autoimagem | |||
Autoestima | |||
Parceiro sexual | |||
Intervir em saúde sexual | Equipa multidisciplinar com formação | ||
Aplicar guidelines | |||
Recorrer a técnicas comunicacionais | |||
Garantir intimidade | |||
Gerir regime medicamentoso | |||
Recomendar a utilização de dispositivos | |||
Ajudar a identificar estratégias adaptativas para promover experiências sexuais construtivas. | |||
Iniciar programa na fase aguda, mantendo follow up na fase subaguda e crónica da LM | |||
Reconhecer o impacto na qualidade de vida, na esperança e nas expetativas para o futuro |
Intervenções promotoras de bem-estar psicológico (Quadro 6) são encontradas em 16 estudos desta revisão, constituindo a categoria mais representativa. A depressão, a ansiedade, o stress pós-traumático e a disfunção cognitiva podem presentes no primeiro ano após LM e interferir com os programas de reabilitação intensivos. Manter a esperança e o bem-estar espiritual é importante para a saúde mental. Planear a alta, agilizar o regresso a casa e promover a autoeficácia, são fatores positivos. O acesso a reabilitação especializada promotora de mobilidade e independência tem um bom impacto, no entanto é sugerido que programas de apoio psicossocial surjam simultâneos aos programas de reabilitação funcional, de forma a potenciar o bem-estar psicológico.
Gestão do bem-estar psicológico 15,26,48-61 | Reconhecer o risco de transtorno depressivo em pessoas com LM | |
Identificar o stress pós-traumático | Avaliação por escala PTSD Checklist Specific Stress Version (PCL-S) | |
Deteção precoce de sintomas em pessoas com LM traumática | ||
Considerar a disfunção cognitiva | Avaliação por escala Mini Mental State Examination | |
Aplicação testes neuropsicológicos específicos | ||
Impacto num programa de reabilitação intensivo em fase subaguda da LM | ||
Determinar bem-estar espiritual | Através de escala FACIT - Spiritual well-being Scale | |
Manter esperança no futuro | Considerar que nas pessoas com compressão medular metastática a incerteza da evolução da doença é um ponto positivo | |
Envolver a família | ||
Agilizar o regresso a casa | ||
Incentivar a participação social | ||
Reduzir a ansiedade na transição para casa | Preparar a alta | |
Ensinar sobre cuidados domésticos | ||
Orientar para a adaptação do domicílio | ||
Ajudar a identificar recursos sociais | ||
Desenvolver programas de apoio psicossocial | Simultâneos a programas de reabilitação funcional | |
Considerar as intervenções psicossociais na gestão de cuidados de enfermagem | ||
Programa de gestão de stress psicológico para pessoas com LM e cuidadores | ||
Programa de suporte orientado para o Cooping COSP | ||
Promover a autoeficácia | Facilitar o encorajamento por pares Programas de educação para a saúde | |
Considerar que o acesso a programas de reabilitação especializados promotores de mobilidade e independência tem impacto positivo na saúde mental | ||
Consciencializar os profissionais para uma abordagem holística e para uma relação empática |
Questões relacionadas com a segurança do contexto de cuidados, são abordadas em dois estudos e formam a categoria - Promoção de Ambiente Seguro (Quadro 7). A prevenção e a redução do número de quedas são analisadas e constituem indicadores da qualidade de cuidados. Foi possível reduzir o risco associado ao ambiente, mas também reduzir o risco associado à pessoa com programas de treino específico e o ajuste de alguma medicação. A prevenção de infeção contribui também para um ambiente seguro, pelo que se deve promover uma cultura institucional de que o controlo de infeção é responsabilidade de todos. É apresentada uma bundle para a prevenção de infeção associada ao Staphylococcus Aureus Resistente à Meticilina (MRSA).
Promoção de ambiente seguro 31,62 | Prevenção de Quedas 31 | Avaliar risco de queda por escala | Escala de Morse |
Reconhecer maior risco de queda | Em pessoas com baixos níveis funcionais | ||
Implementação de programa multidisciplinar coordenado por enfermeiro | |||
Reduzir risco associado ao ambiente | Enfermarias e quartos organizados | ||
Campainhas, telefones e comandos ao alcance | |||
Calçado antiderrapante | |||
Ajuda na transferência e deambulação | |||
Deslocações ao WC de 2 em e horas | |||
Pessoas com alto risco de queda mais próximas sala de enfermagem | |||
Alarmes e sensores de movimento junto às camas e cadeiras de rodas que sinalizam tentativas de levante | |||
Reduzir risco associado à pessoa | Programa de reabilitação específicos que melhorem o equilíbrio, a força muscular e a marcha | ||
Redução da medicação sedativa, narcótica, antipsicótica e a associada à hipotensão ortostática | |||
Ensinar sobre prevenção de quedas | Pessoa com LM | ||
Familiares | |||
Funcionários | |||
Aderir a protocolos que promovem segurança do doente | |||
Considerar a redução das quedas como um indicador de qualidade de cuidados | |||
Prevenção de infeção (62) | Implementar bundle | Pesquisa nasal de Staphylococcus Aureus Resistente à Meticilina na admissão | |
Precauções de contacto | |||
Higiene das mãos | |||
Promover cultura institucional de que o controlo de infeção é responsabilidade de todos |
O envolvimento dos cuidadores no tratamento e reabilitação desta população é possível verificar em cinco dos artigos analisados (Quadro 8). Evidenciam-se os processos de ensino e treino, no autocuidado e na prevenção de complicações. A promoção da resiliência e a avaliação da sobrecarga são intervenções destacadas.
Gestão da capacitação dos Cuidadores (56, 63-66) | Ensino e Treino | Autocuidado |
Prevenção complicações | ||
Potenciar habilidades/competências com recurso a simulador clínico | ||
Desenvolver programas | Avaliação da sobrecarga | |
Promoção da resiliência | ||
Reforço das habilidades interpessoais e comunicacionais | ||
Envolver na tomada de decisão e organização dos cuidados | ||
Dar apoio psicológico | ||
Identificação dos recursos sociais | ||
Planeamento da alta |
A alta hospitalar é discutida ao longo de sete artigos (Quadro 9). Foi possível perceber a importância do planeamento precoce, dos fatores influenciadores associados por exemplo ao tipo de LM, ao nível cognitivo e ao suporte familiar. É demonstrado que o acesso a programas de reabilitação especializados aumenta a probabilidade de regressar a casa. Identificaram-se também barreiras para a alta e as necessidades específicas dos cuidadores neste processo.
Planeamento da Alta Hospitalar 50,56,66-70 | Avaliação cognitiva pré-operatória | Através de escala Saint Louis University mental status |
Atender que um baixo nível cognitivo corresponde a menor probabilidade de regresso a casa | ||
Reconhecer precocemente o provável destino à data da alta | De acordo com o tipo/nível de LM | |
Ao avaliar o suporte familiar e comunitário | ||
Considerar que o acesso a programas de reabilitação especializados aumenta a probabilidade de regressar a casa | ||
Identificar barreiras para a alta | Falta de financiamento para cuidadores, modificações em casa e aquisição de equipamentos | |
Tempo de espera para vaga em lar ou outra instituição | ||
Envolver o cuidador na preparação para a alta | Enfatizar comunicação | |
identificar as suas necessidades específicas | ||
Reduzir a ansiedade na transição para casa | Ensinar sobre cuidados domésticos | |
Orientar para a adaptação do domicílio | ||
Ajudar a identificar recursos sociais |
Durante o internamento hospitalar e no sentido da capacitação da pessoa com LM, familiares e cuidadores, utilizaram-se diferentes estratégias de educação para a saúde, descritas em treze dos estudos em análise (Quadro 10). O ensino individualizado, os workshops, o aconselhamento por pares, a utilização de simuladores, são alguns dos recursos utilizados. As temáticas são diversificadas, mas abordam sobretudo o treino de autocuidado, a gestão de complicações e o regime terapêutico.
Educação para a saúde 15,39,60,64,71-79 | Alvo | Pessoa com LM |
Familiares | ||
Cuidadores | ||
Temáticas | Autocuidado | |
Bexiga | ||
Intestino | ||
Pele | ||
Sexualidade | ||
Ventilação e tosse | ||
Alimentação saudável | ||
Mobilidade | ||
Atividade física | ||
Segurança; prevenção de quedas | ||
Dor | ||
Disreflexia autonómica | ||
Tromboembolismo venoso | ||
Diabetes | ||
Fatores de risco cardiovasculares | ||
Prevenção de fraturas | ||
Anatomia da coluna vertebral | ||
Regime terapêutico | ||
Planeamento da alta | ||
Integração na comunidade | ||
Estratégias | Ensino individualizado | |
Treino de habilidades | ||
Aulas de grupo - discussão entre participantes | ||
Workshops | ||
Grupos de pares | ||
Folhetos informativos | ||
Cartazes | ||
Vídeos | ||
Animação em computador | ||
Aconselhamento por telefone | ||
Modelos anatómicos | ||
Simulador para cuidadores | ||
Unidades de controlo ambiental |
DISCUSSÃO
A presente revisão tipo scoping identificou produção científica relevante na área dos cuidados à pessoa com LM em fase aguda e subaguda, com maior destaque em anos recentes - 2017/2018, sendo os Estados Unidos o país com mais estudos publicados. Este país também se evidenciou por apresentar diversos centros especializados de atendimento à pessoa com LM, organizados em rede, fornecendo serviços integrados, abrangentes para responder às necessidades específicas dos veteranos de guerra portadores de LM79.
A existência de centros dedicados é promovida pela Spinal Injuries Association, que afirma ser do interesse de todas as pessoas com LM a avaliação e tratamento precoce por especialistas em coluna vertebral, pois nestes locais encontra-se experiência, recursos humanos especializados e equipamento adequado, sendo possível fornecer o melhor tratamento médico, os cuidados de enfermagem mais dirigidos e o trabalho de reabilitação mais eficaz2. Neste estudo, os hospitais especializados em LM, foram os protagonistas no tratamento da pessoa com LM. Em Portugal, esta realidade não existe, apesar da prestação de cuidados em hospitais especializados em LM ser uma realidade em muitos países como Espanha, Itália, Reino Unido, EUA, Canadá, China e Austrália.
Independentemente da causa, traumática ou não traumática, a LM é sempre um evento clínico complexo que traz mudanças significativas na condição de saúde das pessoas1. O cuidado à pessoa com LM envolve mais do que tratar apenas as consequências médicas e fisiológicas da lesão. Os serviços de reabilitação abrangentes incluem uma abordagem multidisciplinar altamente especializada que trata as questões médicas, fisiológicas, funcionais, mas também as psicológicas e sociais2,4,5. Todos os profissionais devem manter-se atualizados sobre os avanços no atendimento à LM em cada uma das suas respetivas disciplinas, para que o programa como um todo possa beneficiar com o que há de novo no conhecimento e na tecnologia5.
Ao longo da revisão foi possível identificar a importância da articulação dos diferentes profissionais de saúde para a implementação de intervenções capazes de suprir as necessidades exclusivas desta população. As intervenções de enfermagem abrangeram áreas relativas à gestão de sinais e sintomas e aos processos assistenciais, como o planeamento da alta, a gestão da capacitação do cuidador e promoção de ambiente seguro. Os enfermeiros participaram ainda em programas de educação para a saúde.
Relativamente à gestão da ventilação, compreende-se que o nível neurológico e a extensão da lesão, vão determinar diferentes repercussões na dinâmica ventilatória podendo a pessoa apresentar respiração paradoxal, aumento do gasto energético e fadiga, capacidade vital reduzida, hipoventilação, tosse ineficaz, acumulação de secreções, atelectasia e pneumonia1,3,4,11. Pessoas com LM alta podem precisar de traqueostomia, ventilação mecânica constante ou pace-maker diafragmático para manter a respiração adequada4,11,12. A recuperação parcial do desempenho dos músculos respiratórios tende a acontecer espontaneamente4, permitindo iniciar protocolos de desmane ventilatório e de encerramento de traqueostoma11. Os programas de reabilitação respiratória incluem a utilização de técnicas de cinesiterapia para a limpeza das vias áreas e treino músculos inspiratórios3,11, considerando a utilização dispositivos como cough assist, high frequency chest wall oscillation e threshold11. O impacto dos problemas de deglutição na função ventilatória em pessoas com LM cervical aguda deve ser apreciado4,11. Uma série de fatores aumenta o risco de disfagia nestes doentes, incluindo a necessidade de traqueostomia, ventilação mecânica, colar cervical, sonda nasogástrica, tipo de cirurgia e qualquer lesão cerebral adicional4. A avaliação sistemática da deglutição, higiene oral frequente e programas de treino de deglutição devem ser implementados4,11. A vacinação antipneumocócita e antiinfluenza é recomendada e está associada à prevenção futura de complicações respiratórias11.
A disfunção neurogénica da bexiga representa uma ameaça significativa à qualidade de vida da pessoa com LM. Incontinência e retenção urinária, infeção do trato urinário de repetição, cálculos renais, hidronefrose e insuficiência renal são complicações associadas14. O nível e a gravidade da lesão vão determinar o comportamento da bexiga. Uma das etapas mais fundamentais após a LM é o controlo da bexiga, no entanto não existe um programa único, que funcione bem em todos os doentes. A escolha do método mais indicado está dependente de fatores como habilidades motoras e cognitivas, condição anatómica do trato urinário inferior, estilo de vida e acesso a profissionais de saúde2-4,14. Um programa de reeducação tem como objetivos permitir o esvaziamento regular da bexiga, a continência e evitar complicações como infeção urinária ou perda da função renal. O cateterismo uretral intermitente é considerado o tratamento de eleição para a disfunção neurogénica da bexiga2-4,13-15,17-19. É um método que permite o esvaziamento vesical periódico, em intervalos de rotina, por meio da introdução de um cateter pela uretra. Pode ser indicado em qualquer idade, usado temporária ou permanentemente e realizado de forma estéril ou limpo (3,14,16. É um recurso seguro que melhora a autoestima da pessoa, provoca reeducação urinária e favorece estímulos à micção espontânea16. A utilização de resultados urodinâmicos permite definir objetivamente todo o programa reeducação vesical18. Alguns estudos revelam uma grande heterogeneidade no procedimento de cateterismo intermitente14,16,17. A aplicação de guidelines é essencial para padronizar o procedimento e reduzir e complicações associadas14.
A infeção urinária é a complicação secundária mais comum após LM e uma causa frequente de interrupção dos programas de reabilitação em doentes internados. A presença simultânea de urina turva e com odor fétido é uma dado importante para o diagnóstico precoce de infeção urinária entre pessoas com LM13. A cateterização intermitente, a utilização de cateteres hidrofílicos e a higiene das mãos estão associadas a uma prevenção efetiva de infeção urinária entre pessoas com LM.
O intestino neurogénico é uma complicação que ocorre em cerca de 70% a 80% das pessoas com LM22 que pode manifestar-se por distensão abdominal, obstipação, defecação prolongada e incontinência fecal. O medo de uma possível incontinência intestinal, tem também um grande impacto sobre a capacidade da pessoa retornar aos antigos papéis e as atividades sociais1). Um programa de treino deve ser precocemente instituído, de forma a permitir uma eliminação intestinal regular, prevenir episódios de incontinência, melhorar o autocuidado e assim a qualidade de vida da pessoa com LM1,3). A categoria gestão do intestino neurogénico tem associadas uma diversidade de intervenções para regularizar a função intestinal, como a administração de laxantes, o reforço hídrico, o regime alimentar suplementado em fibras, a utilização de posições facilitadoras, a massagem abdominal, a estimulação digital anal, a exercitação músculos abdominais e treino de contração esfíncter anal1,3,22. O biofeedback anorretal foi considerado um recurso para potenciar a continência intestinal em pessoas com LM incompleta21. Apesar da revisão se focar na fase aguda da lesão, não se encontraram artigos que abordassem situações relacionadas com íleo paralítico, descritas na literatura como comuns nesta etapa4. A realização de colostomia, foi um dado relevante desta revisão. Embora não sendo uma opção de primeira linha, teve influência no autocuidado e qualidade de vida da pessoa com LM20.
Pelo impacto que tem sobre a funcionalidade da pessoa com LM, é natural que um dos grandes alvos da intervenção de enfermagem de reabilitação seja a gestão da mobilidade (6. No período inicial após a LM, a combinação da paralisia flácida durante o choque medular, o períodos de repouso no leito e a consequente diminuição da atividade física, causa atrofia rápida do tecido muscular esquelético, pode atrasar os resultados funcionais27. Um programa de posicionamentos e mobilizações deve ser estabelecido de modo individualizado, adaptado e planeado atendendo ao tipo de LM, à instabilidade ou fixação vertebral, à presença de choque medular, de espasticidade, dor, contraturas e outras lesões associadas (3. Mobilizações passivas são executadas para prevenir contraturas e redução da amplitude articular. Os exercícios isométricos, os exercícios ativos ou ativos assistidos devem ser realizados, mesmo antes da indicação de levante3). Nesta revisão conseguiu-se perceber vantagem de realizar treino assistido ou passivo com cicloergómetro estático acoplado a cama ou cadeira de hospital combinado com estimulação elétrica funcional, para a redução da atrofia muscular dos membros inferiores27. Nos doentes paraplégicos, o reforço muscular dos membros superiores é também importante, particularmente o tríceps braquial, para o treino de transferência (1,80. Estas pessoas, para compensarem a perda de função dos membros inferiores, enfrentam um aumento dos desafios biomecânicos do membro superior, sujeitando-se a lesões e disfunções por sobreuso, recomendando-se desde a fase aguda, a utilização de guidelines para preservar a função29.
A tolerância ao ortostatismo deve ser trabalhada em plano inclinado e preceder a qualquer treino de marcha1,3,4,80. Muitas das pessoas com LM estão dependentes de cadeira de rodas para deambulação, no entanto, a postura ereta e a marcha são frequentemente objetivos prioritários30. Estratégias convencionais de treino locomotor como esteira com suporte de peso corporal e o treino em solo são utilizadas para este fim. Em contexto de reabilitação intensiva, é já possível a utilização de dispositivos robóticos e de exoesqueletos para o treino de marcha1,28,30, com reconhecida efetividade.
Na reabilitação, uma quantidade considerável de prática e repetições são necessárias para induzir alterações neuroplásticas e a recuperação funcional de déficits motores neurológicos. A utilização de luva virtual em pessoas com LM, oferece a possibilidade de obtenção de dados objetivos para proporcionar treino adaptado às habilidades motoras de cada um. A adição de feedback visual, auditivo e vibro tátil cria um ambiente mais realista para os utilizadores, permitindo experimentar como um objeto virtual se move e responde à interação. A utilização da luva virtual para treino de atividades de vida diária produz maior motivação, adesão, facilita a compreensão dos exercícios e evidencia o progresso, com o objetivo de se atingir a máxima autonomia possível25.
Relativamente ao controlo de sintomas, a dor teve maior destaque. A literatura evidencia a ideia de que a dor após a LM é subvalorizada, referindo que alguns profissionais ainda pensam que o facto da pessoa estar paralisada não a vai fazer sentir dor4). A dor, nociceptiva ou neuropática, demonstrou ser uma das queixas mais sérias e incapacitantes após LM, constituindo, não apenas um problema em si, mas contibuindo para outras condições, como estados de humor negativos, depressão, ansiedade, insónia e má qualidade do sono e estes por sua vez, podendo interferir na participação da reabilitação e no bem-estar geral (33,34. Para o tratamento da dor na pessoa com LM é necessário recorrer a um tratamento multimodal, com variedade de abordagens farmacológicas e não farmacológicas4,34. Equilibrar a necessidade do doente se envolver cognitivamente e fisicamente com atividades de reabilitação e os efeitos colaterais do tratamento farmacológico, é um desafio para a equipa de saúde32,34. Programas de redução de opióides podem ser implementados com sucesso, envolvendo profissionais com formação específica em dor e gestão terapeutica, em contextos de reabilitação da pessoa com LM 34. A massagem surge como uma terapia eficaz para controlo de sintomas destes doentes, mesmo na fase aguda 32,33.
A gestão da integridade da pele é outro ponto importante no cuidado à pessoa com LM. Estima-se que 15% das pessoas com LM traumática vão desenvolver pelo menos uma UP durante o internamento em cuidados agudos (36. As UP são uma das principais causas de morbilidade, com um impacto significativo na saúde física e mental, na funcionalidade, nas questões económicas, nas relações sociais e na qualidade de vida da pessoa com LM 1,36. Considerando o impacto substancial das lesões por pressão em pessoas com LM e sendo uma grande parte das UP evitáveis, foram desenvolvidas guidelines que recomendam a detecção precoce e a implementação de programa de prevenção estruturado4,36,42).
A inspeção da regular pele, deve ser um cuidado ao longo de todo o internamento. Lesões como escoriações e hematomas devem ser registadas4. A determinação de risco pode ser realizada com auxílio de ferramentas como as escalas de Braden, Norton ou Waterlow37. A espectroscopia é uma tecnica diagnóstica que pode ser utilizada para a detecção precoce de lesão tecidular e de previsão de UP em pele intacta e em eritema não branqueável37. A alternância regular de decúbitos está recomendada, mantendo-se o alinhamento corporal4,42,80. Logo que a condição clínica o permita, o decúbito ventral deve ser incentivado e o treino de posicionamento no leito iniciado. A limpeza e hidratação da pele, tendo especial atenção à gestão da incontinência, a utilização de equipamentos certificados para redistribuição de pressão, como almofadas e colchões está também indicada1,4,42. O ensino e o treino à pessoa, família e cuidador são essenciais, pois o risco de UP acompanha a pessoa com LM ao longo da vida1,36,42.
Quando a prevenção não é suficiente e a lesão por pressão surge, é necessário criar condições para uma rápida cicatrização, reduzindo o impacto sobre a qualidade de vida da pessoa com LM. Nesta revisão foi incluido um estudo que documenta a modificação uma de cadeira de rodas motorizada para a posição de pronação, de forma a promover mobilidade sem prejudicar cicatrização de UP isquiática35. O traçado digitalizado e a fotografia digital são métodos utilizados para medição da área das UP e aferir a taxa de cicatrização. A redução do tamanho é comumente usado para determinar se o plano de cuidados é apropriado para uma ferida específica. Uma redução de 30% na área da superfície da UP ao longo de um período de 3 a 4 semanas é considerada por alguns autotres, um ponto de referência38). Para o tratamento das UP, foram utilizados recursos alternativos, como uma fórmula tradicional chinesa à base de ervas40 e equipamento ultrassom e de estimulação elétrica41, com bons resultados.
A adoção de estratégias abrangentes de prevenção de UP em pessoas com LM aguda prevê a avaliação inicial e regular do estado nutricional e a ingestão adequada de nutrientes para as necessidades individuais1,42.A categoria necessidades nutricionais é pouco expressiva nesta revisão, no entanto estas questões devem ser tidas em conta, na pessoa com LM desde a fase aguda, uma vez que a desnutrição aumenta o risco de complicações, de declínio funcional e do tempo de internamento11,44. A LM aguda está frequentemente associada a catabolismo grave e depleção nutricional devido à perda de massa muscular e proteínas5. A prevalência da desnutrição entre pessoas com LM admitidas em Centros de Reabilitação é ainda superior quando comparado com os doentes internados em geral, indicando que a LM torna as pessoas particularmente vulneráveis a este nível44). Existe necessidade de criação de equipas especializadas na área da nutrição para estabelecer um plano dirigido, com suplementação proteica e energética, acompanhando a pessoa com LM ao longo de todo o internamento5,44,45. Neste estudo, a provisão das refeições, avaliada nos aspetos da apresentação dos alimentos, quantidade e qualidade, é também valorizada44.
A sexualidade, é parte integrante da vida, não pode ser excluída do processo de reabilitação ou adaptação à deficiência da pessoa com LM46. A necessidade de intervenção em saúde sexual é observada nesta revisão, embora com baixa expressão, revelando que questões relativas à sexualidade são tidas em conta logo na fase aguda da doença e que têm impacto na esperança e expectativas para o futuro46. Perante os desafios que a LM produz na vida, a saúde sexual pode ser facilmente negligenciada durante esta etapa inicial pois os doentes, famílias e profissionais de saúde concentram esforços na estabilização clínica e na recuperação da independência no autocuidado e na mobilidade. Esta situação priva as pessoas com LM de oportunidades de explorar, maximizar e melhorar a função sexual e o bem-estar sexual pós internamento47. A educação e o aconselhamento relacionados à sexualidade e fertilidade após a LM devem assim fazer parte de qualquer programa de reabilitação, numa abordagem multidisciplinar, com envolvimento do doente e respetivo parceiro1,5,46,47. Os profissionais de saúde devem fornecer educação com uma atitude positiva para o futuro, numa abordagem de desenvolvimento holística; o foco deve estar na imagem corporal, na auto-estima e nas questões de sexualidade específicas de Género5. O controle da função sexual implica atender às características físicas, psicossociais e culturais, às crenças, valores e atitudes pessoais1,5. A intervenção pode abranger o fornecimento de informação sobre posições para a prática sexual, tecnicas de compensação para a disfunção sensorial e a descoberta de novas zonas erógenas e gestão da incontinência. Contempla ainda a disponibilização de dispositivos auxiliares para excitação ou para melhorar o posicionamento, o tratamento da disfunção erétil e quando necessário possibilitar o acesso à fertilidade medicamente assistida46,47.
No período após LM, o doente e a família começam gradualmente a aperceber-se das suas limitações e vivenciam uma gama de emoções como a tristeza, a negação, o medo, a frustração ou raiva, próprias do inicio de um processo de ajustamento à nova condição1,3. O apoio psicológico e a informação com verdade sobre as perspetivas futuras não podem, em momento algum, ser negligenciados. A informação deve ser clara, objetiva, tendo em conta as características de cada pessoa3. As boas relações e a empatia entre profissionais e doentes devem ser valorizadas, uma vez que incompatibilidades e conflitos aumentam a possibilidade da pessoa com LM assumir um papel passivo na sua reabilitação3,51. As competências de comunicação são essenciais entre os profissionais de saúde que trabalham com esta população. Um estudo incluido nesta revisão refere que os doentes percepcionam a importância de uma abordagem holística do cuidado, juntamente com a necessidade de superar as barreiras entre as áreas profissionais para criar um ambiente terapêutico, que possibilite à pessoa com LM voltar a ter uma “vida que valha a pena ser vivida”51.
A depressão é uma condição de saúde mental, à qual as pessoas com LM são particularmente vulneráveis na fase pós-lesão1,3,61. Um estudo incluido nesta revisão demonstrou um aumento substancial da prevalência do diagnóstico de transtorno depressivo major em pessoas pós LM, quando comparado à restante população61. Manifesta-se por sentimentos de culpa e de inferioridade, baixa autoestima, apatia e desmotivação3 e está associada a menores resultados funcionais, mais complicações e maior tempo de internamento1. O sexo feminino, o nível de mobilidade, o índice de gravidade da lesão, a condição de saúde mental prévia e o emprego foram identificados como preditores de depressão pós LM61. Após a assunção da perda de capacidades físicas, surge sempre uma grande tristeza. No entanto, a tristeza nem sempre é depressão3. A depressão não pode ser encarada como uma como uma consequência natural da LM e tratada de forma inadequada3. É conhecido o efeito da depressão sobre o desempenho cognitivo. Pessoas com LM em fase subaguda apresentam disfunção cognitiva, que tende a piorar com o tempo58. Um estudo desta revisão encontrou nesta população alterações no domínio da atenção, velocidade de processamento, funções executivas, memória e aprendizagem. A disfunção cognitiva pode interferir na primeira etapa da reabilitação, a mais intensiva e importante. Ao persistir, pode afetar a qualidade de vida da pessoa com LM e sua possível integração à sociedade58. O stress pós traumático foi também prevalente em pessoas com LM por trauma, reconhecido já nas fases iniciais pós lesão. Pode manifestar-se por exemplo por entropecimento emocional, amnésia, evasão, excitação, disturbios de sono e ansiedade. Torna-se importante que os enfermeiros reconheçam e monitorizem os sintomas para orientar para o tratamento adequado61.
Intervenções psicossociais que visam o aprimoramento de estratégias de cooping adaptativo, apresentam efeitos positivos sobre a autoeficácia em pessoas com LM55. A implementação de programas estruturados de atenção psicossocial foram responsáveis por aumentar a satisfação com a vida e o bem-estar das pessoas, após a LM53,54. O direito a uma vida independente é um ponto chave da reabilitação, sendo para tal necessário, o desenvolvimento de programas que conjugem a restauração funcional, à inclusão e participação social49.
Relativamente à segurança do ambiente, as infeções associadas a cuidados de saúde e o aumento da resistência dos microrganismos aos antimicrobianos são problemas de importância crescente, que nenhuma instituição prestadora de cuidados de saúde pode ignorar. As IACS aumentam a morbilidade e a mortalidade, prolongam os internamentos e agravam os custos em saúde. Entre pessoas com LM, o microrganismo mais isolado foi o MRSA62. A vigilância universal, as precauções de contato, a higiene das mãos e uma mudança de cultura institucional, onde o controlo de infeção é responsabilidade de todos, foram associados a declínios significativos por MRSA em ambientes com elevada prevalência de colonização e alto risco de infecção, como é o caso das unidades especializadas em LM2,62.
As quedas são também uma complicação frequente nas pessoas com LM em fase aguda associadas a condições como a fraqueza muscular, a perda de equilíbrio, a hipotensão ortostática, a incontinência, a depressão e a polimedicação31. Os défices propriocetivos e as alterações no padrão da marcha são causas de eventos de queda. O estudo incluído nesta revisão, demonstra que a taxa de quedas está inversamente relacionada com o nível de independência funcional e que pessoas com LM ou outros défices neurológicos apresentam risco de queda acrescido quando comparadas com as demais. Intervenções para redução de risco de queda devem incidir na segurança do ambiente, mas também constar de programas específicos que melhorem o equilíbrio, a força muscular e a marcha31.
A LM cria novas necessidades e prioridades na vida de uma família. A pessoa LM depende muitas vezes dos seus familiares para cuidados físicos, suporte emocional, apoio financeiro e contatos sociais. Assim, sua recuperação depende fortemente deste apoio da família, especialmente durante a fase inicial do período de recuperação, após a lesão64. O suporte da família e cuidadores sido descrito como benéfico para a pessoa com LM, promovendo a sua qualidade de vida e aumentando seu bem-estar. A dependência, a contínua prestação de cuidados pode ser desgastante, causadora de stress, ansiedade e depressão65,66). A incerteza sobre o futuro e a insegurança com os cuidados são fatores potenciadores de sobrecarga e exaustão65). O apoio psicológico é essencial para motivar as famílias para o novo e desafiante papel de cuidador63. Reconhecendo que cuidadores mais resilientes e satisfeitos são menos sujeitos à sobrecarga65, programas de ensino treino devem ser realizados63,64), explorando as particularidades do cuidado à pessoa com LM. Capacitar o cuidador, pressupõe que a equipa de saúde seja receptiva à sua participação na definição dos cuidados, de acordo com suas expectativas e necessidades, ainda durante o internamento hospitalar e independentemente da causa da hospitalização63. Este envolvimento permite um planeamento do alta atempado e um regresso a casa seguro, constituindo um passo significativo no caminho da reabilitação para a pessoa com LM e seus cuidadores informais66.
Voltar para casa é um dos grandes objetivos da pessoa com LM68. Se por um lado a reabilitação especializada maximiza função e a independência, aumentando esta possibilidade68,70, por outro, torna necessário a avaliação criteriosa do potencial de reabilitação da pessoa com LM. Doentes idosos com lesões completas, quase certamente permanecerão institucionalizados69). Pessoas com um nível cognitivo reduzido prévio, são menos propensas a regressar a casa67. Deve ser realizado um esforço inicial de triagem, para encontrar ambientes de reabilitação alternativos com tratamentos de menor intensidade69. Um atraso neste processo produz mais dias de internamento e aumento de custos para a saúde67.
A educação para a saúde da pessoa com LM, família e cuidadores, é parte integrante da reabilitação, assumindo uma importante área de atenção dos enfermeiros 60,71,76. Estratégias de educação adequadas durante a fase de reabilitação aguda são fundamentais para reduzir e prevenir complicações, otimizar a auto-gestão da doença, melhorar a funcionalidade, manter um estilo de vida saudável, e facilitar a integração da pessoa na comunidade15,60,72. No entanto, na fase inicial da lesão, a necessidade de a pessoa ter de se ajustar às consequências da LM, tanto físicas como emocionais, poderá comprometer a
capacidade para reter conhecimento e desenvolver competências77. Várias formas de ensino, disponíveis em diferentes formatos, tais como folhetos, pósteres, workshops, aulas de grupo, publicações on-line, são desenvolvidas para garantir o acesso a informações e atender a diferentes estilos de aprendizagem72. A simulação clínica é também considerada uma ferramenta de aprendizagem útil e eficiente para cuidadores de pessoas com LM, proporcionando a aquisição de inúmeras competências práticas64. A educação por pares tem-se apresentado como um importante recurso nos programas de reabilitação73,74,77. Os pares desempenham um papel importante no apoio à pessoa com LM, oferecem suporte emocional e proporcionam um contexto eficaz para a aprendizagem, aumentando o envolvimento na pessoa na educação77. A sua presença tem um impacto importante no bem-estar e na qualidade de vida de pessoas com LM recente74. O acesso a unidades de controlo ambiental, permite que o pessoa com LM, treine a interação com objetos do dia a dia, como luzes, cama ou televisão, com facilidade e eficácia, aumentando a independência e reduzindo a carga de trabalho da equipa de saúde78,79.
O ensino individualizado à pessoa com LM, sua família e cuidadores, na fase aguda da doença, fornece uma base sólida para reduzir complicações e maximizar o nível de funcionalidade e independência após a alta. Temáticas com elevado impacto para a reentrada na comunidade, como o controlo vesical ou intestinal e a manutenção da integridade da pele e mobilidade são frequentemente abordadas60,71.
CONCLUSÃO
O reconhecimento das necessidades de cuidados específicos à pessoa com LM é complexo, exige envolvimento e conhecimento especializado de diversos profissionais, capazes de implementar intervenções para maximizar os resultados de um programa de reabilitação. Com esta revisão foi possível definir áreas dominantes de cuidados à pessoa com LM em fase aguda, que se enquadram nas competências específicas do enfermeiro de reabilitação, como a gestão de sinais e sintomas, os processos assistenciais e a educação para a saúde. O enfermeiro de reabilitação atende às questões funcionais, psicológicas e sociais desempenhando um papel vital na integração dos cuidados, com impacto relevante nos percursos da autonomia da pessoa com LM e cuidadores.
Uma limitação do estudo, prende-se com o facto ter sido definido um limite temporal de dez anos, o qual gerou uma quanti dade substancial de informação, que requereu mais tempo do que previsto inicialmente, para organizar e analisar.
Esta revisão permitiu reunir e sintetizar um conjunto de informa ção relativa ao cuidado à pessoa com LM em fase aguda e subaguda, constituindo uma ferramenta útil, passível de ser utilizada pelo Enfermeiro de Reabilitação na sua prática clínica. Constituindo-se um estudo preliminar, serve também de ponto de partida para um estudo secundário, posterior, onde se vai procurar perceber qual a representatividade dos modelos teóricos de enfermagem neste contexto e nesta população.
A OMS reitera a mensagem de transformar a LM de uma ameaça para uma oportunidade e que é possível prevenir e sobreviver à LM. Garantir uma resposta de tratamento onde se inclui reabilitação adequada e atempada, ainda na fase aguda, seguida por serviços de apoio e ambientes acessíveis, ajudarão a minimizar a interrupção dos projetos de vida das pessoas com LM e suas famílias. O enfermeiro de reabilitação tem um papel a cumprir. A LM não tem que impedir a saúde nem a inclusão social.